terça-feira, fevereiro 28, 2012

Códigos

Há quase três décadas, no lóbi de um hotel estrangeiro, assisti a uma conversa, em que participou um então responsável político português, cujo tom me marcou para sempre. A discussão centrava-se nas políticas do futuro Banco Central Europeu e, muito em particular, nos termos de referência que essa nova instituição deveria seguir, com vista a assegurar o objetivo central da sua ação - a estabilidade dos preços.

Essa figura, homem que, aliás, prestou assinaláveis serviços ao país, afirmava, com toda a serenidade e certeza, que a nova instituição deveria limitar-se a seguir uma espécie de "breviário" técnico, independente de quaisquer juízos pessoais de valor, à luz da "sabedoria" acumulada pela doutrina económica, ao longo de décadas: "Perante uma evolução no sentido X, deve proceder-se a uma correção na direção Y. Mais nada!". E deu, como exemplo similar, os códigos jurídicos que, para uma determinado comportamento, estipulam uma certa pena.

Sou sempre muito cético perante este tipo de "sapiência" e automatismo. A assim ser, um destes dias colocamos um computador a tomar decisões e vamos todos para a praia... A história tem, quase sempre, muito maior imaginação do que os homens - como se vê bem pelo destino caricato das previsões económicas, a médio e longo prazo. Por isso, nessa noite, guardei modestamente as minhas reticências, mas "fiquei cá na minha". 

Porque é que falo disto hoje? Porque acabo de ler, com algum cuidado, as observações da troika ao comportamento da economia portuguesa, que hoje vive sujeita aos seus particulares métodos de cura e que bebe, com ânsia e impaciência, a "nota" das "frequências" a que está sujeita, antes de estipendiar, para nosso cíclico alívio, a paternal "mesada" trimestral. E dei comigo a pensar que parece subsistir naquelas instituições, bem como nos técnicos que coreograficamente as representam, uma matriz de receituário que, na metodologia, não se afasta muito da observância de "códigos" similares àqueles de que nos falava aquele nosso político.

Embora nada disto seja especialmente novo, e sei lá bem porquê!, acho que hoje não vou dormir muito descansado.

11 comentários:

Um Jeito Manso disse...

Ora, ora Embaixador, não se preocupe. Se, ao invés de ler, tivesse visto as imagens na televisão, teria visto o nosso olheirento e pausado Vítor explicando tão devagarinho que quase lhe víamos o desenho das ondas cerebrais que o que está a acontecer é muito bom e que talvez não seja preciso carregar na dose da austeridade, a menos que seja necessário e que há uma recessão maior que o previsto, um desemprego maior que o previsto mas que é melhor assim do que uma 'austeridade selvagem'.

Enfim, Embaixador, anime-se, estamos no bom caminho fazendo tudo muito bem feitinho (... pena é que seja a coisa errada mas talvez isso seja pormenor).

Durma, pois, descansado.

Anónimo disse...

"lóbi"? ... ou "entrada", "átrio"?

patricio branco disse...

porque não procedeu o bce aí por 2005-2006 a uma desvalorização do € e em 2008-2009 a uma 2ª? seriam pequenas correcções que tornavam a zona mais competitiva, beneficiando todos os paises que têm a moeda, embora uns mais necessitado que outros.

patricio branco disse...

assustam me as receitas de premios nobel que vêm a portugal e dizem banalidades perigosas como esta de que os salarios portugueses devem ser reduzidos em 30% para tornar a economia competitiva dizendo ainda ironicamente que não precisam de baixar ao nivel dos salários na china! por outro lado, diz que austeridade a mais pode não ser boa, numa salada de declarações dando no cravo e na ferradura, invocando por vezes a alemanha, outras vezes a china como termos de comparação. em que nos ficamos?
Este tipo de receitas são por vezes aproveitadas pelo cozinheiro, mas apenas no ingrediente que lhe interessa.
Tambem não percebo porque lhe damos os dotoramentos hc? fez anteriormente bons serviços a portugal ou às universidades que o premeiam?
Segundo o nobel portugal tem apenas, apenas 25% de probabilidades de sair do €, longe da grecia que deve andar nos 80%!!!

