sexta-feira, novembro 13, 2020

O alívio


A vitória de Joe Biden - pedindo desde já desculpa a quem acredita que, qual Elvis Presley, Trump ainda vai voltar - criou uma onda de alívio em todo o mundo.

Se, em 2016, não obstante a estranheza de ver surgir na Casa Branca uma figura com aquele recorte, alguma réstia de expetativa de bom senso ainda podia existir, depois destes quatro anos, a simples possibilidade da renovação do seu mandato era um susto para a sensatez.

Há mais de um século que América é uma potência que determina ou influencia fortemente, pela positiva ou pela negativa, os rumos da vida internacional. Mesmo em cenários onde não se jogam os seus interesses diretos, os Estados Unidos acabam por funcionar sempre como um poder condicionador dos movimentos de terceiros.

Sempre assim tem sido, mas nunca se tinha assistido a uma afirmação tão despudorada da preeminência dos interesses americanos, em detrimento dos interesses dos outros, sem o menor respeito por regras e com total descaso, não apenas dos compromissos, mas igualmente do comportamento que, em todos os casos, se esperaria de um aliado.

O que se passou na atitude de hostilidade que a América de Trump assumiu face à Europa - combatendo a União Europeia, nomeadamente favorecendo o Brexit, criando tensões na Nato e revelando uma imensa falta de atenção por aliados fiéis - ultrapassou tudo o que se supunha possível numa ordem global que, mesmo sob crises, costuma respeitar algumas “liturgias”, que são uma espécie de “boas maneiras” em que se baseia o diálogo e a convivência internacional.

Um mundo em paz é gerido por um misto de interesses e de princípios, com estes a limitarem a expressão crua dos primeiros – assim diferenciando a convivência entre os países de uma selva institucional. A cooperação, a solidariedade e até um certo património histórico de relacionamento fazem parte da matriz dessa convivência.

Ver a maior potência mundial tornar-se no principal fator disruptor dessa ordem, ao assumir-se como um ator egoísta, imprevisível e quase sem baias normativas, foi uma imensa surpresa para os amigos da América.

O alívio de que falei no início do texto foi assim um sentimento comum em várias partes do mundo. Pensar em quem pode estar a lamentar a saída de Trump talvez nos ajude a perceber melhor o que essa saída traz de benéfico.

Tenho para mim que, por muitos que tenham sido os efeitos negativos do consulado de Trump, à escala global – e poderia elencar vários – nenhum teria maior gravidade, se acaso ele tivesse sido reconduzido na Casa Branca, do que a questão climática.

O negacionismo ambiental que levou Trump a abandonar o Acordo de Paris foi uma atitude de uma extrema gravidade, porque todos sabemos o efeito simbólico, para os mais graves poluidores mundiais, que a auto-exclusão americana representa. Só por isso, se mais não houvesse, e há, a vitória de Biden deveria ser amplamente saudada.

2 comentários:

Anónimo disse...

Houve uma "América" que evitou (mal ou bem) o estar-mos todos agora na Europa (pelo menos) a falar alemão. E o inglês ficou um idioma comum, uma língua franca.
Esta "América"(?), a de Biden, vai ajudar a que um dia destes se esteja, por aqui, a falar mandarim para sobreviver em condições. Nada de novo na história dos Impérios.

Jaime Santos disse...

O anónimo das 19:04 deveria ter dito que a América evitou que acabássemos colonizados pela Alemanha e transformados em Untermenschen na melhor das hipóteses, não apenas usando o Alemão como (bela) língua franca. Os mediterrânicos não eram exactamente um exemplo de 'raça superior' para os nazis.

Aliás, dá imensa vontade de rir quando aparecem uns barbudos a falar de identidade europeia e cristã e coisa e tal aqui neste burgo de gente bastarda, descendente de celtas, romanos (gente tisnada), judeus, berberes, africanos (leia o Clenardo se duvida), etc.

Gostaria de ver em que prateleira é que os seus confrades da Europa do Norte os colocariam. Mesma coisa para os EUA onde, antes do racismo ser dirigido aos imigrantes latinos e muçulmanos, foi dirigido contra Europeus do Sul e do Leste...

Quanto à suposta subserviência de Biden ao Poder Chinês, não se pense que os Democratas não serão menos nacionalistas que os Republicanos e menos ciosos dos interesses dos EUA. Simplesmente, irão fazê-lo de forma mais subtil e com melhor educação. E isso já é uma grande coisa.

Olhando aliás para a liderança chinesa, eu diria que escolheria os EUA em relação à China, Trump incluído, anytime. Mas, de facto, a administração Biden simboliza o regresso, mesmo que temporário, dos EUA a alguma normalidade.

O que, olhando para a anormalidade de Trump, só se pode saudar...

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