quarta-feira, outubro 06, 2010

Lula no Real Gabinete

Agora que o presidente Lula se prepara para abandonar a chefia do Estado brasileiro, vem-me à memória uma história dos meus tempos no Brasil.

Foi em 2008. O presidente Cavaco Silva visitava oficialmente o Brasil, no quadro das comemorações da chegada da corte portuguesa, 200 anos antes. Um conjunto de cerimónias teve lugar no Rio de Janeiro. Pelo que me dizia respeito, como embaixador de Portugal, insisti imenso em incluir no programa da visita uma deslocação do presidente Lula ao Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.

O Real Gabinete é uma instituição sui generis. Num edifício de desenho eclético, onde prevalece um neomanuelino com distorção transatlântica, que recorda um pouco a estação do Rossio ou o hotel do Bussaco, aí repousam centenas de milhar de livros em língua portuguesa, sendo hoje o maior repositório existente fora do nosso país. Mas o Real Gabinete é um muito mais do que um interessante edifício: é a expressão simbólica do magnífico esforço da comunidade portuguesa para erigir, no Brasil, um monumento representativo da dignidade da sua presença, da empenhada contribuição dada por muitos e muitos milhares de portugueses para a construção daquele país.

Infelizmente, o Real Gabinete não é muito conhecido dos brasileiros, nem sequer dos muitos turistas portugueses que, no Rio, lhe preferem o Calçadão, Ipanema ou o Leblon. Situado numa zona que veio a tornar-se algo periférica, só lentamente começa agora a surgir nos itinerários turísticos e culturais. Em tempos idos, para os portugueses desafetos ao regime ditatorial que vigorou até 1974, o Real Gabinete representava também uma certa "colónia" de matriz salazarista, que tendia a confundir o respeito pelo nosso passado com a adesão a quantos o utilizavam como arma de arremesso contra os que pretendiam forçar os caminhos do futuro.

Eu sou um "fã" do Real Gabinete, confesso. Por isso, aí me desloquei sempre que pude, durante o tempo que permaneci no Brasil. Uma visita do presidente Lula, acompanhando pelo nosso chefe de Estado, parecia-me ser a melhor maneira de simbolizar a relação luso-brasileira contemporânea, em especial naqueles tempos em que o Brasil nos estava a ajudar a melhorar a imagem que dom João VI conservava na nossa própria memória coletiva. Além disso, interpretava a sua realização como uma subliminar homenagem à matriz fundacional do Brasil, com tanto mais significado quanto o seria ser levada a cabo por um presidente brasileiro oriundo de uma área política onde tradicionalmente se não acolhem os maiores amigos brasileiros de Portugal.

A minha sugestão foi simpaticamente aceite por Lisboa. Nas autoridades brasileiras ela fez também o seu curso, com suportes e estímulos vários, acabando por ser acolhida. Quando o dia chegou, devo dizer que estava com uma grande curiosidade para ver a reação que teria o presidente Lula, na sua entrada no Real Gabinete, durante o trajeto que lhe desenhámos, o qual, naturalmente, não incluia a passagem pela sala onde figura o busto do ditador de Santa Comba.

Não me desiludi. O chefe de Estado brasileiro, naqueles segundos em que defrontou e prescutou a imensidão de estantes, recheadas de quase meio milhão de livros, num espaço belíssimo, com uma dimensão grandiosa, terá percebido mais, sobre o papel dos portugueses no Brasil, do que em toda a sua anterior vida. A sua cara não iludia, os comentários que trocava com os interlocutores próximos eram de um genuíno deslumbre.

Lula tomou lugar na tribuna. Continuava a olhar, deliciado, em torno daquela grandiosa obra portuguesa no Brasil. Começaram os discursos. A certo ponto, vejo Lula acenar, levemente, para um dos varandins superiores, onde se situam as estantes com livros: estava a saudar empregados, com bata de trabalho, que aí se haviam colocado para ver o seu presidente. Era Lula no seu melhor...

