domingo, março 01, 2009

Menos ais!

Ir contra o vento é um movimento que tem sempre os seus riscos. Quem me conhece sabe que não me custa rigorosamente nada corrê-los. Vamos então a isso.

Adubar o pessimismo caseiro constitui uma tarefa a que milhões de portugueses se dedicam com afã diário, tendo mesmo criado, para tal fim, algumas expressões próprias, que fazem parte dos bordões do falar vulgar. Por essa razão, quando alguém se propõe levantar a auto-estima nacional, sublinhar o que de positivo existe ou está a ser feito, logo se ergue um coro ácido de detractores, encostando os autores ao arrasador labéu do colaboracionismo "com eles".

Recordo-me que, há cerca de dois anos, Nicolau Santos, sub-director do Expresso, publicou um texto que era um retrato do Portugal económico "que funcionava bem", onde elencava um conjunto de empresas com sucesso internacional, destacadas nas suas respectivas áreas de actividade e dotadas de um nível de inovação que pedia meças a quem quer que fosse. E lembro-me bem de, dias depois, ter lido num qualquer "blogue da tragédia" - essa multidão de lugares informáticos que por aí pululam, onde causticar o Portugal contemporâneo é um exercício diário, levado a cabo com zelo militante - a afirmação de que era "uma estupidez" publicar essa listagem de êxitos. Porquê? Porque tal divulgação poderia fazer supor que o poder político do momento tinha algo a ver com isso, e esse risco eles não queriam correr... Claro! Não faltava mais nada!

Alguns tempos depois, o empresário Carlos Coelho publicou "Portugal Genial", um curioso livro que se pretendia "uma visão desafiante sobre 82 genialidades portuguesas capazes de contribuir para a afirmação contemporânea da marca de Portugal no mundo". Salvo uma episódicas notas, algumas salpicadas de pouco subtil ironia, o livro caiu rapidamente no esquecimento. Porquê? Porque ia em evidente contra-ciclo com a escola, politicamente correcta, da auto-flagelação vigente. E isso, naturalmente, não convinha...

Agora, Álvaro Santos Pereira, professor português numa universidade do Canadá, que tem textos publicados em vária da nossa imprensa, editou o livro "O Medo do Insucesso Nacional", onde, sem recurso a quaisquer loas aos poderes públicos, sai do registo do destino trágico nacional, apresenta um diagonóstico frio das disfunções do país e avança com algumas propostas de solução, com cuja aberta e despreconceituada discussão todos ganharíamos. E, de passagem, deixa patente que a esperança, mesmo em tempo de crise, assenta em boas e concretas razões, adiantando: "O sucesso nacional não é um mito ou uma ilusão. É real e está ao nosso alcance, faz parte da nossa história e certamente fará parte do nosso futuro".

Pode ser que eu me engane, mas o melhor que este livro pode esperar é o silêncio raivoso da nossa bloguítica comunidade do pessimismo. Sucesso? Não queriam mais nada!?

Flâneur à Paris

Não resisto a registar, com gratidão, a amável dedicatória do Criativemo-nos, que me ofertou o poema "Promenade Sentimentale", de Verlaine, que aqui reproduzo, antecedido da foto que o ilustra


Le couchant dardait ses rayons suprêmes
Et le vent berçait les nénuphars blêmes;
Les grands nénuphars, entre les roseaux,
Tristement luisaient sur les calmes eaux.
Moi, j'errais tout seul, promenant ma plaie
Au long de l'étang, parmi la saulaie
Où la brume vague évoquait un grand
Fantôme laiteux se désespérant
Et pleurant avec la voix des sarcelles
Qui se rappelaient en battant des ailes
Parmi la saulaie où j'errais tout seul
Promenant ma plaie; et l'épais linceul
Des ténèbres vint noyer les suprêmes
Rayons du couchant dans ses ondes blêmes
Et les nénuphars, parmi les roseaux,
Les grands nénuphars sur les calmes eaux.

Paul Verlaine

'Poèmes saturniens'

sábado, fevereiro 28, 2009

Comissões mistas

Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnicas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!

Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.

Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”. Ora eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, cerca de 15 anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por partilhar uma amante com o adido militar soviético.

Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que o nome era Christine Keeler. Ele sabia.

Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.

Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: é um encontro com a História!”.

Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistiu e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.

A minha discreta missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento estusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos.

John Profumo morreu há escassos anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que tem hoje 67 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura londrina. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Omissão

O "The Economist", provavelmente a mais bem escrita revista do mundo, atravessa tempos de notória perplexidade, em face da conjuntural derrota das terapias que sobranceiramente se habituou a espalhar, sempre que em qualquer lugar emergiam sintomas de moléstias político-económicas. Porém, com a inconfundível graça do seu estilo, está a digerir, embora a custo, o que por aí vai em matéria de recurso a um receituário de cariz mais estatizante, nestes tempos em que alguém tem de dar uma mão à "mão invisível" que ela sempre sacralizou.

A sua edição de hoje traz, na capa, um belo desenho com a "conta" a pagar pela Europa em crise, onde se pode ler, no mesmo pacote dos mais evidentes "desastres" nacionais, a referência a alguns países dos últimos aderentes - Hungria, Bulgária, países bálticos – e a outros como a Irlanda, a Grécia e... a Itália.

O "The Economist" nunca faz nada ao acaso, muito menos nos seus "cartoons". Por isso, com alguma ironia, quase que apetece dizer que, num tempo de más notícias como o que vivemos, a omissão de uma referência a Portugal arrisca-se a ser interpretada como um discreto elogio.

Mas, desde já, peço antecipado perdão à poderosa escola do pessimismo profissional lusitano por esta minha arrojada heterodoxia. Não queria ofender, está bem?

O amigo nepalês

Nas estatísticas de consultas deste blogue, dei-me há pouco conta que houve, pelo menos, um visitante oriundo do Nepal. Aguarda-se, com alguma ansiedade, que os nossos leitores no Butão dêem um ar da sua graça.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Siza

Percebo pouco de arquitectura e, talvez por isso, a obra de Álvaro Siza Vieira que ainda mais me toca continua a ser um dos seus primeiros trabalhos - a Casa de Chá da Boa Nova (na imagem), em Leça, perto do Porto. Mas tenho visto dele outras coisas magníficas, de uma genialidade quase mágica. Embora, também por vezes, tenha de confessar a minha dificuldade em reconciliar-me com certas soluções por ele encontradas, como foi o caso da reconstrução do Chiado, em Lisboa.

Esta minha condição de assumido leigo, e de mero leitor impressionista das suas obras, não me impede de notar que os principais meios da arquitectura universal têm hoje um elevadíssimo apreço por Siza Vieira. Recordo-me que Oscar Niemeyer, quando lhe fui apresentado, me disse espontaneamente: "vocês têm um arquitecto de grande qualidade, lá em Portugal: Álvaro Siza".

A cumular todos os prémios que tem recebido por esse mundo fora, Siza Vieira foi hoje galardoado com o mais importante do Reino Unido, um país onde as coisas da arquitectura, ao que sei, são tratadas com imenso rigor.

Num tempo de algum exacerbar da nossa proverbial tendência para a auto-flagelação, este tipo de acontecimentos deveria ajudar a alimentar o orgulho nacional português. Mas será que vai?

Do anonimato

Alguns comentários anónimos em blogues ou em sítios informáticos de jornais, quando deliberadamente ofensivos ou obscenos, devem merecer da nossa parte a consideração dada à cobardia de uma carta não assinada. Para mim, sem excepção, convocam a piedade que é devida aos pobres de espírito.

É claro que não me estou a referir a anódinos e civilizados comentários que, mesmo quando sem assinatura, dão graça e vida aos blogues e sítios informáticos, servem de estímulo, e até de saudável contraditório, a quem escreve. Esse é o anonimato benévolo, perfeitamente normal e sempre bem-vindo.

