sexta-feira, maio 14, 2010

Guide Michelin

As classificações dos restaurantes anualmente atribuídas pelo Guide Michelin Rouge (os guias verdes são de lugares turísticos) sempre foram, aqui em França, um tema de alguma controvérsia. Há acusações de favorecimento e de "habituação", por vezes não se entende bem se são os "chefs" que são premiados ou se são os restaurantes a ser destacados, muitos dizem que são seguidas meras "modas" gastronómicas e que prevalecem modelos estereotipados. Não obstante tudo isso, a chegada da edição anual do Michelin é sempre um acontecimento e os restaurantes "estrelados" acabam por sofrer um efeito comercial muito positivo. Perder uma "estrela" no Michelin (são atribuídas uma, duas ou três estrelas, como sinal crescente de qualidade) é considerado uma "tragédia" e já houve um "chef" francês que se suicidou por isso lhe ter acontecido.

No que me toca, como não-especialista mas como leitor regular dos Guides Michelin, de há muito que cheguei a algumas conclusões. A primeira, é a de que os restaurantes a quem são dadas "estrelas" são sempre bons, embora, confesse, não tenha uma sofisticação de gosto suficiente para saber se devem merecer uma ou mais "estrelas". A segunda é a de que os restaurantes que ganham "estrelas" passam, de imediato, a ser muito mais caros - e às vezes já eram bastante. A terceira conclusão é a de que não considero ser totalmente fiável o critério seguido pelo Michelin quanto à lista dos restantes restaurantes que o guia destaca em cada cidade, isto é, todos os que aparecem mencionados, para além daqueles a que são atribuídas estrelas. A seleção é frequentemente muito discutível. Esta observação, que já era válida para o guia sobre Portugal (cujos consultores sempre me pareceram seduzidos por um mercado de restauração turística em que não me revejo), tenho-a confirmado, cada vez mais, aqui em França.

Se o leitor me perguntar: mas usa ou não o Guide Michelin? Claro que uso, mas sempre em conjugação com outros guias. Um critério que considero imbatível para aferir da qualidade de um restaurante que não conheça é vê-lo referido positivamente em três ou mais guias conhecidos e respeitados, um dos quais o Michelin, claro. Este ano, em que saiu a 101ª edição anual do Guide Michelin Rouge, o tradicional "tijolo" tem uma opção bem mais cómoda para transporte e consulta, num "coffret" com seis volumes, com guias agrupando regiões.

Em tempo: um indiscreto mas muito amigo comentarista referiu uma velha observação minha, revelando um critério para obter o nome de um bom restaurante num lugar que desconheçamos: perguntar a uma pessoa local com ar abastado e "rotundo". De facto, esse foi um critério que utilizei e utilizo, por razões que me parecem óbvias. E, tal como o Gustavo, a experiência tem sido boa... 

quarta-feira, maio 12, 2010

Versalhes

Duarte Ivo Cruz, uma personalidade com uma presença multifacetada na vida pública portuguesa, que incluiu uma passagem pelo governo no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, decidiu estudar e reunir em livro, com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, as atas da participação portuguesa na Conferência de Paz que, em 1918-1919, regulou as consequências da vitória aliada na I Guerra Mundial e celebrou o Tratado de Versalhes. 

É muito curioso e instrutivo, particularmente para quem analisa as relações externas portuguesas, ver o modo como os interesses nacionais foram abordados e protegidos, nessa ocasião, pelos atores políticos e diplomáticos intervenientes, nomeadamente no que toca às dimensões coloniais que estavam em jogo.

Surrealismo

Artur Cruzeiro Seixas fará este ano 90 anos. É a principal personalidade viva do surrealismo português. No passado sábado, fiquei muito satisfeito ao ver trabalhos seus expostos na principal sala da Dorothy's Galery (27 rue Keller, em Paris).

Nesta oportuna mas simples rememoração do movimento surrealista, por lá encontrei a escultora Isabel Meirelles com o pintor Benjamim Marques, outras honrosas presenças portuguesas nesta exposição.

Paris continua a ser um local único, onde, de há muito, se cruzam gerações muito distintas de artistas portugueses.

terça-feira, maio 11, 2010

Protocolo (2)


Posso garantir que o chefe do Protocolo desta história não era o mesmo da outra que há dias contei.

A cerimónia de apresentação de cumprimentos de Ano Novo do corpo diplomático ao presidente da República é, em Portugal, um momento único, em que se reúnem todos os embaixadores estrangeiros residentes em Lisboa e aqueles que, embora estejam acreditados no nosso país, residem no estrangeiro - principalmente em Paris (mas nunca em Madrid, onde, por qualquer razão que me escapa, não há nenhum embaixador que esteja acreditado em Lisboa...). A cerimónia, que conta com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros, inclui uma longa sessão individual de cumprimentos, seguida dos discursos da praxe, do decano do corpo diplomático e do chefe de Estado português.

No nosso país, como acontece em várias partes do mundo, o decano dos embaixadores não é, necessariamente, o embaixador mais antigo: por tradição, é sempre o Núncio Apostólico, o representante diplomático da Santa Sé.

Estava-se numa dessas cerímónias, no Palácio da Ajuda, num qualquer mês de Janeiro. Na sala onde apresentação de cumprimentos ia ter lugar, o nosso presidente e o ministro estavam já a postos, há alguns minutos. Os diplomatas estrangeiros encontravam-se do outro lado do palácio, numa sala bem longe, separada por um longo corredor. Algum inesperado atraso, talvez devido à tarefa de ordenação por antiguidade dos diplomatas estrangeiros, fazia com que o primeiro dos diplomatas que devia saudar o nosso Presidente - o tal representante da Santa Sé - ainda não tivesse surgido, à frente dos restantes colegas.

O chefe do Estado português dava já mostras de alguma impaciência. O ministro fez sinal ao chefe do Protocolo para apressar as coisas. Pressuroso, o nosso homem aproximou-se da porta que dava para o corredor, ao fundo do qual se movimentavam os seus colaboradores. Fez-lhes imensos sinais com os braços, mas, do outro lado, ninguém parecia notar. Para grandes males, soluções à altura. De repente, no ambiente austero que precedia a solenidade, ouvem-se três sonoras palmas do chefe do Protocolo, seguidas de um berro de comando, bem alto e audível ao fundo do corredor: "Saia o Núncio!"

O presidente e o ministro desataram a rir. Entre a Ajuda e o Campo Pequeno a distância encurtou, nesse momento.

Barthes

Roland Barthes, que tenho dificuldade em classificar nas suas várias categorias como intelectual, teve uma parte muito importante da sua vida ligada à região sudoeste de França, onde se encontra sepultado junto da sua mãe. Quem leu o seu triste e póstumo "Journal de Deuil" perceberá melhor este encontro na morte. Ontem passei nesse cemitério, em Urt, perto de Bayonne.

Esta historieta é também a propósito de Roland Barthes.

Estávamos em 1973, na caserna da Escola Prática de Infantaria. Eu tinha por hábito, depois do encerrar formal das luzes, ficar a ler uns minutos mais, com uma lâmpada elétrica, que não incomodava ninguém. Numa noite, tinha comigo o "Mythologies", um dos primeiros livros de Roland Barthes, composto por peças publicadas na imprensa francesa, com leituras de uma surpreende imaginação e profundidade sobre temas simples do quotidiano, denunciando mitos da nova cultura de massas. O texto que estava a ler era o "La nouvelle Citroen", uma análise magistral, escrita ainda nos anos 50, sobre o impacto de uma nova viatura no imaginário francês. Trancrevo apenas esta frase desse texto, para se entender de que se tratava (e, a quem não conhece, recomendo vivamente que leia o livro, claro): "Je crois que l’automobile est aujourd’hui l’équivalent assez exact des grandes cathédrales gothiques: je veux dire, une grande création d’époque, conçue passionnément par des artistes inconnus, consommée dans son image, sinon son usage, par un peuple entier qui s’approprie en elle un objet particulièrement magique."

