sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Europas

Hoje, ao estacionar o meu carro na área da rua de S. Caetano reservada a algumas viaturas de quem trabalha no Centro-Norte Sul do Conselho da Europa, que atualmente dirijo, uma senhora parou em frente a mim e disse: "Eu conheço-o de qualquer sítio! É isso, vi-o na televisão! Trabalha 'na Europa', não é?".

Desvanecido com o reconhecimento, porque o nosso ego é afagado com maior facilidade à medida que avançamos (ou recuamos) na vida, disse que sim, e que agora trabalhava ali, numa estrutura do Conselho da Europa, como se podia ler na placa de estacionamento colocada na rua.

Sempre amável, a senhora inquiriu: "Essa coisa do Conselho da Europa é onde trabalha o dr. Durão Barroso, não é?".

Desta vez com uma paciência cuja dimensão a senhora não era obrigada a adivinhar, expliquei-lhe que não, que o dr. Barroso não mandava nada por ali. E, para sua aparente surpresa, disse-lhe que o Conselho da Europa é a mais antiga instituição europeia, criada em 1949, muito antes daquilo a que hoje se chama União Europeia, que é "onde trabalha o dr. Durão Barroso".

A senhora agradeceu e disse que se lembrava de ouvir dizer, há dias, que o primeiro-ministro português estivera no Conselho da Europa.

Aí voltei a esclarecer: o dr. Passos Coelho nunca esteve no Conselho da Europa, que tem sede em Estrasburgo, ao lado do Parlamento Europeu, mas sim no Conselho Europeu, que é a instituição onde se reúnem os chefes de governo da União Europeia, geralmente em Bruxelas.

"Mas o Parlamento Europeu não é em Bruxelas? Tenho uma amiga que trabalha lá".

Aí, críptico, expliquei: "Tem razão, o Parlamento é em Bruxelas mas também é em Estrasburgo. Reune lá uma semana por mês..." 

"Há-de concordar que isto é tudo uma grande confusão!", disse-me a senhora, sorridente.

Aí retorqui: "Ó minha senhora! Concordo em absoluto! Nem a senhora sabe da missa a metade..."

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Faturas

Já me estava a parecer "muita fruta", como se diz na minha terra. 

Desde há muito que sempre me pareceu evidente a necessidade de, a cada pagamento numa transação no comércio ou serviços, dever corresponder a emissão de uma fatura, como se passa em todos os países em que se tenta combater seriamente a fraude fiscal.

Por essa razão, quando vi anunciado que isso ia passar a ser letra de lei, no novo código do IVA, achei que tinha razões para celebrar. Embora os valores da acumulação de faturas sejam quase astronómicos para se poder ter um desconto qualquer no IRS, contei com o sentido "vingativo" dos portugueses para garantir que, "até para chatear", iriam requerer o papel - e não se acomodavam ao cambalacho com o vendedor. O combate à fraude fiscal é uma guerra "do bem".

Esqueci-me, porém, de um pormenor tipicamente lusitano: a inevitável confusão da lei ou da forma como foi divulgada. Tal como na patética questão do cúmulo dos mandatos autárquicos, só posso imaginar que o texto legal relevante deve estar redigido de uma forma que suscita a confusão. Porque é que digo isto? Porque, perante o meu reiterado pedido de fatura, mas não querendo nunca dar o meu número de contribuinte (um direito a que não renuncio), desde que cheguei a Portugal recebo quatro respostas diversas: ou me dão logo a fatura sem necessitarem do número do contribuinte, ou mo pedem e, perante a minha recusa, emitem a fatura sem ele, ou me exigem o número sem o que me não emitem fatura ou só me exigem essa identificação a partir de 100 euros (já ouvi isto duas vezes).

Por que razão não aparece uma clarificação oficial inequívoca informando como é que, de facto, se deve proceder? Por que diabo as coisas, entre nós, têm de ser sempre assim?

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Olheiros

Nas últimas horas, apareceu na nossa imprensa uma nova categoria de observadores da atualidade: os vaticanistas. Uma designação que já é assumida sem sorrisos. 

Os tempos mudaram: antes havia os kremlinólogos. Nunca dei conta que houvesse "White house watchers" ou os "number 10 decrypters". Talvez em Moscovo.

Por cá, seriam os belenólogos, já que S. Bento é um nome que se torna demasiado complicado para se poder identificar, de uma penada conceptual, quem olha o que se passa naquela casa.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

O nosso património

Acabo de ver num rodapé televisivo que o carnaval de Torres Vedras deseja ser consagrado como património imaterial da humanidade da UNESCO.

