domingo, julho 14, 2024

Para aligeirar o ambiente


Em 1971, teve lugar em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, uma "conferência", proferida pelo "sábio" belga "Alphonse Peyradon". 

A certo passo, saído do meio da assistência, sob um pretexto qualquer, alguém deu dois "tiros" no conferencista, que caiu redondo.

(Insiro aqui, graças à amabilidade do leitor Jaime Guilherme, a única imagem que existe do "horrível atentado.)

No dia seguinte, o jornalista Fernando Assis Pacheco reportou o "atentado" no "Diário de Lisboa", num texto em que insere esta deliciosa expressão: "O primeiro tiro matou-o logo. O outro feriu-o à superfície".

Tudo aquilo não passou de uma brincadeira, organizada por um divertido grupo em que preponderava o advogado Vasco Vieira de Almeida. ("Peyradon" era uma corruptela intelectualizada, de "Pai Adão" em francês).

A história teve algumas inesperadas sequelas, com a censura do regime à mistura (Leiam mais sobre o assunto no excelente livro "Parem as máquinas", de Gonçalo Pereira Rosa). 

Ontem, sei lá bem porquê, lembrei-me deste episódio.

Um futuro com Trump

1. Já começou o tempo glorioso para os maluquinhos das teorias da conspiração: "Atentado?! Aquilo foi tudo uma montagem! Não é por acaso que ..."

2. Só podemos desejar que o episódio de hoje não seja o primeiro de outros eventos de violência sectária nos EUA, dada a imensa crispação que atravessa a sociedade americana.

3. Há uma capital onde, a partir de hoje, vai ser necessário começar a fazer contas à vida: Kiev.

4. Um ponto a notar: agora, passa a ser praticamente irrelevante se Biden mantém ou não a sua candidatura.

5. É extraordinário pensar que, na vida política americana e do mundo em geral, há um antes e um depois deste atentado. Alguns equilíbrios que prevaleciam até há poucas horas foram ultrapassados por aqueles tiros na Pensilvânia.

6. A Europa precisa de entender que subiu fortemente a possibilidade, que já era elevada, de Donald Trump ser o próximo presidente dos EUA. O discurso europeu sobre segurança tem de incorporar este fator. Com todo o realismo e o que isso implica.

7. Espero que as lideranças europeias responsáveis, agora confrontadas com a quase inevitabilidade da vitória de Trump, não se deixem tentar por qualquer aventureirismo guerreiro, inspirado pelo leste do continente, para "apressar" a História antes das eleições americanas. Travar esta deriva é o último grande serviço que Biden pode prestar ao mundo.

"Les jeux sont faits!"

Qualquer dúvida que ainda houvesse sobre o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos terminou hoje. Resta apenas contar os dias até ao início do segundo mandato de Donald Trump. 

Marinha Grande

sábado, julho 13, 2024

Ao gosto do freguês


Há dias, na guerra da Ucrânia, um míssil atingiu um hospital pediátrico na cidade de Kiev. 

Na comunicação social, surgiram de imediato duas teorias contraditórias. 

A primeira, e bem plausível, é a de que se tratou de um míssil russo, restando neste caso saber se se tratou de um ataque deliberado ao hospital (o que configuraria um sinistro crime de guerra) ou se foi um erro operacional, pelo facto do míssil se destinar a uma instalação de natureza militar próxima, alegadamente disfarçada em zona civil. 

A segunda teoria, menos plausível mas potencialmente credibilizada por alguns incidentes anteriores, é a de que poderia ter-se tratado de um míssil de defesa ucraniano, desviado do seu curso, por erro técnico. Mesmo se esse fosse o caso, valeria sempre a pena lembrar que este tipo de incidentes só ocorrem porque existe um contexto global de agressão russa à Ucrânia. 

Excluo ainda, por obscena, a tese (teórica) de que poderia tratar-se de um ato de "falsa bandeira" - ato levado a cabo por uma das forças em disputa, com o objetivo de inculpar a outra. (O suposto ataque bósnio ao mercado de Serajevo, 1994, para acusar os sérvios, continua a marcar o imaginário internacional como exemplo de possível ato de "falsa bandeira"). 

Entre nós, nos meios de comunicação social, assistiu-se de imediato a uma campanha de defesa de ambas as teses, com apoio de imagens que, em alguns casos, foram acusadas de serem distorcidas ou falsificadas. O apuramento da verdade ficará assim a cargo de um "rigoroso inquérito" internacional, com resultado para as calendas. 

Para o que aqui me interessa, gostava de assinalar o facto de, na nossa comunicação social, em regra geral, infelizmente não ter havido surpresas: quem regularmente se mostra ao lado da causa ucraniana não hesitou um segundo em atribuir a culpa do incidente à Rússia; aqueles que se sempre se mostram mais abertos a escutar as justificações de Moscovo, e não surgem automaticamente ao lado da Ucrânia e dos seus parceiros ocidentais, logo se abriram à hipótese de se tratar de um míssil ucraniano desviado. Muito poucos tiveram a humildade de não emitir opinião, dizendo: não sei, não há elementos seguros para opinar, sem colocar um desculpabilizante "mas" a seguir. 

Teria feito muito bem à imagem do comentariado sobre questões internacionais que anda por aí, por uma vez, ver-se alguém da ala "ucranófila" dar algum crédito à tese que isentava Moscovo de responsabilidades ou alguém do núcleo tido por mais "russófilo" admitir que a responsabilidade do ataque seria, com grande probabilidade, das forças de Putin. 

Mas não, isso seria esperar por sapatos de defunto.

A eleição em França


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A eleição no Reino Unido


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A Índia, a Nato e a guerra na Ucrânia


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sexta-feira, julho 12, 2024

As gafes de Biden


Ver aqui.

Biden

- A conferência de imprensa demonstrou, se tal fosse necessário, que Biden domina a substância dos dossiês, a anos-luz de Trump. A questão não é essa. Henry Kissinger, com 100 anos, também era um sábio atualizado. Mas ninguém se lembraria de o propor para um cargo executivo.

- A escolha dos democratas americanos é trágica: manter Biden e arrastar-se por meses de crescente revelação das suas fragilidades ou forçar uma "guerra" interna de divisão do partido, eventualmente (ou mesmo "eventually") afastando Biden, sendo derrotados na mesma. Que dilema!

- As pessoas que aventam nomes "simpáticos" para substituir Biden, com hipóteses de ganhar a presidência, devem lembrar-se que há procedimentos democráticos a respeitar, que seriam necessárias eleições "primárias" e montar um processo complexo de auscultação.

- O "Biden das gafes", daqui a dias, vai passar a ser o "novo normal". Como ele se acha o "máximo" e os democratas não têm forma de o afastar, vão ser uns meses muito penosos, até à sua mais do que provável derrota.

quinta-feira, julho 11, 2024

O efeito Orbán


Memória das pirites


Foi há pouco, no palácio de Belém, a anteceder uma cerimónia. Um cavalheiro aproximou-se de mim e disse-me que ambos tínhamos feito parte, há quase cinco décadas, de uma delegação técnica portuguesa a Marrocos. 

