segunda-feira, novembro 16, 2020

A ver se

Quando vivia em Brasília, havia um empregado na residência, o excelente Romário, que tinha por atitude fazer, de imediato, tudo o que se lhe pedia para ser feito. “Ó Romário, quando puder, compre pilhas para os comandos da televisão”, um de nós dizia-lhe. Minutos depois, era certo e sabido, ouvia-se o ruído da carrinha: era o Romário, a caminho da Quadra comercial. E as pilhas lá surgiam. Um dia, perguntei-lhe por que procedia assim: “Para não ficar preocupado com nada, senhor embaixador”. 

Quando, cá por casa, andamos dias para comprar alguma coisa, a frase clássica é: “Se fosse o Romário, já estava feito!”.

Nunca consegui ser assim, como o Romário. Pouca gente consegue, aliás. Na minha família, ouvi sempre uma expressão que traduzia a vontade de só fazer amanhã o que já devia estar feito ontem. Era o “a ver se”. Volta e meia, perante o chiar de uma porta, um de nós dizia: “A ver se se põe um pingo de óleo naquela corda da roupa”. Ou o “a ver se se compram envelopes cá para casa”. O mais clássico é o “a ver se um destes dias telefonamos a... “ Como quase cinco décadas de casal já nos aculturaram mutuamente, estamos bem um para o outro, ambos “a ver se“ esse outro faz as coisas.

O “a ver se” é sempre um voto piedoso que, ao mesmo tempo que nos confere o meritório crédito de ter tido a consciência da existência de um problema, “passa a bola” da respetiva resolução para uma entidade indefinida. Desejavelmente, não nós.

Mas o “a ver se” também tem outra aplicação. Ajuda a procrastinar - um verbo que eu adoro praticar mas que detesto ter de assumir que sigo cada vez mais.

Há horas, o tal Ventura parece que deu uma entrevista à TVI. Não me apeteceu ver em direto. Aliás, não me apeteceu sequer ver hoje. Vou ler o que vai surgir nas redes sociais e na imprensa de amanhã sobre o assunto e, depois, com a calma que ter televisão por cabo permite, talvez amanhã (mas não é garantido) voltarei atrás. 

Um amigo, daqueles que vê telejornais em direto (a maioria vê, eu só por muito raro acaso) telefonou-me, há pouco: “Viste o facho?”. Respondi: “Não, não vi. A ver se amanhã arranjo tempo para isso...”

10 comentários:

AV disse...

Excelente. Em relação ao insuportável facho, para mim será um permanente ‘a ver se’. Não o consigo ouvir. É visceral.

Anónimo disse...

A ver se algum dia alguém consegue ter uma conversa séria sobre o "facho" e explicar porque razão ele o é.

Luís Lavoura disse...

Mas para que quer o Francisco ouvir a entrevista do Ventura? Para quê???
Se o Francisco, tal como eu, tem má opinião do Ventura, se não tenciona em caso algum votar nele, então, não perca tempo a ver o homem!

Anónimo disse...

Ao anónimo das 07:07. O Ventura é facho porque quer. Essa teoria que os “maus”, fachos, ladroes ou assassinos por causa de outrem, normalmente o Estado que nos alija de qualquer responsabilidade, é o melhor que há. A culpa é sempre dos outros. Assim se vive bem. A culpa do Goulag é do Stalin, a do holocausto é do Hitler, etc.
Fernando Neves

Anónimo disse...

A ver se arranjo tempo para não ver.

Anónimo disse...

Acho que o Sr. Embaixador não deve ver, só serve para perder tempo. E porquê? Porque aquilo não é uma entrevista, pretende ser um julgamento do Miguel Sousa Tavares da dita figura, com resteiras e àpartes. Ou seja, fica-se sem se saber verdadeiramente o que o Ventura quer porque o Tavares não deixa falar. O homem ainda tentou duas vezes explicar o que estava mal na justiça mas por duas vezes foi interrompido pelo Sousa Tavares, que, pressupondo que ele ia falar da vergonha das penas, logo tratou de lhe pôr uma rolha. Ou seja: esta gente de esquerda, marcada pela intolerância, merece bem um André Ventura, um "big" Ventura, como, aliás, vão ter.

Anónimo disse...

O douto Lavora está para os partidos como estará para os clubes de futebol. Um gajo "nase" para um clube e nunca mais muda. É que, a não ser assim, o interesse está, mesmo, em ouvir os outros. Caso contrário, um tipo nunca muda de opinião.

Anónimo disse...

Sobre a justiça o Ventura disse qualquer coisa "se for eu mandar acabava-se essa vergonha de não sei quem que cometeu o crime X estar cá fora ao fim de 7 anos."
Outros dirão que o problema da justiça é exactamente o oposto: justicialismo, excesso de prisões, e sei lá mais o quê!
Tudo isto é inútil, uma perda de tempo, "eu acho", "tu achas", etc.
Debata-se um tema, qualquer um, com seriedade e competência, é dizer, por quem saiba do assunto

Anónimo disse...

Ah "ganda" Neves! Percebe-se mal o seu comentário mas fica-se com a ideia de que está a falar daquele tipo de desresponsabilização típica da malta de esquerda: "'Tás a ver, é a sociedade"

Jaime Santos disse...

Não se trata, caro anónimo das 14:03, de mudar de opinião, porque no caso do Ventura não vale a pena.

Trata-se de o aturar para saber como ele pensa (não apenas o que pensa, porque isso é mais ou menos conhecido e depois, varia) e lhe poder assim desmontar a argumentação.

'Know your enemy', dizia alguém...

Sabe, Senhor Embaixador, se aqueles que podem deixar-se levar por Ventura tivessem essa atitude 'a ver se', todos os nossos problemas estariam resolvidos. Poderíamos todos dizer 'a ver se'...

João Miguel Tavares no "Público"