segunda-feira, novembro 15, 2010

Castanhas amargas

Aquela portuguesa de Trás-os-Montes que se me dirigiu na noite de sexta-feira, depois de uma conferência que proferi sobre a República, nos arredores de Paris, disse-me algo que me surpreendeu: pediu-me para ser melhor tratada em Portugal.

De início, pensei que se estava a referir aos nossos serviços públicos. Não -  esclareceu -, estava a sublinhar o facto de pessoas como ela, nascidas em Portugal e residentes em França já há algumas décadas, serem acolhidas com alguma displicência, em especial em serviços comerciais, aquando das suas deslocações ao nosso país, pelo facto da língua portuguesa que falam não ser tão correta como aquela que é praticada pelos portugueses de lá. Com tristeza, referiu-me que esse é o sentimento comum a muitos emigrantes que visitam Portugal, onde, logo que identificada a sua origem, ocorre serem recebidos com alguma má-vontade. Esta atitude já terá sido pior no passado, mas continua a persistir em certas vilas e cidades.

Como transmontano, recordo-me de casos, anos atrás, em que teria havido algumas situações de tensão, envolvendo emigrantes em férias de verão. Pensava, porém, que se tratava de coisas passadas, de ocorrências meramente pontuais, sem grande relevância ou frequência. Devo confessar que fiquei chocado com o genuíno sentimento de tristeza desta portuguesa, a qual, pelos vistos, continua a sentir-se regularmente "agredida" por alguns dos seus e nossos compatriotas.

Neste tempo em que todos por aqui procuramos mobilizar o interesse dos luso-descendentes, de segunda ou terceira geração, por Portugal, mesmo que apenas falem francês, acho de uma inaudita estupidez que haja quem receba com desdém quem, pelo culto que tem ao seu país, procura visitá-lo e estimular para ele o interesse dos seus filhos.

Esta surpreendente conversa com a minha conterrânea transmontana, nessa noite de S. Martinho, foi acompanhada de água-pé e castanhas que, desta vez, me pareceram mais amargas.

Dívidas e dúvidas

Ao ler comentários em certa imprensa e em alguns blogues, fico por vezes na dúvida sobre o lugar onde os devo colocar, nesse triângulo das Bermudas onde toda a racionalidade desaparece e que é delimitado pela estupidez, pela ignorância e pela má fé.

Vem isto a propósito de declarações de responsáveis políticos estrangeiros que se pronunciaram - uns a favor, outros contra - sobre a aquisição de títulos de dívida portuguesa, colocados no mercado internacional.

Perante as manifestações de interesse ou desinteresse nesses títulos, há por aí "especialistas" que enveredam por análises marcadas por considerações de natureza política, afetiva e até ideológica, como se alguém estivesse disposto a sacrificar o interesse do seu país apenas para nos ser simpático. Comprar ou não comprar títulos de dívida portuguesa é uma opção que se baseia, como não podia deixar de ser, exclusivamente, nas vantagens decorrentes do nível dos juros que pagamos por essa dívida.

Com tanto economista por aí à solta, a mandar "bitaites" em debates e colunas, não há ninguém que lhes explique isto, de uma vez por todas?

Diplomatas, embaixadas & orçamento

Por estes dias, o tema da possível redução do número de representações diplomáticas portuguesas pelo mundo, no contexto orçamental restritivo que se vive, voltou à baila pública. E, nessa discussão, as condições em que os diplomatas portugueses operam tornam-se também objeto de alguma atenção.

Este é um tema que surge de tempos a tempos. A sua abordagem, as mais das vezes, é feita com alguma ligeireza naif, porque é relativamente fácil falar do que se conhece mal ou daquilo sobre que se tem uma visão apenas parcelar.

Não tenho nem pedi mandato a ninguém, mas entendi não dever furtar-me a responder a algumas questões que me foram colocadas pelo "Diário de Noticias". O que eu disse nessa curta entrevista, que hoje o jornal publica, compromete-me apenas a mim, mas posso crer que muitos colegas de profissão poderão talvez sentir-se representados em algumas das minhas respostas, as quais, para quem quiser, podem ser lidas aqui.

domingo, novembro 14, 2010

Governos

Ao acompanhar, durante o dia de ontem, os últimos episódios ligados à remodelação governamental que teve lugar em França, veio-me à lembrança uma historieta brasileira clássica, ao que se diz passada com Tancredo Neves, ao tempo em que era governador do poderoso Estado de Minas Gerais. Um Estado, diga-se, com uma área maior que a França...

