quinta-feira, janeiro 27, 2011

A banda dos seis narizes*

O diário "Libération" ("Libé", para os franceses) habituou-nos, de há muito, a imaginativas surpresas no seu "layout".

Hoje, para celebrar o festival de banda desenhada de Angoulême, todas as imagens do jornal assumem a forma de desenhos, como esta que representa as manifestações no Cairo.

*O título deste post recupera o nome de uma livraria que existe em Bruxelas - "La bande des Six Nez" -, especializada, como não podia deixar de ser, em "bande déssinée"

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Manuela de Melo

Acabo de ler que a deputada Manuela de Melo deixou a vida política. Por uma qualquer coincidência, bem rara, creio que nunca a encontrei, ao tempo, já longínquo, em que andei por essa mesma vida. Mas isso não me impede de me recordar muito bem dela, para além da imagem que os portugueses conservam como uma das caras nortenhas da RTP.

Manuela de Melo era a nossa grande vedeta no Teatro Universitário do Porto (TUP), nos anos 66/68. Com Jorge Ferreira, Manuela constituía o par romântico da peça "Ana Kleiber", de Alfonso Sastre, que, sob direção de Correia Alves, o TUP levou à cena nesse tempo. Eu tinha um curto papel, a abrir e a fechar o espetáculo, no qual fazia de jornalista que entrevistava o autor, este representado por Francisco Vasconcelos, que hoje o mundo literário conhece como Francisco Vale, diretor da "Relógio de Água". Durante o resto do espetáculo, ajudava na sonoplastia, tendo-me cabido descobrir, nos arquivos do Rádio Clube Português, do Porto, onde então colaborava, a música que servia de fundo a toda a peça, a magnífica "Lili Marleen", na voz de Marlène Dietrich. A nossa "Ana Kleiber" andou pelo país e recordo-me, em especial, da nossa presença na abertura do festival do CITAC, em Coimbra. Com a representação da Manuela a garantir-nos um imenso sucesso.

Esses sim, belos tempos!

BBC em português

Acaba de saber-se que o "BBC World Service" vai deixar de transmitir os seus programas em português para África, no âmbito de uma profunda reforma motivada por cortes orçamentais. Creio que muitas pessoas desconhecem que o "BBC World Service" era suportado por verbas do "Foreign Office", o MNE britânico, que agora decidiu deixar de financiá-lo. Não é claro, por ora, se isso não afetará, em absoluto, o uso da língua portuguesa nos serviços da BBC.

O "serviço português" da BBC tem uma história importante, desde a sua criação, em 1939. Lembro-me de o meu pai contar como, durante a 2ª Guerra mundial, a voz, em "ondas curtas", de Fernando Pessa trazia aos democratas portugueses as notícias dos Aliados, quebrando o bloqueio informativo imposto pela censura salazarista. Mais tarde, no estertor da ditadura, recordo-me de, eu próprio, ouvir com regularidade a BBC, em português, com novidades da nossa política doméstica que o marcelismo procurava ocultar. Para além de Pessa, outros nomes que viriam a ser bem conhecidos na rádio portuguesa passaram pelo prestigiante "serviço português" da BBC. Lembro-me - e cito de cor - de Francisco Mata, Joaquim Letria, António Cartaxo, Hernâni Santos, Gilberto Ferraz, António Borga, Luís Amorim de Sousa, José Júdice, Fernando de Sousa, João Paulo Dinis e José Rodrigues dos Santos.

Interessa registar, como nota histórica, o papel desempenhado pelo "serviço português" da BBC como via de informação dos guerrilheiros de Timor-Leste, lembrado no seu blogue por essa figura incontornável nos "media" portugueses em Londres, que é o meu amigo Gilberto Ferraz.

Confesso que sinto com alguma tristeza este fim do "serviço português", deixando aqui um abraço ao Manuel Santana, que o dirigiu por bons anos. Tenho esperança que este exemplo negativo não venha a frutificar em terras francesas, onde o serviço em língua portuguesa da Radio France Internationale também já sofreu lamentáveis cortes e limitações.

Em tempo: o "Jornal de Notícias" faz referência a este assunto com esta "pérola": "Mas para Teresa Lima, responsável pela secção portuguesa na BBC, onde está há 12 anos, a notícia não é totalmente inesperada. "O serviço já teve para ser cortado várias vezes", explicou, em declarações à agência Lusa.". Já "teve"? Será "sotaque" de Lisboa? Ou mau ouvido? E ninguém "edita" isto no jornal?

