terça-feira, maio 11, 2010

Barthes

Roland Barthes, que tenho dificuldade em classificar nas suas várias categorias como intelectual, teve uma parte muito importante da sua vida ligada à região sudoeste de França, onde se encontra sepultado junto da sua mãe. Quem leu o seu triste e póstumo "Journal de Deuil" perceberá melhor este encontro na morte. Ontem passei nesse cemitério, em Urt, perto de Bayonne.

Esta historieta é também a propósito de Roland Barthes.

Estávamos em 1973, na caserna da Escola Prática de Infantaria. Eu tinha por hábito, depois do encerrar formal das luzes, ficar a ler uns minutos mais, com uma lâmpada elétrica, que não incomodava ninguém. Numa noite, tinha comigo o "Mythologies", um dos primeiros livros de Roland Barthes, composto por peças publicadas na imprensa francesa, com leituras de uma surpreende imaginação e profundidade sobre temas simples do quotidiano, denunciando mitos da nova cultura de massas. O texto que estava a ler era o "La nouvelle Citroen", uma análise magistral, escrita ainda nos anos 50, sobre o impacto de uma nova viatura no imaginário francês. Trancrevo apenas esta frase desse texto, para se entender de que se tratava (e, a quem não conhece, recomendo vivamente que leia o livro, claro): "Je crois que l’automobile est aujourd’hui l’équivalent assez exact des grandes cathédrales gothiques: je veux dire, une grande création d’époque, conçue passionnément par des artistes inconnus, consommée dans son image, sinon son usage, par un peuple entier qui s’approprie en elle un objet particulièrement magique."

Subitamente, nessa noite, um tenente entra na caserna, numa visita rara de inspeção. Como eu estava deitado logo à entrada, e surpreendido com a minha solitária leitura, o oficial estende logo a mão para o livro e pergunta: "Ó nosso cadete! Que diabo está você a ler, a esta hora?". Esperava, talvez, literatura política, mais ou menos clandestina. Passei-lhe o livro para as mãos, ainda aberto na página da leitura. "Ah! E em francês!", saiu-lhe, inquiridor, já esperançoso numa descoberta. "Vamos lá ver então o que é que você estava para aqui a ver, às escondidas".

Um segundo depois, tudo mudou. Com um sorriso simpático, sai-lhe: "Citroen?! Você gosta de carros?". Devo ter dito que sim, o que nem sequer era ou é verdade. "Ora, sim senhor, aqui está uma boa leitura: livros sobre carros! Mas olhe uma coisa, homem: isto de carros franceses não é coisa que se veja. Eu gosto é dos italianos, são mais nervosos. Tenho um Alfa, sabe?". E eu que nem carta de condução tinha.

11 comentários:

Santiago Macias disse...

De facto, esse texto sobre a DS (a deusa) é notável.
O seu tenente até podia ter razão sobre o nervosismo dos carros italianos, tão nervosos quão pouco fiáveis.
Mas a Citroen foi uma máquina de criar coisas diferentes ao longo do século XX. E os carros franceses batem todos em conforto. Coisas a que começamos a ligar depois dos 45.

margarida disse...

...eu gosto muito da Renault :))))
"quatrelle"...

Não tinha carta? Mas tirou entretanto, não?
Ou já perspectivava o Ambrósio? :)

margarida disse...

Já agora, e a propósito de Citroëns:

http://joelneto.blogs.sapo.pt/1127.html

Julia Macias-Valet disse...

Ao ver a fotografia deste post, eu lembrei-me do Sr. Moedas e da noite de 28 de Fevereiro de 1969.

O Sr. Moedas era um professor de Desenho da Escola Industrial de Moura (natural de Lagoa) e meu vizinho. Até aqui nada de original... Mas o Sr. Moedas era o feliz proprietario de uma DS...
Quando na noite de 28 de Fevereiro de 1969 se deu o terramoto e tivemos que abandonar o interior das casas, o meu vizinho abrigou-nos (a mim e ao Pitau) no interior do seu bolide até ao amanhecer...