O discurso que então proferiu foi uma das peças oratórias sobre Portugal que, desde sempre, mais me impressionaram, na boca de um dirigente brasileiro, em especial vindo de um político com as origens de Lula. Ao longo de dois séculos, muitos outros foram bem mais gongóricos, imensos se espraiaram em loas adjetivadas à "mãe pátria" lusitana, mas nenhum outro, que eu tenha conhecimento, foi tão moderno e pragmático, mesclando a afetividade com o realismo, substituindo a cerimónia por uma visão inteligente e lúcida. E, ao mesmo tempo, simples.

A ida do presidente Lula ao Real Gabinete Português de Leitura, naquele dia de Março de 2008, representou um olhar diferente do Brasil contemporâneo sobre o Portugal de sempre, talvez com menos "caravelas" do que era habitual, mas com os pés bem assentes naquilo que, nos dias hoje, importa sublinhar e reter. Se estiverem interessados, leiam o discurso aqui.

Centro para o Desconhecido

António Champalimaud ficou na memória dos portugueses como um inovador, vigoroso e polémico "capitão" da indústria e da finança que, depois de ter tido atritos com o Estado Novo e de ter sido conjunturalmente derrotado pela Revolução, durante a qual viu nacionalizados os seus bens, refez no estrangeiro a sua vida e conseguiu regressar à liderança de um dos mais importantes grupos económicos portugueses.

Com a sua morte, surgiu uma surpresa: deixou em herança uma importante fortuna para uma fundação que leva o seu nome e que, ontem, inaugurou as suas novas instalações em Lisboa. A investigação na área da saúde, que tem vindo a premiar nos últimos anos investigadores internacionais, passa agora a dispor, em Portugal, de um magnífico centro.

Não pude aceitar o convite que a presidente da Fundação Champalimaud, Dra. Leonor Beleza, me formulou para estar ontem presente na inauguração das novas instalações do "Centro Champalimaud para o Desconhecido". Mas, a meu convite, a Embaixada de Portugal em Paris terá, em 2010, o grato gosto de acolher o júri do seu prémio anual, do qual fazem parte figuras tão prestigiadas como Simone Veil, Amartya Sen ou Jacques Delors. 

terça-feira, outubro 05, 2010

Paula Escarameia (1960-2010)

Paula Escarameia tinha 50 anos e foi a primeira mulher a ser eleita, no âmbito das Nações Unidas, para a respetiva Comissão de Direito Internacional. Acabo de ter conhecimento da sua morte.

Tive o prazer de conduzir, durante o ano de 2001, a sua candidatura àquele órgão, do qual continuava a fazer parte, e em cuja eleição obteve a maior votação que Portugal alguma vez dispôs num escrutínio no âmbito da ONU. Recordo o momento de alegria que a sua escolha representou para todos nós, em Nova Iorque.

Doutorada em Harvard, teve um percurso académico riquíssimo. Anos antes daquela sua eleição, havia sido Conselheira junto da missão portuguesa junto da ONU. Era uma personalidade extremamente prestigiada e reconhecida pelos seus pares. Pessoalmente, a Paula era uma "força da natureza", dotada de um sorriso alegre, de uma boa-disposição contagiante. Vai fazer muita falta, também à sua (e minha) escola, o ISCSP.

Ericeira

Por uma qualquer razão, que agora me escapa, apetece-me acabar este dia a olhar uma imagem da Ericeira, com uma canção pirosa, que o nacional-cançonetismo lhe dedicava e que pode ouvir aqui.

Poema Republicano

A propósito do meu anterior post "Nascimento da República", um comentador que se assina Alcipe teve a amabilidade de deixar o seguinte poema, que não resisto a transcrever, na data em que se comemora aquele que foi o primeiro dia da nossa República:

POEMA REPUBLICANO

Feliz quem tem uma terra
e nessa terra uma casa
e nessa casa
a memória de uma esperança.

Do meu avô maçon eu pouco sei,
do meu avô monárquico pouco lembro:
mas eu não tenho terra natal
nem casa de família,
nem sei onde conspirava o maçon
(o avental
foi entregue no velório,
para surpresa da família)
nem onde tertuliava o monárquico
(admirador de Salazar, mesmo assim)
só ouvi falar meus pais
do MUD Juvenil,
de Soares, Zenha e Maria Barroso
e isso era a República para mim!

Por isso toda a memória
para mim não tem lugar nem morada.

Saúde e fraternidade, meu amigo!