Eu lembrava-me bem da viagem, mas confessei não ter presente a composição de todo o grupo, onde meu companheiro representava uma conhecida empresa. Até que ele me perguntou, com um largo sorriso, antecipando a minha reação: "Mas recorda-se do homem das pirites?"

Aí, "caiu a ficha". Claro que me recordava! Era uma figura muito simpática, cordial, também membro do nosso grupo. Por que é que eu o não tinha esquecido? Porque, no decurso dessa viagem de quase uma semana, com dezenas de contactos, sempre que visitávamos alguma entidade, a quem nos tivéssemos de apresentar, o "homem das pirites" ocupava um longuíssimo tempo a dizer o seu nome, que agora não vem para o caso, e, sempre num correto francês, a sua qualidade de "vice-président exécutif du conseil d'administration de la Société Minière Santiago et de l'entreprise Pirites Alentejanas". 

E dizia isto com lentidão, quase soletrando o título, enquanto apertava a mão de cada um dos nossos interlocutores marroquinos. As filas de cumprimentos, quando chegavam a ele, atrasavam-se sempre e, dia após dia, os membros da nossa delegação começaram a trocar entre si sorrisos cúmplices, ao observar a repetição da cena. A verdade é que nenhum de nós teve coragem para recomendar ao simpático "homem das pirites" que procurasse encontrar uma "job discription" um pouco mais sintética.

Eu e o meu colega de viagem magrebina rimos um bom minuto desse nosso breve passado conjunto, até sermos chamados para o momento para o qual ali estávamos convocados.

Pluralismo mediático

quarta-feira, julho 10, 2024

Congéneres ?


Interessante contraste entre a delegação sindical dos guardas prisionais e a sua congénere (será que, neste caso, é adequado dizer-se?) do Ministério da Justiça. Ah! E houve acordo.

Macron

Na carta aberta que hoje dirigiu aos franceses, Macron deixou claro que vai pedir à forças políticas o que sabe ser impossível, num parlamento esfrangalhado pela dissolução de que foi o único responsável. Começa a ficar evidente que, dentro de um ano, haverá novas eleições.

Os nomes da Direita francesa

A direita democrática francesa mudou, uma vez mais, de nome. 

Acaba de ser criada a "Droite Républicaine". Laurent Vauquiez, o seu aparente líder, acaba de fazer esse anúncio.

Na realidade, depois do nome "Les Républicans" ter sido "raptado", há semanas, pelo presidente do partido, Éric Ciotti, que se coligou com a extrema-direita, o "resto" dos deputados dos "Les Républicans", aliás bem mais numerosos do que a sua dissidência, necessitavam de ter uma designação coletiva. Ela aí está. É o sétimo nome, desde o início do "gaullisme", que continua a ser a sua, embora cada vez mais longínqua, inspiração.

Durante a IV República, desde 1947, o partido chamou-se RPF - "Rassemblement du Peuple Français". Criado por De Gaulle, não sobreviveu ao recolhimento deste em Colombey. O RPF dissolvido, em 1955, depois de um forte desaire eleitoral em 1953.

Com o regresso ao poder de De Gaulle, em 1958, passou a designar-se UNR - "Union pour la Nouvelle République", tendo mudado depois para UNR - UDT com a adesão dos chamados "gaullistas de esquerda".

Em 1967, passou a UDR - "Union des Démocrates pour la République". 

Em 1976, Jacques Chirac transformou o partido em RPR - "Rassemblement pour la République", e assim se manteve até 2002.

De 2002 a 2015, passou a chamar-se UMP - "Union pour un Mouvement Populaire", somando liberais e algum centro-direita.

Em 2015, Nicolas Sarkozy decidiu mudar o nome para "Les Républicans". 

Resta apenas saber se Ciotti vai conseguir manter a designação de "Les Républicans" para o seu pequeno grupo, agora sob a "asa" de Le Pen.

terça-feira, julho 09, 2024

Casa Branca

Está a esgotar-se a janela temporal para Biden desistir e os democratas conseguirem ainda consensualizar um nome alternativo, com hipóteses realistas de derrotar Trump. Assim, a perspetiva deste poder regressar à Casa Branca adensa-se, a cada dia que passa.

Estatuto


Acabo de ler que a Carreira Diplomática vai ser dotada de um novo Estatuto, o diploma legal orientador da vida dessa categoria de servidores públicos, que asseguram a representação externa do Estado português. 

Embora afastado do serviço ativo do Ministério dos Negócios Estrangeiros desde 2013, acompanhei, durante algum tempo, como presidente da respetiva Assembleia Geral, o esforço que a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses desenvolvia para tentar recuperar a degradação da posição relativa da profissão face a outras carreiras especiais da Função Pública. 

A atratividade da carreira vinha a ser crescentemente afetada no "mercado" dos novos licenciados e isso foi tendo impacto na capacidade de recrutamento de pessoal para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dizer que, a prazo, isso teria consequências na qualidade da prestação diplomática é algo que não me parece muito ousado.

O diploma agora concluído terá ainda um caminho institucional a percorrer, esperando que seja breve e não distorçor do que foi acordado. Não conhecendo os seus pormenores, para além do que foi divulgado na imprensa, só posso desejar que as soluções nele consagradas possam satisfazer os anseios da carreira e estejam à altura do empenhamento dos nossos diplomatas de poderem servir, de forma cada vez mais eficaz, os interesses de Portugal na ordem externa.

segunda-feira, julho 08, 2024

Assim como assim...

Não, não vi a entrevista à senhora procuradora-geral. Estive a ver um filme policial.

Jacques Toubon e o "Beaujolais nouveau"


Há figuras políticas do passado que, de tanto se apagarem por muitos anos, nos surpreendem quando, inopinadamente, emergem a público.

Há precisamente uma semana, vi ressurgir Jacques Toubon, um homem próximo de Alain Juppé e de Jacques Chirac. Hoje com 83 anos, Toubon foi ministro da Cultura e da Justiça e responsável pelo partido de direita gaullista, RPR - que hoje se chama Les Républicans, depois de antes ter tido cinco (!) outras designações.

Na sequência da primeira volta das eleições legislativas em França, Toubon assumou a terreiro apelando à "frente republicana", para travar a eventual chegado do Front National ao poder. A "frente republicana" é uma fórmula simples, de grande dignidade cívica: havendo o risco de alguém de extrema-direita poder vir a ganhar uma eleição, o gesto "republicano" recomendado é votar no candidato que estiver melhor colocado para provocar a derrota da figura da extrema direita. A esquerda recomenda que se vote num candidato da direita ou centro e vice-versa. Tudo menos permitir a eleição de alguém da extrema-direita! (Sublinho que a palavra "republicano" tem, em França, uma aceção algo diferente daquela que nos é comum em Portugal).

