A atual disputa em torno da liderança do Partido Trabalhista britânico, depois do abandono de Gordon Brown, tem os ingredientes necessários para alimentar o imaginário popular. Um cenário de dois irmãos, Ed e David, numa campanha entre si, sempre no limiar frágil da agressividade, são um bom mote para discussão. Num magnífico artigo, no "Público", Teresa de Sousa contou, há dias, esta saga política contemporânea com excecional clareza.
O trabalhismo britânico é um dos ambientes partidários mais fascinantes da história europeia. Foi atravessado como nenhum outro pelos grandes debates teóricos que mobilizaram o século XX, o qual, já de si, recolhia uma experiência única que vinha do passado, forjada nas lutas da revolução industrial britânica. A ligação entre o sindicalismo e a política partidária teve uma expressão muito própria no Reino Unido, conduzindo o "labour" a grandes vitórias e, a contrario, levando-o mais tarde a grandes travessias do deserto. É, aliás, na descontinuidade da dependência automática entre as duas componentes que pode ser encontrada a chave do regresso dos trabalhistas ao poder.
Os Miliband são uma boa ilustração desses tempos. Quando um dia, num qualquer jornal, me apareceu, pela primeira vez, o nome de David Miliband, que haveria de liderar a diplomacia britânica, a primeira pergunta que se me colocou foi saber se ele tinha alguma coisa a ver com o "velho" Ralph Miliband, desaparecido em meados dos anos 90. Tinha, era filho. Depois, apareceu o irmão mais novo, Ed Miliband, mais à esquerda que o irmão, mas, ainda assim, a milhas ideológicas do pai Ralph. Uma geração Miliband chegava, finalmente, ao poder.
Ralph Miliband foi, durante muitos anos, uma das grandes referências da esquerda britânica, senão mesmo a maior. Esteve na fundação da "New Left Review", privou com Harold Laski e Wright Mills e representou, por muitos anos, a crítica radical à prática política trabalhista. Atacou Harold Wilson pelo apoio a Washington no Vietnam e pode imaginar-se o que diria da atitude de Blair no Iraque, se acaso dela tivesse sido contemporâneo. No plano ideológico, Ralph Miliband vinha da mesma escola dos "fellow travellers" marxistas que, numa deriva limite, se colocaram ao serviço da URSS. Mas Miliband nunca enveredou por esses caminhos, limitando-se a teorizar criticamente um estado de coisas que nunca aceitou.
9 comentários:
mais adequado seria o comentário chamar-se "Milibands" ou "Os Miliband"
Excelente texto!
interessante esta caracteristica inglesa dos grupos dentro dos quais conviviam politicos, literatos, economistas, professores universitários, diplomatas.
P ex o grupo de boomsbury que reunia gente tão diversa profissionalmente como virginia woolf, j m keynes ou harold bloom (mp, escritor, diplomata); ou o london group; as correntes literárias, politicas e económicas encontravam-se nesses grupos, desde o trabalhismo ao liberalismo ao comunismo e mesmo fascismo (oswald mosley, duque de lancaster).
em portugal tivemos algo semelhante mas muito mais incipiente e desordenado ou fugaz: as academias do sec xviii, o grupo do casino (eça, ramalho,etc), o grupo neo realista ou o surrealista, ou então a convivencia de personalidades afins ou amigas, opositoras ao regime de salazar, em cafés de lisboa e do porto (que já não existem).
Há claro muitas matizes nesses grupos ingleses que iam desde uma escola (literária, económica, filosófica)a tertulias intelectuais e de amigos.
Esta entrada do blogue descreve bem essa tendencia inglesa que no caso dos milibands tambem é familiar.
correcção do meu comentario anterior. leonard woolf e não harold bloom que nada tem que ver com isto.
Patricio Branco, e que tal o comentario chamar-se "Boys Band" ? : ))
Adorei o comentário da Júlia. Isto de estar em férias dá outro elan...
concordo, melhor ainda...
Ralph Milliband escreveu "The State and the Capitalist Society", uma excelente alternativa crítica à teoria marxista do Estado Althusser - Poulantzas, que dominava nos anos 70...
Oportuno comentário, o de Alcipe. Gostei bastante de ler Ralph Milliband, quer naquilo que publicou, como naquilo que escreveu na “New Left”. Ralph Milliband foi sem dúvida uma das mais relevantes referências da Esquerda britânica da altura. Quanto a ter sido a maior, tenho algumas dúvidas. Tal não impede de lhe render respeito pelo que teorizou. Por outro lado, Maurice Dobb foi outro dos grandes e sólidos teóricos economistas marxistas britânicos da época. É de crer que o MI5 terá, sub-repticiamente, tentado utilizar o facto de Kim Philby ter sido um dos seus discípulos para procurar, de algum modo, denegrir o seu trabalho. Não resultou e Dobb manteve a sua reputação intocável.
Um Post muito interessante.
P.Rufino
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