Segundo se diz, Tancredo terá, um dia, anunciado que ia remodelar o governo do seu Estado. Naturalmente, algumas figuras posicionaram-se, de imediato, para se sujeitarem ao "sacrifício" de entrar no executivo. A certeza de uma dessas personalidades era tanta que havia já posto a correr que a sua participação no futuro governo estava, em absoluto, garantida. Porque o convite tardava em chegar, essa pessoa foi então falar pessoalmente com o governador, expressando mesmo o seu interesse especial por uma determinada pasta. 

Tancredo tê-lo-á desiludido: não tencionava fazê-lo entrar para qualquer cargo do seu governo. O homem caiu das nuvens! Já havia anunciado à família e ao amigos que iria ser governante,  a imprensa já falara no seu nome, a sua não entrada do governo ia ser uma humilhação pública. O que poderia agora fazer?

Tancredo manteve-se firme na sua decisão, mas disse-lhe que tinha uma solução:

- Há uma forma de resolver este assunto, aliás de um modo bem honroso para si. Ao sair daqui, você vai dizer, publicamente, que eu o convidei para entrar no governo. E vai acrescentar que, por razões pessoais, decidiu não aceitar esse meu convite. De imediato, eu confirmarei isso mesmo aos jornais.

E assim foi.

"G vain"?

A reunião do G-20 (parece que, na prática, já são 30 e tal, à volta da mesa...) de Seul traduziu-se por um acordo de mínimos, com escassos compromissos e muita "langue de bois". Daí que, em França, alguns lhe chamem "G vain". 

Nada que não fosse espectável, num quadro internacional em que, depois do "susto" financeiro de  2008/9, cada um parece estar a "fazer pela vida" e começam a esfumar-se as boas intenções no sentido de provocar uma reforma global no sistema internacional. 

O G20 tem várias limitações, a começar pelo caráter discutível da sua composição e a acabar pela dificuldade em consensualizar medidas que afetariam de forma diferenciada os seus componentes. Pelo meio, fica a incomodidade de alguns integrantes do G8/G9 em partilharem responsabilidades com alguns Estados cujo estatuto internacional tem, por vezes, um sentido mais simbólico que real.

Para um país como Portugal, que está naturalmente ausente deste mecanismo de cooptação privilegiada, o trabalho de uma instância desta natureza tem o mérito de provocar uma possível aproximação de políticas e o risco de se arrogar como um "diretório" de poderes fácticos à escala global, que, pela sua proeminência, pode por em causa a preeminência das instituições internacionais onde repousa a legitimidade última na ordem internacional. Não nos opomos à revisão desta e sempre demos mostras de estarmos empenhados em revisitá-la em termos de melhoria da sua eficácia, mas sempre considerámos não ser saudável fazer repousar os termos institucionais de referência do sistema internacional em estruturas de composição "ad hoc", geradas e formatadas por agendas de circunstância.

A França terá, a partir de agora e pelo prazo de um ano, a presidência do G20 (como também herdará a presidência do G8). Esperamos que o pragmatismo e a  influência franceses possam ser suficientes para desenhar um espaço de trabalho útil, com objetivos muito claros, que possam ir para além dos meros remendos de conjuntura.

sábado, novembro 13, 2010

Sharon

Ontem, surgiu a notícia de que Ariel Sharon, o antigo primeiro-ministro de Israel, há cerca de quatro anos nuna situação comatosa, regressou a sua casa. 

O mundo quase se havia esquecido dessa figura intransigente da direita israelita, celebrada pela arrojada travessia militar do canal do Suez, na guerra do Yon Kippur, em 1973, e, mais tarde, por fortes responsabilidades no massacre de Saabra e Chatila, no Líbano, em 1982. Deve-se ainda a Sharon, no entender de muitos observadores, a deliberada "provocação" que deu origem à segunda Intifada, após a sua ostensiva visita à esplanada das mesquitas, em 2000.

Ao ver ontem, na televisão, a ambulância que transportava Sharon chegar à sua residência, recordei os dias em que, em 1978, acompanhando o então ministro da Agricultura e Pescas português, Luis Saias, visitei o seu "bunker" na propriedade familiar que tinha no deserto do Negev. Sharon era, então, ministro da Agricultura do seu país. Guardo fotografias desse momento.