Nas últimas eleições, tendo observado gente de direita, do centro e até de alguma esquerda a seguir pelo caminho do "ni-ni" ("ni Front National, ni Nouveau Front Populair (NFP)"), foi muito interessante ver Toubon, sem quaisquer reticências, recusar esse caminho.

Nesta eleição, o "ni-ni", aliás, era tanto mais enganador quanto acabava por ser um apoio indireto ao Front National. Porquê? Porque sendo esta, daquelas duas forças políticas, a única que tinha uma hipótese de poder vir a ter uma maioria absoluta, coisa que realisticamente nunca poderia acontecer com o NFP, a "neutralidade" favorecia abertamente o primeiro e diminuía as hipóteses do segundo.

Toubon teve o instinto certo e, com o seu gesto, reforçou aqueles que, ao centro e à direita, evitaram aquele que seria o primeiro governo de extrema-direita em França, desde os anos 40 do século passado, isto é, desde Vichy.

Há pouco, Jacques Toubon foi entrevistado pela France 24 e, sem quaisquer complexos, sendo embora um homem de direita, defendeu que Macron deve agora chamar para tentar formar governo a figura que o NFP, como grupo mais votado, vier a designar. Seja essa figura quem for!

Para mim, teve alguma graça "reencontrar" Jacques Toubon. Lembro-me de, em 2011, o ter visitado, como embaixador em França, na sua qualidade de presidente do Museu da História da Imigração, em Paris, com vista a procurar colaborar no esforço que a instituição fazia para dar expressão museológica à memória dos fluxos migratórios que tiveram impacto na sociedade francesa. Mostrou-me, na ocasião, a vitrine que o museu tinha consagrado à figura de Baptista de Matos, um personalidade muito carismática da nossa comunidade, infelizmente já desaparecida.

No final da visita, fomos almoçar a convite de Jacques Toubon a um restaurante próximo do museu. Viviam-se os dias do "Beaujolais nouveau", um vinho francês que, a cada ano, é lançado na terceira quinta-feira do mês de novembro, um pouco por todo o mundo. Em face da insistência do dono da casa, Toubon perguntou-me se eu queria experimentar a colheita desse ano. Notei que o fez sem grande convicção e, da minha parte, terei deixado transparecer um entusiasmo também não demasiado esfusiante. Ao longo da vida, em várias partes do mundo onde o fui experimentando, nessas datas festivas de lançamento, nunca o "Beaujolais nouveau" me convenceu, por muito que os meus sucessivos colegas franceses se tivessem empenhado em promover o "néctar". Lembro-me de ter retorquido a Toubon: "Recomenda? Está bom, este ano?". Ele sorriu e, de forma cúmplice, disse-me: "Está tão bom como nos outros anos. Vamos para um Borgonha?" Fomos.

Tempos

Ouvi agora, num debate político na televisão francesa, uma expressão magnífica: "Il est urgent d'attendre". 

Quase me fez lembrar a frase de Saramago: "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo". 

Ucrânia

Adjetivos qualificativos à parte, não deixa de ser interessante especular sobre qual será a lógica subjacente ao forte ataque russo de hoje a Kiev, nas vésperas de uma cimeira da NATO que terá a Ucrânia como principal ponto da agenda. Moscovo achará que assim verga apoios a Kiev?

Cheney


Este cavalheiro até pode ter razão no que diz - e provavelmente tem. Porém, nunca esquecerei que este cavalheiro é uma das figuras mais sinistras da história contemporânea dos EUA, um dos principais responsáveis pela tragédia no Iraque, fonte de um caos que ainda não terminou.

Macron

Para ajuda à reflexão, deixo a evolução dos resultados das formações que apoiam o presidente Macron nas sucessivas eleições legislativas em França:

2017 - 350 deputados

2022 - 245 deputados

2024 - 168 deputados

Biden

As constantes auto-avaliações otimistas que Joe Biden faz sobre o seu estado físico e psíquico não podem deixar de ser relativizadas, quanto à sua validade e rigor, pelo facto de se tratar de alguém sobre cujo estado físico e psíquico existem precisamente imensas e crescentes dúvidas.

Vive la France!


 

Já agora!

Não sei como vai ser governada a França. Só sei quem o vier a fazer deve analisar, com muito cuidado, as razões que, apesar de tudo, ainda levaram tanta gente a votar na extrema-direita e procurar responder, com humildade democrática, a essas preocupações. A Le Pen fica "à coca!"

Uma coisa é uma coisa...

As reportagens televisivas feitas por estas horas em Paris deviam ter o cuidado de distinguir as manifestações de júbilo pela derrota da extrema-direita, como a que se passa na Place de la République, dos desacatos violentos feitos a coberto dessa noite de euforia.

Até no Louvre houve festa!


 

Eles não acreditaram, Bardella !

 


O seu a seu dono

Há uma coisa que tem sido pouco dita - eu próprio erradamente não a referi, nas intervenções que fiz na CNN Portugal: muitos dos deputados macronistas e LR eleitos devem esse resultado à desistência dos candidatos de esquerda, imediatamente anunciada após a primeira volta.

O trigo e o joio

Uma das vigarices tradicionais da direita mediática é ligar os partidos de esquerda aos distúrbios, assaltos e atos de violência que, em França e não só, grupos de energúmenos levam a cabo em dias de mobilização popular.

A superioridade democrática

Os impasses que possam ser gerados pelo voto democrático são sempre preferíveis a soluções que radiquem em ideologias discriminatórias e anti-humanistas.

domingo, julho 07, 2024

Vive la France!

Em França, o reflexo republicano (convém ter presente que a expressão não tem necessariamente a mesma conotação que em Portugal, na nossa clássica oposição à monarquia) continua a ser um reflexo cívico muito honroso e prestigiante para o seu sistema democrático. 

sábado, julho 06, 2024

Não morreu ninguém!


Passaram 24 horas. Ontem perdemos, contra a França. Foi pena. A nossa seleção fez um excelente jogo. Do melhor que lhe tenho visto. É sabido que o desempate por penaltis é sempre uma lotaria. É a vida! Martinez fez erros? Provavelmente, mas deixo isso para os (imensos) especialistas de futebol, que eu não sou. Sou apenas um apreciador de futebol, com um inevitável viés nacional. E, também por essa razão, não desvalorizo o efeito positivo que uma vitória teria tido para muitos portugueses, em especial para quem vive lá por fora. (Acabo de ver o Holanda - Turquia e dou comigo a imaginar a imensa tristeza que devem estar a sentir os muitos turcos que trabalham na Alemanha). Mas, caramba, isto é apenas futebol! Há mais vida para além da bola! Isto não é nenhuma guerra! Não morreu ninguém!

Viana


Claro que vou às Festas!

Biden


São 28 minutos de conversa, entre George Stephanopoulos e Joe Biden, na ABC. Biden releva a obra feita, desvaloriza a sua prestação face a Trump e não dá o menor sinal de desistir da corrida. Stephanopoulos foi assertivo e rigoroso. Pode ver aqui.

We'll always have Paris 2016...

sexta-feira, julho 05, 2024

Ronaldo. A sério.

