quinta-feira, setembro 21, 2017

A Madonna da nossa imprensa


Continua o deslumbramento, foleiro e medíocre, na nossa comunicação social, em torno da visita "clandestina" de Madonna à "very typical" Disneylândia humana por onde agora decidiu passear as suas crianças.

A Catalunha e nós


A questão catalã não tem surgido como um tema relevante para os portugueses. Por opção em favor da autodeterminação, mas também por algum anti-espanholismo, certos setores nacionais manifestam simpatia pelo independentismo catalão. Há ainda uma gratidão pelo facto de, em 1640, a concentração das atenções madrilenas no conflito com Barcelona ter permitido à aristocracia portuguesa, descontente com o modo como Castela tinha começado a tratá-la, passar a re-titular a plena soberania de Lisboa sobre o nosso território europeu e colónias. E, vamos ser claros!, há também por aí muito quem, íntima ou abertamente, pense que um cenário de “balcanização” da Espanha poderia ser útil a Portugal. Uma agenda onde, curiosamente, se junta gente da extrema-direita à extrema-esquerda, passando por alguns moderados úteis à ideia.

Uma independência serena da Catalunha não constituiria uma tragédia para Portugal. Teria, no entanto, duas consequências óbvias: Lisboa passaria a ser, em termos de importância, a terceira capital da península ibérica e haveria um inevitável efeito-dominó sobre o complexo sistema autonómico do país aqui ao lado. Para uns, a primeira circunstância é irrelevante, porque outros valores mais altos se alevantam na sua análise; para outros, para os que gostam de “muitas Espanhas” (como alguns gostavam de duas Alemanhas, lembram-se?), esse seria mesmo o cenário ideal. E seria mesmo?

Caso mais bicudo se tornaria uma independência catalã obtida “a pulso”, depois de um conflito mais ou menos grave com Madrid. A estabilidade dos nossos vizinhos (neste caso, do nosso único vizinho) é uma questão que nos não pode ser indiferente. Ver uma Espanha convulsa e tensa não seria uma boa notícia, no nosso principal parceiro comercial, de cujo crescimento em estabilidade somos “free riders”. 

Dito isto, e quanto a nós, Portugal, por ora, o que fazer? Oficialmente, rigorosamente nada. Apenas aguardar. Compete-nos aceitar a resultante final deste complexo debate, qualquer que ela seja. Não se peça a Lisboa para tomar uma posição: nem a favor do anti-independentismo de Madrid, nem simpatizando com a secessão catalã. A seu tempo, e perante cada passo que por lá vier a ser dado, Portugal decidirá o que tiver (se tiver) que fazer.

E na Europa? É simples. Se e quando a Catalunha vier a ser independente e pedir adesão à UE, Portugal deverá analisar o assunto à luz dos seus méritos próprio. Como nos outros casos.

quarta-feira, setembro 20, 2017

"Excuse me?!"

Fui hoje almoçar ao Penha Longa Hotel, entre Cascais e Sintra. Estacionei o carro no parque e dirigi-me ao edifício principal. À porta, devidamente fardado, estava um funcionário, um rapaz de cerca de vinte anos. Perguntei-lhe: "Pode dizer-me onde é o restaurante, por favor!". A resposta, numa pronúncia "arranhada" deixou-me siderado: "Não falo português"! 

Mirei o tipo com um olhar translúcido, de furibundo que fiquei, virei-lhe as costas, já a caminho do balcão, onde uma senhora gentil me deu a indicação pretendida. Nem lhe referi o facto, porque estava com pressa.

Fiquei portanto saber que, no meu país, há pelo menos um hotel que contrata pessoal estrangeiro que, não apenas não fala português, como, pelos vistos, tem carta de alforria para o dizer alto e bom som.

Uma coisa é haver algum pessoal estrangeiro contratado que ainda não fala bem o português, mas que faz um esforço para falar. Outra coisa é ter alguém numa portaria de um hotel a dizê-lo ostensivamente, como se isso não estivesse sequer nos seus objetivos e obrigações profissionais. Acho isto verdadeiramente escandaloso!