O que eu quero notar é a circunstância de, com grande frequência, depararmos, nas áreas dedicadas aos comentários, com uma imensa legião de corajosos escribas anónimos que, na solidão cómoda do seu teclado, se dedicam a insultar quem lhes desagrada, a denegrir aquilo que nunca teriam a coragem de dizer cara-a-cara ou a assinar com o nome verdadeiro e identificável por debaixo.

Há hoje por aí um mundo clandestino que destila fel e acrimónia, muitas vezes com laivos xenófobos e racistas, prenhe de adjectivação ácida e de óbvios recalcamentos. Todas as sociedades, ao que parece, tem destas "faunas rascas", o que talvez justificasse um estudo sócio-psicológico, com uma dimensão médica a ajudar. Embora já haja um óptimo medicamento para esta patologia: chama-se "Delete", é eficaz, tem um efeito imediato e pode usar-se as vezes que se quiser.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Direitos Humanos

Desde há muito que o State Department - o Ministério dos Negócios Estrangeiros americano - distribui, por esta altura do ano, as suas "notas" sobre o comportamento dos vários países do mundo em matéria de Direitos Humanos. Funcionamento das prisões, liberdade de imprensa, actuação de forças policiais, tratamento das minorias e uma panóplia de outras áreas são passados a pente fino, sob critérios que se pretendem paradigmas de uma ordem internacional respeitadora daqueles direitos.

Trata-se de um documento sempre interessante de ler e que, aliás, é curioso comparar com o relatório anual da Amnistia Internacional e com alguns outros estudos similares que vão estando disponíveis, alguns limitados a certas áreas geográficas.

Tenho imensa pena, aliás, que este bom exemplo de Washington não seja seguido por outros Estados, os quais, de caminho, poderiam pronunciar-se também sobre a situação que se vive nos próprios Estados Unidos da América, país que, curiosamente, recusou integrar o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e não é subscritor do Tribunal Penal Internacional, criado para punir os crimes graves contra a humanidade.


(Em tempo: sobre o tema valerá a pena ler esta notícia)

Clube católico


Há dias, num encontro com membros de uma Comunidade portuguesa perto de Paris, alguém me perguntava, com o notório embaraço de isso poder ser considerado uma curiosidade excessiva, se o novo embaixador português tinha, em Portugal, uma preferência clubística.

Naturalmente que não dei a triste resposta que ouvi, já lá vão mais de duas décadas, a uma personalidade política portuguesa de renome europeu, a qual, no desejo imparável e tonto de querer parecer consensual, e não obstante muitos conhecerem a sua cor futebolística, avançou, à minha frente, com a seguinte patetice: "o meu único clube é a selecção nacional!".

Eu sou mais directo e, por isso, costumo dizer que sou adepto de um clube essencialmente católico: só ganha quando Deus quiser! E, naturalmente, também perde quando Deus quer. Mas hoje à noite fiquei com algumas dúvidas metafísicas: será que houve, de facto, algum desígnio divino no que nos aconteceu?


(Em tempo: isto de ser-se sportinguista tem a superior vantagem de sabermos lidar muito bem com o infortúnio, com grande e insuperável "aisance". Daí que me apeteça deixar-lhes duas belas anedotas que me chegaram sobre a pouco agradável noite de 4ª feira:

A mulher de Paulo Bento acorda-o, de manhã, e diz-lhe:
- Acorda, Paulo, já são seis!
- O quê? Marcaram mais um?

A segunda anedota é apenas um anúncio: a partir de agora a única publicidade inserida nas camisolas do Sporting será a das lavandarias "5 à sec"!)

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Cher collègue...

Da sina de um embaixador chegado a um novo posto faz parte uma prática tradicional: a visita aos colegas. Não a todos, como é evidente, em especial em capitais como Paris, porque, se assim acontecesse, passaríamos meses em conversas. Mas a verdade é que, quantos mais embaixadores visitarmos, mais rapidamente nos tornaremos populares e conhecidos, valha isso o que valer.