Já por aqui disse o que pensava, à luz de alguma experiência que tenho do assunto, sobre a necessidade do Estado português estabelecer critérios muito estritos na aferição destas propostas, antes de lhes dar a sua bênção oficial. A alternativa é apenas o ridículo.

Se as coisas continuam por este caminho, voluntario-me para ajudar à consagração das "cristas de galo" como património material doceiro de origem conventual que Vila Real tem a apresentar à humanidade. E, na reserva, ficam os "pitos de Santa Luzia"*.

* um leitor atento lembrou, e bem!, as "ganchas de S. Braz"

O Honório e Jaime Neves

Naquele tempo, não havia em Vila Real quem não conhecesse o Honório. Era uma figura um pouco bizarra, magro, de óculos redondos, vestido quase sempre de preto, com um chapéu que lhe desenhava um perfil físico que lembrava Fernando Pessoa. Tinha por profissão ser contínuo na escola do Magistério primário. Lembro-me dele escuteiro, como me recordo de o ver lançar papagaios aos domingos, aproveitando o vento da "marginal", sobre o parque florestal.

O Honório era aquilo que, com alguma crueldade, poderíamos qualificar de um "pobre diabo". Muitas vezes gozado pela rapaziada - que, pelas ruas, lhe chamava o X9 -, o Honório apareceu um dia casado, com casa em Folhadela. Numa excursão a Lisboa, ficou famosa uma coça que terá dado na mulher. 

A pobre senhora, entretanto, deixou viúvo o Honório e este envolveu-se numa questão de partilhas com os cunhados, que se arrastava pelos tribunais, sem decisão. Foi isso, pelo menos, o que um dia ele me contou. Na altura, pediu a minha ajuda, nos termos de quem achava que Lisboa era uma Vila Real "grande", onde as pessoas se encontravam com regularidade, como por lá se fazia na "esquina da Gomes" ou no "cabo da Bila":

- Quem me podia ajudar a resolver o assunto, eram vocês, lá em baixo, em Lisboa. Quando vocês se encontrarem - vós, o António Barreto, o Jaime Neves e o Albano Bessa Monteiro - bem que me podiam tratar do processo, com os conhecimentos todos que têm.

O Honório convocava aqui as pessoas "influentes" que conhecia e que andavam "lá em baixo", por Lisboa. Recordo-me de ter respondido (eu tratei-o sempre por tu, nos últimos anos ele tratava-me por "vós"), com alguma ironia, ciente da implausibilidade do cenário que ele desenhava:

- Podes ficar descansado! Se eu, um dia, eu me encontrar com o Barreto, o Neves e o Albano, garanto-te que te resolvemos o assunto.

O Albano Bessa Monteiro era (e é) um velho amigo. À época, eu não conhecia pessoalmente António Barreto. E nunca na minha vida alguma vez falei com Jaime Neves. Lá por sermos ambos vilarealenses, só pela cabeça do Honório poderia passar a ideia de que éramos amigos. 

Lembrei-me desta história, há dias, quando foi noticiada a morte de Jaime Neves.     

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O papa

No dia de hoje, com o anúncio da saída de cena do atual papa, senti a estranheza de quem vem de "outra freguesia": não tenho a menor opinião sobre o assunto. E, com todo o respeito que me merece quem vive intimamente a religião, não me parece que venha a ter.

domingo, fevereiro 10, 2013

As contas da Europa

Na sexta-feira, gravei na RTP Informação uma conversa com o jornalista Manuel Menezes, no seu programa "Olhar o Mundo" (*). Durante 20 minutos, falámos da Europa que temos, do lugar de Portugal nela, de crise do euro e dos desafios da atual diversidade europeia. No momento da gravação, os números do compromisso financeiro obtido no Conselho europeu da véspera ainda não eram muito claros. Agora já o são.

Sobre o assunto, sublinhei o que considerei ser uma forte incoerência da política orçamental da União face ao caso português. Com efeito, num momento em que duas instituições comunitárias (o BCE e a Comissão Europeia) estão comprometidas com o processo de ajustamento português, é verdadeiramente chocante ver aprovado um orçamento, para sete anos, desenhado como se estivessemos num tempo normal, sem se entender que, perante os elevados constrangimentos orçamentais nacionais, um esforço específico deveria ser feito ao nível do reforço dos fundos comunitários para os países sob assistência, elemento essencial para o investimento público. Esse esforço de coerência deveria ter sido realizado pela Comissão Europeia e não o foi. O (antigo) "executivo" de Bruxelas mostrou aqui toda a sua flagrante irrelevância atual no processo comunitário. Espero que o Parlamento europeu não esqueça isto, no debate que agora se seguirá. 