Comércio internacional

Leio hoje esta notícia, no sempre atento Portugal Digital:

"Técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (do Brasil) examinam alternativas, como a imposição de barreiras tarifárias para conter importações consideradas prejudiciais para alguns setores da produção nacional
(...)O objetivo é recuperar a balança comercial positiva em relação a maior parte dos parceiros econômicos do Brasil.
(...)A lista de produtos sujeitos a essas restrições ainda não foi concluída, mas a ideia é priorizar as mercadorias que têm similares produzidos no Brasil ou que têm condições de serem fabricados no país".

Este é um sinal bem claro de que o protecionismo, essa pandemia cíclica da economia internacional, está de regresso. Veremos, no caso específico do Brasil, em que medida isso terá implicações no quadro da retoma de negociações do acordo económico entre o Mercosul e a União Europeia (UE).

Há dias, em conversa com uma figura que, há pouco, deixou um lugar no governo francês na área económica externa, perguntei que esperanças podiam ainda colocar-se na conclusão do "ciclo de Doha", da Organização Mundial de Comércio (OMC), tido como o "ciclo do desenvolvimento" e, por muitos anos, apresentado como um fator potenciador do crescimento das economias à escala global. A minha interlocutora olhou para mim com surpresa, comentando que, nos dias que correm, apenas era legítimo falar do "antigo ciclo de Doha"...

A minha pergunta não era inocente, bem pelo contrário. O meu objetivo era abrir espaço para a questão seguinte: se, perante a constatação desse impasse, haveria ou não que repensar o curso de "phasing-out" da Política Agrícola Comum (PAC), que havia sido desenhado em Novembro de 2002, ainda a montante da definição das últimas "perspetivas financeiras" (quadro financeiro plurianual, 2007-2013), cujo termo deveria coincidir com a entrada em vigor do (então julgado possível) acordo dentro da OMC. 

O sorriso da minha interlocutora revelou que isso era "música" para os seus ouvidos. "Claro que a PAC é para continuar e, se possível, reforçar. É uma política estruturante da UE e, cada vez mais, temos de ter em atenção a segurança alimentar da Europa", disse-me.

Tomei a devida nota, com a autoridade de representante de um país que é "contribuinte líquido" da PAC, isto é, de um Estado que paga mais para essa política do que dela recebe... 

terça-feira, janeiro 25, 2011

Côte d'Ivoire

No meu tempo (pelo menos), o francês e inglês eram as duas línguas de trabalho utilizadas na Convenção de Lomé (hoje chamada de Cotonou), o acordo político, económico e social entre os membros das (então) Comunidades Europeias e as mais de seis dezenas (à época) de países da África, Caraíbas e Pacífico - os chamados países ACP -, a maioria dos quais antigas colónias europeias.

Durante uma reunião da Convenção de Lomé, nos anos 80, em Bruxelas, assisti a uma cena curiosa.

O embaixador britânico estava no meio de uma intervenção quando, subitamente, foi interrompido por um delegado africano, que se levantou e pediu a palavra. Os co-presidentes, do lado europeu e do lado ACP, ficaram, por segundos, sem saber o que fazer. Neste tipo de reuniões, as intervenções oriundas de cada grupo não assumem um caráter nacional, correspondendo a uma espécie de representação temática, distribuída pelos representantes de certos  Estados (na altura, do lado europeu, creio que falavam apenas os membros da chamada troika - o Estado que detinha a presidência, o que o havia antecedido na função e o que lhe sucederia no semestre seguinte). 

O delegado africano - que logo anunciou, alto-e-bom-som, que era o embaixador da "Côte d'Ivoire"- , aproveitando a hesitação, acabou por levar a sua avante e lá tomou a palavra, em francês:

- Quero lavrar o meu protesto solene quanto à forma como o senhor embaixador se refere ao meu país. Deve saber que ele não se chama "Ivory Coast", chama-se "Côte d'Ivoire". Esse é o nome oficial, que deve ser respeitado por todos. Os nomes dos Estados não se traduzem.

Protesto registado, o homem sentou-se, com a "honra" visivelmente vingada. O colega europeu que representava o executivo de sua majestade engoliu em seco e deve ter optado por passar a referir-se ao "governo de Abidjan" (felizmente, na altura, só havia um...). E a reunião lá prosseguiu. 