Subitamente, nessa noite, um tenente entra na caserna, numa visita rara de inspeção. Como eu estava deitado logo à entrada, e surpreendido com a minha solitária leitura, o oficial estende logo a mão para o livro e pergunta: "Ó nosso cadete! Que diabo está você a ler, a esta hora?". Esperava, talvez, literatura política, mais ou menos clandestina. Passei-lhe o livro para as mãos, ainda aberto na página da leitura. "Ah! E em francês!", saiu-lhe, inquiridor, já esperançoso numa descoberta. "Vamos lá ver então o que é que você estava para aqui a ver, às escondidas".

Um segundo depois, tudo mudou. Com um sorriso simpático, sai-lhe: "Citroen?! Você gosta de carros?". Devo ter dito que sim, o que nem sequer era ou é verdade. "Ora, sim senhor, aqui está uma boa leitura: livros sobre carros! Mas olhe uma coisa, homem: isto de carros franceses não é coisa que se veja. Eu gosto é dos italianos, são mais nervosos. Tenho um Alfa, sabe?". E eu que nem carta de condução tinha.

segunda-feira, maio 10, 2010

Normalidade brasileira

Alguns leitores fazem-me notar que há, por vezes, neste blogue uma frequência excessiva de notas sobre o Brasil. É verdade, "old habits die hard" e o Brasil marcou-me muito.

Por isso, sigo ainda com alguma atenção a vida política naquele país, que entra agora num período de grande animação, com as eleições presidenciais daqui a meses.

O mais interessante desta disputa, em que se defrontam duas figuras que tiveram a ditadura militar no seu encalce - Dilma Rousseff e José Serra - , é a sensação de normalidade que tudo isto já tem numa sociedade que, até há uns anos não muito distantes, era palco de uma cíclica conflitualidade, que abria permanentes interrogações quanto ao futuro. Hoje, o Brasil enfrenta a saída de um Presidente com o carisma de Lula da Silva com uma serenidade que não assusta nenhum investidor, que não dá aso a especulações de crise, não obstante permanecerem na sua sociedade focos de tensão social que só os anos e o crescimento económico atenuarão. 

O ambiente político que hoje se vive no Brasil tem dois grandes responsáveis: Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. Ambos, cada um a seu modo, com erros que são os da vida, souberam dar mostras, no seu tempo próprio, de um elevado sentido de Estado, transportando a vida institucional brasileira para os caminhos da rotina democrática. O Brasil fica a dever a essas duas grandes figuras o salto para a sua modernidade política. É pena que alguns vizinhos não aprendam com o seu exemplo.

Diversidade

Estive ontem, acompanhado do "maire" de Bayonne, Jean Grenet, na inauguração do novo espaço da associação "Divulgação da Cultura Portuguesa", uma corajosa aventura de um grupo de figuras das nossa comunidade, liderado por Óscar Oliveira, que honra imenso a imagem portuguesa na região.

A cinco metros da associação portuguesa constroi-se uma mesquita, com o seu minarete, uma vizinhança que pode não ser totalmente confortável para alguns. Nos nossos discursos, Jean Grenet e eu próprio sublinhámos o respeito que é devido ao culto daquela que é hoje a segunda religião de França. A presença, como convidado, do presidente da associação de muçulmanos da costa basca foi muito significativa.

A imagem impecável que os portugueses criaram neste país, em matéria de integração, tem de conduzi-los a saberem sempre respeitar, em pleno, a cultura de diversidade que é a chave inescapável da França do futuro. 

domingo, maio 09, 2010

A feira

Viver no estrangeiro torna-nos ingénuos saudosos do país, atribuindo uma bondade automática às coisas que há por lá. Todos os anos, ao confrontar-me com a notícia da abertura da Feira do Livro, sinto uma insuportável inveja pelos meus amigos que têm a felicidade de passear-se, Parque Eduardo VII acima e abaixo, por aquelas bancadas com livralhada a metro, hoje em parte responsáveis por espaços de parede da minha casa em Lisboa. Confesso: sou um viciado de feiras do livros, paro em qualquer rua ou vilória onde vislumbre alguma, tenho já nelas comprado coisas que me fazem interrogar sobre a minha sanidade mental no momento da aquisição.

Comecei a minha longa vida de Feiras do Livro no Porto, na praça da Liberdade, nos idos de 60. Depois, já de passagem pela cidade, cheguei a vê-la junto à Câmara, creio que uma vez no palácio de Cristal e, depois, já na Boavista. Em Lisboa, não sou do tempo da Feira no Rossio, mas creio que perdi poucas edições na Avenida da Liberdade, como não deixei de a visitar no Terreiro do Paço, quando para lá migrou episodicamente. 

Perpassa-me uma nostalgia das incursões à Feira à hora de jantar, com lugar para estacionar, menos gente e mais tempo para espiolhar as barracas. Tenho uma (há muito) testada técnica de zig-zag, que ilude edições bíblicas, livros infantis e técnicos, com uma jornada noturna para cada ala do parque. Como português incurável, também por lá passei várias últimas noites, antes do fecho definitivo, cheio de sacos, angústia e pressa, nunca soube bem porquê.

A Feira é, além do mais, um fantástico "meeting point", para nos cruzarmos com amigos perdidos há anos, de quem passamos a conhecer os novos cônjuges e com quem combinamos miríficos almoços.

Que falta me faz a Feira do Livro!

Liga de Paris

É na tarde da próxima sexta-feira, dia 14, que terá lugar na Embaixada de Portugal, 5 rue de Noisiel, em Paris, o Colóquio "A Liga de Paris e o exílio político português em França".

Esta foi uma iniciativa que entendi dever empreender, neste ano em que se celebra o Centenário da República", e que conta com a organização a cargo do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

Especialistas credenciados, como os professores Fernando Rosas, Yves Léonard, Luís Farinha e Cristina Clímaco, falarão, respetivamente, sobre meio século de exílio português em França, a política francesa e o regime salazarista, a Liga de Paris e o "reviralhismo", bem como o exílio anti-fascista português durante e após a guerra civil de Espanha. 

O acesso ao Colóquio faz-se por convite, mas qualquer pessoa interessada em assistir pode inscrever-se através do telefone geral da Embaixada (01 53 70 12 99), por fax (01 53 70 98 37) ou por e-mail mailto@embaixada-portugal-fr.org.

Joaquim Vital (1948-2010)

Tínhamos a mesma idade, o que descobrimos num agradável e longo almoço a dois, há algumas semanas, aqui em Paris. Escritor, editor, tradutor, personalidade multifacetada de intelectual livre, Joaquim Vital era uma das grandes figuras da cultura portuguesa em França. Faleceu ontem, subitamente, em Lisboa.

Ouvira falar dele, há muito, através de amigos comuns. Ainda antes da minha vinda para França, a Manuela e o Nuno Júdice recomendaram que o procurasse. Só acabámos por conversar, com calma, muito mais tarde, já depois de eu ter lido o seu curioso "Adieu à quelques personnages", como aqui referi em Agosto do ano passado. Há semanas, enviou-me uma cuidada edição da "Ode Marítima" de Fernando Pessoa, sobre quem o tinha ouvido falar na Casa de Portugal, na Cité Universitaire de Paris.

Exilado desde os 18 anos, Joaquim Vital viveu em Paris desde 1973. Aqui fundou as "Editions la Différence", onde publicou traduções de muitos escritores portugueses, algumas das quais da sua própria autoria. Dos editores, escrevia: "Pode dizer-se, parafraseando Fernando Pessoa, que há três espécies de editores: os que publicam os livros de que gostam, os que gostam dos livros que publicam, os que não gostam de livros - e que não são editores. É a esta terceira categoria que pertencem os industriais e financeiros que decidiram, por razões de estratégia empresarial, atacar o mercado do papel impresso".

