quarta-feira, novembro 11, 2020

Um manifesto de decência


Um texto publicado ontem no “Público”, subscrito por figuras da direita, situadas numa faixa etária que, em média, deve rondar os 40 e poucos anos, assume-se como um separador de águas entre esse grupo de “conservadores, liberais, moderados e reformistas” e uma “direita autoritária”, com uma postura “nacionalista, identitária e tribal”, que por aí anda.

Devo dizer que, independentemente de interpretar a presença de alguns nomes dentre os subscritores como uma reserva de mercado para as suas próprias apostas partidárias, vi esta tomada de posição como a coisa mais saudável que, nos últimos anos, surgiu oriunda daquela área política.

Era tempo da direita democrática, sem a presença ativa da qual o nosso regime constitucional não tem o menor sentido, deixar uma nota explícita de repúdio pela sua frequente amálgama com algumas correntes populistas, com laivos racistas e xenófobos, no limite com contornos fascistas e afins.

A culpa de se ter deixado envolver pela caricatura resultou do silêncio até agora mantido por essa mesma área política, como o surgimento deste texto bem evidencia. Mas esta é também uma bela justificação para os seus adversários, nos quais me incluo, passarem a olhar este setor, sempre e quando a sua postura e ação se afirmar no sentido que agora revelou, como um parceiro na defesa do processo democrático.

Não é uma coincidência que o texto tenha surgido depois do anúncio do compromisso, em termos escritos, entre o Chega e a coligação que agora assume o governo dos Açores. E porque o não é, este manifesto acaba por ser uma manifestação de repúdio daquela obscena aliança.

É muito saudável para a salubridade da nossa vida política ver alguma direita democrática afastar-se de um ato de puro oportunismo, que abre a porta e estende a mão a um partido que traz consigo uma agenda que cavalga medos, preconceitos e sentimentos mesquinhos, indignos de um mundo civilizado e tolerante. E, como bem refere o texto, não é por outros, à esquerda, terem “cedidos a frentismos que anteriormente rejeitavam” que, do outro lado do espetro político, se vão “cooptar radicalismos de sentido contrário”.

Mas o Chega não é um partido legal? Claro que é. Cumpre formalmente os requisitos para se enquadrar na moldura constitucional. Porém, o seu discurso e propostas têm demonstrado que alimenta uma doutrina que o coloca, claramente, fora dos limites da decência política democrática, como os subscritores deste manifesto bem observaram. Coisa que, pelos vistos, o Dr. Rui Rio não terá visto.

8 comentários:

Luís Lavoura disse...

o seu discurso e propostas

Sim, sem dúvida. Porém, há que diferenciar entre o discurso e as propostas do Chega! e a sua atuação prática, em particular neste acordo açoriano. A atuação prática do Chega! é, neste caso, a de um partido do sistema, que pôs condições perfeitamente razoáveis para avalizar no Parlamento regional o novo governo regional. O Chega! passa a vida a falar contra o sistema mas, na prática, já faz parte dele.

Anónimo disse...

Vá-se habituando, Sr. Embaixador!

josé ricardo disse...

Eu sou igualmente crítico desta junção na Assembleia Regional dos Açores que o PSD local, ao abrigo da sua autonomia, engendrou com um partido com as características do Chega. Mas sou ainda mais crítico quando vejo militantes do PSD a criticarem, descaradamente, este acordo, quando os mesmos nunca se levantaram. quando o senhor Ventura era apoiado por este partido para liderar a Câmara de Loures, mesmo quando havia já proclamado o seu perfil identitário, perfil esse que fez transitar para o partido que fundou. Nesse tempo, parece que o pré-Chega não beliscava a social democracia do Partido Social Democrático.

Anónimo disse...

A diferença ente o Chega e os outros partidos é que os militantes destes últimos, quendo vêm um filme sobre o holocausto estão do lado dos judeus e os do chega do lado dos nazis
Fernando Neves

João Cabral disse...

Tribalismo identitário, muito disso há numa certa esquerda extremada, mas infelizmente não vejo os moderados a contrariar essas ideias, muito pelo contrário.
Como noutros casos, não compreendo como é que não se possa encarar o acordo com o Chega como uma tentativa de moderar o partido e trazê-lo para o seio das práticas mais democráticas. Se isto se invoca recorrentemente em relação a outros partidos, que até incluem revoluções nos seus estatutos, porque não para o Chega? Sejamos sérios.

jose duarte disse...

..................

Há também quem acredite no "Pai Natal"....

Anónimo disse...

Não se "vêm" filmes, veem-se filmes.

Anónimo disse...

Quando vejo filmes sobre o holocausto estou do lado dos judeus. Apesar de ser do Chega!

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