Com a qualquer vulgar cidadão, causa-me sempre uma grande estranheza a contradição de decisões entre as diversas instâncias judiciais. Leem-se as razões que sustentam as mesmas e fica-se com a ideia de que, sendo a justiça uma atividade humana como outra qualquer, a sua aplicação depende demasiado das pessoas que a exercem. Para quem, como o tal vulgar cidadão que sou, quer ver a justiça como um referencial seguro na sociedade, no qual todos possam confiar, devo dizer que o que muitas vezes se passa não ajuda nada à criação de um ambiente de estabilidade.
A tudo isto acresce a frequência dos "leaks", as quebras impunes do segredo de justiça, a cacofonia mediática de responsáveis e, principalmente, o protelamento cíclico das audiências, o prosseguimento desmesurado dos processos, a consciência de que, tal como na medicina, quem conseguir pagar melhor tem uma "melhor justiça". E, às vezes, até mesmo umas confortáveis prescrições.
Durante alguns anos, falou-se muito na necessidade de um acordo de regime para reforma do nosso sistema de justiça. Como se sabe, nada disto avançou, o que, para o comum dos mortais, transmite a sensação de que as grandes corporações do sistema estão pouco interessadas em compromissos que possam abalar o seu poder relativo. Isso, aliás, é patente na considerável resistência que sempre se deteta quando qualquer novo titular governamental da pasta decide tentar "cortar a direito". A experiência passada mostra que, quase sempre, se acabou numa "reformette", como por aqui se diz.
Nas últimas horas, dois mediáticos processos judiciais foram objetos de decisões. Não conheço os fundamentos de cada uma delas, embora me lembre bem das datas em que os portugueses iniciaram a contagem de esperança para se saber toda a verdade sobre as coisas que esses processos pretendiam averiguar.
Em ambos os casos - basta recuar 72 horas! -, todos os protagonistas e acólitos aguardavam as decisões escudados na ritual frase "confiamos na justiça!". Mas, como a justiça é o que é, e não pode agradar a ambas as partes, acabou por ir por um lado, não tendo seguido pelo outro. E, então, a que é que assistimos? Aqui del-rei!, "não se fez justiça!". Mas então a justiça é só aquela que dá razão àquilo que pensamos? Provavelmente, por estas e por outras, é que a justiça que temos é a justiça que merecemos.
12 comentários:
Eu também tenho uma opinião sobre a justiça . E, neste caso a minha está muito próxima da opinião expressa pelo sr Embaixador.
Acrescento ainda que também tenho suspeições que estão muito próximas às suas.Embora, as minhas seja muito maiores que as suas e vão muito mais fundo.
Como sei que o Sr embaixador segue o mundo da bola, podemos paralelamente comparar a justiça criminal e Civil à justiça desportiva de um jogo de futebol , onde mesmo num jogo visto ao vivo por milhares de pessoas e em directo na TV por milhões, as decisões dos arbitros muitas vezes são voluntáriamente tendenciosas a beneficiar uma das parte! Se isto acontece mesmo com tudo Às claras como é que não vai acontecer mum ambiente às escuras, quando o Homem é o mesmo ?
Ogman
Há que haver algum recato no que respeita ás criticas, ou dúvidas, sobre a Justiça.
Os magistrados decidem em função da Legislação existente, aprovada em sede parlamentar. Naturalmente, sendo pessoas, também erram. Mas, existe, da parte deles, uma capacidade de distanciamento relativamente aos factos e à pressão dos "media" diferente do vulgar cidadão.
Em minha opinião o principal problema da actual Justiça portuguesa encontra-se na longividade dos processos. Aí está um caminho para suavizar a imagem da nossa Justiça, começar por rever alguns Cógigos, com particular atenção a dar aos prazos ali contidos. Por outro lado, uma coisa é uma decisão de um tribunal de 1ª Instância, outra uma decisão de Recurso (Relação, ou STJ). Tem critérios de apreciação e avaliação dos factos provados na anterior Instância (matéria de facto e de Direito)algo diferentes. Mas não deixa de ser um assunto e preocupação legítima esta aqui expressa no Post.