Joaquim Vital era uma figura que honrava a cultura portuguesa, que muito fez por ela e pelo prestígio do nosso país em França. Oportunamente, a Embaixada de Portugal em Paris irá homenagear a memória de Joaquim Vital.

Em tempo: sobre Joaquim Vital, leia mais aqui, aqui, aqui e aqui.

sábado, maio 08, 2010

Praça Vermelha

Ver tropas americanas a desfilar na Praça Vermelha, em Moscovo, nos 65 anos do final da Segunda Guerra Mundial, é um bom sinal para o mundo. 

O retrato de José Estaline, ao fundo, entre antigas bandeiras soviéticas, espelha bem a complexidade da memória russa.

Aniversário?

Passa hoje  o Dia da Europa. Há precisamente 60 anos, no Salon de l'Horloge, no Quai d'Orsay, aqui em Paris, Robert Schuman proferiu uma declaração, preparada por Jean Monnet, que é considerada o momento fundacional da unidade europeia.

Por que será que, este ano, poucos parecem interessados em celebrar um aniversário tão significativo? Há omissões que falam por si...

Reino Unido (2)

Os britânicos perdem a sua fleuma quando as coisas institucionais entram nos domínios do inesperado.

Tradicionalmente, e para quem não saiba, as eleições legislativas no Reino Unido ocorrem às quintas-feiras. No dia seguinte, de manhã, o líder do partido mais votado vai à rainha, recebe mandato para formar governo e, às 14.30 horas do mesmo dia, apresenta-se com ele completo no parlamento. Isto, porém, no caso de ter obtido maioria absoluta, o que quase sempre acontece. Mas não aconteceu, desta vez.

O sistema político britânico está construído, embora não explicitamente, para que um dos dois maiores partidos - atualmente, o trabalhista ou o conservador - ganhe as eleições com maioria absoluta. Por isso, o terceiro partido, o partido liberal-democrata, acaba por ser sempre o maior sacrificado, porque o sistema de voto o desfavorece fortemente. Nestas eleições, com 23% dos votos, acabou por ter menos de 8% dos deputados. Por essa razão, a reivindicação histórica dos liberal-democratas é a mudança do sistema eleitoral, para um modelo de representação proporcional. E, por outras razões de interesse próprio, conservadores e trabalhistas opõem-se a isto, com muita firmeza. 

Não se sabe, neste momento, como vão terminar as conversações entre os partidos britânicos e que espécie de governo delas poderá resultar. Uma coisa parece certa: mais cedo ou mais tarde, o partido que liderar o novo governo vai convocar (porque, no sistema britânico, pode fazê-lo sem limitações, dentro dos cinco anos do seu mandato) novas eleições, esperando então obter maioria absoluta. E costuma ganhá-las, porque aos britânicos repugnam maiorias relativas. Resta acrescentar que, a partir desse momento, passam a contar mais cinco anos (durante os quais, se acaso lhe der jeito, o governo pode convocar novas eleições, e assim por diante...)

Até lá, com a autoridade nacional que todos temos em matéria de governos com maioria relativa, só podemos dizer aos nossos amigos britânicos: habituem-se!

sexta-feira, maio 07, 2010

Protocolo

O serviço do Protocolo do Estado, que fisicamente se situa no Ministério dos Negócios Estrangeiros, é uma estrutura sobre a qual recai, entre uma multiplicidade de outras tarefas (apoio às missões estrangeiras em Portugal, emissão de documentos diplomáticos de viagem, condecorações, etc), toda a responsabilidade na organização dos milhares de pormenores de todas as visitas e viagens de altas figuras do Estado. É um trabalho que exige imenso tacto, posse de uma "massa crítica" de experiência, um grande bom senso e... uma incomensurável paciência. Tenho muitos anos de observação do trabalho do nosso Protocolo, que coincidem com idêntico período de admiração por colegas que, nesse serviço, dão ao serviço público um grande exemplo de dedicação e profissionalismo. Infelizmente, a sua ação, muitas vezes caricaturada por quem conhece mal estas coisas, tende a passar desapercebida, ou melhor, só se destaca se acaso ocorre alguma falha.

Como acontece um pouco por todo o lado, sempre por lá houve colegas mais atentos e empenhados, ao lado de outros que o são um tanto menos. Vai já para muitos anos, havia um chefe do Protocolo um pouco distante, conhecido pela sua escassa dedicação aos detalhes, que repousava o serviço no labor dos seus esforçados colaboradores. Nas visitas ao estrangeiro, a tendência do nosso homem era para se comportar quase como um convidado, dedicando o seu tempo a falar com os ministros ou com os empresários, relegando a "intendência" para os seus funcionários. E estes, coitados, lá iam dando conta do recado. 

Um dia, numa visita presidencial, um assessor do chefe de Estado encontra o nosso homem no hall, entretido numa boa conversata com um famoso empresário, e pergunta-lhe: "Parece que houve uma mudança no horário. Afinal, a que horas é que o senhor presidente sai para o jantar?". E o diplomata, bem embrenhado que estava no diálogo, responde-lhe, leve: "Eh! pá, não sei. Pergunta ao Protocolo..."

Rigor

Foi com alguma surpresa que membros da delegação oficial do primeiro-ministro português, hoje de visita a França, notaram a aberta rejeição, por parte do primeiro-ministro francês, de aceitar o qualificativo de "plan de rigueur", usado por um jornalista para qualificar as medidas de controlo orçamental que havia anunciado no dia anterior.

A surpresa vem do facto de que, em Portugal, falar de "plano de rigor" ser perfeitamente aceitável para descrever políticas de restrição financeira.

Porquê, então, a diferença de conceitos? Porque em França, historicamente, o discurso político consagrou a expressão "plan de rigueur" como significando medidas que combinam corte de despesas com aumento dos impostos. Ora o governo francês diz que não vai haver qualquer aumento de impostos.

Às vezes, traduzir palavras é diferente de traduzir conceitos.

Reino Unido

Habituamo-nos a olhar para o sistema político britânico como a "mãe das democracias". À hora da madrugada a que escrevo, as televisões dão-nos nota que, em muitos locais de voto, milhares de pessoas foram impedidas de votar, que isso originou inéditos protestos, num sistema que costuma ser "à prova de bala" em matéria de legitimidade. E isso ocorreu precisamente num momento em que a possibilidade de uma maioria simplesmente relativa se apresenta como plausível. Acontecesse isto em Portugal e caíam-nos todos em cima, com acusações de primarismo e de desorganização latina ou mediterrânica.

Sempre tive a sensação de que os britânicos mantêm uma certa snobeira no caráter quase artesanal do seu sistema de voto, que obriga a longas contagens pela noite dentro e às paroquiais leituras dos números dos sufrágios, que antecedem os discursos de vitória dos deputados, acolitados pelo cônjuge e prosélitos, com aquelas rodelas de folhos coloridos ao peito. Mas também tenho a certeza que as confusões de ontem, se não vão colocar minimamente em dúvida o resultado final dos sufrágios, irá obrigar a uma reflexão futura sobre o sistema. Mas duvido muito que mudem...

Quanto ao resto, a noite eleitoral televisiva foi o que costuma ser: divertida, plural, agitada. Devo dizer, contudo, que senti saudades dos gestos largos de Peter Snow, que nos mostrava as ondas vermelhas ou azuis, com os seus "swings", nas paredes virtuais da BBC, bem como das gravatas berrantes de Jeremy Paxton, que agora deram lugar a modelos com um cinzentismo digno da "city". Quanto ao resto, para quem acompanha o sufrágio britânico pela televisão já há algumas décadas, foi um sereno "déjà vu", de David Dimbleby a John Simpson. Podia ser diferente? Podia. Mas não era a mesma coisa...

Diferente do habitual, claro, só o resultado.

quinta-feira, maio 06, 2010

Europa?