Agora muito a sério: não há um mínimo de cuidado na preservação da imagem e do prestígio dessa imensa figura do futebol mundial que se chama Cristiano Ronaldo?

Ronaldo

Ronaldo tem um imenso e glorioso passado à sua frente.

Amarelado


Foi um amarelo bem mostrado pelo Vitinha ao árbitro.

Orbán

Todos sabemos que Orbán não é "flor que se cheire". (Erdogan também não era). Mas se acaso ele viesse a conseguir uma (improbabilíssima) ponte negocial entre Moscovo e Kiev, o que é que a União Europeia podia objetar? Afinal, a Ucrânia é ou não "dona" da sua guerra?  

Estudem

As pessoas que passam o tempo a tecer loas aos sistemas eleitorais com círculos uninominais já alguma vez se interrogaram sobre a razão pelas quais há muitos países que têm outro modelo e não consideram mudá-lo? Serão menos democratas e mais estúpidos?

Hunt

Jeremy Hunt, ministro das Finanças britânico cessante: "Some Conservatives will wonder whether the scale of our crushing defeat is really justified, but when you lose the trust of the electorate, all that matters is to have the courage and humility to ask yourself why". 

Chapeau!

A falta de um guarda-chuva (ou de um chapéu de chuva, em lisboês)


Jacob Rees-Mogg, antigo ministro conservador, comentando a prestação do primeiro-ministro Sunak desde o início da campanha eleitoral: "Well an umbrella on day one would have helped".

E é super-irónica a fotografia, no dia de hoje, da mulher de Sunak... com um guarda-chuva na mão.

Afinal, deus não dorme...


Há dias, alguém desesperado com o estado do mundo, ironizava: "Isto anda tão mal, tão sem-rei-nem roque, que até parece que deus se aposentou...".

Vejo agora esta notícia e só posso concluir que, afinal, deus não dorme...

O que é demais...


Nesta noite de esmagadora vitória trabalhista, que muito me satisfaz, não posso deixar de registar aqui a imagem de dois estimáveis rostos da ala esquerda "labour", homens politicamente seriíssimos mas cujo desajustado radicalismo deu alguns anos mais de poder aos conservadores. 

quinta-feira, julho 04, 2024

Peter Snow


Tem 86 anos e está reformado. Durante décadas, habituei-me as seguir as noites eleitorais no Reino Unido apresentadas por Peter Snow, primeiro na ITV, depois na BBC. Era uma figura alta que, por essas horas, usava o famoso "swingometer". Com gestos largos, mostrava-nos, de início sem os artefactos digitais dos dias de hoje, um ponteiro que evoluia numa parede, oscilando entre o vermelho e o azul, explicando como "tories" e "labour" subiam ou desciam.

Snow, uma cara muito conhecida para os britânicos, foi um excelente jornalista e, ao que hoje diz ao "Daily Telegraph", que o foi entrevistar, vai votar "lib-dem". E diz mais: é de opinião de que, na noite de hoje, vamos assistir a um inédito "landslide" em favor dos trabalhistas, o maior desde a Segunda Guerra, mesmo maior do que a vitória de Tony Blair, em 1997. Logo veremos.

Hoje, com a vitória labour garantida, seria a noite ideal, se acaso eu pudesse votar no Reino Unido, para dar uma oportunidade ao Official Monster Raving Loony Party. Não sabem o que é? Não sabem o que perdem!

Capa


Tenho visto muitas capas "assassinas". Mas, como esta, vi poucas.

É assim!


Hoje, numa velha democracia, que sempre escolhe uma banal quinta-feira para votar, os cidadãos elegem os seus deputados. À noite, saem os números. Amanhã de manhã, o vencedor vai ao rei. À tarde, assume funções. Ah! E vai ganhar a esquerda, olaré!

Roland Dumas



Roland Dumas, que morreu agora aos 102 anos, era uma figura relevante nesse mundo complexo que eram os amigos de François Mitterrand, pessoa a quem foi leal toda a vida. 

Advogado de profissão, sedutor por vocação e com grande sucesso, teve um tempo interessante à frente da diplomacia francesa. No ambiente político, a sua imagem esteve sempre muito longe de ser vista como imaculada, bem antes pelo contrário, o que o tempo veio provar que fazia jus aos factos e à verdade objetiva das coisas. 

Dumas era um realista cínico, o que ajuda sempre muito em diplomacia, provando, contudo, por várias vezes, que tinha limitados escrúpulos na sua vida privada. Isso, porém, não pareceu preocupar em demasia o seu grande amigo Mitterrand. 

Hoje, o "Le Monde", jornal com quem Dumas teve em tempos fortes "accrochages", traça-lhe um perfil bastante "mauzinho". Até a grande imprensa tem destes reflexos menores.

A certo passo dessa nota necrológica, o "Le Monde" anota: "Après que François Mitterrand a remporté la présidentielle, le 10 mai 1981, lorsque la gauche remonte à pied jusqu’au Panthéon, Roland Dumas figure au premier rang, seul à porter un costume crème et les cheveux dans le cou, bien visible parmi les fidèles." 

O jornal fica-se por aqui no relato. Estou certo que Dumas teria gostado que o artigo tivesse explicado que o inusitado traje claro, impróprio para a função, se devia ao facto de, nessa manhã, ele ter saído diretamente de casa de uma amante, sem ter hipótese de passar pelo seu apartamento pessoal, para recolher um fato mais discreto, em tons de Estado. Dumas sempre gostou de viver à altura dos seus estimados vícios. E isso, no fim de uma vida cheia, não deixa de ter a sua graça.

Uma opção

"Dans la mesure où, contrairement au RN, le NFP n'a aucune chance d'avoir une majorité absolue, l'équivalence "ni RN ni LFI" ne tient plus. Ceux qui votent LFI en se bouchant le nez pour éviter le RN ne sont pas en train de voter pour "Mélenchon 1er ministre", et ne sont pas des "traîtres" ni des "alliés de l'antisémitisme", juste des gens qui préfèrent la peste au choléra, ce qui est respectable." - Raphaël Enthoven

quarta-feira, julho 03, 2024

Orbán em Kiev


Estive uma única vez numa conversa privada com Viktor Orbán. Foi em Budapeste, em 1999. Ele era então primeiro-ministro da Hungria. Impressionou-me logo o seu olhar. Um olhar "pesado" - é a palavra que me surge. Nos últimos anos, a evidente arrogância que transparece daquela cara tem vindo a acentuar-se. Há por ali um fácies que denota mesmo algum desprezo por tudo e todos quantos dele divirjam. Orbán tem a clara consciência de que a máquina da União Europeia (e um pouco a da NATO) está hoje refém da posição húngara. Já aprendeu que pode esticar a corda, embora só até um certo ponto. Perante um Europa assarapantada e empanicada com a situação ucraniana, com a unanimidade a ser requerida ainda para muitas coisas (e a unanimidade, nos tratados, só se reverte por unanimidade), ele sabe bem que não pode dizer que não até ao fim; sabe que, na soleira desse fim, Bruxelas irá comprar a sua saída da sala, para não prejudicar o ramalhete da posição esforçadamente comum. A conversa de Orbán com Zelensky - adorava "ser mosca" ali - prova, se ainda fosse necessário, a completa irrelevância atual das presidências rotativas. Orbán, nessa conversa, não representou minimamente a União Europeia: representou-se a si próprio e à heterodoxia da Hungria. E, com um mandato ou não, ter-se-á sugerido como uma ponte para Moscovo. Ao ter de recebê-lo, Zelensky mostra a sua fraqueza, talvez o seu desespero. Orbán é outro dos que está à espera de Trump.