Sharon era uma figura rotunda, com um ar um tanto "patronizing" mas com alguma cordialidade, de onde transparecia uma autoridade natural que advinha, sem dúvida, dos seus tempos militares. Na lógica tradicional da composição dos governos israelitas, cujo sistema eleitoral "balcaniza" o executivo por uma imensidão de partidos, a Sharon calhara a Agricultura, como mais tarde iria caber a Habitação. A importante dimensão político-estratégica destes cargos ia, porém, muito para além da tecnicidade do lugar, pelo que as conversas com o seu homólogo português - cuja especialização era, aliás, também limitada - não passaram de vagas generalidades.

A visita correu bem, com demonstrações de simpatia pessoal de parte a parte, com alguns projetos de cooperação técnica assinados. No seu termo, Luis Saias informou-me que decidira convidar aquele seu homólogo a visitar Portugal. A seu ver, a amabilidade com que este o recebera tinha de ser recompensada. Expliquei então ao nosso ministro que, como diplomata e representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros na delegação, desaconselhava vivamente que convidasse Sharon a ir a Lisboa. A posição portuguesa no delicado equilíbrio da questão do Médio Oriente era muito cautelosa e o MNE nunca viria a aceitar dar "luz verde", naquela conjuntura, à concretização do convite.

(Antes da nossa partida para Israel, como já relatei aqui há tempos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sá Machado, havia-me transmitido pessoalmente as linhas "limite" de enquadramento desta visita técnico-política. Um convite para uma visita de Sharon a Lisboa ia, claramente, muito para além dessas instruções).

Luis Saias não teve minimamente em conta as minhas objeções e, na conferência de imprensa final (em que eu tive de traduzir o que disse...), deixou expresso o convite para Ariel Sharon visitar Portugal.

Saias deixaria de ser ministro tempos depois, com o fim do governo PS-CDS. Para a História, Sharon não foi a Portugal.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Grande Guerra

A comemoração do Armistício, que, nos dias 11 de Novembro de cada ano, celebra o final da primeira Guerra Mundial, é uma data bem viva no imaginário histórico da França. No ano passado, como aqui sublinhei, Ângela Merkel esteve ao lado de Nicolas Sarkozy no Arco do Triunfo, num ato cujo simbolismo ultrapassou em muito o gesto protocolar.

Este ano, a "Mairie" do 14eme "arrondissement", presidida por Pascal Cherki, decidiu, num gesto inédito e que considerei altamente tocante, homenagear os mortos portugueses nesse primeiro conflito mundial. Esta homenagem é tanto mais interessante quanto, em regra, muito raramente se fala, em terras francesas, da presença de tropas portuguesas nessa guerra.

Por detrás desta iniciativa esteve o conselheiro eleito por Paris, Hermano Sanches-Ruivo, um lusodescendente. Por este facto se prova a importância de haver cidadãos de origem portuguesa a ocupar cargos eletivos em França, podendo ajudar a sublinhar a memória portuguesa neste país.

Num ambiente de intempérie, algumas centenas de pessoas, tendo à frente veteranos da Segunda Guerra Mundial e crianças de escolas (que leram extratos de cartas de combatentes), estiveram presentes, muitos à chuva e ao vento, nessa tocante cerimónia, durante a qual Pascal Cherki proferiu uma intervenção de grande profundidade, onde recordou e detalhou, não apenas a nossa participação do primeiro conflito, mas igualmente fez um relato circunstanciado do relacionamento entre Portugal e a França. Não tenho (pelo menos, por ora) esse texto em condições para fazer um link, pelo que me limito a dar acesso aqui à minha intervenção na cerimónia.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Adeus

A quem quereria dizer adeus o homem que dizia adeus?

Quase todas as noites, na área do Saldanha, em Lisboa, essa figura insólita, de óculos escuros e cabelo branco, acenava ao carros que passavam. Dizem que um trauma familiar terá estado na razão desse estranho comportamento.

Agora, segundo as notícias, chegou a hora de dizermos adeus ao homem que dizia adeus.

Batalha naval


Esta velha história de Viana do Castelo surgiu ontem, numa conversa ao almoço, com um recém-descoberto novo amigo vianense, ele proprio filho de um grande amigo do meu pai.