A Europa está numa encruzilhada. E nada pior do que estar num cruzamento sem a menor ideia do caminho a seguir. Como agora acontece, com toda a evidência. O que é mais chocante, para quem acredita nas virtualidades do projeto, é verificar que parece não haver sequer linhas de rumo alternativas em estudo, que a Europa claramente "navega à vista". Às vezes, ao observar o comportamento e o discurso lúgubre de certos líderes, quase que dá a sensação que alguns integraram  já no seu pensamento o euroceticismo que pressentem prevalecer nos seus cidadãos, entrincheirando-se na defesa de egoísmos nacionais, porque sabem que assim estão melhor protegidos de críticas. Esses lideres esquecem uma realidade simples: no passado, os grandes passos da Europa, aqueles que consagraram os seus antecessores como figuras da História, fizeram-se com atos de vontade e de ousadia, com propostas que não eram, necessariamente, populares quando foram apresentadas. Liderar não é seguir as sondagens da opinião pública, é ter a coragem de pôr em prática novas políticas para convencer essa mesma opinião pública a mudar.

A grande ilusão europeia, que consistiu em criar instituições e modelos de ambição limitada, que foram o saldo do que, relutantemente, a tibieza de alguns conseguiu consensualizar na gestão mesquinha dos egoísmos nacionais, no pressuposto de que a mera dinâmica viria a consagrá-las como eficazes, mostra estar a chegar ao fim, precisamente às mãos das perversidades e caprichos de um mercado que sempre pensou que conseguiria adaptar às suas regras.

A ironia é ver hoje países poderosos, aliados reticentes de outros com fragilidades que todos sempre conheceram, à  espreita matinal dos mercados, à mercê do imprevisível resultado das negociatas de especuladores, adotando com atraso soluções provisórias para problemas definitivos.

Como ontem disse Jacques Delors, na sua entrevista à revista "Challenges", "a Europa está face ao seu teste mais importante" e, se quer salvar o euro, tem de avançar para a aproximação das políticas económicas nacionais e das legislações fiscais, bem como atuar no âmbito das políticas sociais. Para Delors, as coisas têm de voltar ao que foram: "sentido de ação, cooperação acrescida, pequenos passos, método comunitário (...) e, depois, agir". É uma receita simples, que sempre se mostrou eficaz.

Quando o euro foi criado, recordo-me que uma das grandes preocupações era a assimetria das consequências da introdução da moeda única em economias nacionais de matriz e "performance" tão diversas. O otimismo prevalecente, essa espécie de "bondade" natural que se pensava que o euro acabaria por ter para todos, obnubilou o outro lado da moeda (única): as consequências, a prazo, dessa mesma diversidade na sustentabilidade do euro, sem uma aproximação progressiva de outras políticas complementares, que se mantinham diferentes entre os Estados subscritores. Bastava olhar para a Europa do euro como se olha para um país para perceber isto, mas a verdade é que todos pareceram apostados em não enfrentar as evidências.

Jacques Delors, que foi o estratega dos tempos mais positivo da integração europeia, relembra agora, como o fizeram, sem o afirmarem, Robert Schuman e Jean Monnet, que "o medo pode ser bom conselheiro". Às vezes é, porque, outras vezes, pode apenas paralisar as tropas. À suivre, como se diz na banda desenhada.

quarta-feira, maio 05, 2010

Pedro Rosa Mendes

Uns meses após chegar a Paris, alguém me falou no nome do futuro correspondente da agência noticiosa Lusa, que iria ser aqui colocado: Pedro Rosa Mendes. Interroguei-me sobre se seria o escritor do excelente romance "Baía dos Tigres". Era.

O Pedro acaba de publicar a "Peregrinação de Emnanuel Jhesus", onde projeta a sua experiência timorense. É um simpático "luxo" para os portugueses de Paris terem aqui, como correspondente, um escritor já consagrado pela crítica.

Marx

Faz hoje 192 anos, nasceu em Trèves, uma cidade alemã, um filósofo e político cujas ideias iriam dividir o mundo: Karl Marx. 

Para utilizar uma expressão que Sophia de Mello Breyner dizia a propósito de um certo crítico literário, na minha juventude li mais Marx do que compreendi... Nesses tempos de universidade, para muitos de nós, ser "marxista" estava no "air du temps", qualquer que fosse a tendência que se escolhesse - e elas eram imensas, no menu ideológico disponível. O marxismo, mais ou menos "mecanicista" (que estiver interessado pode aprofundar o conceito), fez parte da escola de pensamento de muita gente da minha geração. Não deixa. aliás, de ser patético observar o modo como alguns se empenham em querer fazer esquecer esse seu tempo. Coitados... 

Há dias, ao ouvir referir que Trèves pertenceu ao Luxemburgo, tendo essa região sido integrada na Prússia num momento de infortúnio, lembrei ao embaixador desse país em França que, afinal, Marx poderia ter sido... luxemburgês!

"Para a troca", o meu colega disse-me que o atual arcebispo de Munich se chama Reinhard Marx e que tinha nascido em ...Trèves! 

Nunca se sabe as surpresas que as (eventuais) famílias nos reservam...

terça-feira, maio 04, 2010

O futuro

Um amigo antigo, homem "sábio" que conheci nas lides de Bruxelas, dizia-me ontem que o ambiente de mal-estar que atravessa a Europa se deve, essencialmente, ao facto de, pela primeira na história da unidade europeia, haver a clara consciência de que, às novas gerações, estará reservada, por um tempo indeterminado, uma qualidade de vida inferior à que as gerações precedentes usufruiram. No passado, o discurso oficial e o sentimento popular iam no sentido de mostrar que o "progresso" iria contribuir para a melhoria de condições de existência, razão pela qual valia sempre a pena ter esperança no futuro. Agora não.

"O problema já não é as pessoas não acreditarem que esta Europa nada pode fazer por elas. A grande questão é que começa a generalizar-se o sentimento de que as coisas estão piores por causa da Europa...", disse-me esse amigo, entre o desencantado e o resignado, mas, apesar de tudo, confortavelmente apoiado na choruda reforma que a União Europeia não deixa de dispensar aos seus leais servidores. Ao contrário do que sucede com as angústias por que passam os "civil servant" dos Estados membros.

Esta conversa fez-me lembrar uma graça que por aí anda, com a crise: "Este ano está a ser tão mau, tão mau, que já parece o ano que vem"...

Cavalos

Nos anos em que estudei semiologia, com Eduardo Prado Coelho, em cursos no Centro Nacional de Cultura, no início dos anos 70, estava longe de ligar as teorias de Saussure ao modo de relacionamento do homem com o cavalo.

Ontem, na Embaixada, um interessado grupo assistiu a uma palestra feita, a meu convite, pelo Professor Carlos Henriques Pereira, investigador na Sorbonne, onde, no contexto da apresentação do seu livro "Parler aux chevaux autrement - aproche semiotique de l'équitation", deu conta de aspetos diversos da arte de comunicar com os cavalos.

A palestra foi complementada por uma exposição fotográfica de "dressage" de cavalos portugueses. Leia mais aqui.

Frio

Deve ter sido um efeito subliminar do PEC...

Na semana passada, animado com o sol primaveril que parecia estar para ficar, mandei desligar o aquecimento geral desta imensa Embaixada, cuja fatura pesa bastante no nosso orçamento. Bem me avisaram que, no ano anterior, isso só fora feito um mês mais tarde. 

Nem dois dias eram volvidos e o frio regressou a Paris. Ligar de novo o aquecimento é um operação cara, com efeitos a prazo, isto é, lá para o fim-de-semana, em que até pode fazer sol. Por ora, tenho os funcionários a tiritar pelos escritórios. A começar pelo próprio embaixador, claro.

Saber prever é uma das qualidades diplomáticas mais requeridas, mas, como é dos livros, há capacidades que se vão perdendo com o tempo.... quente!

