Da sina de um embaixador chegado a um novo posto faz parte uma prática tradicional: a visita aos colegas. Não a todos, como é evidente, em especial em capitais como Paris, porque, se assim acontecesse, passaríamos meses em conversas. Mas a verdade é que, quantos mais embaixadores visitarmos, mais rapidamente nos tornaremos populares e conhecidos, valha isso o que valer.
Este é o tipo de exercício que, se bem aproveitado, nos pode dar o ensejo de adquirir alguma rápida sensibilidade, extraída da experiência específica de cada um dos colegas visitados. Alguns são mais formais e parcos em palavras, outros mais exuberantes e prolixos, uns mais conhecedores e profundos, outros mais “leves” na qualidade dos seus comentários, uns mais prudentes, outros mais indiscretos. Mas de todos se recolhe sempre alguma coisa de útil, lições resultantes da sua estada no país, do seu contacto com as autoridades, da sua leitura dos acontecimentos políticos, da sua opinião sobre determinadas figuras. E até de aspectos práticos da vida local.
A conversa-tipo tem quatro tempos clássicos: alguma referência ao nosso último posto e a aspectos particulares da nossa carreira (com notas de eventuais contactos com a do interlocutor), lembrança de colegas do embaixador visitado com quem fomos cruzando por esse mundo (quase sempre esquecendo os respectivos nomes...), idem para os portugueses que ele conhece (e que, penosamente, teremos de ajudar a identificar...) e, naturalmente e como “grand final” substantivo, uma abordagem da situação no país onde ambos estamos representados. Enfim, meia-hora de café ou chá e simpatia, que termina, invariavelmente, pela decisão de nos tratarmos pelo nome próprio.
Regra importante da convivência diplomática é procurar conseguir decorar o primeiro nome dos novos conhecimentos, em especial se são oriundos de países com os quais temos relações mais próximas. Mas decisivo, também, é vir evitar a gafe fatal: confundir o nome dos países que eles representam. Vir a encontrar o embaixador, por exemplo, do Ruanda e dizer-lhe “Alors, mon cher Philippe, comment vont les choses à Kigali?” e descobrir, no segundo seguinte, que, afinal, se chama Jacques e é o colega do Burundi, seria garantia certa de desagrado eterno. Nas Nações Unidas, significaria que o voto do Ruanda estaria perdido por muito tempo...
Num mundo diplomático em que muitos nos vamos cruzando, acaba por ser agradável deparar com colegas com os quais coincidimos noutros postos, reforçando uma relação que até pode ter sido então algo distante, mas que a lógica destas coisas leva a que agora seja promovida e saudada como uma “velha amizade”. Não se trata de hipocrisia: trata-se de aproveitar esses ténues laços de ligação pessoal para ultrapassar, de certa forma, algum artificialismo que esta carreira provoca e para atenuar alguma deriva para a solidão a que a vida diplomática a todos nos condena.
O leitor já deve estar a interrogar-se: mas, afinal, a vida diplomática é isto? Não é só isto, mas é também isto. E este tipo de relacionamento humano, por mais “ligeiro” que possa parecer, acaba por ser a rede informal onde assenta muita da nossa recolha de novidades, de confirmação de notícias, de descoberta de algumas informações que nos é importante conhecer. Talvez por esse motivo, alguém já qualificou a diplomacia como o “smart power”.
Voltando ainda à anterior questão do nome do “cher collègue”, e ao facto de podermos lembrar-nos ou não dele, cada vez mais me convenço que a vida social da diplomacia tem a imensa e assustadora virtualidade de funcionar como um permanente teste preventivo da doença de Alzheimer.
2 comentários:
LISBOA = PORTUGAL
Caríssimo Francisco
Aqui estou de novo. Há já uns dias que não fazia uma visita. Cheguei agora e continuo a gostar do que encontro. É sem dúvida um bom blogue. Renovo os parabéns. Prometo que voltarei, se possível com mais regularidade e assiduidade. Relembro, ainda, que estou a «coleccionar» - com muito boa intenção, muito prazer e muita honra - Seguidores. Ora eles estão a fugir. Dizem-me é malandrice do sistema blogger e que anda na blogosfera um grande reboliço. Não sei. O que é verdade é que bazam…
Hoje, porem, quero informar que tenho postada no meu blogue a história macabra de um tiro que deram no meu neto número dois, o Rodrigo que vai a caminho dos 13 nos. Boa praça. Permito-me fazê-lo para alertar as pessoas e tentar evitar que lhes sucedam estórias inqualificáveis como esta. Desculpem-me a chatice, mas é com boa intenção, como compreenderão.
Na quarta-feira 17, ele ia a sair da escola Secundária de Miraflores (que frequenta) pelas quase três da tarde. Sentiu uma «ferroada». Mas, nada de abelha. Fora um chumbo de um tiro de pistola ou espingarda de pressão de ar. Ambulância, hospital, radiografia, depois uma TAC, tinha o pequeno projéctil alojado no lado esquerdo do pescoço. Os médicos decidiram não o operar, pois que a posição do projéctil não aconselhava a intervenção. Estava – e está – muito próximo da jugular. Podia ter sido mortal.
Felizmente, o Rodas agora está bem. Ainda que tenha de fazer novos exames para ver se o chumbo se moveu. «Brincadeira» de Carnaval? Um tarado a disparar sobre as pessoas? De manhã, uma Senhora fora atingida, no mesmo local, numa perna. Estúpida e criminosa coisa, digo eu. A PSP diz que investiga. E a Escola Segura, pelos vistos, não segura, nem assegura. Assim vamos...
Está tudo n’A Minha Travessa. Se quiserem vão lá, e deixem cumentário, com o…
Abs = abraços
Considero desde logo dificil corresponder ás exigências da vida diplomática, também ás expectativas individuais de cada diplomata em exigir do interlocutor a capacidade de memorizar e verbalizar o seu nome associado ao seu País.Agora que isso possa ser um determinante nas relações diplomáticas entre Paises...É delicado no minimo.
Bem, será que um meio sorriso e um olá na actual lingua universal, lhes permite a salvaguarda do constrangimento da perda da oportunidade de estar calado?...
Isabel Seixas
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