Há quase três décadas, no lóbi de um hotel estrangeiro, assisti a uma conversa, em que participou um então responsável político português, cujo tom me marcou para sempre. A discussão centrava-se nas políticas do futuro Banco Central Europeu e, muito em particular, nos termos de referência que essa nova instituição deveria seguir, com vista a assegurar o objetivo central da sua ação - a estabilidade dos preços.
Essa figura, homem que, aliás, prestou assinaláveis serviços ao país, afirmava, com toda a serenidade e certeza, que a nova instituição deveria limitar-se a seguir uma espécie de "breviário" técnico, independente de quaisquer juízos pessoais de valor, à luz da "sabedoria" acumulada pela doutrina económica, ao longo de décadas: "Perante uma evolução no sentido X, deve proceder-se a uma correção na direção Y. Mais nada!". E deu, como exemplo similar, os códigos jurídicos que, para uma determinado comportamento, estipulam uma certa pena.
Sou sempre muito cético perante este tipo de "sapiência" e automatismo. A assim ser, um destes dias colocamos um computador a tomar decisões e vamos todos para a praia... A história tem, quase sempre, muito maior imaginação do que os homens - como se vê bem pelo destino caricato das previsões económicas, a médio e longo prazo. Por isso, nessa noite, guardei modestamente as minhas reticências, mas "fiquei cá na minha".
Porque é que falo disto hoje? Porque acabo de ler, com algum cuidado, as observações da troika ao comportamento da economia portuguesa, que hoje vive sujeita aos seus particulares métodos de cura e que bebe, com ânsia e impaciência, a "nota" das "frequências" a que está sujeita, antes de estipendiar, para nosso cíclico alívio, a paternal "mesada" trimestral. E dei comigo a pensar que parece subsistir naquelas instituições, bem como nos técnicos que coreograficamente as representam, uma matriz de receituário que, na metodologia, não se afasta muito da observância de "códigos" similares àqueles de que nos falava aquele nosso político.
Embora nada disto seja especialmente novo, e sei lá bem porquê!, acho que hoje não vou dormir muito descansado.
Embora nada disto seja especialmente novo, e sei lá bem porquê!, acho que hoje não vou dormir muito descansado.