Estava-se durante a segunda guerra mundial. Portugal vivia dividido entre os apoiantes dos Aliados e os defensores da Alemanha e do Eixo. Na juventude vianense da época, a afetividade pendia mais para o lado dos Aliados, mas alguns germanófilos sobreviviam. Um destes últimos era uma figura um tanto caricata, tradicionalmente alvo de algumas "partidas", por via de uma credulidade que se somava a um inultrapassável défice cultural.

Um dia, os "aliadófilos" chegam junto desse seu amigo próximo do Eixo, mostrando-se escandalizados:

- Vocês não têm vergonha?! Acaba de ser anunciado que a Alemanha abateu, em alto mar, um contra-torpedeiro suíço. Ao que chegámos! Berlim nem sequer respeita os países neutrais!

O amigo germanófilo, cujos conhecimentos geográficos escasseavam, deu como óbvia a perca do navio daquela que seria a "poderosa" marinha suíça e, pragmático, respondeu, já desafiador:

- O que é que vocês querem?! Guerra é guerra!

quarta-feira, novembro 10, 2010

Remodelação

Os períodos que antecedem uma remodelação governamental - como é o caso atual, em que estão iminentes mudanças no governo francês - são sempre de grande agitação nos "mentideros" diplomáticos. A imprensa, com notícias diárias sobre nomes falados para tal ou tal cargo, é fautora de muitas dessas hipóteses e, grande parte das vezes, toma por boas o que não passa de meras conjeturas das respetivas fontes.

No seio dos diplomatas - e isto é válido para todos os postos onde servi - há vários estilos de atitude. Alguns orientam-se exclusivamente pelos jornais e, dada a profusão contraditória de nomes que deles emergem, imagino que devam criar alguma confusão nas suas capitais - onde, muitas vezes, muitos nomes aventados são totalmente desconhecidos. Outros têm confiança em fontes políticas, da alta administração ou de meios económicos, às vezes não contando com o facto destas poderem, elas próprias, ser objeto de "desinformação" ou de uma distorção de perspetiva, decorrente de uma excessiva proximidade - ou, por vezes, de excessiva hostilidade ou interesse próprio - face ao poder. Outros, ainda, tentam a desejada síntese entre todas estas origens de notícias, orientando-se pela experiência criada e procurando selecionar hipóteses que se quadrem com as perspetivas que acham mais credíveis. Estes últimos, devo dizer, enganam-se tanto como os outros.

A regra prudencial a seguir deveria ser não ter a tentação de transmitir à sua capital senão as hipóteses que um conjunto variado de fontes coincidisse em confirmar. E, mesmo assim... Porém, ninguém faz isso e, não conhecendo eu os relatórios que os meus colegas enviam às suas autoridades, imagino que, em especial ao longo das últimas semanas, tenham inundado as suas capitais com nomes possíveis para certos cargos, com o cuidadoso "especula-se em certos meios que" ou "alguns analistas apontam para que" ou ainda, num tom mais intimista, "X disse-me estar convicto de que". Em caso de erro, o verdadeiro sujeito da oração é sempre um terceiro. Em caso de ter acertado, então o texto que anunciar a remodelação dirá: "Tal como eu referi na minha comunicação nº...".

Perguntar-se-á se isto é importante, se uma remodelação num sentido ou noutro, com umas ou outras pessoas, terá um impacto que possa interessar aos países estrangeiros aqui representados. Sim e não. 

A escolha de certas personalidades pode indicar algumas opções políticas, com expressão nas relações externas (em especial, europeias) ou em políticas públicas locais relevantes para os Estado estrangeiros. Algumas figuras poderão ser nossas conhecidas - e neste "nossas" incluem-se os embaixadores ou os políticos dos nossos países. Às vezes, há importantes interesses dos nossos países que ficariam melhor ou pior servidos, em termos potenciais, se a escolha for num ou noutro sentido. Porém, atendendo a que a grandes opções governamentais relevam de uma linha política que raramente depende exclusivamente da entrada de uma personalidade para a chefia de um determinado ministério, o impacto de um nome ou de outro acaba por não ser grande.

Mas, nem por isso, a próxima remodelação governamental deixa de ser o assunto do momento, no seio da comunidade diplomática parisiense. 

A América, a Indonésia e Timor

Ter memória torna-nos algo cruéis. Ontem, ao ver o presidente Barack Obama na Indonésia, confraternizando com o seu homólogo local, não pude deixar de lembrar-me de uma triste visita de um seu antecessor ao mesmo país. 