Não vem para o caso saber se o embaixador africano tinha ou não razão, no seu ponto formal. O futuro, pelo menos, não lha daria, porque o nome do seu país, em inglês, circula por aí. Mas o incidente, pelo seu ineditismo, ficou-me na memória. Agora que a "Côte d'Ivoire" anda, por muito más razões, na boca do mundo, talvez valha a pena lembrar que, entre nós, ela nunca deixou de chamar-se Costa do Marfim...

Cultura portuguesa em França

Assim começa um "take" da Lusa, hoje:

"Em 2012, Joana Vasconcelos será a primeira artista plástica europeia convidada para instalar o seu trabalho no Palácio de Versalhes. Neste início de 2011, António Lobo Antunes é alvo de uma homenagem inédita em França, com 50 espectáculos dedicados à sua obra até Junho. Gonçalo M. Tavares recebeu, em Novembro passado, o Prémio do Melhor Romance Estrangeiro pela tradução francesa de Aprender a Rezar na Era da Técnica. A Mãe, de Rodrigo Leão, foi escolhido para a lista de álbuns do ano pela revista Les Inrockuptibles. Mistérios de Lisboa, de Raoul Ruiz, adaptando Camilo Castelo Branco, foi um dos filmes mais aplaudidos de 2010.

O que se passa de novo em França com a cultura portuguesa?
"

No momento em que Fátima Ramos, conselheira cultural em França, acaba o seu trabalho de alguns anos na Embaixada, e sem prejuízo da capacidade de afirmação autónoma de alguns criadores, é de justiça notar que uma parte da resposta também passa por ela.

"Ortographia"

Pois é, desculpem lá, mas acaba de sair no "Diário da República", de hoje, a Resolução do Conselho de Ministros que determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012 e, a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo, bem como à publicação do Diário da República.

Alguns não gostarão. Foi o que provavelmente sucedeu aos nossos antepassados, quando deixaram de escrever "pharmácia" e "assumpto". Como me disse um dia Evanildo Bechara, o negociador brasileiro deste Acordo, os entendimentos ortográficos (e já não "ortográphicos"), verdadeiramente, são feitos para as gerações seguintes.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Ainda Lobo Antunes

"Triste, eu?!", ripostou Lobo Antunes, a um jornalista que, na manhã de ontem, o interrogou na Embaixada, por ocasião da apresentação de um projeto teatral que lhe é dedicado inteiramente neste semestre, de que já aqui falei, bem como do seu novo livro, em francês, "Mon nom est légion". A pergunta referia-se ao tom geral da sua obra, mas o romancista decidiu tomá-la à letra e falou da "má disposição" que, às vezes, emerge em membros da sua família.

O escritor está, por estes dias, em França. Na conferência de imprensa, fez uma digressão divertida e "solta" em torno da sua relação com este país, dos amigos que aqui sempre teve, demonstrando reconhecimento por quem aprecia e acarinha a sua obra.

Duas notas humanas.

A primeira sobre Jean Daniel. Lobo Antunes revelou que, um dia, o jornalista lhe escreveu, mostrando o desejo de o conhecer. Ora essa era uma admiração facilmente correspondida, já que o escritor, enquanto militar, era leitor atento do "Nouvel Observateur", que lhe chegava à frente de combate, sabe-se lá por que meios.

Tocante foi também o modo como António Lobo Antunes falou do seu novo tradutor, Dominique Nédellec. "Quando o conheci, olhei para ele e não acreditava: pensei que era o Art Garfunkel...". O escritor falou da arte da tradução, que vê como a versão "a preto e branco de um quadro a cores", onde se projeta um trabalho da maior delicadeza. E foi, igualmente, bastante interessante ouvir a perspetiva culta do próprio tradutor, a falar da sua imersão na obra do autor, "assustado" inicialmente pela imensa responsabilidade e, finalmente, agradado com o agrado evidente do criador do texto.

Um belo momento, com António Lobo Antunes, em Paris, ontem.

Os portugueses deles

Um dos grandes mistérios que, desde há muitos anos, me atravessa é o critério seguido pela imprensa estrangeira para selecionar as personalidades portuguesas cujas citações usa nos seus artigos sobre o nosso país. Quero crer que tal escolha assente em nomes mais sonantes, em conhecimentos antigos ou, para quantos querem ir um pouco mais longe e não sabem por onde ir, nos amigos de amigos.