Em tempo: falam-me da hipótese de se tratar de um estagiário. Nesse caso, não deveria estar na portaria

terça-feira, setembro 19, 2017

Armando Trigo de Abreu


O Armando Trigo de Abreu, que foi ontem a enterrar, tinha uns bons anos mais do que eu. Por tantos amigos que tínhamos em comum, pelos ideais que partilhávamos e pela excelente relação pessoal que de há muito mantínhamos, acho que sempre nos vivos na mesma faixa geracional - a que esteve presente nas lutas académicas contra a ditadura, a que exultou com o 25 de abril e participou politicamente no quadro democrático. 

Ligo muito o Armando ao José Mariano Gago, mas também a Manuel Heitor - esse núcleo que deu à ciência em Portugal um impulso sem paralelo, com o efeito notável no reforço do país nesse domínio.

É mais um que se vai, desta nossa "colheita" que fez abril, que ajudou a reforçar a democracia, a sonhar uma sociedade diferente. A sua serenidade discreta, o seu permanente sorriso e a sua simpatia deixarão de andar por aí. 

"Abril e outras transições"


José Cutileiro acaba de publicar um pequeno livro de recordações da sua vida, onde, com a graça e a imensa inteligência que são as dele, reflete um pouco sobre o mundo e o país. 

Disse um "pequeno livro" porque não passa das 128 páginas, dimensão editorial que, no passado, nos habituámos a ser a regra dos utilíssimos "Que sais-je?", que ainda hoje enchem as estantes de muitos de nós. 

E também escrevi "recordações", e não memórias, no seu sentido clássico, porque Cutileiro deliberadamente não pretendeu atribuir essa dimensão a este volume - e quanto ganharíamos se isso tivesse acontecido! 

José Cutileiro é um homem de grande cultura, sagaz observador, cruel caraterizador dos homens e das situações, pouco propenso a ter paciência para gente assim-assim. Há nele, e ele assume-o, um elitismo estrangeirado que transparece a espaços, e esse pano de fundo ajuda-nos a perceber melhor o porquê de algumas das suas observações. Ao longo da vida interessante que teve, Cutileiro viu muito, conheceu de perto gente curiosa, alguma com impacto no mundo e no país. Teve então ocasião de comparar imensas figuras, de julgar as suas fraquezas e esporádicas grandezas. E isso anda um pouco por todo o livro.

Como todos os conservadores céticos, José Cutileiro olha o país como se este estivesse condenado a deslizar num inexorável declive (que ele interpreta como um declínio), condenado a um futuro incerto e em cujo desfecho não participa e, com toda a segurança, não muito glorioso, à luz dos seus padrões pessoais. Portugal surge, nestas páginas, povoado por gente cuja ambição é apenas ir sobrevivendo "tant bien que mal", numa existência sujeita à lei do menor esforço, baixada que foi a exigência e a "accountability", graças a lideranças em geral medíocres, que não se elevam muito acima desse padrão.

Dito isto, acho imperdível este livro - que projeta muitas ideias com que não concordo, que parte de muitos pressupostos que não partilho e onde também encontro muitas coisas em que me revejo. 

Mas a inteligência e o brilho não têm "partido", nem têm mesmo que se confrontar necessariamente com um qualquer teste de verdade, porque cada um tem a sua. E a forma de José Cutileiro expressar a sua verdade é feita de argúcia, sarcasmo e ironia, que ele aplica aos episódios que testemunhou, que é visível na seleção dos ditos que anotou, que dão uma cor única aos seus textos.

Este "Abril e outras transições" é uma obra cujo principal defeito é, talvez, ficar a saber a pouco. O que já diz muito, creio, deste pequeno livro que imagino tenha dado algum gozo ao autor escrever. Embora na consciência, que também será a sua, de que fica a dever a si próprio (e a nós, por tabela) um outro trabalho com mais fôlego. Mas posso imaginar que talvez ele não tivesse paciência para o escrever.

segunda-feira, setembro 18, 2017

A falha


Estávamos em 2012. O governo Passos Coelho tinha nomeado uma comissão encarregada de rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, um documento cuja versão anterior tinha mais de uma década e que era urgente adaptar às novas ameaças e à significativa mudança da conjuntura internacional.