Estávamos em 6 de Dezembro de 1975. Gerald Ford, acompanhado pelo seu chefe da diplomacia, Henry Kissinger, visitava Jacarta, onde se encontrou com o então presidente Suharto. Durante este encontro, como hoje o revelam detalhadamente documentos depositados no "National Security Archive", da "George Washington University", o presidente indonésio recebeu "luz verde" de Gerald Ford para avançar na invasão de Timor, naquela que iria ser uma mortífera operação, cujas consequências se prolongaram por quase um quarto de século. O presidente americano apenas disse que "it would be better if it were done after we returned". Suharto cumpriu. O ataque iniciou-se no dia 7 de Dezembro. 

A América de hoje é diferente. A Indonésia também. Mas, "for the record", não fica mal um exercício de memória.

terça-feira, novembro 09, 2010

Alfredo Margarido

Não éramos muitos, mas fomos em número suficiente, ao final da tarde da passada segunda-feira, para homenagear a figura do intelectual português Alfredo Margarido, que o "Centre de Recherches Interdisciplinaires sur les Mondes Ibériques Contemporains", da Sorbonne (Paris IV), levou a cabo, sob a organização de Maria Graciete Besse.

Durante duas horas e meia, vários intervenientes deram-nos um retrato da intervenção académica e política de Alfredo Margarido, complementado por interessantes testemunhos de amigos e familiares.

Como alguém disse, foi bem adequado que esta homenagem tivesse tido lugar na mesma rue Gay-Lussac onde Margarido foi ativo participante no maio de 1968.

De Gaulle

Faz hoje 40 anos que morreu Charles de Gaulle. Com ele, desaparecia então "une certaine idée de la France", que soube cultivar desde muito cedo - em especial, desde que reagiu contra Vichy, desde que se impôs em Londres, desde que confrontou Roosevelt, desde que personalizou a libertação. Com a França, de Gaulle iria ter um "affaire" histórico bastante complexo. Descrente da IV República, acabaria por aparecer no topo da vaga de fundo que a fez naufragar. Soube entender que a Alemanha era incontornável, que uma certa Europa era indispensável, que era importante marcar as distâncias face aos EUA, nomeadamente no seio da NATO. Percebeu a onda descolonizadora, soube utilizá-la em favor dos interesses do seu país e teve a coragem de reverter a atitude francesa face à Argélia. Venceu politicamente em maio de 1968, mas acabou por perder a sua ligação com uma sociedade que mudara profundamente e que se cansara de um certo estilo de governação.

De Gaulle, que hoje o presidente Sarkozy saudou como uma figura identitária da França contemporânea, em Colombey-les-deux-églises, faz parte de uma França muito diferente. Como acontece com as figuras históricas, com o tempo diluiram-se bastante as críticas a seu respeito, emergindo com visibilidade valores de que se tornou titular.

Não sendo francês, sinto a tentação de dizer que o franceses têm a felicidade de ter um homem como Charles de Gaulle na sua história.

segunda-feira, novembro 08, 2010

O vizinho

O jantar era numa capital europeia. Aquela portuguesa, filha de um diplomata, caíra nele um pouco por acaso, à última hora, levada por amigos. As dezenas de convidados acomodavam-se nas várias mesas redondas, num ambiente solto e bastante informal. Ao dar-se conta que um dos seus vizinhos do lado era brasileiro, a portuguesa, seguindo o óbvio tropismo nacional, passou a concentrar nele a sua atenção. O vizinho era, além do mais, uma pessoa com graça, interessante e com "mundo".

A certa altura, trocaram-se nomes e o vizinho disse chamar-se Paulo. O apelido, como ele também referiu, não podia ser mais português: Coelho. A nossa jovem perguntou então ao seu vizinho se, sendo brasileiro, a coincidência de ter um nome igual ao prolífico escritor não causara já equívocos. E acrescentou: "Eu detesto os livros de Paulo Coelho. É uma escrita banal, medíocre. Não consigo entender a razão do seu êxito. Tenho muitos amigos brasileiros que pensam o mesmo. O que é que você acha?".

O vizinho, homónimo do escritor, sorriu e disse: "Eu não desgosto desses livros. Caso contrário, não os teria escrito..."

