No meu tempo (pelo menos), o francês e inglês eram as duas línguas de trabalho utilizadas na Convenção de Lomé (hoje chamada de Cotonou), o acordo político, económico e social entre os membros das (então) Comunidades Europeias e as mais de seis dezenas (à época) de países da África, Caraíbas e Pacífico - os chamados países ACP -, a maioria dos quais antigas colónias europeias.
Durante uma reunião da Convenção de Lomé, nos anos 80, em Bruxelas, assisti a uma cena curiosa.
O embaixador britânico estava no meio de uma intervenção quando, subitamente, foi interrompido por um delegado africano, que se levantou e pediu a palavra. Os co-presidentes, do lado europeu e do lado ACP, ficaram, por segundos, sem saber o que fazer. Neste tipo de reuniões, as intervenções oriundas de cada grupo não assumem um caráter nacional, correspondendo a uma espécie de representação temática, distribuída pelos representantes de certos Estados (na altura, do lado europeu, creio que falavam apenas os membros da chamada troika - o Estado que detinha a presidência, o que o havia antecedido na função e o que lhe sucederia no semestre seguinte).
O embaixador britânico estava no meio de uma intervenção quando, subitamente, foi interrompido por um delegado africano, que se levantou e pediu a palavra. Os co-presidentes, do lado europeu e do lado ACP, ficaram, por segundos, sem saber o que fazer. Neste tipo de reuniões, as intervenções oriundas de cada grupo não assumem um caráter nacional, correspondendo a uma espécie de representação temática, distribuída pelos representantes de certos Estados (na altura, do lado europeu, creio que falavam apenas os membros da chamada troika - o Estado que detinha a presidência, o que o havia antecedido na função e o que lhe sucederia no semestre seguinte).
O delegado africano - que logo anunciou, alto-e-bom-som, que era o embaixador da "Côte d'Ivoire"- , aproveitando a hesitação, acabou por levar a sua avante e lá tomou a palavra, em francês:
- Quero lavrar o meu protesto solene quanto à forma como o senhor embaixador se refere ao meu país. Deve saber que ele não se chama "Ivory Coast", chama-se "Côte d'Ivoire". Esse é o nome oficial, que deve ser respeitado por todos. Os nomes dos Estados não se traduzem.
Protesto registado, o homem sentou-se, com a "honra" visivelmente vingada. O colega europeu que representava o executivo de sua majestade engoliu em seco e deve ter optado por passar a referir-se ao "governo de Abidjan" (felizmente, na altura, só havia um...). E a reunião lá prosseguiu.
Não vem para o caso saber se o embaixador africano tinha ou não razão, no seu ponto formal. O futuro, pelo menos, não lha daria, porque o nome do seu país, em inglês, circula por aí. Mas o incidente, pelo seu ineditismo, ficou-me na memória. Agora que a "Côte d'Ivoire" anda, por muito más razões, na boca do mundo, talvez valha a pena lembrar que, entre nós, ela nunca deixou de chamar-se Costa do Marfim...
4 comentários:
Fenômeno parecido ocorre aqui na América do Sul. Os brasileiros tanto pertubaram que nos países onde nossa presença é mais comum como na Argentina se escreve Brasil. Ainda que não usemos de reciprocidade nesse caso.
Abs
A imagem é bem sugestiva...
Uma sombra pasmada numa alvorada que não chega uma palmeira solitária de braços pendentes, um espermatozóide em crise de pânico que se evade num céu ambíguo...
Prescrevo uma paisagem que desperte melhores augúrios...
São horas...
Isabel Seixas
Ai marfim... Nem xo nem-dó
E, chamando-lhe Costa do Marfim, seu nome de batismo na Idade Moderno, despertariamos também a ira nacionalista do delegado "ivoirien".
Costa do marfim, rio do ouro, serra leoa, cabo das tormentas, terra do fogo, ilha da páscoa, etc,nomes que, mesmo traduzidos, conservam a sua magia histórica.
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