Grécia

Alguns títulos da imprensa portuguesa, na abordagem que fazem da questão do empréstimo dos países europeus à Grécia, são reveladores de uma imensa má-fé, tacanhez de espírito e da ausência de um sentido mínimo do que esse ato representa para o equilíbrio europeu - de que Portugal é o primeiro interessado. Nisso se distinguem, pela negativa, da generalidade da imprensa francesa, onde, por todo o lado, se vê algum cuidado em explicar o que o empréstimo significa e se detalham as razões da taxa escolhida. Porque parece quererem tomar-nos a todos por parvos, alguns dos nossos jornais procuram ainda uma deliberada - e populista - confusão entre o que é um empréstimo com garantias e que (não) é um dispêndio público.

No final de contas, isto quase acaba por ser mais triste do que desesperante.

segunda-feira, maio 03, 2010

Pina Martins (1920-2010)

Como aqui se tem referido, o Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, é, desde 1965, uma das "caras" mais importantes de Portugal na capital francesa. Pela sua direção têm passado figuras ilustres da nossa cultura.

Dei-me agora conta que, há dias, desapareceu o professor José Pina Martins, que durante mais de uma década (1972-1983) dirigiu aquele centro. Pina Martins, que também presidiu à Academia das Ciências de Lisboa e foi professor catedrático da Universidade de Lisboa, era um reputado especialista no período do Renascimento, com uma vasta obra publicada, em Portugal e no estrangeiro.

Há pouco mais de um ano, descobri, quase por acaso, o seu curioso "Histórias de Livros para a História do Livro", uma peregrinação erudita por livros (e não apenas por textos) que o marcaram e sinalizaram a sua vida intelectual.

Agências de notação

"Quando a ‘Standard & Poor’s’ notifica a degradação da nota de um Estado 15 minutos antes do fecho dos mercados isso é incitação ao crime. É a garantia de que todos os que têm títulos se vão desfazer deles, sem ter tempo de refletir, para não serem apanhados pela hora de fecho. Vou aproveitar a diretiva europeia sobre as agências de notação, que entra em vigor a 7 de Junho, para pedir à Autoridade dos Mercados Financeiros para assegurar a sua vigilância, examinar as condições em que elas funcionam, exigir que elas notifiquem e façam validar o seu modelo, demonstrem a maneira como respeitam as regras de conflitos de interesse, separação de atividades, a maneira como distinguem entre as cotações de riscos privados e riscos públicos. As agências de notação devem obedecer a códigos de conduta que sejam operacionais.”

Declaração da ministra francesa da Economia, Christine Lagarde, ao "Le Monde", hoje

Ideia

domingo, maio 02, 2010

Da cunha

Este não é um post consensual, desculpem lá!

Li há pouco no "Expresso online" (não sei se saiu na edição impressa) um artigo sobre essa instituição nacional que é a cunha, onde também se recupera um livro publicado sobre o tema.

Sou de opinião - e sei que muitos não concordarão - que a cunha é um dos símbolos que espelha o nosso subdesenvolvimento, um imenso atestado de menoridade nacional. É inevitável? Talvez seja, no país atual. Em Portugal, "mete-se uma cunha" com a maior naturalidade, porque quem a pede nem sequer receia ofender quem a recebe. A justificação é "latina": "se eu não meter uma cunha, como é que consigo ser atendido no hospital?". E, às vezes, até é verdade. Mas, se fôssemos um país sério, deveríamos viver permanentemente com a culpabilidade e a tristeza de sermos um país de cunhas. E não vivemos.

A cunha é o produto da pobreza da nossa sociedade, da inexistência de condições de igualdade para todos, da prevalência de um suposto conceito de solidariedade coletiva que absolve moralmente os "empenhos". Porque tem vários níveis, a cunha - no Brasil, chama-se "pistolão" - vai desde a inofensiva sugestão de um nome para um lugar de livre escolha até à pressão para a falsificação de um concurso para um fornecimento público, passando pela "apresentação" de pessoas e outros métodos mais ou menos inocentes. É que há cunhas e cunhas: conseguir, por um conhecido, um lugar num espetáculo é bastante diferente de uma corrupção com consequências patrimoniais ou profisionais. Porque as fronteiras entre diferentes escalões estão às vezes longe de definidas, e porque a reprovação social do ato frequentemente não acompanha a sua gravidade, em função do nível ético das pessoas envolvidas, a cunha progride sem pudor, da sugestão simpática à corrupção aberta.

Tenho duas experiências sobre cunhas que gostaria de partilhar.

Há uns anos, fiz parte de um júri de um concurso público de admissão a uma função. Antes que alguém o fizesse, avisei à partida, amigos e conhecidos: "quem me meter uma cunha por alguém, já sabe: essa pessoa, chumba!" Foi uma reação claramente desproporcionada, mas foi remédio santo! Creio que alguns leitores desde blogue recordar-se-ão ainda disso...

A segunda experiência, também com alguns anos, foi muito traumática: um pessoa que me era muito próxima pediu que "metesse uma cunha" num concurso público, cujos membros do júri eu conhecia muito bem, para o qual havia sete vagas e 10 concorrentes. O candidato tinha distantes relações familiares comigo. Recusei, claro. Tempos mais tarde, a mesma pessoa pediu-me que soubesse, apenas, se o candidato tinha sido ou não aprovado, porque os resultados já estariam decididos, embora não divulgados, e  lhe tinha surgido uma outra opção alternativa profissional, que não sabia se devia ou não aceitar. Acedi, falei ao presidente do juri e recebi a seguinte resposta: "Estavas interessado em que ele entrasse? Foi pena que não me dissesses nada! Ele até nem era nada mau, mas era o único que não tinha nenhuma cunha..." 

Devo confessar, contudo, que nem sempre a ocorrência de uma cunha é uma coisa necessariamente má: pertenço a uma corporação profissional onde a história de uma bem elaborada cunha - denunciada, mas por uma vez ineficaz e que a opinião pública portuguesa teima saudavelmente em não esquecer - nos livrou a todos de uma "praga". É que, afinal, ainda há cunhas que vêm por bem...

sábado, maio 01, 2010

"1º de Maio vermelho"

Hoje, vistas as coisas à distância, tudo nos parece ridículo, mas, há 36 anos, a ameaça feita pelo MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado) de fazer um "1º de maio vermelho", com alguma possível violência à mistura, assustou o Movimento das Forças Armadas (MFA). Alvo crescente da repressão policial, o MRPP fora já responsável, nos meses antes de Abril, por algumas ações de rua, dedicadas à luta contra a guerra colonial, com confrontos relativamente fortes.

O anúncio dessa movimentação no Dia do Trabalhador havia sido feito ainda antes do 25 de Abril, mas todos estávamos conscientes que os "eme-erres" haviam interpretado o golpe militar como um mero rearranjo de "forças da burguesia", sem qualquer impacto nos "interesses profundos das classes trabalhadoras". E o facto de insistirem em organizar uma forte movimentação no dia 1 de Maio, não obstante ter entretanto ocorrido o movimento democrático do 25 de Abril, não sossegava alguns militares.

Não cabe aqui, por ora, fazer o historial do MRPP, um grupo criado em 1970 e com uma génese diferente da dos restantes movimentos que, em Portugal, se reclamavam do maoísmo. Muito ativo no meio académico, com particular expressão em Lisboa, dispunha de uma simpatia clara em sectores da imprensa, bem como em algumas estruturas sindicais de serviços. Conhecido por um grafismo colorido, que se espalhava por folhetos, jornais clandestinos e por muitas paredes, o MRPP era, visivelmente, a principal força política que não saudara a Revolução.

A circunstância de ter o Partido Comunista Português como um alvo prioritário da sua ação, antes e após o 25 de abril, levaria algumas forças bem mais conservadoras a ver o MRPP com alguma simpatia tática, que ficou bem patente nos primeiros anos da Revolução de Abril. A posterior evolução política de alguns antigos membros do MRPP viria a provar que essa aliança tinha também algo de potencialmente estratégico. Para simplificar, e citando a análise da minha amiga Diana Andringa, ela própria ex-MRPP, há a perceção de que a grande maioria de quantos eram seus militantes antes do 25 de Abril acabou "à esquerda" na vida política portuguesa; os que aderiram após o 25 de Abril, muito marcados que foram pelo combate ao PCP, tenderam maioritariamente a fazer uma opção mais conservadora. Esta conclusão pode não ser uma verdade absoluta, mas é capaz de ser a base para uma boa leitura.