Mas voltemos às "perspetivas financeiras". Devo começar por dizer que me impressionou a forma ligeira, muito ao modo do país de "prós e contras" que por aí anda, como a generalidade dos comentadores televisivos dessa noite de sexta-feira analisou resultado de Bruxelas. Salvo uma ou duas exceções, as pessoas ouvidas optaram por um registo de seguidismo face à leitura oficial do resultado ou de mera oposição não fundamentada, face à importância daquilo que Portugal obteve. Os "situacionistas" deliciaram-se em laudas às vantagens obtidas na PAC (e para a CAP) para o "desenvolvimento rural" e o "reviralho" passou o tempo a atacar a falta de "ambição" europeia, assim fazendo forte oposição... a Bruxelas.  

Ora, à luz de alguma experiência que julgo ter neste domínio, entendo que não é muito difícil chegar a uma conclusão sobre se Portugal saiu ou não beneficiado deste exercício. Para tal, deixo algumas pistas sobre a forma como se devem ler os resultados.

Sendo uma evidência incontestável, o facto do orçamento global ter, pela primeira vez, diminuído, e isso representar uma falta de vontade dos "vinte e sete" para reforçar o projeto europeu, é relativamente indiferente na análise do resultado português. Como também o é a circunstância de se poder arguir com a ideia de que as coisas acabaram por ser um pouco melhores do que aquilo que era a proposta original: todos sabemos que é sempre assim... Finalmente, e do mesmo modo, o volume global de recursos que foram alocados a Portugal, com os "envelopes" laterais que sempre fazem parte destes exercícios, sendo um dado concreto a ter em conta, acaba por ser menos relevante para a análise que importa fazer - isto é, saber se Portugal ganhou ou perdeu nesta negociação. Como se pode chegar então a essa conclusão?

Julgo que é relativamente simples. Registe-se a percentagem que o volume de recursos obtidos por Portugal no anterior quadro financeiro representava no total do orçamento plurianual 2007-2013. Faça-se, depois o saldo final deste recente exercício, à luz do mesmo critério, descontado o efeito do futuro alargamento à Croácia. E compare-se. Como alguém dizia: é fazer as contas...

* Pode ver o programa aqui

sábado, fevereiro 09, 2013

Ponto Come

Anotar restaurantes é um "vício" que tenho (estava para escrever "alimento"...), desde há muito tempo. Comecei a fazer isso nos anos 80, com o meu amigo Alfredo Magalhães Coelho, criando guias para várias regiões portuguesas. Eram uma espécie de ajuda, a quem se passeava pelo país, para poder encontrar bons locais para comer, estivesse onde estivesse. No fundo, esses guias eram o resultado da busca que fazíamos para nós próprios, ajudados por opiniões tidas por fidedignas. Desses apontamentos constavam os pratos mais destacáveis em cada casa e as respetivas referências identificativas, com telefones e dias de fecho. 

Mais tarde, nas várias cidades do mundo por onde fui vivendo, ia tomando notas sobre os lugares que me tinham agradado e, com gosto, passava-as a amigos. Não eram críticas gastronómicas, porque não me reconheço minimamente competente para tal, mas simples listas de boas mesas, à luz da minha discutível opinião.

Como é sabido, o risco da produção das listas de restaurantes é imenso. Uma mudança de proprietário ou de cozinheiro pode alterar radicalmente, de um dia para o outro, o cariz de um restaurante, e nem sempre para melhor. As coisas mudam mas o que escrevemos fica, para eterno equívoco de quem lê.

Em Brasília, o meu "vício" passou a uma coisa um pouco mais séria: por sugestão do meu amigo embaixador Pedro Bório, fiz parte, durante dois anos, do júri da revista "Veja". Foi então que me dei conta de que a expressão de uma opinião sobre um restaurante, se lida e tida em consideração por muitas pessoas, pode ter sérias consequências no plano comercial e, por essa via, na vida das pessoas que trabalhavam nesses locais. Passei a ser muito mais cuidadoso nos meus comentários, tanto mais que eles eram baseadas em escassas visitas e isso reduzia seriamente a minha legitimidade para me pronunciar.