Nunca cheguei a perguntar à Inês como saiu desta. Como sei que ela, às vezes, lê este blogue, talvez me possa esclarecer.

domingo, novembro 07, 2010

Rouen

A atenção que, nas últimas semanas, tem vindo a ser concedida aos políticos "centristas" na vida política francesa, por virtude da "contabilidade" da sua importância potencial no caminho para as eleições presidenciais de 2012, levou-me a recordar, numa visita de trabalho que fiz a Rouen, na passada sexta-feira, a figura de Jean Lecanuet (na foto), que foi "maire" da cidade durante um quarto de século. Lecanuet morreu em 1993.

Lecanuet foi uma figura importante na vida política francesa, em especial nas tentativas, quase sempre frustradas a prazo, de criar em França uma dinâmica centrista que pudesse abalar decisivamente a bipolarização esquerda-direita. Nesse esforço, logo no pós-guerra, desempenhou um papel relevante no democrata-cristão MRP (Mouvement Républicain Populaire), tendo obtido, como candidato presidencial, mais de 15% nas eleições de 1965, obrigando de Gaulle a uma segunda volta contra François Mittérrand. Aliás, este último político disse um dia (e cito de cor) que "o centro, em França, ou está à direita, ou está...à direita". Verdade seja que, com certas escassas exceções históricas (algumas das quais o beneficiariam), o líder socialista teve, as mais das vezes, razão nesta sua avaliação. Lecanuet fundou depois o Centre Democrate e, mais tarde, ajudou Giscard d'Estaing a chegar ao poder, tendo presidido à UDF (Union pour la Démocracie Française) que apoiava a ação presidencial. Foi ainda ministro, senador e deputado.

Nos contactos locais que tive, tentei perceber o que resta da memória de Lecanuet no imaginário de Rouen. Acabei por ser apresentado a um seu antigo colaborador que, emocionado, me disse que Lecanuet está para Rouen como Chaban-Delmas estava para Bordeaux.  Deve ter razão, embora as figuras não possam ser comparáveis, na sua respetiva dimensão nacional.

No almoço que tive com a dinâmica "maire" da cidade, Valérie Fourneyron, num restaurante dirigido por um chefe português com grande expressão na região (o coimbrão José Rato, do restaurante "Reverbère"), ouvi - como sempre - palavras de grande apreço pela Comunidade portuguesa, da qual  encontrei uma dezenas de pessoas mais tarde, num convívio organizado pelo nosso Cônsul Honorário local. Na região normanda de Rouen temos vários empresários de sucesso e algumas associações bastante ativas. Prometi interessar-me pelo ensino de português na Universidade local e colocar a AICEP na rota comercial da região, com cuja Câmara do Comércio também reuni.

Uma das angústias com que, muitas vezes, saio deste tipo de visitas é a dificuldade em conseguir dar uma sequência operativa eficaz a coisas promissoras que "ficam no ar". Não chegamos para tudo...

Porto-Benfica

Que pensa um sportinguista ao ver o Porto ganhar 5-0 ao Benfica, reforçando ainda mais a sua liderança?

Só às paredes confesso.

Jill Clayburgh

Jill Clayburgh não era uma atriz de topo, mas era uma figura do cinema que eu apreciava bastante. A isso não seria indiferente o facto de, em algumas das suas personagens, ela combinar um perfil de elegância discreta com um olhar de onde, muitas vezes, transparecia uma tristeza trágica, às vezes presente no próprio sorriso. E isso, sei lá porquê!, dizia-me alguma coisa.

Que seria dos artistas se não os "lêssemos" cada um ao nosso modo?

Jill Clayburg acaba de morrer aos 66 anos, vítima de leucemia.

sábado, novembro 06, 2010

Sá Carneiro

Há quase um ano, falou-se aqui da figura de Francisco de Sá Carneiro. Dentro de dias, em 4 de Dezembro, passarão 30 anos sobre a sua trágica morte, uma daquelas escassas datas em que todos nos lembramos onde estávamos no momento da notícia.

Há dias, ouvi dizer que tinha saído uma biografia de Sá Carneiro, da autoria de Miguel Pinheiro. Consegui comprá-la no aeroporto, antes do regresso a Paris. Em 48 horas, devorei as suas quase 800 páginas, escritas num estilo quase "fílmico", com um ritmo jornalístico e um excecional rigor investigativo. Ao que parece, Miguel Pinheiro demorou cinco anos a recolher os dados para este trabalho. Mas valeu a pena.