Alcipe

segunda-feira, outubro 04, 2010

5 de outubro

Em 5 de outubro de 1910, o rei dom Manuel deveria visitar oficialmente a cidade de Vila Real. As movimentações revolucionárias em Lisboa impediram essa deslocação.

Em Vila Real estava prevista uma elaborada receção ao soberano, da qual fazia parte um opíparo jantar.

Aqui deixo a imagem do convite-menu para esse repasto não consumado, um histórico e creio que muito raro documento, de  cujo original sou o feliz proprietário.

Eleições no Brasil

Um país com quase 200 milhões de habitantes, com uma percentagem muito elevada de analfabetismo, com sistema eleitoral muito complexo, utiliza um voto eletrónico que genericamente é considerado muito seguro e que fornece resultados num prazo temporal muito curto.

Por que razão este método de voto não é usado com maior frequência em países como o nosso?

Alguém consegue explicar?

domingo, outubro 03, 2010

Nascimento da República

Durante o mês de agosto, recebi do presidente da Câmara Municipal de Vila Real um simpático convite para participar nas comemorações da implantação da República. Vila Real é a minha terra natal.

Pediam-me que, na noite de 3 de outubro, fizesse uma intervenção pública, por ocasião do descerramento de uma lápide junto de uma casa onde, nos tempos que antecederam a Revolução, decorreram reuniões  da conspiração republicana. O último desses encontros foi em 3 de outubro de 1910, quando os conjurados aí então se reuniram, pela última vez, antes do assalto ao poder.

Por uma óbvia curiosidade, perguntei onde se situava, na cidade, essa casa. Fui informado que era na rua Avelino Patena, a conhecida "rua da Travessa", no centro da cidade. Inquiri sobre o número da porta. O meu interlocutor não sabia. Uns dias depois, esclareceu-me: era o nº 44.

Ontem à noite, sob a intempérie que massacrou o Norte, lá estive a falar da República, em frente ao 44 da rua Avelino Patena.

Pude então revelar que aquela havia sido, precisamente, a casa onde eu nasci...

Quem quiser ler o texto pronunciado, pode fazê-lo aqui.

Presidente brasileiro

Tem hoje lugar, no Brasil, a eleição para designar a pessoa que, no dia 1 de Janeiro de 2011, substituirá o presidente Lula na chefia do Estado. O novo titular só tomará posse nesse dia - uma bizarria da Constituição brasileira que faz com que os chefes de Estado, de Governo ou outros dignitários que os representem na cerimónia tenham de passar a data do fim-de-ano em Brasília. Convirá que o nosso serviço de Protocolo ponha já isto na agenda...

Os presidentes do Brasil, depois da eleição e antes da posse, costumam viajar, um tanto oficiosamente, pelo mundo, a exemplo do que também acontece com os seus homólogos americanos. São viagens que têm um estatuto híbrido, em que aproveitam para estabelecer contactos e sublinhar dimensões da política exterior da futura presidência.

Em 1910, o presidente eleito do Brasil veio a Portugal, numa dessas visitas. O rei dom Manuel II ofereceu-lhe um jantar no palácio das Necessidades (vivia então lá o rei, trabalham lá hoje os nossos diplomatas). Esse jantar ocorreu na noite de 3 de Outubro, faz hoje precisamente 100 anos.

A Revolução republicana rebentaria horas depois e, para evitar que Hermes da Fonseca pudesse ser uma lamentável "casualty" da implantação da nova República, foi necessário, a certo ponto dos combates, negociar uma trégua para deixar o ilustre visitante sair da cidade, no navio de guerra brasileiro em que viajava.

É o que pode dizer "estar no sítio errado na hora errada". Não sei se é essa a razão, mas conheço vários amigos brasileiros que consideram que Hermes da Fonseca é um nome que "dá azar". Quando se fala nele, batem logo na madeira para exorcizar os maus espíritos. Pergunto-me se não terá sido dom Manuel a inaugurar este hábito. Boas razões tinha ele...

sábado, outubro 02, 2010

Olívio

O meu mais antigo amigo chama-se Olívio. Nascemos no mesmo ano, na mesma rua (amanhã saberão qual é) e, claro, não me lembro de mim sem o conhecer. O pai do Olívio tinha, lá na rua, uma casa de conserto de bicicletas, pelo que era conhecido como o "Olívio das bicicletas".