Já se fizeram muitas reformas na Justiça portuguesa, aguardemos pelo que a próxima nos irá trazer, de inovador e com vista a agilizar e melhorar a situação prevalecente.
Aos magistrados competir-lhes-á, de seguida, aplicar a Legislação aprovada pelo Governo. E continuarem a praticar a Justiça que se exige num Estado de Direito.
É verdade que existe a resistência de todas as corporações, sobretudo a dos juizes, que só querem poder e demasiadas vezes se marimbam para os direitos e interesses dos cidadãos (os juizes da 1ª instãncia acima de todos ... e quanto mais novos pior, como é óbvio).
Todavia, caro Senhor Embaixador, o grande problema reside na gestão delinquente da justiça que os sucessivos governos fazem desde há décadas.
A partir do momento em que os gabinetes de produção legislativa dos ministérios, incluindo o da justiça, passaram a ser entregues a boys e girls vindos das Jotas, na sua esmagadora maioria verdadeiros néscios, a justiça tinha forçosamente de cair no lamaçal em que se encontra.
V
Pois é, a nossa República Democrática não é perfeita e talvez esteja muito longe de o ser. A crise logo dirá.
Sr. Embaixador... grande post!
Perdoe a impertinência do elogio de uma simples...
Quanto ao merecermos ou não, por coincidência, ou não, acabei de ler este artigo... que demonstra e bem, o que por cá se passa.
Se merecemos?... não sei... mas sei que em terra de cegos, quem tem um olho é rei e pelos vistos, por cá a justiça tem um olho...
A produção legislativa não é apenas feita nos Gabinetes, apoiada nos respectivos serviços jurídicos dos Ministérios, mas também, por vezes, encomendada junto de outros "gabinetes" (de sociedade de advogados, por exemplo), o que tem os seus custos (elevados), pagos pelo contribuinte. Neste caso, nem sempre existe garantia de qualidade - no que "ao interesse dos direitos do cidadão comum respeita". Em boa verdade, a questão que se coloca é a seguinte: quando se prepara determinada Legislação, Penal, Civel, Processo Executivo, etc, etc o legislador redige em função daquilo que lhe é pedido por quem lhe solicita os seus serviços (o Estado). Pode muito bem ter alguma liberdade de redacção, cujo produto final será posteriormente apreciado e objecto de decisão. Mas, genericamente, tem em cima da mesa um conjunto de conceitos que lhe foram, previamente, transmitidos e a que obedecerá o seu trabalho final.
Uma vez concluído o seu trabalho, é depois politicamente aprovado. E é em função desse resultado, ou seja, da tal Legislação aprovada e publicada em D.R que os magistrados irão actuar - julgar e decidir.
Senhor Embaixador
A meu ver, o pior que pode acontecer a um inocente, é a acção prescrever.
Ao invés, a prescrição, para um culpado, é o melhor que lhe pode acontecer.
Com tantas processos prescritos algo vai mal na Justiça. A tal em que todos confiam tanto!
Sem dúvida, Drª Helena Sacadura Cabral. Nesse sentido, avance o Governo com as reformas que se impõem. Acredite, porém, que há muitos "interessados" neste "estado de coisas", que não são os magistrados, acredite-me.
Caro Anónimo das 19:56
Tem toda a razão quando denuncia o que é escândalo dos diplomas encomendados a algumas grandes sociedades de advogados.
É um caso paradigmático de corrupção, nepotismo, tráfico de influências, promiscuidade entre ministros, as ditas sociedades e poderosíssimos interesses privados.
V
Justiça?... o que é isso?...
Há algum tempo, num tribunal, tive uma expressão de circunstância, com um importante causídico local, semelhante a esta: Caro amigo, cá estamos na casa da Justiça!
Ficou-me bem na memória a sua resposta pronta: Justiça? É coisa que pode procurar noutro lado. Aqui não a encontra…
E a Lei que deve prosseguir a Justiça , não os Juízes ou os Tribunais; estes aplicam a Lei. Devem aplica-la de forma justa e equitativa, claro, mas sem a pretensão megalómana de "fazer Justiça ".
O que mais me repugna, é o tempo que demoram os processos, adiamentos pedidos de escusa etc...
Até parece que as leis estão feitas para convenientemente prescreverem.
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