O grupo, algo heterogéneo, era chefiado por esse grande e entusiasmado homem de bem que se chamou Luis Fontoura.

Por ali estiveram, creio, 20 pessoas a quem se pediram reflexões, textos, ideias. Tive o gosto de integrar esse grupo e acho, sem modéstia, que fizemos um excelente trabalho - que aí está para ser lido, na sua versão original ou no modelo, mais sintético, que o governo entendeu adotar. 

Vim de Paris a Lisboa várias vezes para reuniões e tive umas férias "estragadas" com noites de redação de capítulos, a pedido do Luís Fontoura. A Maria Regina de Mongiardim, que trabalhou de perto com o Luis (e a quem o Conceito muito deve, convém dizer), lembra-se, com certeza, de alguns desses episódios.

O Luis Fontoura entendeu, para apoio aos nossos trabalhos, facultar-nos acesso a vários "conceitos estratégicos" de outros países. Foi utilíssimo, porque nos permitiu confrontar metodologias e perspetivas, não obstante se tratar de realidades diversas. 

(Quando elaboramos um Conceito Estratégico, sabemos que ele vai ser tornado público. Redigimo-lo sabendo isso, o que é uma limitação - democrática, eu sei! - terrível. Devo dizer, com toda a franqueza, que teria muito gosto em ajudar a produzir, para o poder político português, qualquer que ele seja, um Conceito Estratégico que eu tivesse a garantia de que nunca seria publicado. Posso garantir que seria muito mais útil ao interesse do país...)

Acho que não cometerei uma indesculpável indiscrição se disser que, numa dessas reuniões, abordámos o Conceito Estratégico espanhol. Lembro-me que intervim, elogiando o texto, tendo nele sublinhado dois ou três aspetos em que me parecia útil refletirmos.

Um dos participantes no grupo, figura avisada e atenta, falou a seguir a mim. Concordou no essencial com o que eu disse, mas acrescentou: "É, de facto, um bom texto. Mas tem uma falha. Os espanhóis iludem, creio que deliberadamente, duas hipóteses de evolução da sua situação interna: a possibilidade da monarquia vir progressivamente a fragilizar-se, sem capacidade de recuperação do seu papel institucional, e a implosão da unidade espanhola".

Bem visto! Tenho-me lembrado disto nestes dias da Catalunha...

domingo, setembro 17, 2017

Ainda a Ucrânia


Tenho imensa pena de não saber falar russo. 

(Nos anos 60, ainda andei numas aulas de Jorge Listopad, mas acabei por desistir e oferecer o Linguaphone (lembram-se?) a um colega que ia para Moscovo. Se soubesse, teria aproveitado bem melhor os tempos em que andei pela Ásia Central, depois, várias vezes, pelos Cáucasos. Ter conversas interessantes em inglês de aeroporto não é a melhor solução. Mas chegaria o meu russo, alguma vez, a muito mais do que esse nível?)

Lembrei-me disso ontem, ao tentar perceber de alguns ucranianos, numa noite de alguns copos e muitas conversas sobre a Rússia ("what else?", como diria o Clooney), um pouco mais do sentimento deste país no fio da navalha. 

Este país é hoje dirigido e dominado por quem representa os que detestam abertamente a Rússia, o que, a meu ver, torna totalmente inviável um compromisso com os setores russófilos, maioritários no Leste do país, que a Rússia armou e apoiou militarmente para a secessão "de facto" do Donbass (aproveitando, na passada, para "meter ao bolso" a Crimeia). 

De que lado está a razão, já que a verdade parece clara? O ocidente apoiou um golpe de Estado contra um presidente que era um "homem dos russos", é certo, mas que havia sido eleito com toda a legitimidade. Fez isso para "desequilibrar" a Ucrânia para o "lado de cá", mas só conseguiu mudar o poder em Kiev e levar Putin a um golpe de força - porque era evidente que a Rússia não ia permitir um sobressalto geopolítico. 