Em 2010, aceitei o desafio da revista "Sábado" para ser, sob pseudónimo e por um semestre, o "crítico mistério" da revista. Sucedi nessa tarefa a Paula Teixeira da Cruz, a Proença de Carvalho, a Ruben de Carvalho e a Miguel Esteves Cardoso. Embora residente em Paris, tive o maior gosto em levar a cabo essa tarefa. Mas foi aí também que percebi melhor as minhas sérias limitações como "crítico", a minha completa incapacidade de me colocar ao nível de um David Lopes Ramos ou de um José Quitério, figuras cimeiras na arte portuguesa da escolha restaurativa. Devo dizer que, desde então, olho para a crítica gastronómica com muito maior respeito. 

Ainda no Brasil, criei o blogue "Ponto Come", onde fui colocando algumas notas sobre restaurantes. Regressado a Portugal há poucos dias, decidi retomar a escrita desse blogue, nele inserindo curtas e despretenciosas notas sobre os locais a que me vou deslocando, na minha vida quotidiana. Quem quiser ler esses apontamentos deve ter a certeza antecipada que as opiniões que exprimo valem apenas o que valem, com toda a sua subjetividade e amadorismo. E ninguém se espante se vir desaparecer ou alterarem-se alguns dos "posts", porque eles vão naturalmente evoluindo à medida das minhas experiências, pelo que a data da última atualização deve ser sempre tida em atenção.

Reconheço, com facilidade, que em tempo de crise alguns poderão considerar algo ostentatória a revelação destas experiências gastronómicas. Concedo que isso possa ser visto assim, mas, não obstante o tempo que atravessamos, a verdade é que há, por todo este país, muitos restaurantes que necessitam de clientes para subsistirem e darem emprego a pessoas. É por essa razão que entendo ser adequado, por parte de quem vai tendo a felicidade de os poder visitar, sublinhar a qualidade do trabalho dos melhores profissionais deste importante setor económico.

Assim, e se estiverem interessados, consultem o "Ponto Come".  

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

A dona Maria Garcia

A dona Maria Garcia era uma mulher alta e imponente, de óculos grandes, passo pesado e olhar perscrutante. Sobre a sua vida amorosa, quando jovem funcionária, corriam lendas pela casa, dizendo-se que quebrara vários corações diplomáticos. Quando a conheci, ao tempo em que eu dava os meus primeiros passos pelos corredores das Necessidades, era já uma senhora idosa, sempre com um inconfundível e impositivo perfil. 

Rigorosa e implacável nas suas funções, a dona Maria Garcia era tida como um pilar na área da administração da casa, onde coadjuvava essa outra figura mítica da carreira, o embaixador Humberto Morgado, durante quase duas décadas diretor-geral desse setor. Dizia-se que, nesse "quarto andar", nada se fazia de importante que não passasse pelo crivo da dona Maria Garcia. E, efetivamente, havia sinais claros da sua competência profissional.

Em inícios de 1979, fui colocado na nossa embaixada em Oslo. Como sempre acontece nas transferências - e, por maioria de razão, na primeira saída para o estrangeiro - há toda uma série de papelada para tratar. Eu trabalhava dois andares abaixo e, com alguma premeditação, decidi organizar todo esse expediente administrativo... à distância. Assim, pedia os formulários, preenchia o que tinha a preencher e ia mandando entregar as coisas nos diversos setores administrativos, furtando-me sempre a subir ao "quarto andar". Fui bem sucedido em todas essas diligências, até um dia.

Informaram-me, a certo passo, que tinha de me deslocar a uma repartição, para assinar um determinado documento. Uma vez mais, inventei um pretexto qualquer e mandei perguntar se podia assinar o documento no meu serviço, devolvendo-o posteriormente. Foi então que recebi uma chamada telefónica da dona Maria Garcia, com quem eu nunca tinha trocado uma palavra: "Ó doutor! Soube que pediu para que lhe enviássemos um papel para aí o assinar. O doutor não pode deslocar-se cá acima? Com certeza, não julga que vai ser o primeiro diplomata que consegue partir para o estrangeiro sem passar pelo meu gabinete...". Fiz-me "de fino" e respondi-lhe: "Senhora dona Maria Garcia. Eu tinha precisamente a intenção, após concluído todo o expediente burocrático, de passar por aí a cumprimentá-la, antes de partir para a Noruega". Do lado de lá da linha, ouvi um elucidativo: "Pois, pois..." E lá fui eu, nessa tarde, um pouco embatucado, passar pelo pequeno gabinete a partir do qual a dona Maria Garcia dominava a gestão do MNE.

