sexta-feira, dezembro 17, 2010

Procópio

No ano passado, tínhamos perdido o Raul Solnado. Este ano, vai-nos faltar o Jorge Fagundes. Nestas coisas da morte, apetece dizer "é a vida", utilizando a expressão de um certo engenheiro.

Talvez por isso mesmo, hoje, no restaurante da Ordem dos Engenheiros, lá estaremos muitos, no jantar de amigos em que a tertúlia da "mesa dois" do bar "Procópio" se junta, anualmente, numa rotina que, desde há seis anos, eu teimo em não deixar cair. E a que espero chegar a tempo.

Começámos há seis anos na "Marítima de Xabregas" (como contraponto a uns "pontos" que antes se haviam ajuntado, de gravata liberal, lá p'ró Beato), passámos pelo "Manel" do parque Mayer (para ver in loco o andamento das obras do Frank Gehry), demos uma de "finaços" no "Vírgula", até que este se finou (por obra e graça dos sábios administradores da nossa estiva) e, agora, vamos mudar para o restaurante de uma estimável corporação. Mas todos acabamos, cedo ou tarde, no "Procópio".

Olá, Alice!

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Festas

Em princípio, a partir de hoje e nos tempos mais próximos, este blogue vai entrar num registo de alguma acalmia "postal". Mas como a realidade é, às vezes, mais imaginativa que os homens, não se admirem se assim não acontecer.

E, desde já, ficam os meus votos para quem por aqui passar: Bom Natal e um ano de 2011 bem melhor do que aquele por que todas estamos à espera.

Voos (2)

Confesso que, num primeiro momento, pareceu-me que podia havia pessoas legitimamente confundidas. Agora acho que já estamos do domínio da pura desonestidade. Na imprensa, nos blogues e em alguns comentários que por aí se produzem.

A mistura da questão dos voos da CIA para Guantanamo com os voos de repatriamento, vindos de Guantanamo, é uma atitude que releva da mais sofisticada má fé e de uma clara opção pela política do "vale tudo". Tenho muita pena de ver pessoas que estimo entre quantos continuam a procurar explorar, sem  qualquer pudor, esta confusão. A chicana política deveria ter a decência como limite. Mas não tem. Pelo menos em Portugal.

E deixem-me que lhes diga, acho uma suprema ironia ver figuras que sempre demonstraram, por doutrina de vida, a maior desconfiança na palavra dos americanos virem agora tomar à letra, como doutrina de fé, os relatos dos telegramas das missões dos EUA por esse mundo fora.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

Carlos Pinto Coelho (1944-2010)

... e assim, "acontece"! Morreu Carlos Pinto Coelho, um homem que tinha em si todo o entusiasmo do mundo e que, por muitos anos, com aquele sorriso aberto, ajudou, diariamente, a divulgar a cultura portuguesa.

Alguns recordarão também aquela forma tão característica de apresentar o "Jornal" da RTP2, que levou Herman José a criar um "boneco" nele inspirado, sem que o Carlos com isso se ofendesse. E outros reterão para sempre aquele que foi o eterno homem da rádio.

Lembro-me do curioso dialogo que uma noite estimulou, na RTP, entre o embaixador Calvet de Magalhães e eu próprio, sobre a diplomacia e as suas histórias. O que me deu algumas ideias...

Um dia, quando uma patetice de alguém o afastou de fazer o que gostava e fazia bem, o Carlos Pinto Coelho disse-me que ia para o Alentejo. Depois, voltou, creio para a TSF e para a sua eterna RTP. E agora, partiu. "Acontece"...

Até sempre, Carlos!

Ensino

Podia ter graça, se não fosse triste, o tom, entre o chocarreiro e o complacente, com que alguma imprensa e muita blogosfera olhou para os resultados educativos em Portugal anunciados pela OCDE. 

Para quem se compraz no aprofundar dessa arte bem lusitana que é dizer mal de Portugal, talvez não fizesse bem (pelo menos, aos que ainda aprenderam francês) lerem o que o "Le Monde" de hoje traz sobre o assunto, ressaltando, com admiração e muito destaque, os resultados do nosso país. 