Entrámos juntos para a escola, embora o Olívio tivesse sabiamente optado, desde muito cedo, por um ritmo de conclusão dos anos letivos um pouco mais lento que o meu. Tinha, e tem, um jeito sarcástico no falar, um sorriso marcado por uma permanente ironia e uma imensa graça, às vezes ácida, que nunca deixou de espalhar. Fala às mulheres com delicadeza e isso teve as suas recompensas. Recordo uma madrugada de 67, na "Candeia", no Porto, vindo ele de Vila Real vender antiguidades (o seu hobby de estimação), com o dinheiro do negócio rapidamente transformado por nós em whisky e em outros produtos locais, com ele, generosamente, a financiar a minha curta bolsa de estudante.

No final dos anos 60, acabámos por ir ambos para Lisboa, embora com vidas diferentes, em grupos muito diversos. Encontrávamo-nos no Montecarlo, cada um em sua tribo. Aí eu trocava livros e conversa, enquanto ele perdia as noites e ganhava a vida como grande especialista em dominó, atividade que já o tinha tornado famoso na nossa comum ter ra natal, Vila Real.

Depois, fomos para a tropa, era ele delegado de propaganda médica, estava eu no meio do curso e também já empregado. Sobrevivemos bem. Anos mais tarde, chegou-me a notícia de que o Olívio, que vivia na Luz Soriano, havia sido preso. Um lamentável equívoco, provocado por uma amiga solidariedade, ia-lhe destruindo a vida. 100% inocente, claro, foi solto, mas terá aprendido alguma coisa sobre os outros. Depois, montou um bar, o "Cocote", atrás da Caixa Geral de Depósitos, ao Calhariz. Todo o "emigrado" de Vila Real por lá passava as noites. Recordo-me (ele não vai gostar disto...) que tinha um dos piores whiskies "marados" de toda a Lisboa, pelo menos a julgar pelas dores de cabeça que me provocava. Depois, fechou a loja e entrou nas antiguidades e no comércio de pintura. Passava as noites no "Pavilhão Chinês", onde também exercia a sua bela arte de bilharista.

A saúde pregou-lhe uma séria partida e o Olívio regressou, entretanto, a Vila Real, só voltando a Lisboa a espaços. Encontramo-nos às vezes.

Ontem, num interlúdio televisivo, estava eu a ver um videoclip do grupo musical "Toranja" e quem topo eu, figurante, cabelo curto, já muito branco, bengala na mão, com o ar quase aristocrático? O Olívio. Pois é, Olívio, por esta é que eu não esperava!

Palavras

Ontem, uma professora universitária comentava o fabuloso "neologismo" que detetara num texto de um seu aluno: "plumenos". Trata-se de uma imaginativa forma de grafar "pelo menos".

Lembrei-me, então, da história de um outro não menos criativo aluno universitário que, para trazer à baila uma referência, escreveu numa prova: "2º alguns autores...".

sexta-feira, outubro 01, 2010

Economia e diplomacia

Desde que, há mais de três décadas e meia, entrei para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, foram raros os períodos em que não tive a meu cargo temas de natureza económica. Essa, aliás, é a sina regular de muitos diplomatas portugueses, cujo caráter eclético da função obriga, as mais das vezes, a cobrir todo o espetro de atividades em que sua ação se desdobra.

Há uns anos, surgiu por aí, no "mercado" fácil da política para vender títulos e aparecer como "market-friendly", a ideia da "reconversão" da diplomacia portuguesa à vertente económica. Isso foi feito de um modo que interpretei  como quase ofensivo para a minha profissão, como se os diplomatas portugueses devessem acordar, pela primeira vez, para uma coisa que há anos vinham fazendo. Fui dos poucos a expressar publicamente o meu desagrado por esse triste episódio, como aqui já havia deixado expresso.

Ontem, na Universidade de Coimbra, falei sobre o tema "Diplomacia e Economia", a convite da respetiva Faculdade de Economia, de cujo Conselho Consultivo passei agora a fazer parte, por um convite que me foi transmitido pelo diretor daquela Faculdade. Honroso convite que talvez dê ainda mais razão à ideia que transmito neste post.