Mas voltemos ao 1º de Maio de 1974. O ambiente de confiança que o 25 de abril criara no país poderia ser afetado, na perspetiva de alguns dos militares por ele responsáveis, se acaso o MRPP viesse a promover algumas ações violentas. A confiança pública na Revolução e a própria estabilidade que o país pretendia projetar externamente poderiam ficar em causa se viessem a ocorrer incidentes graves. Que fazer, então? Talvez  seja difícil de acreditar nos dias de hoje - depois do que efetivamente se passou em Portugal, no dia 1º de maio de 1974 - mas uma ideia inicial, que chegou a ser pensada em meios militares, foi tentar encontrar uma maneira de evitar que os portugueses saíssem de casa nesse dia... 

Com o objetivo de tentar discutir a utilização da RTP com esse objetivo, o MFA convocou uma reunião para a Escola Prática de Administração Militar (EPAM), no dia 27 de Abril. Nela reuniu um impressionante grupo de intelectuais, num "brainstorming" chefiado pelo capitão Teófilo Bento, com António Reis e eu próprio a acolitá-lo. Pela sala espalhavam-se figuras como Luis de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Luis Francisco Rebelo, Álvaro Guerra, Manuel Jorge Veloso, Manuel Ferreira, Adelino Gomes, Orlando da Costa e creio que duas ou três dezenas mais de figuras cimeiras da nossa vida cultural e jornalística. O debate foi longo, as propostas choveram sobre o modo como a televisão podia vir a ser utilizada para "trabalhar" os primeiros tempos da Revolução. Porém, a ideia de a tornar um instrumento para evitar a saída às ruas no 1º de maio foi, ao que me lembro, rapidamente abandonada. Era, de facto, uma mera questão de bom senso...

Para a história, convém apenas notar: o MRPP lá comemorou, a partir do Rossio, o seu "1º de maio vermelho". Com muitos slogans e sem violência. E o 1º de maio de 1974 acabou, para todo o Portugal, por ser uma coisa bem diferente, como todos recordam.

quinta-feira, abril 29, 2010

Aristides Sousa Mendes

O exemplo de Aristides Sousa Mendes, o diplomata português que salvou milhares de refugiados ao tempo em que era Cônsul em Bordéus (a imagem é das intalações consulares portugueses), foi ontem evocado numa muito concorrida sessão que organizámos na Embaixada em Paris, com uma exposição documental e bibliográfica e a apresentação de três novos livros sobre o diplomata. 

Um neto de Aristides Sousa Mendes, Geraldo Mendes, o escritor Eric Lebreton e Manuel Dias - figura que, desde há anos, desenvolve um relevante trabalho de memória em torno do antigo Cônsul português em Bordéus - intervieram perante um público atento e interessado.

Pela minha parte, aproveitei para falar um pouco sobre o meu "colega" Aristides Sousa Mendes, do modo como as Necessidades o viam no passado, bem como da forma como hoje é visto naquela casa. E também referi a imensa solidão que deverá ter sentido um homem no seio de um regime que abertamente até então apoiava (coisa de que muito poucos falam) e contra cujas ordens sentiu, a certa altura, o dever de se rebelar por um muito estimável sobressalto ético. 

Falei igualmente de um tema que outros procuram esquecer, crendo-se absolvidos por atitudes de tempos mais recentes: da oposição ao Estado Novo, que nunca teve uma palavra de apoio para com o diplomata ostracizado pela proteção dada aos refugiados que fugiam da barbárie nazi. Para concluir que Artistides Sousa Mendes não é uma personalidade ideológica, "propriedade" da esquerda ou da direita, mas apenas um homem simples que, revoltado e emocionado pela tragédia, colocou a dignidade à frente do dever formal de obediência a uma ordem injusta.

Aproveitei a ocasião para saudar duas personalidades, por quem tenho admiração e amizade, e que, tal como Manuel Dias, têm vindo a desenvolver, no estrangeiro, um louvável, generoso e dedicado trabalho de realce da figura de Aristides Sousa Mendes: João Crisóstomo, nos Estados Unidos, e Paulo Martins, no Brasil. É muito graças a pessoas como eles que a memória de Sousa Mendes se mantém viva e exemplar para as novas gerações. Em especial para os nossos diplomatas.

"La Lettre Diplomatique"

São 44 páginas com textos, gráficos e imagens sobre Portugal, incluindo entrevistas, testemunhos e artigos que cobrem realidades políticas, económicas e culturais muito diversas, sob o título conjunto significativo: "Un engagement sur tous les fronts".

Esse é o conteúdo de um dossiê que pode ser encontrado na edição do 1º trimestre de 2010 de "La Lettre Diplomatique", que acaba de sair, uma publicação independente que organizou este número em colaboração com a Embaixada de Portugal em Paris.

Logo que o texto estiver "on line", será colocado um "link" no blogue.

MES

Tenho a sensação de que nunca soubemos muito bem quantos éramos. Não me recordo de ter tido um cartão partidário. A nossa disciplina política tinha por referentes o entusiasmo e o voluntarismo.

O MES, o Movimento de Esquerda Socialista, como o Paulo Bárcia e o António Silva titulam bem neste livro que hoje é publicado em Lisboa, foi uma "improvável aventura" num tempo intenso de esperança. 

Tenho imensa pena de não poder estar hoje em Lisboa, com alguns amigos de sempre. Como alguém disse um dia, "je ne renie pas mes heritages" e o MES faz parte integrante delas. A forma saudável como hoje olhamos essa generosa aventura é a prova clara de que, no passado, o futuro era melhor.

Em tempo: entrei no MES pela mão do António Alves Martins, o nosso MFB (militante de fato branco...). Por onde quer que ele ande, deixo-lhe aqui um forte, solidário e muito saudoso abraço. 

Ainda em tempo: aqui fica esta útil ligação:

Debate

Aceitei ontem um convite para debater, durante quase meia hora, num programa de rádio francês de grande audiência, com o "Chief European Economist" da empresa de notação "Standard & Poor's", Jean-Michel Six. A agência foi responsável pelo abaixamento da "nota" de Portugal que provocou uma especulação desfavorável ao nosso país nos mercados internacionais.

Com urbanidade mas também com o necessário vigor, procurei expor, ao longo da emissão, alguns dos argumentos, nomeadamente de natureza quantitativa, que nos levam a considerar ter havido um menor cuidado na necessária distinção entre as situações portuguesa e grega. Destaquei também as severas medidas que Portugal tem em curso de execução com vista ao saneamento das suas contas públicas.

Pela parte da "Standard & Poor's", foi dada muita importância à dimensão da dívida privada portuguesa - embora reconhecendo as medidas tomadas face à dívida pública - e ao facto da agência entender que a respetiva dimensão pode condicionar o êxito da nossa futura recuperação. De qualquer forma, Jean-Michel Six disse que há uma grande diferença no modo como a sua empresa analia os casos português e grego. Deixou claro que,  para a "Standard & Poor's", Portugal continua "confortavelmente colocado na zona de 'investment grade'".

Um dos pontos sublinhado, com grande insistência, pelo coordenador da emissão ligou-se ao anunciado entendimento entre as principais forças políticas portuguesas em face da presente situação. Este ponto parece estar a ser lido como um forte sinal da determinação portuguesa de fazer face à presente crise.

Ouça aqui um ponto do debate.

Os amigos e as ocasiões

A imprensa francesa tem-se feito eco dos mais recentes ataques especulativos contra Portugal e não deixa de assinalar duas evidências: a radical diferença entre a situação portuguesa e a grega e, em alguns casos, o facto dos nossos índices não estarem muito distantes dos da França.