Mas eu sei que isso vai a contraciclo de "l'air du temps" e que, para muitos - ao escrever o que escreve -, deve tratar-se de um jornal "vendido"...

terça-feira, dezembro 14, 2010

Richard Holbrooke (1941-2010)

A morte de Richard Holbrooke é uma perda importante para a diplomacia americana. Embora alguns discutam a eficácia efetiva da ação que recentemente vinha a desenvolver no Afeganistão e Paquistão, o seu passado de cidadão da diplomacia revela uma vida de intenso trabalho, com papéis importantes em vários cenários geopolíticos. No seio da administração democrática americana foi sempre um defensor do uso ponderado da força, atitude que, algumas vezes, não soube gerir com total equilíbrio. Mas ficam-se-lhe a dever os acordos de Dayton-Paris, sobre a Bósnia-Herzegovina, que permitiram estancar uma tragédia que já parecia eterna, embora eu saiba, por antecipação, que entre os leitores habituais deste blogue há quem não coincida comigo na avaliação da "bondade" desta ação diplomática.

Conheci-o pessoalmente num interessante almoço, em Nova Iorque, em 1999, ao qual, enquanto membro do governo português de então, acompanhei o presidente Jorge Sampaio e José Ramos Horta, que era amigo de sua mulher. Estávamos num tempo muito complexo da vida de Timor Leste e essa refeição fazia parte de uma estratégia de abordagem da diversificada da administração americana, essencial para alguns aspectos entendidos como vitais para uma solução positiva do problema. Holbrooke era então chefe da missão americana junto das Nações Unidas, função que ocuparia até Janeiro de 2001. Por pouco mais de um mês, não coincidi com ele em funções no "palácio de vidro".

A biografia de Holbrooke está hoje por todos os jornais. O seu papel de grande negociador foi central na sua vida pública e - disse-me quem o conheceu bem - Richard Holbrooke era uma homem de palavra firme, o que lhe garantia uma grande credibilidade nos momento complexos de decisão.  O facto de representar uma grande potência e de se saber adepto de soluções musculadas também deve ter ajudado à eficácia prática de alguns dos seus êxitos. Fica a sensação que Holbrooke esperaria ter uma função nesta administração americana muito superior à que acabou por ter. Isso ter-se-á ficado a dever à escolha de Obama, em detrimento de Hillary Clinton.

Gostaria de destacar um dos seus "feitos", que pode parecer lateral mas que teve uma importância decisiva na facilitação do funcionamento da máquina da ONU: a resolução do diferendo que envolvia as contribuições americanas para a organização, a que ele ajudou a pôr termo, no final de 1999. Com habilidade, utilizou nessa difícil negociação a contribuição dada por Ted Turner, o patrão da CNN, que assim financiou parte da dívida, através de uma milionária doação às Nações Unidas. A convite pessoal de Kofi Annan, tive o prazer de ser um dos dois embaixadores escolhidos para integrar o "board" executivo do "United Nation Fund for International Parnerships", que selecionava os projetos a financiar por esse fundo. Indiretamente, fico a dever a Holbrooke essa magnífica oportunidade.

Finalmente, gostava de mencionar que Holbrooke deixou um livro muito interessante, que vivamente recomendo: "To end a war", sobre a sua experiência na Bósnia-Herzegovina.

Cimeiras

De há muito que penso que a pulsão para a frequente realização de cimeiras a alto nível acaba por banalizar este tipo de encontros e, as mais das vezes, por não estar à altura das expectativas de presenças. 

Há hoje, claramente, uma "summit fatigue" no mundo internacional e os chefes de Estado e de governo evitam, muitas das vezes, deslocar-se a esses eventos, na perceção antecipada que, dos seus resultados, pouco sairá com impacto útil e operativo. E, atendendo à intensidade das agendas nacionais, muitas vezes fazem-se representar.

Dois exemplos recentes.

Na cimeira entre a União Europeia e a África, na Líbia, entre 54 países africanos, apenas estiveram presentes 31 chefes de Estado ou governo. Dos 27 países da União Europeia estiveram, em Tripoli, 13 líderes.

Na cimeira da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, em Astana, entre 56 Estados membros, contaram-se 34 chefes de Estado ou Governo.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Piris

Sempre considerei Jean-Claude Piris um verdadeiro génio da arquitetura jurídica europeia. Desde há décadas que a feitura dos tratados passou muito por ele, como jurista-chefe do Conselho de ministros comunitário. Inventivo, conhecedor ao pormenor do tecido legislativo da União, Piris soube sempre descobrir soluções para ultrapassar dificuldades que pareciam insuperáveis. Todas as presidências da União lhe devem ajudas fundamentais, a que não escaparam as que foram tituladas por Portugal.