Para além das figuras institucionais - figuras políticas, de todos os quadrantes -, que sempre dizem exatamente aquilo que se espera que digam, há no nosso país uma mão-cheia de personalidades que, com maior ou menor regularidade, aparecem referenciadas nos escassos artigos que o Portugal  político suscita. Os períodos eleitorais são as ocasiões de ouro para o brilho internacional desses especialistas em nós mesmos. E, desta vez, claro!, isso não deixou de ocorrer.

Como o jornalismo de oportunidade precisa de um "lead" caricatural, porque não é de bom tom, sobre um país informativamente longínquo, não fazer assentar o texto numa única linha opinativa, tida por representativa do "mainstream", as vozes escutadas entre aspas ecoam quase sempre, embora cada uma à sua estimável maneira, o tom geral com que o artigo pretende mostrar o Portugal por onde o jornalista passou umas horas. E, em regra, pouco mais.

domingo, janeiro 23, 2011

Na Lipp

Na noite de ontem, na Brasserie Lipp, pergunto a um amigo, concentrado sobre o seu iPhone:

- Estás a ler os resultados das presidenciais? Como é que ficaram?

- Não, estou a tentar tirar uma fotografia à Kate Moss, ali naquela mesa.

E não é que estava mesmo?!

"Maison & Objet"

Um total de 65 empresas portuguesas, do mobiliário à iluminação e aos têxteis, está presente, nestes dias, na "Maison & Objet", uma das mais importantes feiras de decoração de interiores do mundo, que, duas vezes por ano, tem lugar aqui em Paris. Portugal é o quarto país em termos de representação, nisto consumando aquilo que tem sido a sua sempre crescente presença neste certame.

Do contacto que pude ter com os responsáveis pelas diversas dezenas de stands que visitei, constatei um optimismo bastante generalizado quanto ao futuro, fruto do interesse do mercado pela produção portuguesa. Diga-se, de passagem, que é sensível a excelente qualidade e apresentação dos materiais expostos. A imagem de Portugal e da economia portuguesa sai muito prestigiada de feiras como esta.

Com estes exemplos se percebe melhor por que razão, tirando as importações dos produtos petrolíferos, o saldo da balança comercial portuguesa com o exterior apresenta, pela primeira vez desde há décadas, um valor positivo. 

O dodô

Um dia, na ilha Maurícia, fui "apresentado" ao dodô. O dodô é o animal simbólico do país, desaparecido no século XVII e de que apenas existem desenhos, os mais detalhados dos quais feitos por quem nunca chegou a testemunhar a sua existência.

Os portugueses estão tristemente ligados à história do dodô. Devem-se à armada de Afonso de Albuquerque o descobrimento e a colonização da ilha Maurícia. Ao que rezam as lendas, foram esses nossos compatriotas quem exterminou a raça, ao elegê-la como produto gastronómico local preferido. 

O dodô era um animal que deveria ter bastante mais de uma dezena de quilos, que perdera a aptidão de voar, por ausência de predadores na ilha, e, por essa razão, era presa fácil da fome dos nossos navegadores, que o deviam confundir com um perú.

A memória que o mundo conserva dos descobrimentos portugueses integra estas peculiaridades menos conhecidas. Assim, o dodô faz parte da nossa história.

sábado, janeiro 22, 2011

Há 50 anos

Precisamente há 50 anos, o ditadura portuguesa teve o seu "annus horribilis", o mais complexo de todo o percurso vivido desde o golpe militar de 28 de maio de 1926.

A expressão do descontentamento popular e o consequente revigoramento oposicionista, saídos das "eleições" presidenciais de 1958, teriam expressão, no ano seguinte, numa tentativa de golpe armado, conhecido como a "revolta da Sé", que consagrou uma intervenção mais ativa dos católicos na vida política - mobilizados também pelo exílio que o regime impôs ao bispo do Porto. 

Em 21 de janeiro de 1961, Henrique Galvão toma de assalto o paquete mercante português "Santa Maria", em águas das Caraíbas. Grande parte do mundo acorda então, pela primeira vez, para a situação política que se vivia em Portugal. O Brasil, onde Humberto Delgado se refugiara em 1959 e os revoltosos entregam o navio, passa a ser, por alguns anos, o centro da oposição ao Estado Novo no exterior.