Coroas (2)

... e lá tivemos hoje, agora no telejornal da noite da SIC, mais uma sessão de propaganda monárquica... a pretexto do centenário da República!

Bonnie and Clyde

Li no site do "Público" um comentário de alguém segundo o qual Arthur Penn (agora desaparecido) terá, com "Bonnie and Clyde", sabido transportar para o cinema americano o espírito dos filmes europeus de autor. É isso mesmo!

quinta-feira, setembro 30, 2010

Coroas

Alguns comentadores deste blogue chamaram há dias a atenção para o facto da RTP, nos últimos tempos e neste ano de comemoração do centenário da nossa República, estar a dedicar particular atenção a alguns reis portugueses. Curiosamente, igual atenção não tem sido dedicada aos nossos presidentes da República, num momento em que tal se justificaria como nunca.

É claro que tudo isto pode ser fruto do acaso e não corresponder a nenhuma significativa infiltração "talassa". "Não há coincidências", mas "Sei lá!" - para utilizar apenas dois títulos da modernidade da nossa escrita urbana. 

Recibo

Há um mistério que sempre me ultrapassou.

Por exemplo, no Brasil, quando se faz uma compra, não há mais nenhum talão de despesa que nos seja passado para a mão que não seja a "nota fiscal" (recibo). Em França passa-se o mesmo.

Em Portugal, no comércio, ao adquirir-se algo, dão-nos, na maioria dos casos, um papelinho que regista o valor dispendido e, depois, perguntam (quando perguntam): "quer recibo?" É claro que, muita gente, por inércia, acaba por não pedir recibo, o que faz com que o comerciante embolse o valor do imposto incluído na conta que acabámos de pagar. Por que razão não passa a ser obrigatória, em Portugal, a emissão automática de recibo e proibida a emissão de qualquer outro comprovante de despesa?

Se queremos caminhar no sentido de evitar, cada vez mais, a evasão fiscal, parece-me que esta seria uma medida óbvia. Mas, se não é praticada, então devo ser eu que estou a ver mal o problema...

Hoje

Recado aos pessimistas: em lugar de "chover no molhado", não será melhor arregaçar as mangas?

quarta-feira, setembro 29, 2010

"Egoísta"

Dizem-me agora que a "Egoísta" faz 10 anos. Trata-se de uma "aventura" dirigida por Mário Assis Ferreira, organizada por Patrícia Reis e "desenhada" por Henrique Cayatte, uma iniciativa de que todos os portugueses deviam estar orgulhosos.

A "Egoísta" é, provavelmente, uma das mais belas revistas do mundo e, ao que julgo saber, já ganhou, por essa razão, vários prémios. Na realidade, é menos uma revista e mais um "objeto" de culto, que varia na forma, surpreende pelo grafismo e pelas ousadias de produção. Nela se encontram, claro!, magníficos artigos. Além de outros, como um que por lá escrevi, vai para alguns anos, num número dedicado à Europa - porque a "Egoísta" tem sempre edições temáticas.

Possuir a coleção completa da "Egoísta" é um sonho de muita gente, muito difícil de realizar. Há números esgotadíssimos, disputados com fervor pelos colecionadores. Porque os tenho fechados a sete chaves, dou-me ao luxo de confessar ser um feliz possuidor da coleção completa da revista.

terça-feira, setembro 28, 2010

28 de setembro

A data de ontem dirá pouco às novas gerações. Contudo, em 1974, ela foi um dia-charneira na Revolução portuguesa, que assinalou a passagem entre dois tempos políticos bem distintos.

Em perspetiva do tempo, pode dizer-se, com alguma certeza, que o 25 de abril foi produto de um magnífico equívoco, que colocou, lado-a-lado, todos os adversários do regime que então se desmoronou. No 1º de maio que se seguiu, até parecia que todo o país havia saído à rua, talvez com exceção dos pides, da meia-dúzia de nostálgicos empedernidos e dos líderes apeados...