Conta-se que, chegado o momento da sua aposentação, a partida da dona Maria Garcia provocou uma crise na administração da casa, tendo sido necessário, para grande gozo da senhora, solicitar-lhe que viesse ajudar benevolamente, durante algumas semanas, as pessoas que tinham ficado a substituí-la.

Poucos anos mais tarde, recordo-me de a ter vislumbrado, ainda com a imponência física que a caraterizava, a descer a Infante Santo. A dona Maria Garcia deve ter desaparecido há já bastante tempo. Era dessa nobre raça de grandes funcionários de que a administração pública portuguesa se alimentava. 

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Ó Elvas, ó Elvas!

Em julho do ano passado, em São Petersburgo, Elvas e as suas fortalezas passaram a ser consideradas "património mundial" da UNESCO. Tenho alguma responsabilidade pessoal neste exercício, porquanto me coube convencer o Comité do Património Mundial da organização de que o processo de preparação do caso de Elvas estava suficientemente amadurecido para poder merecer a sua aprovação. Não era essa a visão das autoridades da UNESCO, mas conseguimos revertê-la.

Porque "já sei do que a casa gasta", alertei, de imediato, para a necessidade de serem colmatadas algumas deficiências evidentes na conclusão do processo de proteção, que nos tínhamos comprometido a ultrapassar. E chamei a atenção para o risco de que, se acaso tal não fosse feito, o mesmo Comité que aprovou a consagração daquele bem patrimonial poder vir a colocar Elvas como "património em risco".

Há dias, a imprensa trouxe a notícia de que o belo Forte da Graça foi saqueado. Vale a pena ler a notícia aqui. E é também instrutivo tomar nota da posição assumida pelas várias entidades envolvidas, cada uma "chutando" para a outra a responsabilidade pela situação criada. 

Resta lembrar que Portugal concorre este ano a um dos 21 lugares no Comité do Património Mundial, nomeadamente com base na experiência ganha em proteger os bens que a UNESCO consagrou no seu território...

A ordem

Fazia um certo género aquele embaixador. Nunca pedia nada diretamente, deixava no ar ideias que desejava que fossem levadas a cabo, obrigando os colaboradores a deduzirem o que realmente pretendia. Era muito raro vê-lo dar uma ordem imperativa. Se dissesse "era capaz de ser interessante mandar-se qualquer coisa a Lisboa sobre as taxas de juro", isso significava que se devia fazer, de imediato, um telegrama sobre a decisão do banco central sobre o custo do dinheiro. Se acaso os seus colaboradores não fossem suficientemente perspicazes para interpretarem estas suas ordens subliminares, o respetivo destino estava traçado. Tudo isso fazia parte da sua forma de exercer a autoridade.

Um dia, um funcionário administrativo foi chamado ao gabinete do embaixador, para tratar de uma qualquer questão. Durante esse despacho, na forma oblíqua tradicional, o embaixador comentou: "Está a começar a ficar um pouco de frio". O homem não reagiu, pelo que o diplomata foi um pouco mais explícito: "Será que os aquecimentos estão ligados?". O administrativo disse que não, que ainda não tinha chegado a "época", referindo-se à data em que, por regra, o sistema era posto em marcha. Chegado a este ponto, o embaixador, que claramente pretendia ver a sua sala aquecida, não resistiu e, já com má cara, foi explícito: "Olhe! Vá ligar o aquecimento".

O administrativo era um homem de hierarquias. Na sua perspetiva, testada ao longo de muitos anos, a pessoa que, dentro da embaixada, tinha poder para ligar o aquecimento era o chanceler, o senhor Mendes, a quem ele devia obediência direta, que se prolongava muito para além do período de funções dops embaixadores e de quem ele, desde sempre, recebia as ordens. E se essa suprema autoridade na gestão logística da embaixada não dera essa ordem, que podia ele fazer? Pelo que lhe saiu esta "pérola", para o todo poderoso embaixador, um dos homens que, na história das Necessidades, mais autoridade e influência alguma vez teve:

- Ai! isso é que não faço, senhor embaixador! Quem manda nessas coisas é o senhor Mendes. Tem de lhe pedir a ele...