A Ucrânia acabou por ficar numa "terra de ninguém", na soleira de uma Nato onde não existe a coragem (e o consenso) para a mandar entrar, e ainda mais longe de uma União Europeia, em que os alargamentos deixaram de ser um tema "sexy" para o projeto.

Não foi cómodo ter de ser realista para os meus (novos) amigos ucranianos, explicando-lhes que a sua entrada para a Nato não traria mais segurança para a aliança (pelo contrário, seria a "importação" pela organização de um complexo conflito) e que as portas da UE parecem entreabertas apenas pelo "politicamente correto" das coisas, mas que tudo será cada vez mais difícil nesse domínio (e a resposta recente à Turquia aí está para o comprovar)

"Mas não podemos ser os únicos donos do nosso próprio futuro, decidindo de que lado queremos estar? Somos eternos reféns da nossa vizinhança com um país mais forte?", perguntava-me um universitário, espírito 1000% ocidental, num perfil antropológico inconfundivelmente de Leste, anti-russo até às raízes dos cabelos. 

Não tive coragem de lhe dizer que, infelizmente, talvez não tivesse esse direito absoluto, tragédia de quem vive nas "grey zones" da geopolítica (a Finlândia do pós-guerra é um bom exemplo). E, claro, também não lhe perguntei o que poderíamos nós responder com sinceridade a um cubano que nos colocasse idêntica questão...

A Ucrânia no Reino Unido...

Teve imensa graça ouvir ontem, aqui na Ucrânia, o "minister for Europe" (?) da senhora Theresa May, um dos cangalheiros do Brexit, apelar à manutenção do interesse ucraniano para ingressar na União Europeia. 

À medida que a sala caçoava do ridículo dessa proposta, por ser titulada por quem estava voluntariamente de saída, o homem, sentindo isso, atrapalhava-se de tal forma que acabou por lhe sair esta pérola: estava seguro de que a Ucrânia, cedo ou tarde, seria benvinda "in the United Kingdom"... 

A sala foi abaixo, claro!

Uma estranha obsessão


Há uma semana, nestas mesmas colunas, deparei com um artigo que configurava um raro e insólito exercício de ódio, que me era pessoalmente dirigido. Escrevo "insólito" porque, não conhecendo o autor do texto, me pareceu estranho que de tão vitriólica peça pudesse exsudar uma acrimónia similar àquela que costuma resultar das tensões pessoais mal resolvidas. 

O texto ecoava, basicamente, um exercício feito dias antes na CMTV. Ficava evidente que essa pessoa, valendo-se das tribunas pagas que lhe estavam abertas nesta casa, destilava um abundante rancor e acrimónia a meu respeito. O porquê dessa atitude permanece um mistério.

Nunca na vida tive o menor problema em confrontar-me com opiniões discordantes. No caso vertente, entendo perfeitamente legítimo que alguém considere menos adequada a minha indigitação para o lugar "pro bono" que eu havia aceitado, como missão de serviço público, no Conselho Geral Independente da RTP. E nunca me mostrei fechado a discutir isso. 

Não se tratou, contudo, de uma crítica serena, substantiva, na urbanidade educada em que estas coisas devem ser debatidas. Foi, como quem leu pôde constatar, uma furiosa diatribe "ad hominem", com graves insinuações de caráter, suspeições conspirativas e até uma malévola incursão por um incontroverso episódio do passado, com mais de quatro décadas.

Adiante. A minha aceitação do convite para uma colaboração benévola com a RTP não teve como objetivo ganhar mais uma linha curricular, que creio óbvio não necessitar, mas corresponder a um amável convite para prestar uma contribuição voluntária de serviço público, área que muito prezo e à qual dediquei mais de quatro décadas da minha vida profissional – sem o menor sacrifício e com imenso gosto. 

Entendi que a experiência diplomática que possuo poderia ser considerada útil na contínua reflexão que deve ser feita sobre o papel da RTP e da RDP na área internacional, em especial junto dos países de língua portuguesa e das nossas comunidades - tendo nomeadamente exercido funções de embaixador em dois países onde elas são das mais relevantes.