Este é o tipo de exercício que, se bem aproveitado, nos pode dar o ensejo de adquirir alguma rápida sensibilidade, extraída da experiência específica de cada um dos colegas visitados. Alguns são mais formais e parcos em palavras, outros mais exuberantes e prolixos, uns mais conhecedores e profundos, outros mais “leves” na qualidade dos seus comentários, uns mais prudentes, outros mais indiscretos. Mas de todos se recolhe sempre alguma coisa de útil, lições resultantes da sua estada no país, do seu contacto com as autoridades, da sua leitura dos acontecimentos políticos, da sua opinião sobre determinadas figuras. E até de aspectos práticos da vida local.

A conversa-tipo tem quatro tempos clássicos: alguma referência ao nosso último posto e a aspectos particulares da nossa carreira (com notas de eventuais contactos com a do interlocutor), lembrança de colegas do embaixador visitado com quem fomos cruzando por esse mundo (quase sempre esquecendo os respectivos nomes...), idem para os portugueses que ele conhece (e que, penosamente, teremos de ajudar a identificar...) e, naturalmente e como “grand final” substantivo, uma abordagem da situação no país onde ambos estamos representados. Enfim, meia-hora de café ou chá e simpatia, que termina, invariavelmente, pela decisão de nos tratarmos pelo nome próprio.

Regra importante da convivência diplomática é procurar conseguir decorar o primeiro nome dos novos conhecimentos, em especial se são oriundos de países com os quais temos relações mais próximas. Mas decisivo, também, é vir evitar a gafe fatal: confundir o nome dos países que eles representam. Vir a encontrar o embaixador, por exemplo, do Ruanda e dizer-lhe “Alors, mon cher Philippe, comment vont les choses à Kigali?” e descobrir, no segundo seguinte, que, afinal, se chama Jacques e é o colega do Burundi, seria garantia certa de desagrado eterno. Nas Nações Unidas, significaria que o voto do Ruanda estaria perdido por muito tempo...

Num mundo diplomático em que muitos nos vamos cruzando, acaba por ser agradável deparar com colegas com os quais coincidimos noutros postos, reforçando uma relação que até pode ter sido então algo distante, mas que a lógica destas coisas leva a que agora seja promovida e saudada como uma “velha amizade”. Não se trata de hipocrisia: trata-se de aproveitar esses ténues laços de ligação pessoal para ultrapassar, de certa forma, algum artificialismo que esta carreira provoca e para atenuar alguma deriva para a solidão a que a vida diplomática a todos nos condena.

O leitor já deve estar a interrogar-se: mas, afinal, a vida diplomática é isto? Não é só isto, mas é também isto. E este tipo de relacionamento humano, por mais “ligeiro” que possa parecer, acaba por ser a rede informal onde assenta muita da nossa recolha de novidades, de confirmação de notícias, de descoberta de algumas informações que nos é importante conhecer. Talvez por esse motivo, alguém já qualificou a diplomacia como o “smart power”.

Voltando ainda à anterior questão do nome do “cher collègue”, e ao facto de podermos lembrar-nos ou não dele, cada vez mais me convenço que a vida social da diplomacia tem a imensa e assustadora virtualidade de funcionar como um permanente teste preventivo da doença de Alzheimer.

Frase

Escreve Bruno Le Maire, actual secretário de Estado francês dos Assuntos Europeus, no seu livro "Des Hommes d'État":

"A aventura europeia, que de aventura já só tem o nome, tem necessidade de projectos para reencontrar um élan, visão, resultados concretos e também precisa de heróis mais modernos do que um Schuman ou um Monnet, desde que sejam respeitáveis".

O texto já tem alguns anos, mas os tempos dão cada vez mais validade a esta simples frase.

Librairie Portugaise


O feriado de Carnaval e um belo sol de inverno deram tempo e ensejo para flanar (de "flâner", o que o meu Pai diria ser um desnecessário galicismo) por Paris. Nessa jornada, por definição, sem destino certo, fui dar à Librairie Portugaise.

Trata-se de um pequeno espaço, dotado de um riquíssimo acervo de obras ligadas a Portugal (mas também ao Brasil e aos restantes países lusófonos), com edições próprias mas com uma muito variada recolha de trabalhos de outros editores.