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Entrevista

Foi na "Antena 1" que falei sobre a Europa destes dias, sobre a sua defesa, a sua política externa e as suas relações com os EUA. A propósito do debate sobre a língua portuguesa, disse o que pensava sobre as fragilidades institucionais do nosso idioma e do realismo com que devemos olhar para as suas possibilidades de futuro no campo internacional. Suscitei também algumas questões sobre o Centro Norte-Sul, que passei a dirigir e fui - muito sinceramente - otimista sobre o futuro do país.

Quem estiver interessado pode ouvir aqui.

Vieira

Às vezes, aproximamo-nos tarde de certas referências culturais. Foi o que me aconteceu com o padre António Vieira.

Alguns textos de Vieira faziam parte das "seletas" literárias através das quais, ao tempo do liceu, nos chegavam os "maiores" da nossa literatura. A forma pouco apelativa como esses extratos nos eram apresentados, a amálgama feita de autores de épocas e estilos muito diferentes e a obrigação de decorar parte dessas referências acabavam por provocar em nós uma rejeição quase automática a escritores que, se bem explicados e promovidos, poderiam facilmente suscitar o nosso jovem interesse. Com António Vieira aconteceu-me isso.

Só voltei a encontrar Vieira já na faculdade, mas apenas para uma desnecessária provocação: decidi citá-lo, para grande desagrado do professor Silva Rego, de um livro de Charles Boxer intitulado "Race relations in the Portuguese colonial empire". Chegar a Vieira através de um texto em inglês foi uma "sofisticação" ridícula. A qual, aliás, me saiu cara, porque obtive uma nota de exame bem baixa...

Em 2005, chegado ao Brasil, e aproximando-se o "ano vieirino", em que se comemorava o 4º centenário do seu nascimento, decidi ler Vieira "a sério", pela primeira vez. E tive então uma fantástica revelação. Deliciado, devorei a "História do Futuro" e outros seus textos magníficos, para além de me ter familiarizado com a vida de uma figura ímpar, que chegou a ter incursões heterodoxas pela diplomacia. Com o meu amigo padre Brandi Aleixo, um dos grandes especialistas brasileiros em Vieira, organizei algumas iniciativas sobre António Vieira ao longo desse ano de 2008, tendo lançado, através da embaixada em Brasília, um blogue sobre o "ano vieirino" que chegiou a ter apreciável sucesso.

O Brasil trata muito melhor a memória de Vieira do que nós. Por isso, agradou-me muito ter conhecimento que o Círculo de Leitores vai agora editar a obra completa de Vieira. É tempo de Portugal poder ter um completo acesso a um autor e a uma personalidade que, em si mesma, representa muito da identidade luso-brasileira.  

Anna Lindh

Ontem, durante uma reunião de trabalho no Centro Norte-Sul do Conselho de Europa, foi focada a cooperação mantida entre o Centro e a Fundação Anna Lindh, com sede em Alexandria, no Egito, dedicada a desenvolver o respeito mútuo entre as culturas de ambas as margens do Mediterrâneo. Entre o Centro e a Fundação há importantes áreas de interesse comum que já têm sido exploradas e tentaremos continuar a aprofundar.

Anna Lindh era ministra dos Negócios estrangeiros da Suécia quando, em 11 de setembro de 2003, foi barbaramente assassinada num loja, em Estocolmo, por razões nunca totalmente esclarecidas.

Entre 1998 e 2001, cruzei-me com regularidade com Anna Lindh nos Conselhos de ministros "Assuntos Gerais", onde ela era homóloga de Jaime Gama. Era uma mulher sorridente, pessoalmente muito agradável, sempre determinada nas suas posições, com uma linha de intervenção política de onde decorria um evidente sentido de solidariedade internacional. Relevar a sua memória através da Fundação que leva o seu nome é uma merecida homenagem.

A imagem mais forte que dela guardo foi a simpática despedida pública que me fez, durante o último Conselho de ministros da UE a que estive presente, em Bruxelas, em janeiro de 2001, ao tempo em que ela presidia ao Conselho. Nessa intervenção, fez uma simpática alusão ao facto de eu me sentar naquelas cadeiras desde há mais de cinco anos e disse da "inveja" que sentia por eu ir viver para Nova Iorque. Aí nos voltámos a cruzar, meses depois, pela última vez. Disse-me: "Já esqueceste Bruxelas? Nem te pergunto se estás a gostar de viver por aqui..." 

terça-feira, fevereiro 05, 2013

A mensagem

O conselheiro fuzilou, com um olhar severo, o contínuo, de nacionalidade brasileira, que assomara à porta do gabinete onde, na embaixada portuguesa num grande capital europeia, uma conversa amena se estabelecera, naquele final de tarde. 