Vou ler, Pedro!

Extremos

Pode ver e ouvir aqui a minha conversa com Pedro Bello Moraes, sobre as eleições francesas:

https://cnnportugal.iol.pt/videos/nao-equiparo-nunca-a-extrema-direita-a-extrema-esquerda-em-franca-ou-em-portugal/66851c7a0cf2a41c2ee0193d

Nela tive oportunidade de dizer que não me revejo minimamente na ideia de que a política francesa esteja polarizada entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. 

De facto, num dos polos está a extrema-direita, com a sua agenda excludente, xenófoba, em suma, sinistra, perante os valores da decência, europeus e humanistas.

Porém, do outro lado não está apenas uma agenda com atores extremistas - embora também esteja. Há por ali socialistas, ecologistas e até um Partido Comunista que, nos dias de hoje, tem como bandeira um programa sensato e nada radical. E, de caminho, lembrei que a esquerda foi responsável por muitos e bons anos de gestão governativa em França.

Mas disse mais: sublinhei, nessa conversa, que por muito que algumas das propostas da "esquerda da esquerda" me possam ser alheias, eu não equiparo nunca a extrema-direita à extrema-esquerda. Em França ou em Portugal.

A propósito, recordo um texto com mais de quatro anos, em que falo disto. Leiam-no aqui: https://duas-ou-tres.blogspot.com/2020/02/extremos.html

The final countdown


Faltam exatamente dezasseis dias úteis para a praia. Antecipo já a desagradável impressão da areia nos Timberland, o ter de ir estacionar longe da toalha, a barulheira do carro do lixo a arruinar-me as manhãs, aquele calor sinistro, os restaurantes apinhados. Bolas! Nunca mais chega o raio da praia!

França


Álvaro Vasconcelos reuniu ontem, num jantar, mais de uma dezena de pessoas, para discutir as eleições legislativas francesas, numa iniciativa no âmbito do Forum Demos. Foi uma bela discussão, animada, com polémica e algumas divergências. Eu terei sido culpado por boa parte delas.

Fausto


Lá estivemos ontem, muitos, na Voz do Operário, a prestar a última homenagem ao Fausto. 

terça-feira, julho 02, 2024

Franco Charais, o MFA e o CDS


Morreu Franco Charais. Para as novas gerações, o nome dirá pouco. 

Franco Charais foi um oficial de Artilharia que esteve fortemente envolvido no 25 de Abril. Integrou o Conselho de Estado, fez parte do Conselho da Revolução, foi comandante da Região Militar Centro e foi um dos subscritores do chamado “documento dos nove” - um manifesto de nove figuras moderadas do MFA, publicado no auge do “Verão quente” de 1975, de “resistência” ao “gonçalvismo”. Foi uma figura de grande equilíbrio no período revolucionário, com um perfil sóbrio de militar e genericamente apreciado pela sua seriedade.

Cruzei-me com Franco Charais no palácio da Cova da Moura, em maio de 1974. Ele era tenente-coronel. Eu era então aspirante a oficial miliciano e adjunto da Junta de Salvação Nacional, ligado às questões da extinção da PIDE/DGS, colocado no gabinete do general Galvão de Melo. 

Recordo-me que Charais ocupava por ali um belo gabinete com azulejos, que toda a gente invejava, num dos extremos do primeiro andar do palácio. Dizia-se então: "Aqui no palácio, mais bonito só o do Spínola, no andar de baixo". Sou um sortudo. Duas décadas depois, em 1994, eu viria a ocupar, por uns meses, como subdiretor-geral dos Assuntos Europeus, o então gabinete de Charais e, de 1995 até 2001, "mudei-me" para o antigo gabinete de Spínola. 

Voltemos a 1974. Por essa época, o CDS estava a ser alvo de uma forte campanha política adversa, com atos de violência que, nomeadamente, levaram ao saque da sua sede nacional em Lisboa e ao boicote sistemático de muitos dos seus comícios, um pouco por todo o país. Casos houve em que os seus dirigentes tiveram de abandonar os locais pelos telhados das casas e correram riscos de integridade pessoal.

A acusação mais vulgar, feita pelas forças de esquerda, era a de que o CDS era uma formação política onde se refugiara muita da direita saída diretamente do salazarismo e do marcelismo. Ora isto, não sendo necessariamente mentira, estava longe de esgotar a verdade. Muita gente conservadora, sem atividade política no Estado Novo, a quem o 25 de Abril abrira a possibilidade de intervenção e defesa democráticas das suas ideias, não se revia no socialismo e nos partidos da esquerda dominante, optando igualmente por não seguir as ideias em torno das quais Sá Carneiro instituíra o PPD. E havia decidido apoiar o partido que Freitas do Amaral criara logo após a Revolução e que apelidou de "centrista", pretendendo identificá-lo com uma matriz democrata-cristã. 

Um dia, um grupo de responsáveis do CDS, chefiado por Victor Sá Machado e integrado por Emídio Pinheiro e uma outra personalidade que até hoje não recordo quem era, foi recebido, a seu pedido, pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), numa reunião que teve lugar naquele que é hoje o Instituto de Defesa Nacional, na calçada das Necessidades. 

Não consigo precisar a data, mas tenho a ideia de que deverá ter sido em fins de outubro ou novembro de 1974, isto é, depois do 28 de Setembro, que forçou o afastamento de Spínola e levou ao isolamento temporário de um importante setor da ala direita militar. 

A delegação do MFA era dirigida pelo então tenente-coronel Franco Charais, meses mais tarde graduado em general e que viria a chefiar a Região militar do centro. Com ele, em nome do MFA, estavam três pessoas.

Nessa reunião, Sá Machado expôs, com elegância e sem dramatismos, a penosa existência do novo partido, praticamente desde a sua criação. Ele sabia, de certeza segura, que o CDS estava longe de ser visto com bons olhos no seio da maioria dos setores que haviam feito a Revolução, mas também não desconhecia que as Forças Armadas, que conviviam com Diogo Freitas do Amaral no Conselho de Estado, não se podiam dar ao luxo de aceitar a exclusão da vida política, por via da força, de um partido que afirmara cumprir os princípios básicos que orientavam a Revolução e cuja ação não suscitava objeções importantes. 