Haviam sido o Eduardo Prado Coelho, depois a Didas e o Luís Castro Mendes e, mais recentemente, a Manuela e o Nuno Júdice, quem me tinha falado de Michel Chandeigne e do seu trabalho em prol da difusão da língua e da cultura portuguesa em França.

Durante cerca de uma hora, tivemos aquela que terá sido a primeira de várias conversas. Dela resultou o meu compromisso de que o livro "Les Portugais à Paris - au fil des siècles & des arrondissements", a editar pela Chandeigne, vá ser lançado, talvez ainda em Março, na residência da Embaixada de Portugal em Paris.

E, desde já, recomendo vivamente uma visita à Librairie Portugaise.
E aqui fica, desde já, a publicidade plenamente assumida: 10, rue de Tournefort, 75005 Paris, tel. 01 43 36 34 37, tendo por sítio informático http://www.editions-chandeigne.com/, metro Monge, abertura 11-13 h, 14-19h, de 2ª a 6ª.

Bom senso

Detecto muito de hipocrisia e de oportunismo em algumas das indignações, de cariz quase libertário, que por aí emergiram em face da decisão de mandar recolher, da venda indiscriminada ao público, exemplares de uma obra que, ao que li na imprensa, se apresentava na capa com uma famosa, bela e impúdica pintura de Courbet (coloquem a palavra "Courbet" no Google Images e logo a verão).

A esses espíritos tão sensíveis à preservação, sem limites, do direito de expor em todas as dimensões públicas e privadas, independentemente da idade dos que a elas têm acesso, todo o tipo de obras de arte, eu gostaria de perguntar se acaso têm sobre a mesa da sua sala, à vista das crianças da casa, os albuns desse fotógrafo de eleição que é Mapplehorpe. Ou se considerariam natural se certos poemas conhecidos de Bocage ou de António Botto fizessem parte das leituras postas à disposição dos seus jovens filhos.

Por princípio, não é muito saudável ver os poderes públicos arvorarem-se em juízes do que alguém pode ou não ver. Em regra, tudo deve estar acessível a todos e também começa a ser óbvio que o conceito daquilo que possa ser uma imagem chocante tem vindo a variar ao longo dos anos - com impacto nos critérios do seu acesso a determinadas faixas etárias.
Mas sejamos honestos: neste caso do quadro de Courbet, a questão não é do domínio da censura, mas apenas de mero bom-senso.

(Em tempo: acabo de me dar conta que o livro em causa é editado por um velho amigo meu. Como é evidente, nada do que eu penso muda, só por essa circunstância.)

(Em tempo - II: ainda a propósito de Braga, onde o episódio do livro se passou, um outro amigo sugere-me ironicamente, que faça uma referência ao magnífico "O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor", um belo texto, com quase 40 anos, do Luiz Pacheco. Ela aí fica, "à toutes fins utiles"...)

(Em tempo - III: "a liberdade de atirar o nu explícito de Courbet à cara de quem passa e o não procurou, de um pai indefeso que passeia uma criança pela mão numa inocente feira de livros, é uma falsa liberdade" , escreve hoje no Expresso Miguel de Sousa Tavares no seu artigo "Somos tão modernos!")

Lagoa Henriques (1923-2009)



Tenho a maior da dúvidas que Lagoa Henriques, que há dias nos deixou, gostasse de ficar conhecido apenas como o autor da estátua de Fernando Pessoa à mesa do café, em frente à Brasileira do Chiado, com cuja companhia muitos estrangeiros procuram caricaturar a imagem da sua passagem por Lisboa.


Mestre Lagoa Henriques tem uma imensa obra feita, alguma dela em outros espaços públicos. Mas tem, além disso, décadas de dedicação ao ensino universitário, nas duas principais Escolas de Belas-Artes do país.


Este blogue não tem uma vocação de registo necrológico, mas entendo que é importante não deixar passar em claro factos relevantes ligados a pessoas que desenham, de certo modo, a face de Portugal. E a morte, goste-se ou não, costuma ser o tempo certo para rememorar as vidas que valeram a pena.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Europa unida?