- Quantas vezes já lhe disse, homem, que não quero que você interrompa as conversas?!

Era um hábito, muito tradicional nos grandes postos diplomáticos, nesse outro tempo em que havia tempo para tudo, os diplomatas reunirem-se, ao fim do dia, num dos gabinetes, numa amena cavaqueira, para trocarem impressões e historietas. Muitas vezes, os mais velhos debitavam informações só acessíveis a quem "bebia do fino", os mais novos apreciavam a partilha dessa experiência e isso constituía um caldo de cultura corporativa que ajudava a forjar o espírito de uma carreira.

Aquele conselheiro era um homem com tiques autoritários, um pouco auto-convencido da sua própria importância, pelo que reagira, desagradado, à intromissão do contínuo. Este, vergado pela reação do diplomata, ficara, qual Martim Moniz, prudente mas teimosamente encolhido na porta entreaberta, à espreita de uma oportunidade para debitar a mensagem que trazia.

Acabada a história, que vira quase interrompida de forma inoportuna, o conselheiro voltou-se, displicente, para o expectante contínuo, e lançou-lhe, generoso:

- Diga lá, homem! O que é que você quer?

-  Só queria dizer que a casa ao lado está pegando fogo...

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

O peso da régua

A régua larga que o professor Pena nos aplicava nas mãos, naqueles anos 50, era bastante menos sofisticada e tinha consequências bem mais dolorosas do que o modelo que a imagem mostra. Lembrei-me disso ao ser-me perguntado, pelo telefone, pelo "Diário de Notícias", se tinha tido algum professor "marcante" ao longo da minha "carreira" académica. Foi, de facto, o mais marcante...

No resto, a entrevista (quero agradecer ao jornal ter ido buscar aos arquivos do JN uma foto que me rejuvenesce quase 15 anos) reflete um percurso académico pouco glorioso e algo acidentado. Mas foi bom lembrá-lo.

domingo, fevereiro 03, 2013

António Pinto Rodrigues

- Mas não te parece arriscado? E se o livro não se vende bem?

- Não se vende?! Tu estás é doido! Temos é que começar a pensar nas novas edições! Isto vai ser um êxito estrondoso!

A conversa era entre mim e o António Pinto Rodrigues, nesse "Verão quente" de 1975. Dizia respeito à ideia de fazermos uma "edição de autor" do livro "O Caso República", em lugar de aceitar uma proposta de uma editora, que só nos dava 10% do preço de capa. O António, o Toni, que era um intravável otimista, achava que o "êxito" era garantido e que, sendo nós responsáveis pela edição, meteríamos ao bolso uma "boa maquia".

(Para registo, diga-se que a edição foi um completo fracasso, como já aqui contei. A distribuição feita pelo Lopes do Souto foi desastrosa e o livro vendeu-se mal, "ajudado" por um tempo em que já havia um cansaço desse género de obras. Andámos muitos meses a pagar e a "reformar" letras. Tempos mais tarde, ainda tentámos fazer um outro livro, sobre a Assembleia constituinte, mas, felizmente, o realismo conteve-nos.) 

Conheci o Toni nos corredores do ISCSPU, no final dos anos 60. À época, via-o ligado a colegas pouco sensíveis às inquietações político-associativas que então me mobilizavam. A nossa relação era, assim, algo distante e até áspera. Voltamos a ver-nos no serviço militar, já em 1974, quando eu coordenava a especialidade de "Ação psicológica" e ele era um indisciplinado instruendo. Aproximámo-nos por esse tempo. A seu convite, passei a colaborar, fazendo locução para filmes, para a "Cinegra", uma empresa de cinema onde ele trabalhava. Foi por essa altura que lançámos "O Caso República". Essa aventura pelo cinema acabou entretanto, eu entrei para o MNE e o Toni foi parar a S. Tomé, como professor-cooperante. Um dia de 1976, os cooperantes entraram em greve e o MNE mandou-me a S. Tomé resolver o problema. O líder dos grevistas e meu interlocutor era... o Toni!  Ele gostou de S. Tomé e deixou por lá uma Antologia de Poesia Infantil de que guardo um exemplar dedicado.