Uma palavra quanto à recente opinião do regulador sobre este caso. A ERC expressou uma clara posição atestando o que entende ser a adequação do meu perfil à função para que fui indicado. Entre os três membros da ERC um deles entende, contudo, que pode haver uma incompatibilidade entre a minha colaboração com alguma comunicação social e a pertença ao CGI da RTP. Não é essa a minha opinião e, para mim, trata-se de uma "linha vermelha": não prescindo de ter uma voz pública onde e quando me apetecer.

Satisfez-me muito constatar que houve um ponto não controvertido na reflexão que a ERC fez sobre as minhas eventuais incompatibilidades para o cargo. O regulador entendeu que a minha colaboração profissional com as três empresas portuguesas com maior expressão internacional, no âmbito do aconselhamento estratégico para o investimento, não suscitava a menor dificuldade à assunção daquelas funções. Isso sempre me pareceu óbvio, mas foi importante que ficasse claro.

Pergunto-me, aliás, se não é apenas a espuma dos dias de tensão política que se vivem que transforma isto num desproporcionado “casus belli”. Se, afinal, como disse Shakespeare, não é “much ado about nothing”.

(Artigo hoje publicado no "Correio da Manhã")

sexta-feira, setembro 15, 2017

A verdade das notícias

A ERC decidiu não se pronunciar sobre a minha indigitação para um lugar (não remunerado) no Conselho Geral Independente da RTP, embora deixando algumas notas muito simpáticas sobre a minha adequação às funções.

Convirá deixar claro que a objeção da ERC se prende exclusivamente com a minha recusa em deixar de colaborar em órgãos de imprensa, limitação que não aceito. Aconselho a leitura do comentário do presidente da ERC para melhor se entender isto.

É totalmente falso que a ERC considere haver a menor incompatibilidade com a minha colaboração com empresas privadas, como alguns ainda tentam insinuar. A ERC desconsiderou assim, em absoluto, o argumentário dos subscritores de uma carta que por aí andou.

Repito: para ter o parecer positivo da ERC bastar-me-ia prescindir de colaborar na imprensa. Mas eu não prescindo. Agora e no futuro. Apenas isso!

Causa própria


O que é uma coluna regular num jornal? Um espaço privado ou público? É a vida do autor que aqui interessa ou o modo como ele trata os temas que são relevantes para o leitor, que possam induzir este a manter o seu interesse na publicação, a comprá-la com regularidade, porque um jornal é também um negócio?

Provavelmente, as duas coisas não estarão desligadas. Quem por aqui escreve é uma pessoa, mais ou menos conhecida, com quem, ao longo da leitura regular, o leitor se vai habituando a conviver. Às vezes sob um contraste de opiniões, outras numa aberta cumplicidade de ideias, estabelece-se um vínculo que acarreta consigo uma carga de confiança. Nem sempre quem nos lê concorda connosco, nos lê e nós próprios, mas “sabemos do que a casa gasta”.

Um dia, surge a surpresa. Tal como, numa esquina ou num café nos falam subitamente de alguém em moldes insólitos, também em outro local, numa televisão ou noutro jornal, de súbito ouvimos ou lemos, a propósito da pessoa com quem nos habituámos a conviver através da escrita, coisas menos simpáticas, insinuações, que, no limite, nos abrem espaço à dúvida sobre se, afinal, conhecíamos aquele nosso interlocutor habitual. Para alguns, a reação é o “espera lá! Isto não pode ser assim tão simples!”. Para os adeptos do “não há fumo sem fogo” isso passa logo a ser decisivo. E a dúvida, com naturalidade, fica instalada.

Nesse instante, para estes últimos, a “história” do autor começa ali. Décadas de vida impoluta, a sua honorabilidade, o serviço à comunidade prestado e eventualmente reconhecido, a carreira profissional sem mácula, tudo isso desaparece. Num segundo, tudo se torna despiciendo perante aquele emaranhado súbito de insídias, embrulhadas na testada eficácia do “não é por acaso que”. 

