terça-feira, novembro 17, 2020

Gaimusho


Almocei, há pouco, com diplomatas japoneses. Lembrei-me e lembrei-lhes uma história.

Quando entrei para a carreira diplomática, ao ler telegramas da nossa embaixada em Tóquio, comecei a ficar intrigado com um interlocutor regular do nosso embaixador naquela capital, fonte credível de interessantes informações. 

Assim, lia frequentemente nas comunicação que nos chegavam do Japão coisas como "apurei junto de Gaimusho", "a opinião de Gaimusho é", etc. Com a patetice de um caloiro que hesita em perguntar o que teme que deva ser óbvio, terei andado umas semanas até descobrir quem era o tal Gaimusho. 

Um dia, lá resolvi o mistério: Gaimusho era nome pelo qual era conhecido o ministério dos Estrangeiros japonês.

De certo modo, há a tendência de pensar que uma diplomacia que é conhecida pelo nome da sede da sua chancelaria assume, aos olhos das outras carreiras externas, uma dignificação especial, pelo peso histórico que o nome representa. 

Seja assim ao não, um diplomata que se preza sabe que o seu colega de Madrid dirá que “fui ontem a Santa Cruz”, o de Roma reportará que “fiz a diligência solicitada na Farnesina”, o de Londres dirá que foi “ao Foreign Office” (ao apenas, “ao FO”), o de Paris “ao Quai” (se for “maçarico”, dirá “ao Quai d’Orsay”). Na Alemanha, terá que saber interpretar a sigla AA (Auswärtiges Amt), tal como, na Rússia, o MID. Quase tudo o que sair desta lista já é um preciosismo. É que a esmagadora maioria das diplomacias, na realidade, não têm um nome de referência, pelo qual seja internacionalmente conhecida.

O “poder” desse nome é tal que pode “migrar”. É o caso do Brasil: ao falar-se do Itamaraty, toda a gente sabe tratar-se do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, em Brasília. Porém, alguns não saberão que, na realidade, o original Palácio do Itamaraty se situa no Rio de Janeiro e foi, de facto, a sede da diplomacia brasileira antes de se mudar para Brasília. Porém, levou consigo o nome para o novo e belíssimo edifício onde hoje se situa na nova capital.

Também nós, portugueses, temos a tentação de assumir que os diplomatas estrangeiros em Lisboa devem dizer, nas comunicações para as suas capitais "apurei hoje nas Necessidades" e frases do género. A nossa esperança é que nunca traduzam o nome do palácio...

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde 🌻

Ontem conversando com uma amiga queixava-me de certas traduções á letra. Quando jogo o jogo da serpente e quero eliminar as estatísticas aparece estatísticas claras. A minha amiga retorquiu:"Isso não é nada. Pior é traduzir "Meu caro amigo por my expensive friend".

Saudades

Anónimo disse...

Ou fair elections por eleições justas. Eleições justas?
Fernando Neves

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...