Contrariamente a outras figuras do espaço burocrático da União, que afivelam carões para sublinharem a sua suposta importância, testando os limites possíveis da sua arrogância junto dos interlocutores, Jean-Claude Piris é um homem de sorriso franco, com uma grande cordialidade, com que apetece estabelecer relações de confiança e amizade. Como as que com ele tenho, desde que o conheci.

No passado sábado, aqui em Paris, e a pretexto da passagem à reforma de Jean-Claude Piris, que parte agora para os EUA, para escrever e dar aulas na New York University, um grupo dos seus amigos diplomatas aqui residentes reuniu-se com ele num agradável jantar, onde trocámos historietas e revisitámos gentes e acontecimentos que nos foram comuns.

Mas, para mim, um ponto importante desse jantar foi ter recolhido de Piris uma surpreendente e  elaborada avaliação de otimismo sobre o futuro do projeto europeu. Vindo de quem vem, esta opinião é muito importante e, devo confessar, "recarregou-me as baterias" do entusiasmo no processo integrador.

Casa de Portugal

A Casa de Portugal (residência André de Gouveia), na Cité Universitaire de Paris, celebrou ontem o período natalício com um excelente espetáculo musical, com a soprano portuguesa Ana Paula Russo e o guitarrista argentino (mas residente em ortugal há 30 anos) Carlos Gutkin-Prast. Um repertório variado, onde conviveram música portuguesa e espanhola, lado a lado com sons do mundo alusivos à época, com os "encores" a serem preenchidos por espirituais negros.

Está de parabéns a nova diretora, Ana Margarida Paixão, que assim prossegue o excelente trabalho de ligação da Casa à cultura portuguesa que foi levado a cabo pelo seu antecessor, Manuel Rei Vilar.

domingo, dezembro 12, 2010

WikiLeaks

Ao olhar para alguns dos "telegramas" americanos que têm vindo a ser divulgados, sou levado à conclusão que o estilo de sua escrita acaba por ser bem mais "solto" do aquele que marca a grande maioria da cultura diplomática tradicional. Sem perder o "template" daquilo que é a liturgia da profissão, nota-se que essa escrita largou já o "colete de forças" formal, saindo do modelo de textos muito enxutos, quase tecnocráticos, que faz parte de uma certa tradição britânica e que tem o seu auge na "telegrafia" das missões junto das organizações multilaterais. 

Naquilo que o WikiLeaks tem revelado, é visível uma espécie de escrita quase jornalística, que marca, por exemplo, muitos dos retratos de personalidades produzidos pelos diplomatas americanos, o que não deixa facilitar a sua leitura pelos decisores políticos, a quem, em última instância, o resultado desse trabalho se destina. Contrariamente a uma velha escola, felizmente em progressivo desuso, os textos são corridos e sonoramente adjetivados, abandonando o refúgio em bordões e ambiguidades. Não quero elaborar muito sobre isto, mas quem conhece a escrita diplomática tradicional sabe bem aquilo a que me refiro. 

Num outro registo bem diferente, ao ler alguma dessa "telegrafia" americana sou levado a concluir que a diplomacia dos EUA desenvolve hoje um excelente trabalho de pesquisa e análise, muito mais "nuancé" e muito menos maniqueísta do que se poderia, à partida, esperar. Além disso, e não excluindo que algumas surpresas possam ainda surgir, a verdade é que, com escassíssimas exceções, vejo muito clara a linha distintiva entre aquilo a que os meus colegas americanos se dedicam e o trabalho da "intelligence" - esse sim, muitas vezes estereotipado e reduzido a caricaturas funcionais. Devo dizer - porque é verdade - que essa foi uma positiva surpresa para mim.

Finalmente, lidos e relidos muitos comentários na imprensa e na blogosfera sobre o tema do WikiLeaks, julgo que é de meridiana honestidade concluir que muito do "gozo" sobre esta falha séria no secretismo do governo de Washington deriva, essencialmente, da permanência de um sentimento residual de anti-americanismo, aqui e ali adubado pelo "voyeurisme" deslumbrado de quem acha que o mundo se defende com pombas, até ao dia em que na sopa lhe caiam umas bombas. Só o tempo e as más experiências ajudará essa gente a perceber que a diplomacia discreta é, muitas vezes, a melhor forma de evitar a guerra.

sábado, dezembro 11, 2010

Schussel


Ontem à noite, no hall da residência do embaixador austríaco em Paris, dei de frente com o antigo primeiro-ministro desse país, Wolfgang Schussel. Há mais de uma década que nos não víamos. Conversámos, embora de forma breve – eu estava quase de saída, ele ia a entrar -, sobre coisas comuns de “maratonas” europeias em que havíamos participado, por mais de cinco anos.