Ninguém tinha dúvidas de que, se a situação grega evoluísse de forma negativa, Portugal seria o próximo ‘target' dos especuladores. Alguns talvez não contassem com um grau tão acentuado de indiferença por parte da Alemanha - o grande beneficiário do mercado interno e o país que sustenta o seu poder europeu à custa do euro, cujas drásticas condições macro-económicas impôs e que hoje são o referente pelo qual são medidos os desvios nacionais. Será que a Europa existe mesmo?

As agências de ‘rating' repercutem a perplexidade colectiva perante a hesitação e falta de solidariedade germânica. A perversidade está no facto de, ao tomarem decisões de ‘upgrading' de risco, agravarem ainda mais a situação, conduzindo os mercados a cobrarem mais pelos empréstimos. O seu lamentável impressionismo na avaliação relativa das situações nacionais confirma-as como os melhores cúmplices dos piores especuladores internacionais. Alguma novidade? 

* artigo hoje publicado no jornal "Diário Económico"

quarta-feira, abril 28, 2010

Igreja

A assistência religiosa católica é uma atividade muito apreciada pela comunidade portuguesa em França, também pelas dimensões de natureza social que estão associadas à sua ação. Por todo o país, sacerdotes portugueses, franceses e de várias outras nacionalidades - muito em especial, de países lusófonos - prestam regulares e relevantes serviços aos nossos cidadãos.

Hoje, convidei para almoçar cerca de duas dezenas desses religiosos, que operam na região de Paris, com os quais procurei estruturar uma "rede" de interação que possa resultar de forma positiva para a nossa comunidade. A grande maioria desses sacerdotes não se conhecia sequer entre si.

No plano imediato, ficou criado um conjunto de ligações pessoais no sentido de promover uma mobilização para uma missa a ter lugar na catedral de Notre Dame de Paris, no dia 12 de Junho, pelas 18.30 horas. O objetivo é aí congregar setores da nossa comunidade católica da zona de Paris, numa grande festa portuguesa próxima da nossa data nacional.

Morais

Neste ano que foi triste para o Sporting, soube-se hoje da morte de João Morais, o autor do célebre golo por canto direto que conduziu o clube à vitória na Taça das Taças, em 1963/64.

Atacante ao tempo dessa vitória, João Morais viria a recuar para lugares mais defensivos, tendo, nessa posição, participado na seleção nacional portuguesa que obteve o 3º lugar no mundial de 1966. O modo agressivo como marcou Pelé no jogo em que Portugal derrotou o Brasil por 3-1 não ficou na história do nosso futebol como a nossa "finest hour", em termos de bom comportamento desportivo. Senti-me na obrigação de dizer isso mesmo ao próprio Pelé, quando o conheci no Brasil. Morais era, contudo, um jogador com grande garra e dedicação, pelo que merece o nosso respeito.

Deixo aqui o video do golo e o som da canção com que "o cantinho do Morais" ficou para sempre na memória afetiva do Sporting Clube de Portugal.

Em tempo: hoje à noite, uma compatriota sportinguista surpreendeu-me ao lembrar que foi pela mão do Sporting, através de Carlos Lopes, em 1984, que o hino nacional português foi pela primeira vez ouvido nuns Jogos Olímpicos.

Agricultura

Na segunda metade dos anos 90, o ministro português da Agricultura, Gomes da Silva, perante uma manifestação de agricultores que se aproximou do seu Ministério, protestando contra políticas da União Europeia que haviam afetado interesses portugueses, e que a nossa diminuta capacidade de voto na matéria não tinha conseguido suster, teve um ato de frontalidade e grande coragem: desceu à rua e juntou-se aos manifestantes, sublinhando que, também ele, era contra essas medidas.

O gesto foi considerado, pelos manifestantes, como provocatório, inconsequente e até ridículo. Na imprensa, "caiu o Carmo e a Trindade" perante a atitude do ministro, que chegou a ser qualificada como destituída de sentido de Estado.

Ontem, Paris foi invadido por mais de um milhar de tratores, que bloquearam estradas de acesso e várias zonas da cidade, protestando contra as políticas cerealíferas de Bruxelas.

O ministro da Agricultura, Bruno Le Maire, veio a terreiro defender as posições dos agricultores franceses, mostrando-se solidário com este imenso protesto. Não me consta que, até agora, tenham caído a Tour Eiffel ou os Invalides... E, em especial, ninguém nesta imprensa achou incoerente a posição do governante francês, muito embora seja incumensuravelmente maior o poder e a influência da França na máquina comunitária.

Descubram as diferenças.

terça-feira, abril 27, 2010

Portugal e a crise

Os ataques especulativos que a economia portuguesa está a sofrer são a consequência cumulativa de vários fatores, alguns suscetíveis de controlo por parte do Estado português, outros dependentes de variáveis que não relevam essencialmente de Portugal.

No que toca aos primeiros, o parlamento português aprovou um programa, proposto pelo governo, composto por um conjunto de medidas de contenção e rigor que, a prazo, pretendem atenuar os desequilíbrios recentes das nossas contas públicas, em especial a redução progressiva do nosso défice orçamental e a dívida pública acumulada. Embora por vezes argumentando que outras escolhas ou modelos mais rigorosos nas escolhas feitas poderiam ter sido encaradas, a maioria das forças políticas portuguesas manifestou a sua concordância com o sentido global da ação empreendida pelo Governo. A Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, tal como a OCDE, fizeram uma leitura positiva sobre as opções tomadas por Portugal, não deixando, contudo, de ponderar a possibilidade de novas ações poderem ter de ser postas em prática, se o programa agora apresentado vir a revelar-se insuficiente.

Para além desse quadro que é suscetível de gestão interna, a verdade é que a economia portuguesa, como uma economia aberta que é, sofre da circunstância de muitos daqueles que são os mercados para onde exporta a sua produção estarem, eles próprios, a atravessar uma situação de crise, com uma retração na procura que, naturalmente, tem vindo a afetar seriamente Portugal como país fornecedor. O caso da Espanha é talvez o mais flagrante, mas outros mercados europeus tradicionais continuam a não dar sinais de retoma com impacto suficiente na absorção da nossa produção. Dado que o mercado interno português tem, em si mesmo, uma escassa dimensão, não será por seu intermédio que será viável estimular a atividade económica nacional. O recurso a novos terceiros mercados revela-se uma opção difícil em tempo de retração económica global, embora algumas economias emergentes, como é o caso de Angola, estejam a reagir de forma muito positiva face à produção portuguesa.

Como sempre acontece em momentos de crise, a ação especulativa tende a estender-se pelas economias mais débeis do sistema. A "proteção" que a pertença ao euro teoricamente representava para os países da "eurolândia" acaba por ser esbatida pela circunstância da economia mais forte do espaço da moeda única estar a demonstrar uma escassa solidariedade com os parceiros mais frágeis. A Alemanha, que - convém que se diga - é a grande beneficiária da abertura do grande mercado europeu, parece demonstrar que não está disposta ao gesto, político e económico, de prestar garantias claras e inequívocas a esses parceiros - não obstante as fortes medidas de rigor que eles colocam em prática, com imensos custos sociais e políticos, sob a observação rigorosa das entidades internacionais.

Neste quadro de dúvidas criadas sobre a solidariedade dentro do espaço da moeda única, as agências de "rating" repercutem tal perpexidade, pelo que fazem um "upgrading" dos níveis de risco para os "produtos" financeiros ligados a esses países. A perversidade desse mecanismo está no facto de. ao tomarem tal ação, essas agências agravarem ainda mais a situação dos países, pela circunstância dessa sua opinião conduzir os mercados a cobrarem mais pelos empréstimos aos Estados cuja situação já era complexa. 