Dias mais tarde, em 4 de fevereiro, um conjunto de ataques armados promovidos por independentistas angolanos abala Luanda, gerando, a partir de então, uma profunda desestabilização naquela colónia africana. Em 15 de março, grupos de angolanos vindo do antigo Congo belga, desencadeiam ações armadas em áreas rurais do norte do território, com um saldo sangrento entre colonos e outra população fiel à administração portuguesa.

A guerra instala-se em Angola e, três anos mais tarde, vai estender-se a Moçambique e à Guiné, obrigando, por muitos anos, a um impressionante esforço militar português, cuja sustentação teve um custo material e humano que iria condicionar, em muito, o desenvolvimento do país, originando uma importante vaga migratória. As guerras  nas colónias foram também o novo pretexto utilizado pelo regime para a manutenção do imobilismo político em Portugal.

O regime, porém, revela as suas fissuras e, em 13 de abril, o general Botelho Moniz e alguns oficiais generais tentam um "pronunciamento" para afastar Salazar, que este consegue anular. De certo modo, o acontecimento consagra a penúltima oportunidade perdida pelo regime para concretizar a sua própria reforma. A seguinte seria, em 1968, a substituição de Oliveira Salazar por Marcelo Caetano.

Em julho de 1961, o forte de S. João Baptista de Ajudá, um pequeno enclave português, é tomado pelo Daomé (hoje Benim).

Numa tentativa para mostrar algum "aggiornamento", com vista a atenuar as pressões sobre a sua política colonial por parte da comunidade internacional, o governo português abole, entretanto, o "Estatuto do Indigenato", um ato de cosmética legislativa do qual não retirará quaisquer resultados.

Durante o mês de outubro, a oposição política interna movimenta-se, com vista ao ato eleitoral do mês seguinte. A censura, a repressão das sessões de informação e propaganda, bem como as dificuldades colocadas à realização de um sufrágio com um mínimo de credibilidade, levam os oposicionistas a desistirem da ida às urnas, denunciando ao mundo mais uma das regulares fraudes eleitorais montadas pelo regime.

A 10 de novembro, um comando chefiado por Hermínio da Palma Inácio desvia um avião da TAP na carreira Casablanca-Lisboa, de onde são lançados, sobre a capital portuguesa, panfletos contra a ditadura.

Na noite de 17 para 18 de Dezembro, numa operação militar que culmina anos sem uma solução negociada, a União Indiana invade os territórios que constituíam o Estado da Índia, dando por terminada a secular presença portuguesa.

Finalmente, na noite de 31 de Dezembro, um grupo armado, que tem por detrás o general Humberto Delgado, ataca o quartel de Beja. O movimento é derrotado e uma nova vaga repressiva tem lugar.

Há 50 anos, os adversários, internos e externos, do Estado Novo (e não de Portugal, como certa historiografia e alguma mitologia política saudosista pretendem) mostravam que o combate ao regime entrava numa nova fase. A "situação" - como o léxico popular qualificava o poder político de então - iria sustentar-se por mais 13 anos. A luta política contra a ditadura, no interior ou no exílio, intensificou-se e, da parte do regime, deu origem a novas vagas de repressão. O impasse histórico viria a ser resolvido pelas Forças Armadas. Os militares, que tinham imposto a ditadura em 1926 e que, na prática, a tinham sustentado desde então, decidem o seu derrube em 25 de abril de 1974, abrindo caminho para a restauração da democracia. A mesma democracia que, no dia de hoje, permite aos portugueses, em plena liberdade, escolherem o presidente da sua República.

sexta-feira, janeiro 21, 2011

O cônsul honorário

Notei que o homem estava agitado. Pensei, contudo, que esse nosso Cônsul Honorário, numa remota cidade num país francófono do "Sul", cujo nome esqueço, vivia apenas o nervosismo de ter a visita de um membro do governo português, a cuja comitiva eu pertencia.

A certo passo, o Cônsul queixou-se-me:

- O nosso Embaixador bem me podia ter avisado com mais antecedência. Só ontem me disseram que vinham cá dormir. Não tive tempo para preparar nada de jeito.