Mas as clivagens nas visões quanto ao futuro do país estiveram sempre presentes. Já no próprio dia 25 de abril, no "posto de comando" do Movimento das Forças Armadas, um conflito emergiu entre o general António de Spínola, convidado para "receber o poder" de Marcelo Caetano, e alguns elementos da "Comissão Coordenadora", que preparara o golpe de Estado, a propósito de certas passagens do Programa do MFA. Os portugueses que viveram esse período lembram-se, com certeza, que foi já muito tarde na noite que a Junta de Salvação Nacional falou ao país, numa muito aguardada emissão televisiva. A definição do texto do "Prograna do MFA", que o país conheceria em pormenor no dia seguinte, foi a razão principal desse atraso.

Daí para a frente, a unidade no seio das Forças Armadas apenas uma figura de retórica. Entre os "spinolistas" e a "Coordenadora" as tensões foram subindo de tom, com pequenas vitórias de parte-a-parte, a equilibrarem o jogo. No campo militar, o "documento Engrácia Antunes" polarizou, a certa altura, o descontentamento dos mais moderados. No seio do 1º "governo provisório", chefiado pelo advogado liberal Palma Carlos, as tensões subiram e as tentativas feitas por alguns no sentido de reforçar a autoridade do executivo, em ligação com Spínola e em oposição à corrente prevalecente no MFA, conduziram à sua queda. O general Spínola sentiu-se progressivamente ultrapassado pela dinâmica que os militares tinham imprimido à descolonização e espalhava pelo país avisos dramáticos à desregulação "anárquica" da vida portuguesa, com especial referência aos atentados aos direitos de propriedade. 

Durante todo o verão de 1974, Spínola foi conclamando à mobilização daquilo a que chamou a "maioria silenciosa" do país. No mês de Setembro, essa agitação, organizada em torno de personalidades conservadoras e de pequenos grupos políticos marcados pela saudosismo "estadonovista", que tinha por óbvio alvo a linha prevalecente do MFA - que confrontava Spínola, favorecia a descolonização e defendia políticas mais "progressistas", um tanto a reboque dos movimentos populares que explodiam pelo país -, acabaria por transformar-se na ideia de uma grande manifestação de apoio ao general e presidente da República, a ter lugar no dia 28 de setembro.

O que se pretendia com essa manifestação? Haveria, por detrás, uma tentativa de provocar um novo golpe militar, correspondendo a uma pretendida "vaga de fundo" de uma "maioria" da população, assustada com a dinâmica da Revolução? Haveria unidades ou comandos militares comprometidos? Haveria civis armados, prontos a criar um ambiente de anarquia, que justificasse uma intervenção autoritária com Spínola à frente? Há várias respostas para estas questões.

De seguro, apenas sabemos o que se passou. O MFA articulou-se com algumas forças sindicais e políticas - da extrema-esquerda a setores do PS - e lançou uma ação preventiva, impedindo os acessos a Lisboa dos potenciais manifestantes, que tinham a intenção de se apresentar em frente do palácio de Belém. Simultaneamente, na noite de 27 para 28 de setembro, o MFA procedeu à detenção de algumas dezenas de pessoas - na esmagadora maioria dos casos personalidades ligadas ao antigo regime - naquilo que aparentou ser mais uma ação de intimidação do que o desarticular de um verdadeiro "golpe reacionário" em preparação.

Como consequência deste novo estado de coisas, que desequilibrou politicamente a relação de forças no país, o general António de Spínola demitiu-se de presidente da República, tendo a chefia do Estado passado a ser assumida pelo general Francisco da Costa Gomes. O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, que já chefiava o 2º "governo provisório" desde a demissão de Palma Carlos, formou então um 3º "governo provisório", com uma orientação mais "à esquerda", que marcou um novo passo no acelerar da Revolução. Os acontecimentos do dia 11 de março do ano seguinte tornariam ainda mais radical a Revolução portuguesa.

Pedras Salgadas

Temos feito eco neste blogue da luta da população das Pedras Salgadas pela recuperação do seu parque termal e pela necessidade da empresa Unicer cumprir com aquilo a que se comprometeu. 

Depois da manifestação popular de 23 de Setembro, corre agora uma petição para a qual são pedidas adesões. Quem a quiser subscrever pode fazê-lo aqui.

Se estiver interessado noutros textos aqui publicados sobre este tema, clique em "Pedras Salgadas" no marcador deste post. 

Ponto

A ver se nos entendemos. O presidente da AR, pelo regimento, não pode impedir um deputado de dizer dislates. Mas, pela ética e pela decência...