A certo passo da sua intervenção, feita no tom calmo embora um tanto pomposo que era o seu, Sá Machado inquiriu se as Forças Armadas estavam ou não disponíveis para garantir condições básicas de segurança para as sedes e as reuniões de propaganda que o CDS procurava organizar pelo país. Recordo ele ter dito mais ou menos o seguinte: "São os senhores que têm de decidir se querem ou não que continuemos a existir. Se o direito de reunião e organização política nos continuar a ser negado, talvez tenhamos de vir constatar que deixa de haver condições para o exercício da nossa atividade enquanto partido. Nesse caso, o MFA deve ter consciência de que um setor da opinião pública portuguesa se sentirá alienado do sistema político instituído pelo 25 de Abril. E isso terá naturalmente as suas consequências na própria legitimidade futura do regime". 

Foi uma declaração frontal, corajosa para os padrões da época. Vários partidos considerados extremistas de direita e saudosistas haviam já desaparecido (Partido do Progresso, Movimento Federalista Português, Partido Liberal) e, com isso, o CDS ficara "colado" ao limite direito do espetro político.

Charais reagiu, dizendo que "outros partidos de direita, como o PPD" (nem o CDS se assumia como de direita, quanto mais o então PPD, mas a linguagem dos tempos era essa...), também sentiam dificuldades em organizar-se em certas regiões, mas que isso era devido ao facto de, nesses locais, CDS e PPD serem "o refúgio dos fascistas", pelo que a aceitação "popular" da sua legitimidade de afirmação política passava muito por uma escolha mais criteriosa dos seus quadros, que deviam ter "sólidas credenciais democráticas". Sá Machado retorquiu que o CDS não permitia a adesão de pessoas ligadas ao anterior regime e que, por isso, eram infundadas as acusações feitas ao seu partido. 

A discussão prolongou-se por bem mais de meia hora. Já não me lembro se houve algum "follow-up" no âmbito militar. Mas a mensagem passou. À distância dos anos, há que reconhecer que a criação do CDS acabou por permitir a organização de um espaço político para enquadramento democrático de uma certa direita. E isso não foi um serviço menos relevante que o CDS prestou à vida política portuguesa. O facto do partido, um ano depois, não ter votado a Constituição emanada da Assembleia Constituinte, viria a fixar claramente a sua identidade no contexto político-partidário futuro. Mas, nesse futuro, o CDS não deixou de evoluir muito, de uma forma que se pode mesmo considerar singular. Até ser o que hoje é.

Lembro este episódio no dia da morte, com 93 anos, desse democrata e homem de bem que foi Manuel Franco Charais, que, nos últimos anos, viveu no Algarve, onde se dedicava à pintura.

segunda-feira, julho 01, 2024

Costas quentes

É Diogo Costa! Foi António Costa! Eu nem quero dizer nada... 

a) Seixas da Costa

Ni-Ni

O vergonhoso "Ni-Ni" ("ni Rassemblement National, ni Nouveau Front Populaire") de Édouard Philippe e François Bayrou, que pode entregar o poder à extrema-direita, dá, uma vez mais, razão póstuma a Mitterrand: em França, "le centre n'est ni de gauche, ni de gauche"... 

Pode?

O prémio da cretinice do dia vai para uns energúmenos, escondidos atrás da sua incultura, que andam hoje aí a insinuar que o Fausto, nas suas canções, fazia a apologia do colonialismo. É nestes dias que me surge a tentação da peça de Kark Valentin, "E não se pode exterminá-los?"

Refletir sobre a França


Ver aqui.

Simples

Para alguém da esquerda moderada, a chamada extrema-esquerda, tal como a direita democrática, são adversários políticos. A extrema-direita, pelo contrário, é, sempre, um inimigo. A diferença é abissal. As coisas são mais simples do que parecem.

Na morte do Fausto


Tinha então o ar típico de um menino "certinho", acabado de aterrar em Lisboa, vindo da Angola onde nascera para a música e concluíra o liceu. Projetava uma imensa simpatia, um sorriso sereno que, com naturalidade, construia amizades. Tínhamos exatamente a mesma idade (nós, a malta de 48, não é, Zé Ferreira Fernandes?), os mesmos 20 anos que Paul Nizan achava que não eram "a idade mais bela da vida", mas estava errado.

Naquele ambiente universitário atípico, há 56 anos, naquele que era o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina - leram bem, "ultramarina" -, uma escola de formação de quadros para a administração colonial, que Adriano Moreira esforçadamente procurava transformar numa incipiente escola de ciências sociais, recordo-me dele se ter integrado muito bem, fazendo mesmo a "ponte" entre os filhos, mais ou menos rebeldes, de uma Lisboa "social" que por ali andavam a queimar os dias nas mesas de "king" e a turbamulta associativa que então se divertia a subverter a ordem salazarenta que se respirava na maioria dos setores da casa. 

Pelos muitos poisos de conversas no Palácio Burnay, à Junqueira, tal como em noitadas da Rua da Paz, essa nova e improvável versão meio anarca da "Casa dos Estudantes do Império", onde imperavam a política, os copos e grandes tainas, construí com ele uma amizade para a vida.

Não nos víamos muito. Antes da pandemia, com o João Paulo Guerra, calhou irmos almoçar na sua "Tertúla do Silêncio", no Paço do Lumiar, e também jantar, com famílias, no "Miudinho", em Carnide. Há uns anos, consegui juntá-lo com alguns outros amigos do tempo da Junqueira num animado almoço em minha casa. Um dia, telefonou-me a desculpar-se por ter utilizado o meu nome, sem antes me consultar, num programa da Fátima Campos Ferreira. (Ora eu tinha ficado "flattered" pela lembrança dele). Mais recentemente, liguei-lhe a saber da saúde, que sabia debilitada. 

A pessoa que motiva este texto chama-se Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias. Todos o conhecem: é o Fausto, do "Por este rio acima". Morreu hoje, ao que me diz agora Viriato Teles, que sobre ele está a fazer um livro e com quem falara há semanas sobre o Fausto.

Nesse mesmo e inesquecível ano de1968, ambos fizemos parte da mais radical lista associativa que aquele venerando ISCSPU vira nascer. E ganhámos, numas eleições divertidas, bem coloridas, com gente muito diversa, mulheres lindas, sob uma bandeira programática que fora beber o essencial ao maio parisiense, escassos meses antes. Quem, por esse tempo, leu o (proibidíssimo!) n° 1 da revista "Ibis" sabe do que estou a falar.

A nossa vitória, contudo, viria a ser algo pírrica: semanas depois, o Ministério da Educação Nacional informou que toda a lista eleita fora "não homologada", porque, como era a regra da época, a democracia parava à porta da vontade arbitrária da ditadura. E o ditador de turno, precisamente por esses dias, até mudara: chamava-se Marcelo Caetano. A Associação viria mesmo a ser saqueada, à nossa frente, pelos esbirros do capitão Maltez e o sonho lindo foi adiado, com a raiva a subir.