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luis Amado, manifestou ontem, publicamente, o desagrado de Portugal pelo facto de um pequeno grupo de países da União Europeia, composto pelos Estados membros europeus do G8 e por alguns outros convidados, terem reunido separadamente, neste fim-de-semana, a nível de chefes de Estado e de Governo. Note-se que, já no próximo fim-de-semana, todos os líderes dos 27 irão estar juntos, numa reunião regular.

A unidade europeia e o carácter colegial das decisões no seio da União fragilizam-se sempre que estes grupos se formam, qualquer que seja o pretexto invocado, assumindo-se como uma espécie de "núcleo duro" de ricos, poderosos e influentes, que define entre si estratégias que, posteriormente, tentam impor aos restantes.

Diga-se que esta é uma prática já antiga, em que alguns dos nossos parceiros europeus são useiros e vezeiros. Mas nunca é demais denunciá-la e reagir contra ela, até para tentar evitar que seja usada com maior frequência.

O que se afigura mais surpreendente - e que o ministro português não deixou, muito justamente, de sublinhar - é que o actual presidente da Comissão Europeia aceite estar presente nestes encontros de "capelinha", dando, dessa forma, uma legitimação formal europeia a modelos discriminatórios que afectam os direitos de representação igualitária de alguns dos Estados. Neste caso, o seu.

Rolex

Uma das mais mediáticas figuras francesas dizia, há dias, na televisão, que "quem, até aos 50 anos, não tiver um Rolex, terá falhado na vida".

Imagino o que ele não pensará de quantos, como é o meu caso, não só não têm um Rolex como nem sequer têm, nem nunca tiveram, a menor vontade em adquirir um.

República

É já para o ano que se comemorará, em Portugal, o centenário da implantação da República. Parte do programa das comemorações acaba de ser anunciado pelo respectivo presidente, Artur Santos Silva.

Historicamente, Portugal foi a segunda República a ser criada na Europa, depois da República Francesa, se descontarmos o modelo mais atípico da Confederação Suíça.

A ideia da República - que em França se assume de há muito como uma espécie de ética colectiva de cidadania - acabou por ter em Portugal um percurso ligeiramente diverso. Explorando o ambiente de alguma decadência nacional, que marcou o período da monarquia constitucional durante o século XIX, as ideias republicanas impuseram-se então como um sopro de patriotismo, naturalmente também marcado pelo cultivo dos princípios da clássica trilogia liberdade - igualdade - fraternidade, bem como pela afirmação da educação como o centro do processo emancipador do povo.

Em 1910, uma Revolução eminentemente urbana derrubou o regime monárquico, que estava muito enfraquecido por sucessivas crises, por uma deriva autoritária e, em particular, pelo assassinato violento, dois anos antes, do rei e do seu sucessor directo. O novo regime que daí resultou - uma democracia parlamentarista que mais tarde veio a ser conhecida como 1ª República - teve um percurso atribulado, numa sociedade política muito dividida, com a emergência de lutas operárias e fortes tensões sociais, instabilizado também pela acção dos seus inimigos, muitos deles ligados aos derrotados de 1910.

No ano de 1926, seguindo a tendência autoritária que se afirmava pela Europa, a 1ª República portuguesa foi derrubada por uma ditadura militar, a qual, a partir de 1933, deu origem ao regime do chamado Estado Novo, servido por uma Constituição antidemocrática e um ambiente de forte limitação das liberdades públicas.

Se bem que inscrito nas novas instituições, o conceito de "República" foi então diabolizado, em permanência, e a imagem dos tempos convulsos da 1ª República foi usada à saciedade como exemplo político negativo. À época, alguém se afirmar "republicano" era equivalente a dizer-se "democrata", o que praticamente significava assumir o risco de ser colocado no grupo dos opositores ao Estado Novo.

Com a Revolução democrática de 25 de Abril de 1974, a República ganhou pleno reconhecimento e dignidade. A Constituição de 1976 consagrou mesmo um novo nome para o parlamento, que deixou de ser a "Assembleia Nacional" do Estado Novo para passar a designar-se "Assembleia da República".