Wolfgand Schussel é um homem cordial e agradável, sendo embora um negociador firme e determinado.  Uma noite, durante a presidência austríaca da União, era ele ministro dos Negócios Estrangeiros, foi-me difícil preservar interesses portugueses num acordo europeu com a Suíça, que a Áustria teimava em querer fechar, um pouco à nossa custa. Usava então, por regra, um vistoso “papillon”, adereço que largou, vá-se lá saber porquê, quando assumiu a chefia do governo austríaco. E é a propósito dessa ascensão que vou lembrar uma pequena, mas julgo que divertida, história, se bem que ligada a um tempo bastante complexo.

No início do ano de 2000, e após umas eleições legislativas na Áustria, Schussel foi indigitado para formar governo. Decidiu então coligar-se com um partido tido como de extrema-direita, o FPO, dirigido por Jorg Heider. Essa decisão provocou uma celeuma por toda a Europa comunitária, porque, para muitos, funcionava como um perigoso precedente, ao colocar um grupo extremista à mesa democrática da União Europeia. Recordo que esse “branqueamento” preocupava, em particular, os dirigentes franceses e belgas, que viam nisso uma caução à possível subida interna, respetivamente, do Front National e do Vlaams Blok. Mal sabíamos nós, à época, o que estava aí para vir, nos anos seguintes, em matéria de radicalismo conservador em alguns governos europeus…

Portugal tinha acabado de assumir a presidência da União Europeia e, quase imediatamente, fomos chamados a titular a pressão sobre a Áustria, em nome dos restantes “catorze” países, os quais, com “nuances” entre si, não se reviam na opção austríaca. A coligação acabou por concretizar-se, mas o governo de Viena não deixou de ser mantido sob forte pressão dos seus pares. Um dia se contará, com mais pormenor, o que foi esse complexo período e o modo como ele acabou por condicionar todo o arranque da nossa presidência.

A história que agora aqui anoto passa-se em Paris, no palácio do Eliseu, no gabinete do presidente Jacques Chirac, já em Março de 2000, quando a nossa presidência estava a finalizar os preparativos para o Conselho Europeu de Lisboa.

(Por uma mera curiosidade, e para mostrar o que pode ser a “deliciosa” vida negocial europeia, gostava de registar que essa escala em Paris fez parte do seguinte percurso de três dias: na véspera, eu tinha saído de manhã cedo de Dublin, para juntar-me ao nosso primeiro-ministro, António Guterres, na Haia, para uma reunião, à tarde, com o seu homólogo holandês, Wim Kok. Daí, saímos de carro para Bruxelas, para um jantar de trabalho com o primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt. Ainda nessa noite, fomos, de Falcon, dormir a Paris. De manhã, acompanhei António Guterres a um encontro com o presidente Jacques Chirac, onde se passa a cena adiante relatada, e tivemos um almoço oferecido pelo primeiro-ministro Lionel Jospin. A “coabitação” obrigava a esse duplo encontro em França. Depois do repasto de trabalho, zarpámos para Roma, onde reunimos, durante cerca de uma hora, com o chefe do governo, Máximo d’Alema. Logo de seguida, partimos para Madrid, tendo um jantar na Moncloa, com o presidente do governo espanhol, José Maria Aznar. Chegámos a Lisboa, no estado físico que imaginam, cerca da uma hora da manhã. António Guterres, que tem uma imensa resistência, estava “desfeito”, o que não impediu que tivéssemos revisto cuidadosamente, durante os voos, com Maria João Rodrigues e outros acompanhantes, o avanço negocial produzido por cada contacto. À chegada do Falcon ao aeroporto de Figo Maduro, eu disse a Guterres que ainda ia “beber um copo” ao bar “Procópio”: “Você é doido! Não está cansado?”, atirou-me, surpreendido. Respondi-lhe: “Claro que estou, por isso é que preciso de descontrair um pouco…”. E lá fui passar uns minutos pela minha vetusta tertúlia lisboeta.)

Jacques Chirac havia sido dos mais acérrimos defensores do regime de retaliações contra o novo governo austríaco. Desde o fim de Janeiro de 2000, o presidente francês por várias vezes interpelara telefonicamente António Guterres, incentivando-o a radicalizar a atitude dos “quatorze” contra a solução governativa engendrada em Viena. Por isso, apelava a uma grande pressão sobre os austríacos e queria que ela se projetasse em todos os atos públicos em que eles estivessem presentes.