Sosseguei o homem e disse-lhe que estava tudo a correr muito bem, desde o encontro com as autoridades locais até à receção com os escassos portugueses residentes. Só o bizarro hotel (de cujo pátio podem ver uma foto verdadeira), de arquitetura de todo improvável naquelas paragens, com as banheiras cheias mas sem água corrente nos quartos, é que deixava muito a desejar. Mas, que se havia de fazer!, era o único da cidade.

O homem, no entanto, continuava inconformado. E insistia:

- É que eu podia ter preparado uma coisa bem mais agradável, se tivesse sabido com mais tempo.

Procurei acalmá-lo:

- Mas está tudo impecável! O que é que você podia ter feito mais?

- Ó senhor doutor! Com tempo, eu tinha preparado em minha casa um programa "de truz" para os senhores, com umas "garinas" magníficas, tudo "material" garantido e sem problemas. Mas não me avisaram! Isto não se faz!

De facto...

Agustina

Durante três dias, tem lugar em Paris um colóquio sobre Agustina Bessa Luis, numa organizaçao da Sorbonne (Paris III) e do centro cultural Gulbenkian, com apoio do Instituto Camões.

Um alargado grupo de especialistas revisita a obra da escritora, numa perspetiva pluridisciplinar, à qual igualmente é dedicada uma exposição patente na Casa de Portugal, na Cité Universitaire de Paris.

Ontem, durante a abertura da conferência, tivemos oportunidade de ouvir uma magnífica lição do professor Arnaldo Saraiva, que nos trouxe a sua perspetiva sobre a relação de Agustina com o Porto. O orador, que conviveu profundamente com a autora, deu-nos conta de alguns dos seus traços de caráter, da sua frontalidade crítica e do modo como isso se repercute em muitos dos seus textos, neste caso no que respeita ao Porto e à idiossincrasia.

Alguém me dizia, depois da conferência, que quem conheceu Agustina ficou, com toda a certeza, com uma ou outra história dela, da sua forte personalidade e da agudeza do seu espírito. Deve ser verdade, porque não fui exceção.

Creio que em 2005, Agustina foi ao Rio de Janeiro, no âmbito da atribuição do prémio Camões. Durante um descontraído almoço, a que estavam presentes Lygia Fagundes Telles e Ruben Fonseca, tive uma animada conversa com a escritora, ao lado de quem fiquei. Recordo-me de que me falou de Manoel de Oliveira, e de curiosos episódios no âmbito do trabalho conjunto que fez com o realizador e seu velho amigo, para um determinado filme. Nessa mesma noite, ao chegar ao hotel, acompanhado pelo professor Helder Macedo, que também visitava o Brasil, cruzámo-nos com Agustina, que estava com Adriano Jordão, o nosso conselheiro cultural no Brasil. Cumprimentámo-la e o Helder comentou: "Diga-me lá, Agustina, como é que consegue esse prodígio de só ter amigos, de não ter inimigos?" Agustina deu uma gargalhada sonora e, rápida, retorquiu: "Não tenho inimigos? Mas, olhe!, quando quero, faço-os, pode crer!".

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Linguagem diplomática

Uma amiga francesa, professora universitária de medicina, teve um encontro no "Quai d'Orsay" - como, simplificadamente, aqui se identifica o ministério "dos Estrangeiros" da França. Tratava-se de constituir uma delegação a uma certa reunião internacional. A certo passo, ficou chocada quando verificou que a delegação iria ter duas componentes: a diplomática e a técnica, tendo sido incluída nesta ultima. Para ela, era quase ofensivo ver-se qualificada como "técnica". "De início, pensei que o conceito se aplicava às secretárias, aos motoristas ou, no máximo aos especialistas de informática", disse-me.

Perguntou-me se, em Portugal, procedíamos da mesma forma. Confirmei-lhe que sim e, devo confessar, inicialmente eu próprio fiquei surpreendido com a questão que me colocava, com a surpresa dela. Depois, pensando um pouco melhor, refleti que esta dualidade, tida entre nós como natural, pode por alguns ser lida numa perspetiva descriminatória.

A propósito, lembrei-me de que, um dia, disse a alguém que, no MNE, aguardávamos uma resposta dos "ministérios sectoriais" a uma determinada questão. "Dos ministérios quê?" - retorquiu o meu interlocutor. "Sectoriais", sublinhei eu, com toda a naturalidade. "Essa agora! Então e o MNE não é sectorial? O que é? É global?". De facto... 