Talvez pelo facto da ideia republicana continuar a não ter hoje em Portugal uma imagem substantiva similiar à que tem em países como a França - e apareça ainda muito ligada ao simplismo da dualidade contrastante com a Monarquia -, as comemorações previstas para 2010 têm a intenção de sublinhar os fortes valores de cidadania que sustentaram a luta de quantos, ao longo de muito mais do que um século, sustentaram em Portugal a luta pelos ideais republicanos.

Mas os opositores do culto da República - uns monárquicos, outros apenas conservadores opostos ao que consideram ser o aproveitamento do ideário histórico republicano pelas forças mais à esquerda no espectro político - prometem contestar estas comemorações, pelo que se anuncia um período de alguma polémica.

domingo, fevereiro 22, 2009

José Megre (1942-2009)

As linhas negras no mapa acima reproduzido, cuja versão maior pode ser vista aqui, representam as viagens feitas através do mundo por José Megre, o engenheiro português que, com 66 anos, ontem morreu. Megre era a verdadeira personificação do conceito de "globetrotter", tendo visitado, quase sempre ao volante de viaturas, 193 dos 194 países do mundo.

Era um homem portador de um sorriso de grande simpatia, que transmitia um ar de serenidade que, com o tempo, se foi tornando quase patriarcal. A RTP trouxe-o aos portugueses, há muitos anos, a falar de motores e de automóveis, numa linguagem para leigos, aproveitando a sua formação técnica. Vimo-lo também muito no mundo dos ralis e do "todo-o-terreno", em especial no tempo em que o Paris-Dakar ainda merecia esse nome.

De todos os Estados que compõem este mundo, José Megre apenas não visitou o Iraque, porque nunca conseguiu autorização para entrar no país. Por ironia, o Iraque é talvez um dos países do mundo onde mais gente entrou sem ser autorizada.

sábado, fevereiro 21, 2009

Alcachofras diplomáticas

Num passeio na fria manhã deste sábado, num mercado de legumes de Paris, deparei com uma bancada cheia de belas alcachofras, o que me recordou uma historieta diplomática do final dos anos 80.

Estávamos nos tempos da renegociação da Convenção de Lomé, o acordo que, nomeadamente, permite aos países africanos (e também a outros das Caraíbas e do Pacífico) exportar para a Europa, em condições privilegiadas, algumas das suas produções agrícolas, parte das quais essencial para sustentarem as suas débeis economias. Nesses cíclicos momentos negociais, os produtores europeus tentavam sempre convencer os seus governos a evitar que a Europa fizesse novas concessões. A Comissão Europeia, responsável pela negociação, propunha uma lista de possíveis novas aberturas e os vários Estados europeus retiravam dela, apresentando as suas razões, produtos que entendessem concorrentes com os seus.

O nosso Ministério da Agricultura enviara-nos uma lista de “produtos sensíveis” para os agricultores portugueses. Conseguíramos sustentar a maior deles, mas, nas versões sucessivas da “lista negativa” europeia, a Comissão teimava em não incluir - imaginem! - as nossas alcachofras. Porque não compete aos diplomatas, que se encarregam de negociar, serem eles a “deixar cair” as objecções colocadas pelos departamentos especializados, era nosso dever tentar encontrar, e até inventar, todos os argumentos possíveis para sustentar o bom fundamento das nossas posições de defesa comercial.

Num determinado passo das discussões técnicas, uma nova “lista negativa” chegou à mesa das negociações. Mas, uma vez mais, nada de alcachofras... Pedimos a palavra e regressámos ao nosso argumentário, tão convincente quanto possível, sublinhando que as margens de comercialização dos nossos produtores de alcachofras eram já muito reduzidas, que uma invasão do nosso mercado por alcachofras de origem africana originaria um desastre económico no sector, etc. Não sei se fomos ao ponto de referir a possibilidade de crescimento de desemprego sectorial, bem como outros efeitos colaterais de natureza social, mas devemos ter ficado perto disso.