Não nos pareceu, por isso, estranho que, naquela manhã de Março de 2000, nos cadeirões dourados que revestiam a sua sala de visitas do Eliseu, Chirac quisesse saber pormenores do primeiro-ministro português quanto ao modo como este iria gerir a “coreografia” do próximo Conselho Europeu de Lisboa, em especial a inevitável presença do chanceler austríaco Wolfgang Schussel no evento.


António Guterres não desejava, manifestamente, entrar em pormenores, contando, para isso, com a consabida capacidade portuguesa de improviso para salvar as aparências e o acto solene correspondente. Mas Chirac insistia: “António (soava: Antòniô), tu vas pas nous créer l’embarras de nous trouver sur la même photo avec Schussel !?”, como se o primeiro-ministro austríaco não fosse, desde há anos, um dos seus mais antigos companheiros de imagem em todas as cimeiras europeias. Guterres teimava, inteligentemente, em mudar de conversa e derivava para as virtualidades da Estratégia de Lisboa, que pretendíamos ver aprovada no Conselho Europeu. Mas Jacques Chirac teimava e acabou por concluir que, desta vez, não queria a tradicional “foto de família”, que recorda este tipo de reuniões.

Foi então que, a contraciclo com a obstinação presidencial, uma voz surgiu: “Monsieur le Président, il y a une solution très facile: on le met dérrière vous au moment de la photo. Comme ça, il vas sûrement pas aparaître dans l’image”, sugerindo implicitamente a manifesta diferença de altura física entre Chirac e Schussel.

A frase era de um assessor do primeiro-ministro português. Por um momento, a sala bloqueou. Chirac, cara fechada, voltou-se para a zona de onde o comentário surgira e inquiriu, com o olhar, quanto à identidade do respetivo autor. Recordo-me que, nesse curto segundo, olhei para António Guterres, um tanto à procura implícita de instruções sobre como reagir. O primeiro-ministro português deu então uma gargalhada forte e Chirac afivelou um condescendente sorriso, acabando por legitimar a abafada vontade da onda coletiva de riso que se seguiu. O assessor português havia descoberto a fórmula mágica, se não para nos resolver definitivamente o problema, pelo menos para nos vermos livres dele para o resto da reunião com Jacques Chirac.

Para a pequena história, diga-se que as coisas acabariam por correr em Lisboa sem quaisquer sobressaltos, com Jacques Chirac e Wolfgang Schussel a surgirem na mesma fotografia, através de um hábil “truque”, bem lusitano, que consistiu em incluir o presidente mexicano, Ernesto Zedillo, convidado para a abertura da cimeira, a quem Jacques Chirac não faria a "desfeita" da sua ausência. Daí não veio qualquer mal ao mundo... e nem foi necessário aproveitar a sugestão hábil do assessor português.

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Deolinda

Há dias em que nos podemos sentir felizes.

Saber que "Dois selos e um carimbo", o segundo disco dos "Deolinda", foi qualificado entre os dez melhores álbuns do ano pelo "Sunday Times", na categoria de "world music and jazz", é uma excelente notícia.

Aqui fica um som desse trabalho.

No reino de Sherwood

Ponderando embora, com indulgência e simpatia, os corporativos argumentos que apresentei sobre o caso WikiLeaks, o meu amigo e deputado europeu Miguel Portas, com a sua compreensível, mas não convincente, vertigem jornalística, considera hoje, no "Sol", que Julian Assange é uma espécie de "Robin dos Bosques", destas novas eras do reino de sombras da informação.

Não tenho a autoridade moral de um frei Tuck ou a autoridade física de Little John para me colocar ao lado de Assange, mas, diga-se, também não sinto o tropismo do sheriff de Nottingham para o meter na cadeia. A menos que as queixas de Lady Marian e das suas amigas, sobre os alegados arroubos agressivos da personagem, tenham algum fundamento.

Françafrique

Foi simplesmente notável o documentário, de que a "France 2" ontem apresentou a primeira parte, dedicado à "Françafrique" - essa relação complexa da França com as suas antigas colónias africanas. 

Desde o final dos anos 50 à atualidade, o elaborado sistema de articulação entre a antiga metrópole e os novos países africanos, com as ligações pessoais e o tecido de dependências económicas, ficou exposto com clareza e frontalidade, apoiado em testemunhos credíveis e insofismáveis. Não é possível compreender a história contemporânea da França sem se conhecer esse magma, determinado por profundas razões de natureza estratégica.