O que não deixa de ser curioso é que os índices macroeconómicos portugueses, se bem que agravados nos últimos tempos, continuam a não estar muito distantes dos de um país, por exemplo, como a França. De forma incompreensível, está-se a verificar nos últimos dias que, ao contrário de uma desejável sofisticação analítica por parte de tais agências, a sua "notação" acaba por não conduzir a uma diferenciação entre os países em crise, com um detalhe natural da diversidade das respetivas situações estruturais,  bem como uma consideração do histórico das medidas de correção já implementadas por cada um - no caso de Portugal, não considerando reformas drásticas como as levadas a cabo na segurança social, reduções substanciais efetuadas nos gastos públicos e um impecável cumprimento de todas as obrigações perante credores internacionais. Essas agências assumem, assim, um lamentável impressionismo de avaliação que, deliberada ou casualmente, as coloca como os melhores cúmplices dos especuladores internacionais.

De Gaulle

Dentro de algumas semanas, comemorar-se-ão 70 anos sobre a data em que o general De Gaulle fez, de Londres, a proclamação em favor da liberdade da França, que representou o momento de criação formal da resistência à ocupação nazi. Em Novembro, 40 anos passarão  também sobre a sua morte.

Ontem, acompanhei uma delegação da Assembleia da República numa deslocação ao Memorial Charles de Gaulle, em Colombey-les-deux-églises, um recente e interessantíssimo museu, construído ao lado da residência e da campa do general, que simboliza o orgulho da França em alguém que, no momento necessário, a encarnou decididamente como nação.

Junto ao Memorial encontra-se esta impressionante Croix de Lorraine, um símbolo histórico francês escolhido para representar a França livre.

Wallraff

O jornalista alemão Gunther Wallraff foi uma personalidade que ficou bem conhecida em Portugal, ao ter enganado o general António de Spínola, apresentando-se como um vendedor de armas, ligado a grupos de direita radical europeia, disposto a ajudá-lo a combater a Revolução portuguesa. 

No seu exílio do Brasil, Spínola alimentava as esperanças que o seu MDLP (Movimento Democrático para a Libertação de Portugal) mantinha em tomar, pela força, o poder em Portugal. Com as reportagens publicadas na revista "Der Spiegel", mais tarde transcritas no livro de que se apresenta a capa, Wallraff não apenas ridicularizou o general como expôs e denunciou a sua estratégia de regresso violento ao poder.

Hoje, ao ler o "Libération", deparei com uma página (texto não acessível por completo) dedicada a Wallraff, a propósito da publicação de um seu novo livro, onde se contam muitas das suas aventuras jornalísticas sob disfarce. 

Relembro Gunther Wallraff por ele também faz parte do nosso 25 de Abril.

segunda-feira, abril 26, 2010

Memória

O Mont Valérien é um importante memorial, a dois passos do centro de Paris, onde muitos resistentes franceses foram fuzilados, durante a 2ª guerra mundial. O general De Gaulle decidiu criar aí um espaço de lembrança histórica.

Ontem, o presidente do parlamento português, Jaime Gama, visitou o local, para prestar um tributo de homenagem a quantos sacrificaram a sua vida pela liberdade da Europa. 

Não estou seguro que, nos dias de hoje, muitos dirigentes estrangeiros façam, com frequência, um gesto de simbolismo similar, o que prova que, para uma certa geração portuguesa, as lições da História continuam a estar bem presentes.

Valores

Acabo de ler que a bandeira e o hino nacionais estão entre os valores que os alunos portugueses devem conhecer e respeitar, de acordo com nova legislação publicada. A surpresa é que, aparentemente, não era assim...

Só espero que, com alguns ex-alunos "feitos" professores nos últimos anos, formados numa cultura laxista e dispicente face aos valores nacionais, ainda se vá a tempo de garantir um certo rigor de aplicação desta lei. 

É que me interrogo, muito seriamente, sobre se todos os professores portugueses conhecem o nosso hino nacional.

domingo, abril 25, 2010

Ainda Marselha e os "retornados"

A sina dos "pieds noirs", esses franceses forçados a regressar à metrópole europeia, vindos da África magrebina independente nos anos 60 do século passado, foi algo que sempre me interessou, por ser um fenómeno político e social revelador dos limites da capacidade de integração em França. Durante várias conversas que na passada semana tive em Marselha, a "porta da França" que se tornou o destino dessa comunidade desenraizada, procurei perceber se o fenómeno subsistia e em que moldes. Verifiquei, com alguma surpresa, que permanecem ainda fortes traços essenciais desses núcleos, agora coexistindo, embora sempre bem separados, com as significativas comunidades magrebinas que dão a certas ruas e praças de Marselha ares de bairros transplantados de Argel.

Dei comigo a pensar que, no caso da descolonização portuguesa, esse mesmo fenómeno teve um destino bem diverso. Os "retornados" da África colonial portuguesa que se acolheram na Europa, quase sempre em condições económicas pessoais muitos precárias, expostos a um ambiente político que estava longe de lhes ser simpático, num tempo económico português de crise e falta de investimento, com escassíssimos apoios oficiais (lembram-se do IARN e dos hóteis ocupados, a compensarem a crise turística?), souberam "virar-se" e integrar-se de forma magnífica na sociedade portuguesa. As redes familiares e, essencialmente, a sua "garra" e vontade de reconstruir a sua vida fizeram milagres. Hoje, já ninguém se lembra nem fala dos "retornados", praticamente não se refere que alguém veio ou não de África nos idos dos anos 70.

E, no entanto, o caso português era potencialmente muito mais grave: se compararmos as centenas de milhares de "retornados" que chegaram a Portugal, face a uma população com a nossa dimensão, com a muito inferior percentagem de "pied-noirs" no seio de uma sociedade forte e desenvolvida como a francesa, acho que encontramos fortes razões para que nos devamos congratular. 

Neste tempo em que parece endémico o comprazimento em acentuar das desgraças pátrias, talvez o processo de absorção dos "retornados" nos ajude a ter algum orgulho no país que temos.   

Abril (8) - Em França

O 25 de abril foi, nestes dias, comemorado um pouco por toda a França, no seio da comunidade portuguesa. 

É neste período que a "ubiquidade" do embaixador de Portugal é posta à prova...

Dia 23, depois de uma agenda em  Marselha, participei no "desfile da liberdade" de Fontenay-sous-Bois, nos arredores de Paris. No dia seguinte, estive no debate sobre a Revolução na Cité Universitaire de Paris e, logo de seguida, integrei as comemorações feitas em Pontault-Combault, onde, simultaneamente, se celebrou o 35º aniversário da Associação Portuguesa Cultural e Social, uma instituição cujo grande dinamismo se deve ao trabalho intenso do respetivo presidente, Mário Castilho. Hoje, dia 25 de abril, viajei quase 500 km para estar, durante várias horas, com os portugueses de Roubaix, numa iniciativa da Associação Católica Portuguesa local, animada por essa figura portuguesa de referência na região que é Jean Barbosa.

O 25 de abril justifica bem que lhe dediquemos estes dias.

Abril (8) - Razões de abril

Abril (7) - Razões de abril

Abril (6) - Razões de abril

Abril (5) - Razões de abril

Abril (4) - Olhares sobre abril

Nada havíamos combinado entre nós, ou melhor, apenas havíamos decidido ser breves nas nossas intervenções. Eduardo Ferro Rodrigues, embaixador junto da OCDE, Manuel Maria Carrilho, embaixador junto da UNESCO, e eu próprio, falámos, ontem à tarde, sobre o 25 de Abril, a convite dos residentes da Casa de Portugal, na Cité Universitaire de Paris.

As dezenas de assistentes ajuizarão melhor do que nós do eventual mérito deste exercício, cujo modelo julgo inédito e me pareceu interessante. Esta "conferência dos embaixadores", como pomposamente vi chamada algures, teve talvez a curiosidade de revelar como três pessoas que abertamente se reivindicam da herança da Revolução de abril observam a realidade que dela resultou, sob prismas próprios, marcados pelas diferentes formações e hierarquia intelectual de interesses. Foi também muito simpático ver o público a interagir, de formas muito diversas, lançando pistas que permitiram abordar aspetos variados da sociedade portuguesa contemporânea.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...