Anónimo disse...

Hoje, há que agradecer a Patrício Branco, o facto de ter escolhido primeiro as melhores metáforas... TRABALHO precisa-se nesta Europa de muitas cimeiras e reuniões mais tudo o que termina em "ões", a começar por estes homenageados por economistas camaradas da direita às esquerdas. Percebo bem que com a sua experiência e sendo uma mente aberta e honesta não consiga "ferrar o galho".

Anónimo disse...

Essa redução, de 30%, que o tal Nobel propõe é para ser aplicada aos funcionários do Estado e equiparados, nunca aos gestores tipo Catroga, Mexia, Banco de Portugal, Administração da CGD, Galp, etc.
O capitalismo está mais ousado, mais cruel, sem vergonha, sem piedade, sem consideração - e os Governos intervencionados fazem-lhe a vontade.
E o povo tudo aceita. Vivemos numa época inacreditável, na verdade. Já ninguém se bate por causas, ao que parece.
Patrício Branco, sempre lúcido, fez uns oportunos comentários.
E, entretanto, a nossa UE por aqui deixa-se flagelar pelas tais Agências de Rating, que desvalorizam as economias de alguns dos seus membros e atacam hostilmente o Euro. Numa passividade chocante.

gherkin disse...

Caríssimo embaixador,
Depois da gripe, francamente, preocupa-me, agora, a sua admissão de possíveis pesadelos! Um conselho: tal como eu, que, dia a dia escrutinava as notícias do nosso país, face às atuais, por um lado “conselhos”, por outro “desabafos” de prémios Nobeis, incertezas, ou melhor - Certezas sobre o panorama económico-social, embora sedimentalmente consciente, SIGO O MEU! CAMINHO, BASEADO NAS MUITAS E RICAS EXPERIÊNCIAS, QUE, COMO ACONTECE NO SEU PRÓPRIO CASO COMO TEM MUITAS...E IGUALMENTE RICAS, SIGA A SUA ROTA e, tenha UMA EXCELENTE SONECA!
O habitual abraço do,
Gilberto Ferraz

patricio branco disse...

desculpe me fsc o 3º comentario, talvez um abuso de espaço no blogue.
Paralelamente às vendas e privatizações, porque não vende portugal algum do seu ouro, prata ou platina das reservas do banco de portugal. Digo algum apenas, pois com as boas reservas que temos (entre 400 e 600 toneladas?) e a valorização continua desses metais preciosos, uma parte, digamos 40tn, poderia ser vendida(daria quase 2 mil milhões de €). Com a permanente valorização do preço da onça ou grama, no proximo ano teriamos o mesmo valor em ouro que neste ano, mesmo que um pouco menos de toneladas. Para isso servem tambem, não? Seria uma justa alternativa à cruel retenção de 2 meses de salários e vencimentos que se vai fazer.

Anónimo disse...

Não sei.....mas assusta-me a hipotese de que com o tempo deixemos de ter condições para continuarmos a ser um Estado no conjunto dos países europeus. Ao fim de 900 anos seria muito duro. Mas... a crise o dirá.

Helena Sacadura Cabral disse...

Um agradecimento aos comentários de Patrício Branco.
Depois, um pequeno esclarecimento: o Dr Vítor Constâncio vendeu ouro...
Confio muito neste Governador - à bon entendeur salut, quanto ao anterior - e acredito que se ele ainda não o fez, talvez seja porque outros tenham vendido mais do que deviam!
Espero que o nosso Embaixador esteja curado da sua gripe e que não tenha a malfadada insónia. É que, ultimamente, ela tem-se passeado muito pelas minhas noites. E pelos piores motivos...

zamot disse...

"A história tem, quase sempre, muito maior imaginação do que os homens"
Que frase fabulosa!

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