Porque nada é provado e tudo é apenas insinuado, a lógica mais primária deveria questionar: a haver alguma verdade, no todo ou apenas em parte, por que será que não houve consequências - políticas, judiciais, outras? Uns, mais prudentes, pensarão: isto está mal contado, não há aqui contraditório. Outros, porém, sensíveis às apelativas teorias conspirativas, passarão a alimentar, pelo menos, a dúvida. Era esse o efeito pretendido.

Que fazer, perante isto? Nada. A justiça da sociedade moderna não condena a difamação de quem anda na praça pública. O peso das meias verdades é suficientemente poderoso para se impor. Perante todos? Não, perante quem acredita mais em quem difama sem provar do que no alvo casual das insídias. As pessoas acreditam naquilo e em quem querem acreditar, no que lhes conforta os preconceitos, as inseguranças. Esta é a sociedade da dúvida. A calúnia sabe isto. George Bernard Shaw dizia: “não devemos lutar com porcos. Sujamo-nos e, ainda por cima, eles gostam”.

(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, setembro 14, 2017

Kanawa e Strauss


Ontem, vi anunciado na imprensa internacional que a fantástica soprano neo-zelandeza Kiri Ti Kanawa decidiu não voltar a cantar.

Estou agora no aeroporto de Munique, fazendo horas para apanhar um voo para a Ucrânia. E, de repente, tive vontade de dizer, qual Hermano Saraiva: "Foi aqui!"

É que foi exatamente aqui que, em 1987 (ou seria 88? ou 89?), "roughly" há três décadas (e acho que era Outono), na ópera de Munique, pela primeira e única (e, pelos vistos, última) vez na minha vida ouvi ao vivo Kiri Ti Kanawa. Ao seu lado, estava o tenor magistral que foi Alfredo Kraus, que já se foi deste mundo há mais de uma década.

Fui a esse belíssimo espetáculo com Durão Barroso e António Monteiro, depois da audiência em que uma delegação chefiada pelo primeiro, então apenas secretário de Estado do MNE, foi recebido pelo líder da CSU, ala bávara da CDU, Franz-Josef Strauss. Se não se partiu numa das muitas minhas mudanças, ainda deve haver lá por casa uma caneca de louça de cerveja, com a sua assinatura na tampa metálica, que nos foi oferecida nesse dia.

Para o registo ficar completo, falta-me saber a data exata e o que a Kanawa cantou. Será já o tal do "alemão" que me rói a memória musical? Alguém ajuda?

A Leste

Hoje, durmo em Kiev. "Credo!", disse-me à saída de casa uma vizinha que é do tempo dos comunistas "a sério" e se benze só de pensar neles, que isto da Lapa, um bairro onde caí por erro de casting, nunca esteve muito voltado para o "povo unido nunca mais será vencido". Mas não a deixei dizer "Abrenúncio" e "T'arrenego satanás", explicando logo que, por ali, pela Ucrânia onde a seguir ia dormir, já não há nada disso, ou melhor, deve haver alguns "comunas" lá para Donbass, mas agora andam todos muito quedinhos, como se diz na minha terra. A senhora, coitadita, é viúva duas vezes: depois do Almerindo, que já tinha ido há muito, quem lhe tirou o Cavaco tirou-lhe tudo. "Ouvi-o no outro dia! Que bem que esteve! Não é como esse que agora anda aí!", cito, abstendo-me de usar o adjetivo que ouvi e me pareceu menos apropriado para qualificar o supremo magistrado da nação de turno. A vida dá muitas voltas. Mas se alguém, há quarenta anos, me dissesse que eu acabaria num vão de escada da Lapa a tentar fazer perceber a uma velhota do bairro as vantagens de Marcelo ser presidente, teria mandado essa pessoa dar uma imensa volta a um bilhar muito grande e que nem sequer tinha esse nome.

quarta-feira, setembro 13, 2017

A Coreia do Norte no "Inferno"


Deixo o breve apontamento que, sobre a situação na Coreia do Norte, fiz ontem no "Inferno", no Canal Q.

