Nesta madrugada, deu-me para ler algumas páginas da biografia de Winston Churchill, de Martin Gilbert. Vi o livro em casa de uns amigos onde fui jantar e pedi-o de empréstimo, para verificar uns factos. (Não obstante ter trazido bastantes livros para férias, não resisti a pedir mais um de empréstimo!)
Na obra, nos capítulos que me interessavam, constatei que surgem várias menções a Bletchley Park, o mítico local onde, durante a Segunda Guerra Mundial, funcionou uma celebrada estrutura de descriptagem das mensagens alemãs, que terá dado um importante contributo para a vitória aliada. O local, dependente do famoso MI5 (serviço de contraespionagem), manteve-se fechado durante décadas.
Um dia de 1994, quando estava colocado na nossa embaixada em Londres, li anunciado, numa discreta notícia num jornal, que, a partir desse fim de semana, Bletchley Park passava a ser visitável. Dias depois, lá fomos nós.
Bletchley Park fica a umas dezenas de quilómetros de Londres, a sul de Milton Keynes. À entrada da propriedade, fomos informados de que o espaço, infelizmente, não era ainda visitável. Dei da conta da minha estranheza: via algumas outras pessoas a entrar e não percebia por que razão nós não podíamos integrar esse grupo. Expliquei que era diplomata português, que vira a notícia da abertura na imprensa e que, precisamente por isso, tínhamos vindo expressamente de Londres.
Notei algum embaraço no pessoal da portaria. Um deles chegou a dizer que a abertura ainda não era para o “público em geral”. Fiquei intrigado e mantive a minha insistência. Depois de minutos de parlamentação e de alguns contactos telefónicos que vi fazerem, autorizaram-nos a entrar, num registo que me pareceu ser de alguma exceção.
Fomos integrados num grupo de menos de duas dezenas de pessoas. Não havia, disseram, qualquer custo de ingresso. Como, em Inglaterra, se paga para entrar em qualquer sítio, tudo aquilo soava a estranho. Mas lá fomos. A visita foi extremamente interessante, com uma guia que nada tinha de profissional de turismo e, claramente, conhecia o assunto da casa em grande profundidade.
Ficou evidente que, tal como a notícia do jornal referia, aquele era, de facto, o primeiro dia, desde a Segunda Guerra, em que o local era visitável. Nós estávamos radiantes por ter tido aquela experiência, tanto mais que, visivelmente, éramos os únicos estrangeiros no grupo.
Tínhamos notado, aliás, da parte dos restantes visitantes, alguma curiosidade a nosso respeito. No caminho da saída, um casal, não resistindo a essa curiosidade, perguntou-nos: "What's your link with the British intelligence community?" Expliquei que não tínhamos a mais leve relação com os serviços de informações britânicos (nem portugueses, já agora!) e expliquei que era apenas um diplomata português colocado no Reino Unido, ali movido por um interesse histórico.
Os nossos interlocutores mostraram então o seu espanto: é que, tanto quanto tinham sido informados, no primeiro mês, o acesso a Bletchley Park estava exclusivamente reservado a membros dos "British special services", e respetivas famílias, como, confessaram, era o seu caso.
Sem o sabermos, pela nossa teimosa insistência, somada à simpatia de quem nos acolheu, tínhamos “infiltrado” um grupo de gente ligada ao MI 5, a contraespionagem britânica. Ele há cada coisa na vida!
Ao ver, às vezes, documentários ou obras de ficção assentes na história do local, vem-me à memória essa visita. Constato que, nos dias de hoje, Bletchley Park é uma atração bem acessível, como se pode ver aqui: https://bletchleypark.org.uk/see-do/explore/
3 comentários:
Bletchley Park foi um local extraordinário. Uma rede de organizações e uma comunidade de cientistas de diversas áreas que confluíram de forma inovadora num momento histórico único e transformaram a forma como os serviços de ‘intelligence’ operam.
A exposição actual é muito interessante e penso que em si também inovadora na forma como envolve o público.
Alan Turing.
Para um apreciador das aventuras de Blake e Mortimer, como sei que o Embaixador é, Bletchley Park é uma referência.
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