Preso por ter cão...

A agência de notação "Moody's" colocou sob vigilância alguns bancos portugueses. O argumento foi a adoção de "medidas de austeridade por parte do governo e o seu impacto na qualidade dos ativos bancários".

Quererá isto dizer que, se não tivessem sido introduzidas as medidas de austeridade, o "rating" desses bancos se manteria? 

A economia cada vez se parece mais com a astrologia.

Craveiro Lopes (2)

A graça de um blogue está muito para além daquilo que um post acolhe. Às vezes, os comentários acabam por ter uma densidade própria e servir de valioso complemento informativo.

Em Agosto passado, publiquei um post sobre Craveiro Lopes (na foto, com a raínha Isabel II, em Fevereiro de 1957), que foi presidente da República entre 1951 e 1958. Ontem, um seu familiar juntou elementos interessantes, em jeito de comentários. A quem se possa interessar pelo assunto, recomendo uma visita aqui.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Haia ?

Foi há menos de 10 anos, em Sarajevo, a martirizada capital da Bósnia-Herzegovina. Era um jantar a que estava presente, como convidado e amigo do nosso representante diplomático, um membro do governo daquele país.

O equilíbrio político na Bósnia-Herzegovina, um país resultante da fragmentação da antiga Jugoslávia, é muito difícil, dado que, do executivo, fazem obrigatoriamente parte representantes de três diferentes etnias, com um complexo historial de conflito entre si: bósnios, croatas e sérvios. Não quero recordar a qual dos grupos étnicos pertencia o convidado local dessa noite.

O jantar tinha um carater relativamente informal, no jardim da residência. Como não podia deixar de ser, a conversa cedo derivou para a política.

A certa altura, veio-me à memória que, anos antes, numa das minhas visitas a Sarajevo, nos anos 90, tinha conhecido um membro do governo da Bósnia-Herzegovina, pertencente a uma dessas minorias. Era um homem agradável e cordial, com quem eu havia criado uma forte relação de simpatia. Voltaria a encontrá-lo mais tarde, por duas vezes, na Grécia, onde ambos tínhamos ido a convite pessoal de Georgios Papandreou, atual primeiro-ministro, de quem éramos amigos. Perguntei por esse antigo ministro da Bósnia-Herzegovina.

Notei que o nosso convidado ficou um pouco embaraçado, mas respondeu:

- Está na Haia.

Ao meu lado, uma pessoa menos dada a interpretar, com a rapidez da nossa profissão, este tipo de informações, perguntou:

- Como embaixador?

Não sei se fui eu que me adiantei ou se foi o ministro que esclareceu que "estar na Haia" significava estar detido sob ordem do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, que julga os crimes de guerra e que tem sede na capital dos Países Baixos.

Como dois diplomatas portugueses presentes bem se lembrarão, mudámos logo de conversa... 

Strauss-Kahn

A propósito da crise económico-financeira, o diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, numa conferência em Genebra, afirmou que "a situação na Europa continua muito preocupante".

Aqui está um exemplo do que pode ser uma boa ajuda do FMI à imagem da economia europeia perante os mercados.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Lennon

Passaram ontem 30 anos sobre a data em que, como algumas vezes aconteceu na História, um louco matou um génio.

John Lennon foi, mais do que Paul McCartney, a grande figura dessa aventura musical sem par que foram "The Beatles". Eu sou dessa geração, já não pertenço à dos "Rolling Stones", que, a meu ver, ficam "anos luz" atrás dos "quatro" de Liverpool.

Porque não sou musicalmente sofisticado, revejo-me muito mais na simplicidade do tempo de "The Beatles" e muito menos no elaborado, embora sempre magnífico, Lennon posterior. Por isso, aqui fica o imortal "A hard day's night", um êxito de 64 da dupla Lennon-McCartney.

Mariza

A genialidade de Mariza foi premiada pela França, com a atribuição à cantora, através do meu colega francês em Lisboa, Pascal Teixeira da Silva, do grau de "Chevalier des arts et des lettres". 

Esta decisão do ministro da Cultura, Frédéric Mitterrand é um gesto que importa sublinhar. A voz de Mariza, bem como o nosso fado, já fazem hoje parte integrante do cruzamento de culturas que enriquece a diversidade francesa.

Para recordar a nova "cavaleira", aqui deixo o seu magnífico "Cavaleiro Monge".

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...