Recordo-me que a enfática posição portuguesa foi apoiada pela Grécia e pela Itália, embora, em ambos os casos, com uma convicção que se me afigurou um tanto débil, o que tomei à conta do facto de poderem estar a reservar-se para um defesa prioritária de outros produtos, em que teriam maior interesse.

Finalizada que foi a apresentação do nosso caso, feita com todo o garbo possível, a Comissão Europeia tomou a palavra, através de Manuel Marín, o comissário do pelouro. Como quase todos os espanhóis, Marin falava um francês com uma pronúncia macarrónica, cheia de “xes”, o que dava às suas intervenções uma sonoridade algo caricata, um castelhano em tom rural beirão. Mas Marin – que, entretanto, já foi ministro e presidente das Cortes espanholas – é um homem fino e muito inteligente. Além de ser um bom amigo de Portugal, diga-se de passagem. Dirigindo-se à presidência da sessão, disse ter tomado muito boa nota dos sólidos motivos que a delegação portuguesa, apoiada por outras, acabara de apresentar, "com tanto brilho", com vista a recusar, liminarmente, a possibilidade de autorizar a entrada de alcachofras africanas no mercado português.

Chegado que foi este ponto do discurso do comissário, a delegação portuguesa ficou mais descansada. Imagino que nos teremos recostado nas nossas cadeiras, prenhes de satisfação pelo dever cumprido. E preparávamo-nos para ouvir da Comissão Europeia a confirmação final de que, por consequência, ela iria, finalmente, colocar as nossas prezadas alcachofras na “lista negativa”.

Foi então que, continuando a dirigir-se ao presidente da sessão, como era de regra, mas olhando de viés para a delegação portuguesa, Marin acrescentou: “Mais, M. le Président, je dois vous avouer un secret: il n’a pas d’artichauts en Afrique” (“Mas, senhor Presidente, devo confessar-lhe um segredo: não há alcachofras em África”). Afinal - surpresa das surpresas! -, a África não produzia as alcachofras que nós, tão denodadamente, tentávamos impedir de concorrerem com as nossas!

A sala entrou em gargalhadas – e nós em sorrisos, definitivamente, bem amarelos. Pela teimosia do nosso Ministério da Agricultura, numa defesa pateta das nossas alcachofras, tínhamos perdido uma boa ocasião para não desperdiçar capital negocial numa discussão europeia.

Mas, também eu, devo confessar-lhes um segredo: hoje de manhã, no mercado de Paris, não me contive e deitei um olho às caixas que acondicionavam as alcachofras. Não fosse dar-se o caso de serem originárias de algum país africano. Não eram.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Yé-yé

Não conheço pessoalmente Luís Pinheiro de Almeida, que teve a amabilidade de deixar um comentário no post "Portugal e o Futuro".

Mas acho que faria muito bem a todos os leitores deste blogue, em especial aos que gostam de música francesa, conhecerem alguns CD's por ele organizados, quer "Os anos do yé-yé" (dois CD's), outros com Margarida Pinto Correia, esses sob o título comum "A Idade da Inocência" (sete CD's). E não sei se perdi alguns...

Talvez isso possa não dizer muito a novas gerações, mas essas compilações trazem-nos, entre tantos outros temas dos tempos do vinil, coisas (que aqui pode já ouvir clicando o nome das músicas sublinhadas) como "L'important c'est la rose" (Gilbert Bécaud), "Ça va pas changer le monde" (Joe Dassin), "Tous les garçons et les filles" (Françoise Hardy), "Une belle histoire" (Michel Fugain), "Tombe la neige" (Adamo) - e cito apenas, dentre algumas dezenas, alguns temas escolhidos de dois desses discos.

A música francesa, tal como a italiana, desapareceu quase definitivamente de Portugal, hoje esmagada pela produção anglo-saxónica. Mas acho que vale sempre a pena revisitar os seus anos de ouro, não necessariamente por uma qualquer nostalgia, mas porque representou um tempo magnífico de produção musical que, queiram alguns ou não, faz parte integrante do nosso património de memória.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...