sábado, novembro 21, 2020

Reformados ao café


Há dias, fui jantar ao que julgo ser o último restaurante de Lisboa em que ainda se serve, se pedido, um café feito em balão. Ainda sou do tempo em que, por ali, não havia sequer café “expresso”. 

Em miúdo, na casa dos meus avós, em Vila Real, tenho memória de que se fazia, embora julgo que só episodicamente, café de balão. 

Lembro-me de ver o meu pai com “a mania” de que preparava aquilo melhor do que ninguém, aquecendo previamente e só depois enchendo de água bem quente, o recipiente inferior, olhando a sua subida no tubo, sabendo o tempo certo em que começava a mexer, com uma colher de pau (sempre de pau!), a mistura que se ia criando no topo, da água ascendente com o café que já lá estava (muito importante é a moagem certa da mistura usada), definindo, com rigor laboratorial, o momento exato para a retirada da lamparina, acompanhando depois a coagem, para baixo. De seguida, servia-o, em chávenas sempre escaldadadas (nunca se serve café sem escaldar antes as chávenas, como sabe quem gosta de um bom café). Depois, era a cena do regresso da lamparina, para manter aquecido (mas sem deixar ferver!) o café que sobeja no recipiente de baixo. Uma arte! O café de balão, quando bom, pode ser magnífico. Daqui a umas horas, vou fazer o meu melhor.

Quando saí do restaurante onde bebi aquele belo café de balão, teimei comigo mesmo que ia adquirir uma máquina para mim. Lembro-me de, há meses, não ter aproveitado os saldos de liquidação do Pereira, no Chiado, onde havia montes dessas máquinas. Erros da vida!

Anteontem, andei de ceca para meca, por quatro casas comerciais da especialidade, de Lisboa, sem conseguir descobrir máquinas de balão à venda. À noite, ao telefone, um amigo deu-me uma dica: “Vai ao Chaimite!”. Tratava-se da Pérola do Chaimite, na avenida Duque de Ávila. 

Ontem, liguei para lá: tinham acabado de chegar máquinas de balão! E fui logo, claro, porque já não tenho tempo para perder tempo! Estacionei em frente (vantagens do Covid), comprei a máquina, adquiri uma mistura de robusta com arábica, de S. Tomé e Cabo Verde, respetivamente, e ainda me dei ao luxo de trazer mais uns doces, para provocar um pouco a minha glicémia, que já anda “radiante” com o início do desbaste de mais de meio quilo de chocolate negro, que há dias tinha buscar à Arcádia, no jardim da Parada.

Saí do Chaimite e virei a esquina, para um chá à Versailles, onde agora, feliz e infelizmente, os lugares não faltam. Não sem antes me ter munido do último “Spectator”, numa tabacaria “de luxo”, pela extraordinária variedade, logo ao lado do Chaimite. A revista rimava muito bem com o ambiente.

À minha frente, vi um cavalheiro, muito idoso, a tomar café, sozinho. Há pouco mais de um ano, ele estava ali com uma senhora, também de muita idade, sentados numa mesa ao lado da nossa. Era médico, disse-me, metendo conversa connosco. Ela tinha Alzheimer, contou-me então ele, revelando um carinho imenso pela senhora. A certo ponto, pediu-nos se podíamos olhar por ela, enquanto saía da mesa, por uns minutos. Fizemos isso e, instantes depois, logo tivemos de acalmar a senhora, desestabilizada com a ausência súbita do marido. Agora, ao vê-lo tão só e com ar tão triste, não tive coragem de perguntar-lhe por ela. Se calhar fiz mal.

Lisboa, terra de reformados ao café. Que falta faz o O’Neill!

4 comentários:

Obelix disse...

Versailles, Chaimite, Monte Carlo, tudo lugares Leoninos e da mlnha infância. E, claro, o Gambrinus.
Obrigado por trazê-los a esta ribalta.

Anónimo disse...

Sr. Embaixador. Por certo, entusiasmado com a Chaimite, não terá reparado, que defronte, uma clássica e muito boa casa, de seu nome, Pastelaria Sequeira, que frequentava com regularidade, desde criança, (o Sr. Sequeira, era meu vizinho, do número 6 da Av. da República). Está agora encerrada, para sempre. Disseram-me que por falta de clientela. Com o Covid, a ausência de turistas e o teletrabalho, também a zona do Saldanha, ficou deserta.

Flor disse...

Eu sou sincera ao dizer que nunca tomei um café de balão. No entanto, com o relato que acabo de ler, minuciosamente descrito, fiquei esclarecida. Pareceu-me a feitura desse café muito semelhante á cerimónia do chá no Oriente. :)

AV disse...

Saudades de lojas tradicionais de Lisboa, como a Pérola do Chaimite e a Casa Pereira! Tinha um amigo que fazia o café como descreve neste texto - sempre com colher de pau! Bebia-se um bom café em casa deles. Lá saírá a máquina de balão para matar saudades num dia destes ...

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