sábado, fevereiro 25, 2012

Selassie

O anedotário popular português durante a ditadura era feito de pequenas historietas, que se pretendiam ridicularizadoras do regime e das suas figuras. Vistas à luz do humor de hoje, essas graças aparecem de uma inocuidade quase infantil. Mas, à época, repetidas à boca pequena nos empregos e nos cafés, constituiam-se como um subtil discurso de resistência, denegridor da seriedade formal com que as personagens do poder sempre gostam de se revestir.

Uma dessas historietas dizia respeito à visita a Portugal, em 1959, do imperador da Etiópia, Hailé Selassie. A visita, integrada numa frustrada sedução de líderes "do sul" para amenizar a pressão internacional sobre a política colonial portuguesa, processava-se cerca de um ano depois da grande "chapelada" eleitoral que havia colocado o contra-almirante Américo Tomaz no palácio de Belém. O sufrágio havia sido comprovadamente recheado de fraudes, o que, para muitos, terá inviabilizado a eleição do candidato opositor, o general Humberto Delgado. Por essa razão, a legitimidade política de Tomaz, como presidente, era, à época, ainda muito contestada em largos setores portugueses.

O Negus foi recebido no Cais das Colunas, em Lisboa, em "grande estadão", pelo novo presidente da República (não consegui encontrar uma foto conhecida desse encontro, com Tomaz de imponente bicórnio). E é assim que a pequena "história" regista o que teria sido o primeiro contacto entre os dois:

- Eu sou Américo Tomáz, presidente de Portugal.

- Eu Selassie (leia-se "sei lá se é)...

Ontem, ao verificar que a missão da troika vai passar a ser dirigida pelo etíope Abebe Selassie, não pude deixar de me lembrar da anedota. Com a certeza plena de que a curiosidade fonética do nome do novo "fiscal" não deixará de acordar entre nós, uma vez mais, o inesgotável e corrosivo poder do riso, qualidade essa que nunca ninguém nos conseguirá confiscar, por mais amarelo que ele possa andar, nos dias que correm.

9 comentários:

patricio branco disse...

um daqueles personagens miticos, oficialmente descendente de salomão e da rainha do saba, algo quase biblico, um reino fechado mas um governante que andava pelo mundo e era recebido em todo o lado com honras. imperador de um pais medieval mas com uma cultura e historia muito proprias.
Os seus ultimos dias de vida e morte continuam envoltos em mistério, não completamente esclarecidos, igual que o ultimo czar da russia e familia.
sei lá se é...mas americo tomás não percebeu a duvida colocada pelo importante visitante.
Vejo que tem 2 importantes condecorações portuguesas, a da coroação e a da visita. Que representante de portugal foi à coroação de hs?
Vi uma vez 2 cadeirões em lisboa e disseram-me que tinham feito parte do mobiliario duma antiga embaixada de portugal em adi abeba.
Afinal 1974 até foi um ano de primaveras politicas, portugal, grecia etiopia. Futuros alegres de liberdade e prosperidade estavam abertos.
O anedotario português é de facto rico e outros governantes estrangeiros foram motivo para o nosso humor se expressar.

Portugalredecouvertes disse...

Desejo referir que com este post, o Sr.Embaixador abriu os meus horizontes deste domingo.
Então de manhã li a notícia no DN sobre a chegada do Sr. Abebe Selassie, mas fiquei-me pelo "e" final mudo (talvez por influencia do nome Lassie, com todo o respeito por esse senhor),

Assim só pensei vejam lá que grande mudança!
Por experiência pessoal, e em contato com as realidades do Algarve, tenho assistido à chegada de vários senhores que nos são enviados dos países do norte, habitualmente sempre para lugares de chefia,
aí chegam eles e na maior parte dos casos, rapidamente regressam, intocáveis e intocados, com aquele olhar de quem está sempre a milhares de quilómetros e alheio à cultura tanto dos carnavais,como da miscigenação ou das rabanadas.

Agora com um homem destes do sul, já será caso para dizer "sê lá si é?" a mesma coisa?

Angela

Francisco Seixas da Costa disse...

De um amigo, recebi isto:

"Ao ler o seu "post" do Selassie lembrei-me de uma caricatura que saiu no "Sempre Fixe" durante a guerra (...).
Aquando da invasão da Abissínia pelo Mussolini o Imperador estava em Paris e o "Sempre Fixe" caricaturou-o a olhar para uma placa toponímica do "Boulevard des Italiens" e a ler - "Bou levar dos Italianos..." E levou mesmo!"

zamot disse...

Que engraçado!
Quando era adolescente, na praia de Carcavelos, com um grupo de amigos a tocar guitarra e djambés (tambor africano), todos muito neo hippies, aproximou-se de nós um preto rastafari que nos ia fazendo o cumprimento rasta. Esticava o punho cerrado no qual nós batiamos também com o punho cerrado batendo em seguida no peito enquanto proferia o nome do seu profeta Selassie (sei lá se há).
Um dos meus amigos, o João, sem pestanejar respondeu:
-Vai vêr!
Ficou uma private joke nossa desde então.

Anónimo disse...

Ilustre colega:

Este foi o resultado das minhas diligências na Abissínia! Pedi insistentemente, durante trinta anos, o auxílio do Preste João a Portugal e ei-lo que finalmente chega! Mais vale tarde do que nunca, prezado colega. Oxalá não esperem Vossas Mercês tanto tempo pelo regresso de Portugal aos mercados financeiros ..

Pêro da Covilhã (embaixador de El-Rei de Portugal na Corte da Abissínia entre 1490 e 1526)

- Feliciano da Mata, em sessão de espiritismo, transcreveu

Helena Sacadura Cabral disse...

Caro Feliciano da Mata
Não lhe bastava o ilustre espírito? Precisa, agora, de se dedicar aos espíritos, e invocar o de Pero da Covilhã?!
Nem no meu, nem no seu tempo, vamos ver esse regresso. Mas eu sou uma descrente dessas sessões. Só creio no que vejo e...na minha intuição, ou, se quiser, no meu sexto sentido!

Anónimo disse...

É de esperar que desta vez não contem a anedota de que quando perguntam ao Sr. Selassie o nome dele, que não percebam se ele disse: "sei lá se Portugal deve ou não sair do euro e da Europa."

EGR disse...

Senhor Embaixador: sem querer comparar-me com V. Exa gostaria de lhe dizer que quando vi a noticia me ocorreu anedota que hoje refere.
Já andei o suficiente tempo na vida para me lembrar da visita do Imperador e dos comentários que gerava a mediocridade intelectual de Américo Tomás.
Lembro,igualmente,os caricatos discursos que Tomas fazia nas suas viagens pelo país os quais sempre começavam por invocar a última vez que estivera nesse local.
E, embora não possa garantir totalmente, a veracidade do que, de seguida,vou dizer creio mesmo que num desses discursos principiou por afirmar:"esta é a primeira vez que aqui estou desde a ultima".
Se não foi inteiramene assim andou por lá perto.

Anónimo disse...

Teria sido giro, juntar o Americo Tomaz e o Samora Machel !!!
O nosso CAvaco também produz boas caricaturas!!!

Ogman

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...