Em S. Tomé, o Toni conheceu a suave Dee, uma americana que aí trabalhava para o PNUD. Desse encontro nasceu, já em Lisboa, a Marla, de que sou padrinho de registo (tivémos de "olear" o oficial do cartório para aceitar o pouco comum nome). Por esse tempo, o Toni trabalhava na "Liber", na área editorial. Um dia, decidiu fazer concurso para a UNIDO, a agência das Nações Unidas para o desenvolvimento industrial. Nela chegaria a lugares cimeiros, tendo sido, historicamente, um dos portugueses que ocupou cargos mais destacados em organizações internacionais. Viena passou então a ser a sua cidade, numa existência com visitas regulares a Sande, perto de Lamego, onde a sua mãe, a encantadora dona Irene, se mantinha como um dos grandes amores da sua vida. Por Viena nos encontrámos muito, nos dois anos em que por aí vivi.

Até essa altura, tinhamo-nos cruzado pelo mundo, com alguma regularidade. Uma noite, em Londres, juntei-o num jantar com o Rui Santos, um outro grande amigo já desaparecido. Foi um desastre! Ambos eram pessoas afirmativas, confrontacionais, "pegaram-se" numa interminável discussão e a noite estragou-se. É que o Toni é de ideias fortes, "definitivas" e raramente tem dúvidas. Muitas discussões tivemos nós, principalmente quando eu andava pelo governo! Mas sempre como grandes amigos.

Dos EUA, onde agora reside, chegaram hoje notícias preocupantes sobre a saúde do António, que nos deixam muito tristes. Deixo-lhe aqui um fraternal abraço, extensivo à Dee, à Marla e ao Manel. E também ao Rodrigo. Com votos de que todos possam manter a imensa coragem que a extraordinária lição de vida do António sempre lhes ensinou.      

sábado, fevereiro 02, 2013

Notícias da lavoura

Não é apenas ridícula, como certos comentadores sublinharam, a ideia de alguns deputados, amantes da "lavoura", de trazerem de volta o modelo "TV Rural", do engº Sousa Veloso, à programação da RTP. Na sua ingenuidade saloia, a iniciativa é muito mais do que isso: revela uma pulsão dirigista, a que é preciso estar bem atento. Porque, lá no fundo, revela saudades de Ramiro Valadão.

E torna-se pateticamente triste observar os autores da ideia a reagirem, defensivamente, com o argumento de que outros, se acaso estivessem no poder, fariam o mesmo ou pior. O importante é a sociedade conseguir impor mecanismos institucionais que permitam que estas derivas não possam nunca acontecer, esteja quem estiver no poder. Enquanto houver espaço para alguns as tentarem, mesmo que de forma inábil, fica claro que há razões para preocupação.

Da política

É uma interessante sensação de liberdade poder falar na comunicação social sobre a política portuguesa sem ter uma limitação opinativa por virtude das funções oficiais exercidas.

Ontem à noite, na RTP, durante cerca de uma hora, com Ana Sá Lopes e Miguel Pinheiro, no programa de Maria Flor Pedroso "Hora de fecho"*, passámos em revista a crise no seio do PS, a remodelação governamental e outros tópicos de atualidade. No final, os meus colegas de programa foram de opinião de que eu mantive um registo "ainda muito diplomático". Pudera! São muitos anos...

Convidado a salientar um tema, falei da crise do Mali e na quase vergonhosa ausência de apoio europeu à intervenção da França - um país que, naquele contexto, demonstrou um elevado sentido de responsabilidade e uma forte visão estratégica.

* o programa pode ser visto aqui

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Norte-Sul ou North-South?

Mês novo, vida nova. Assumi hoje funções como novo diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. A sede é num belo edifício da Lapa, em Lisboa.

A equipa que comigo passa a colaborar, e com a qual já reuni, é bastante jovem, oriunda de vários países, esmagadoramente feminina e, pareceu-me, muito motivada para trabalhar pelo futuro de uma estrutura que, a meu ver, tem condições para dar um forte contributo ao trabalho do CdE. Ou muito me engano ou em Estrasburgo vão ouvir falar de nós.

Em complemento do post de ontem, não deixa de ser curioso passar a trabalhar, em Lisboa, num "ambiente" onde o inglês (e, mais residualmente, o francês) é a língua normal de trabalho.  

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...