O Fausto, já por essa altura, compunha coisas musicais bem interessantes, embora ele talvez se reconheça menos numa canção em que se falava de "meninos com olhos de cratera", com letra do João Bettencourt da Câmara, que então gravou num (hoje raríssimo!) 45 rotações. O mesmo Fausto que cantava nos "convívios" da Junqueira, em tardes em que o Tossán e o José Carlos de Vasconcelos declamavam o neo-realismo empolgado das poesias das "notícias do bloqueio". O Fausto que então namorou a Rita Vinhas, a mais bonita colega das nossas tardes do magnífico jardim e da "sala verde". (Um beijo para ti, Rita, que ainda há pouco tempo me perguntavas pelo Fausto).

Dois anos mais tarde, o Fausto e eu voltámos a ganhar as eleições para a Associação. E, dessa vez, para alguma surpresa nossa, o ministério não ofereceu quaisquer objeções à lista. Eu era presidente da Assembleia Geral e o Fausto era membro da direção. O ano académico foi muito turbulento. No meu caso, tinha mesmo sido objeto de um processo disciplinar.

No ano seguinte, apresentámos uma nova candidatura. E voltámos a ganhar. Só que, dessa vez, o presidente da Assembleia Geral cessante (isto é, eu) recebeu uma carta do Secretário-Geral do ministério, num tom muito formal, informando "V. Exa. de que a lista vencedora nas eleições para os corpos gerentes da Associação Académica do ISCSPU foi homologada por despacho de S. Exa. o Ministro da Educação Nacional". Tudo igual ao ano anterior? Não. O texto não acabava aí e acrescentava "... , com exceção dos senhores Francisco Manuel Seixas da Costa e Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias, que estão superiormente impedidos de tomar posse".

A "medalha" de termos sido "não homologados" pelos dois ministros da Educação da ditadura já na sua versão marcelista, Hermano Saraiva e Veiga Simão (este último que o destino me levaria a cruzar à mesa do mesmo governo, um quarto de século mais tarde), ninguém nos tira, ao Fausto e a mim.

O Fausto, além de se dedicar ao ensino, teve a carreira musical brilhante que o país conhece. Construíu alguns dos álbuns mais notáveis da música portuguesa contemporânea e, amizades à parte, faz hoje parte desse (julgo) indiscutível "top five" que integra com Sérgio Godinho, José Afonso, José Mário Branco e Jorge Palma.

Lembro-o com muita saudade, na hora da sua morte. 

Iliteracia eleitoral

Nas eleições francesas, como é de regra nos sistemas eleitorais em que há circunscrições uninominais, é eleito à primeira volta o candidato que tenha mais de 50% dos votos expressos.

No caso de nenhum candidato obter esse resultado, haverá obrigatoriamente uma segunda volta, que terá lugar no dia 7 de julho. Quem passa a essa segunda volta? Passam sempre os dois candidatos mais votados nessa circunscrição na primeira volta, independentemente do nível dos seus resultados. Mas pode passar também à segunda volta um terceiro (e, teoricamente, mesmo um quarto) nome. Em que condições?

É sobre isto que anda aí uma grande confusão. Desde há dias que, na imprensa, em rádios e canais televisivos, se repete a afirmação de que podem passar à segunda volta os candidatos que, na primeira volta, tenham obtido um mínimo de 12,5%. de votos.

É falso! 

Para passar à segunda volta, um candidato tem de obter o voto de 12,5% DOS ELEITORES INSCRITOS nessa circunscrição eleitoral, NÃO 12,5 % DOS VOTOS EXPRESSOS. Ora isto faz uma imensa diferença, tendo em conta as abstenções. Por exemplo: se a abstenção, nessa circunscrição tiver sido de 50%, um candidato só passa à segunda volta se tiver obtido 25% dos votos expressos.

Como fazer passar esta mensagem?

Fausto


O fato claro era de quem tinha acabado de chegar de África, nesse final de 1968. O cabelo era standard para a época, com umas patilhas à maneira. Morreu agora. Morreu-nos a todos, à nossa geração. Lá se foi o Fausto, por esse rio acima. 

A questão

Não me parece justo criticar os outros por não votarem como nós. Temos de ser modestos. Partindo da óbvia evidência de que nós é que estamos certos - um princípio básico, na política como na vida - há que tentar perceber por que estranhas razões os outros não nos seguem...

Simples

Os números são claros. No termo da primeira volta das eleições legislativas, a esquerda francesa tem menos de 6% de votos do que a extrema-direita. Há cerca de 30% de votos nas mãos do centro e da direita democrática. Estes não conseguirão governar, mas estará nas suas mãos o futuro imediato da França. Respeitarão eles o princípio republicano (a expressão, em França, tem pouco a ver com o seu significado em Portugal) de barrar o caminho à extrema-direita ou serão tentados pelo abismo, pelo repúdio primário da esquerda?

Aviso à navegação

Dei comigo, pela primeira vez, a planear serenamente os meus dias. Para já, até dezembro. Não aceitarei escrever rigorosamente nada, pago ou de borla, salvo estes textos ligeiros para as redes sociais. Pelo menos até ao final do ano, não me peçam artigos, prefácios, posfácios ou depoimentos escritos de nenhuma natureza. E também não vou escrever nenhum livro, claro. Ah! E não vou estar disponível para dar aulas e fazer palestras, salvo nos escassíssimos casos em que já me tinha comprometido (não têm nada que agradecer). No resto, continuarei focado no trabalho nas empresas com as quais regularmente colaboro - e sinto-me muito bem e útil ao fazê-lo. Mas, além disso, o que vou fazer? Viagens? Nem por isso. Vou ler, muito. O meu programa de leitura até dezembro é ambicioso. E ouvir bastante música. E procurar estar mais com os amigos, sempre sem a menor agenda. Não me invejem: isto é apenas um sintoma de serena velhice. Embora alegre.

A rua

Imagino que para um eleitor francês conservador, que desteste a extrema-direita e não confie em Le Pen e suas descendências, o surgimento de manifestações violentas de rua, ontem organizadas em protesto contra o bom resultado dessa mesma extrema-direita, não deve ser um fator estimulante para o levar a um voto na esquerda mais-ou-menos-unida. A abstenção na segunda volta pode assim ser o destino da sua vontade política.

Não esquecer isto

Nestas horas de debate, a propósito das eleições francesas, sobre quem vai desistir a favor de quem parece esquecido o pequeno pormenor de que ninguém é proprietário do voto do eleitor. Os líderes podem aconselhar um sentido de voto, mas, à boca da urna, o cidadão votará sempre e só em que lhe der na real gana.

domingo, junho 30, 2024

Os eufemismos

Teve imensa graça ouvir há pouco Alain Duhamel, velha raposa do jornalismo francês, que sempre tratou o Rassemblement National como um grupo de extrema direita, usar o qualificativo de "nacional-populismo, saído da extrema-direita". A aproximação de um partido ao poder acaba por trazer estes efeitos.

Dois irresponsáveis da política contemporânea

 


Eleições em França


Ver aqui.