Veja aqui

Juncker e o cabo da Roca


O último dirigente europeu que pode ser acusado de não ser amigo de Portugal chama-se Jean-Claude Juncker. Sabe-o quem trabalhou ou trabalha nas coisas europeias sérias, daquelas que estão bastante para além da retórica ou dos "soundbites". 

Puni-lo pelos exemplos geográficos que deu num discurso, numa lógica tão válida como qualquer outra, é sintoma de estranha insegurança, num país que tem História suficiente e uma presença internacional que já não precisa dessas coisas. Ou então revela a tentativa de "armar" ao nacionalismo ferido, o que é quase tão inferior como o primeiro sentimento.

Se querem continuar nos "soundbites", então eu aconselharia uma campanha no sentido de mudar a expressão de De Gaulle "uma Europa do Atlântico aos Urais", consagrando a mais patriótica "uma Europa de Cascais aos Urais"...

Falar à defesa

O ministro da Defesa disse, numa entrevista, uma frase que, tirada do contexto em que foi dita, surge como chocante. Se lermos com cuidado a entrevista, contudo, a frase tem todo o sentido e razoabilidade.

Só que o mundo não é assim. Não tem a racionalidade que o ministro quis imprimir ao seu raciocínio e, além disso, vive hoje numa polarização e num combate político que faz com que haja um "vale tudo" no aproveitamento daquilo que "der jeito".

Perguntar-se-á então: mas se o que o ministro disse afinal estava certo, a culpa é dele ou de quem tresleu o que disse? É de ambos: o ministro deveria ter antecipado o efeito que a sua frase, se isolada, iria ter e quem leu como quis fê-lo por sua conta e risco.

Um dia, António Guterres disse-me uma coisa que, a partir de então, nunca mais esqueci: numa entrevista, a nossa pior frase é sempre o título.

Citação

Citação recebida de um amigo:

"I learned long ago, never to wrestle with a pig. You get dirty, and besides, the pig likes it." - George Bernard Shaw

Interessante e útil.

Catalunha

Não quero ser alarmista mas, sem que haja nada que possamos ou devamos fazer, acho que convirá que Portugal esteja muito atento à evolução da situação em Espanha por virtude da questão catalã.

terça-feira, setembro 12, 2017

Já somos crescidos, não?

É revelador de uma imensa falta de maturidade democrática a discussão que está a ter lugar sobre se devem ou não realizar-se jogos de futebol em dia de eleições. Como se alguém deixasse de ir votar por haver um jogo ou outro...

No Reino Unido, todas as eleições têm lugar às quintas-feiras, toda a gente anda na sua vida normal nesse dia e não é por isso que há mais abstenção.

Mesmo o "dia de reflexão" é um atestado de menoridade aos eleitores, que mereceria ser ponderado numa próxima revisão da lei eleitoral. Não faz sentido que se não possa manter a promoção das candidaturas até ao ato eleitoral. Os cidadãos não precisam de ser "protegidos" dos agentes políticos pelo Estado.

E, um destes dias, temos de falar na divulgação das sondagens...

Lisboa


"Isto não parece Itália?" Não quis desiludir o amigo a quem dei boleia do Pátio da Galé, da apresentação da lista autárquica liderada por Fernando Medina, de cuja comissão de honra ambos fazemos parte. Mas não concordei, confesso agora.

Lisboa tem, de facto, uma estranha mediterrâneidade (pode dizer-se assim?), mas é também atlântica e até continental. É uma coisa complexa, uma cidade aberta, imensamente "plástica" - não por artificial mas por adaptável.

Fernando Medina falou em tornar Lisboa na capital europeia da tolerância. Acho bem. Eu gosto de me lembrar do país que existia, até há umas semanas atrás, em que todas as forças políticas no parlamento tinham um discurso não xenófobo, não racista. Temos de recuperar esse país saudável. Pelo voto, claro.

PGR (3)

Seria importante o parlamento revisitar a questão da composição do Conselho Superior do Ministério Público, bastando para tal que o PSD recu...