Há vícios corporativos que é difícil de perder. "Liturgias da casa", como dizia um velho embaixador.

Invasões francesas

Não sei se é impressão minha, mas tenho a sensação de que, maugrado alguns esforços pontuais muito louváveis, em 2010 não se foi tão longe quanto se deveria ter ido, em Portugal, na lembrança das Invasões Francesas, no bicentenário da terceira campanha militar.

Na breve abertura que ontem fiz ao lançamento, que, com o Instituto Camões, promovi na Embaixada, do livro do historiador português Manuel do Nascimento, "Troisième Invasion Napoléonienne au Portugal (Bicentenaire 1810-2010)," lembrei que foram essas ações militares que forçaram a sua partida da corte portuguesa para o Brasil, a aceleração da independência desse território e o impacto desses acontecimentos no futuro do nosso país, sem esquecer o que isso significou como o início do fim do nosso "ancien régime".

As dezenas de pessoas que encheram (e fizeram transbordar) o auditório, tiveram a oportunidade de ouvir uma magnífica palestra do professor e historiador Yves Léonard, que fez a apresentação da obra, durante a qual detalhou, com grande profundidade, as diversas dimensões das invasões, desenvolvendo uma curiosa análise, complementada por outros intervenientes no animado debate que se seguiu, sobre o perfil dos líderes militares franceses que chefiaram as operações, o qual não deixaria de ter uma grande relevância para o modo como essas campanhas acabaram por decorrer. Em particular, o professor Léonard contextualizou historicamente esse esforço militar no binómio estratégico franco-britânico e peninsular, destacando também os aspetos mais relevantes do trabalho de recolha e tratamento histórico levado a cabo por Manuel do Nascimento.

quarta-feira, janeiro 19, 2011

Eduardo Barroso

"Um cirurgião é um cidadão que pratica, com regularidade, atos ilegais: atentados contra a integridade física das pessoas. Porém, tem uma especial derrogação para o fazer, com vista a salvaguar um bem maior, que é a vida dessas pessoas".

Ouvi ontem esta definição, de um modo entre o formal e o irónico, na boca do presidente da Académie Nationale de Chirurgie, por ocasião sessão solene anual da instituição, durante a qual teve lugar a entronização, na qualidade de membro estrangeiro, do cirurgião português Eduardo Barroso - uma distinção rara conferida por esta importante associação, que acolhe todas as sumidades das especialidades cirurgicas.

Foi gratificante para o representante diplomático portugues poder estar presente na consagração pública de um compatriota prestigiado, cujo curriculum profissional e científico foi, na ocasião, sublinhado com grande ênfase.

Hoje vamos comemorar na Embaixada, com alguns dos seus amigos franceses e portugueses, esta hora de glória de Eduardo Barroso. E, no final, com a discrição que as circunstâncias (desportivas, claro!) justificam, vamos igualmente fazer um voto de saúde ao nosso comum Sporting, pelo sucesso de uma operação que o possa revitalizar e, por essa via, alegrar os seus amigos.

Comentários

Não me perguntem porquê, mas mais de uma dezena de comentários, inseridos nos últimos posts, desapareceram. Mistérios da internet...

(Vamos a ver se, mesmo fora de ordem, se conseguem recuperar alguns comentários, através de um registo paralelo)

Notícias da família europeia

Transcrito de uma notícia no "Financial Times" de hoje:

- "As obrigações do tesouro portuguesas subiram acima dos 7% (...) após se terem acentuado as preocupações de que a crise da 'eurozona' pode piorar, na sequência dos comentários de Wolfgang Schauble, o ministro alemão das Finanças".

- "Ralf Preusser, chefe do 'European Rates Research' na BofA Merrill Lynch Global Research, disse: 'Cada vez que os decisores políticos vêem uma melhoria no sentimento dos mercados, mesmo se em antecipação de medidas de natureza política, eles pensam ter uma justificação para recuar no apoio a ser concedido. O mercado funcionou positivamente por virtude das esperanças criadas de que haveria significativas mudanças no tamanho e no âmbito do Fundo europeu de estabilização financeira. E isso não se concretizou'. Os comentários do sr. Schauble atingiram também outros mercados perféricos de obrigações, com as taxas de juros a subirem drasticamente na Grécia, na Irlanda e num leilão de obrigações na Bélgica".

Assim vai a família europeia, vista, à distância, de Londres.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...