Agora

A esquerda francesa devia apresentar, desde hoje, um nome para chefe do governo que, simultaneamente, pudesse federar as suas fações e surgir como aceitável por quantos, no centro e na direita, se disponham a usar o seu voto, na segunda volta, para derrotar a extrema-direita.

Tentação da prosa


Recordo-me que, quando Luís Castro Mendes iniciou as suas crónicas semanais no "Diário de Notícias", fiquei com alguma curiosidade em perceber o tom que ele iria escolher no fixar dessa sua nova aventura na escrita. Conhecia-lhe já a prosa, a sua limpidez, a riqueza vocabular, o fluir fácil e elegante do estilo, saído de alguém para quem a produção de textos constitui um óbvio ato de prazer. Logo ficou claro que, por opção própria, iam ser crónicas abertas, sem tema fixo, no pleno exercício da liberdade do autor, ao sabor dos estímulos da conjuntura e dos humores do dia. Enfim, no verdadeiro espírito das crónicas num jornal. Desde muito cedo, dei por mim a pensar: isto, daqui a uns tempos, pode vir a resultar num livro muito interessante. Não me enganei, ele aí está. 

Diplomata por profissão e por vocação, o Luís manteve sempre uma segunda vida, que o acompanhou e que ele soube bem harmonizar com a primeira: a poesia. A regular produção poética, que já vinha da juventude, foi-o seguindo nas suas andanças pelo mundo, garantindo-lhe uma espécie de pouso de recuo lúdico que, para além de dever ser profundamente enriquecedor, é visivelmente fautora da sua realização pessoal. Digo isto porque nunca pressenti que o Luís fosse um poeta cuja pena se arrastasse por angústias e pela sofrida descoberta alambicada das palavras, tiradas estas a ferros, em horas penosas, olhando a folha branca. A sensação que tenho, até porque ele o confessa, é que o nosso autor adora cultivar a escrita poética e retira dela um prazer saudavelmente egoísta - e isto é dito no bom sentido -, antes de altruisticamente a fazer partilhar. E já lá vão muitos livros! 

Por tudo isso, o Luís não necessitava de uma experiência na prosa para se realizar na escrita. Mas este seu tempo na crónica, ao que sei sem minimamente lhe ter atenuado a vocação poética essencial, abriu-lhe um espaço complementar de intervenção pública. Para quem o conhecia menos bem, estas crónicas vêm revelar algumas facetas interessantes da sua forma de olhar a vida. Para quem o conhece melhor, estes textos ajudam a perceber o modo como ele vai encarando o mundo que evolui à sua volta. E não deixam de ser uma revelação. 

Habituado a uma infância e juventude itinerantes, por virtude da profissão do seu pai, o nosso autor veio também a escolher como destino uma atividade onde mudar de casa, de quando em vez, é uma das regras do jogo. Daí que as referências às viagens, às cidades, aos lugares, ao sentido saltitante de vida surjam, com frequência, em muitos dos seus textos. Se já na sua poesia isso era visível, as crónicas vieram a dar mais expressão a esse seu deslumbre pelos encontros com novas realidades, com contrastes e experiências. Dito isto, ao reler estas crónicas, constato que o Luís, embora sensível aos ambientes onde o percurso profissional o conduziu, preserva-se sempre bastante e opta por não "go native", fugindo ao tropismo dos que vivem a carreira diplomática deslumbrados com as cores da "National Geographic". 

Uma das curiosidades que eu tinha, na observação do início destas crónicas, era perceber o modo como o Luís iria passar a trabalhar, nos textos, a sua faceta de cidadão politicamente empenhado. Uma passagem breve pelo governo havia culminado, em termos institucionais, uma vida em que o posicionamento ideológico, se bem que nunca escondido, esteve sensatamente atenuado, por muitos anos, por óbvio dever de ofício. As crónicas permitiram fazer vir ao de cima alguém que se confessa ser na razão um radical, embora no temperamento seja um moderado. A esquerda corre-lhe nas veias, uma constante indignação com as quebras na decência cívica é visível na rejeição de um certo mundo que vive nos antípodas daquilo que ele sente como desejável para o Portugal de Abril, que desde há muito o orienta e o faz combater a indiferença. Com elegância mas com firmeza, as crónicas de Luís Castro Mendes zurzem, quando oportuno, quem ele acha que merece ser zurzido. E acha bem, digo eu. 

Dos textos, das citações e dos nomes, resulta uma saudável obsessão do autor em torno dos livros. Na vida do Luís, os livros, os livros lidos, estão um pouco por todo o lado: ocupam muitas horas e muitas estantes, fruto de uma desesperada e infrutífera tentativa, quase renascentista, de conseguir acompanhar o que de bom é publicado, aqui e lá fora, com a França bastante nesse horizonte. Devo dizer que, não estando próximo de muitas das suas opções temáticas, tenho uma infinita compreensão e solidariedade por esta angústia, que conheço bem, que arruina a bolsa mas ilumina os dias. Como fruto dessas suas experiências, o autor revela-se atento, cuidadoso e escrupuloso nas referências que partilha, dessa forma enriquecendo as crónicas e partilhando generosamente as suas leituras. 

Acabado o livro, fico com a sensação de que Luís Castro Mendes se assume, por inteiro, nestes seus textos. Quero com isto dizer, por exemplo, que ele não hesita em carrear para as suas crónicas a alegria da vida familiar, gozada neste seu novo tempo. Aqui ou ali, pode não disfarçar alguma melancolia que o avançar do calendário lhe traz. Mas, do que deixa escrito, resulta o retrato claro de quem se sente de bem com o que a vida lhe trouxe, ou melhor, com aquilo que nela soube e pôde construir. As crónicas de Luís Castro Mendes espelham alguém que olha os dias que aí vêm, para todos nós, já sem algumas das ilusões geracionais, mas com notas permanentes de esperança e de otimismo. E delas transparece uma imensa e invejável felicidade no usufruto daquilo que o presente lhe proporciona. 

(Texto do prefácio que fiz para "Tentação da Prosa", livro de crónicas de Luís Filipe Castro Mendes)

sábado, junho 29, 2024

Too late?


Clinton e Obama saíram em defesa de Biden, depois da desastrosa prestação deste, no debate com Trump. Para além da consideração pessoal e política pelo esforço do presidente, quererão dar nota de que já é tarde para encontrar um nome capaz de derrotar Trump. Se calhar, têm razão.

Baryshnikov


Desde há muitos anos, e até há minutos, vivia na convicção de que Mikhail Baryshnikov, o famoso bailarino com nacionalidade americana e letã, tinha nascido no mesmo dia que eu. Ele em Riga, eu em Vila Real.

Depois de ler a entrevista que hoje dá ao New York Times, constatei que, na realidade, ele é um dia mais velho do que eu. 

Olhei entretanto a fotografia com que o jornal ilustra a peça e concluí que essa diferença no calendário é uma evidência, tão óbvia, afinal, como são todas as evidências que nos confortam o ego.

(E houve quem levasse este post à letra! A ironia não tem vida fácil!)

Novas da guerra


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Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...