PS Os meus pais compraram o 1° carro (um Carocha) em Fevereiro de 1972 mas para minha grande tristeza nao "subia" como o do Sr. Moedas : (

So muitos anos depois vim a saber que aquela "Subida" se chama : Suspensao Hidraulica ! e que foi inventada pela Citroën.

margarida disse...

...o terramoto de 69..., lembro-me dessa noite, mas não recordava o dia exacto...
O meu pai em África, eu a beber o frasco de xarope todo e a minha mãe em pânico com o que sucedia, sem saber o que fazer comigo e com a casa a abanar, coitada...
E a suspensão hidráulica!
Andei bastante com um BX que era uma banheira deliciosamente confortável que 'subia', pois!
As questões técnicas passam-me ao lado -mas sei trocar pneus e assim ;)
Onde o senhor Barthes nos leva...

Julia Macias-Valet disse...

O meu parque desde 1995 :

http://fr.wikipedia.org/wiki/Parc_André-Citroën

Julia Macias-Valet disse...

Dear Maggie,
Ja me ensinaram varias vezes a mudar pneus, a pôr o "macaco" e etc e tal...mas macacos me mordam se nao arranjo um "simpatico" que me mude o pneu ; ))
Ah ! mas sei ligar os cabos (o preto e o vermelho) a outro motor quando a bateria esta moribunda e também sei encher o reservatorio do liquido dos limpa para-brisas (isto dos para-brisas deve ser uma daquelas expressoes que devem datar da construçao dos primeiros automoveis, sim porque hoje em dia a 150 km/h seria para-vendavais : ))

Quanto ao amigo Roland, peço desculpa Senhor Embaixador, também o estudei ja la vao mais de 20 anos na Comunicaçao Social mas hoje nao estou para ai virada : (

Anónimo disse...

Tenho um compadre que para além do parque automóvel de impressionar nomeadamente um audi,Mercedes e BM
Tem uma dois cavalos que ama perdidamente, por exemplo nunca a deixa na rua tem de ser mesmo estacionada sempre em garagens, sorri-lhe embevecido com aquele brilho no olhar...(Vago e cheio de emoções recônditas)...Incorporou-lhe uma buzina histriónica concebida para pregar sustos...E a nossa capacidade remanescente de dar saltos...Claro que a minha comadre tem ciúmes!!!Pudera...

Minhas Senhoras não se iludam se soubessem quem são as verdadeiras rivais...Antes assim
Isabel Seixas
Estava a pensar se o facto nominal dois cavalos terá implícito alguma interpretação psicológica que Nos está vedado discernir!?Talvez na perspectiva da performance.

Helena Sacadura Cabral disse...

Que engraçado é este domínio do nosso Embaixador. Começamos com Barthes, passamos pelo Citröen e acabamos na suspensão hidráulica.
Quanto ao Barthes devo-lhe, no passado, o amor pelo uso da palavra.
Quanto aos carros...ah! quanto a carros, a coisa fia mais fino. Tive dois Jaguares - vantagem que se deveu a ser mulher de um administrador da Shell - mas o meu eleito é o que possuo sem ser mulhes de ninguém: um Mercedes. Calma...classe A. A minha!
:))

Helena Oneto disse...

Ainda Barthes "La jouissance contre le rire":
http://theatre.blog.lemonde.fr/2010/05/12/roland-barthes-la-jouissance-contre-le-rire/#xtor=RSS-32280322

T D disse...

Bela maneira de associar o pensamento com a tecnologia.

Será que os dois não vão de par?

Deixo de lado o Barthes e interesso-me pelo(a)s DS.

Nos anos 80 dos século vinte a viatura oficial da Embaixada de Portugal em Paris era uma DS, mas uma DS muito especial, com uma carroçaria diferente. Bem tentei procurar na internet de que oficina ela tinha saído. Mas não encontrei. Seria um modelo da Heulliez ou da Chapron?

Neste dia em que se vai decidir o futuro da Heulliez.

Senhor Embaixador, penso que seria interessante saber o que aconteceu a este carro. Não existe, por acaso, um fotografia nos arquivos da Embaixada?

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