Com algumas escassas, embora valiosas, exceções, o género biográfico não tem, entre nós, grandes cultores. A tendência para a hagiografia das personagens sobrepõe-se. muitas vezes, à desejável independência na avaliação dos factos e das interpretações. Noutros casos, a vaidade intelectual dos autores torna o tratamento das figuras escolhidas um mero pretexto para a defesa de uma tese pessoal. Finalmente, numa terceira categoria, aparecem obras de uma qualidade de investigação e/ou escrita lamentável.

Este trabalho de Miguel Pinheiro revela-o um autor de mérito e traz-nos dados novos sobre uma das personalidades mais marcantes do imaginário político da democracia portuguesa. Para quem, como eu, tem o "vício" de procurar ler tudo quanto pode sobre a contemporaneidade política doméstica, este livro revelou muitas coisas novas, confirmando também muitas outras.

O mais interessante neste trabalho - para além de dados curiosíssimos sobre a génese da "ala liberal" do marcelismo e sobre as tensões no seio do então PPD - é talvez a luz nova que se projeta sobre a personalidade de Francisco de Sá Carneiro, vista à lupa naquilo que são as suas fraquezas, a sua determinação, o seu carisma e a sua propensão para a rutura, no plano político mas também pessoal. 

O autor privilegia a "cedência" dos factos ao leitor em detrimento de uma versão predominantemente interpretativa - o que pode desagradar a alguns críticos -, concedendo-nos uma maior liberdade na leitura. Esta pode, aliás, levar a duas conclusões contraditórias, o que não deixa de ser uma grande qualidade, abonatória da honestidade do trabalho executado.

Para os que admiram Sá Carneiro, o livro confirmará os traços de inconformismo que o tornaram popular e que conduziram à saudade de um certo tipo de liderança, frontal e arrojada, sem receio de colocar na ação executiva medidas corajosas, ao serviço de um ideário de denúncia aberta do que entendia serem as distorções que um radicalismo esquerdista introduzira no Portugal pós-abril.

Quem não aprecia a personagem encontrará no livro argumentos para reforçar a sua visão de um político egocêntrico e vaidoso, com tiques autoritários e populistas, com uma agenda de confronto feita de teorias conspirativas, que induziram tensões eventualmente gratuitas, por ausência de um espírito de compromisso e por uma dificuldade de relacionamento pessoal com os adversários..

Este é um livro que, francamente, recomendo e que deve ser lido por quem tem interesse em perceber melhor o Portugal contemporâneo.

Sucesso português

Ontem, numa conversa a propósito da nomeação de António Horta Osório para a chefia do Lloyds Bank, depois do sucesso que teve no Santander britânico, alguém me dizia: "Não percebo por que é que, só pelo facto de alguém ser português, temos necessariamente de ficar contentes com a subida desse alguém na cena internacional".

Eu não conheço pessoalmente Horta Osório mas, devo confessar, sinto sempre uma grande satisfação quando o adjetivo "português" se liga ao nome de alguém com sucesso, à escala mundial. Portugal é um país conhecido pela sua história (somos um dos países mais antigos do mundo), mas não somos reconhecidos pelos outros como um país "produtor" de vencedores. E o prestígio subliminar de um país no imaginário coletivo constrói-se também, para além de muitos outros fatores, pela visibilidade positiva das personalidades que dele emergem. Seja Horta Osório, seja Oliveira, seja Saramago, seja Siza Vieira, seja Mourinho...

Church's

Um anúncio no "Le Figaro" de ontem trazia uma fotografia de uns sapatos "Church's", aquela clássica marca inglesa que tem a fama de ser eterna (não é, posso garanti-lo). Em Paris, há três lojas da marca. Hoje, investiguei o preço do produto anunciado: proibitivo! Não pude, assim, levar à prática aquela asserção do precetor austríaco do rei dom Manuel, que andava sempre equipado com os mais caros produtos de vestuário e calçado, explicando: "Não sou suficientemente rico para poder comprar coisas baratas".

Um dia, nos anos 90, em Londres, tive a jantar em casa uma colega - hoje embaixadora - e o seu pai, uma figura encantadora que, como a muitos aconteceu, recorreu aos médicos britânicos como última esperança para uma doença cancerígena que o minava. Infelizmente com razão a curto prazo, o parecer médico não deixou espaço para nenhumas ilusões. Ficou-me na memória afetiva, para sempre, a ironia triste, mas com admirável "panache", com que o pai dessa minha amiga, no final do jantar, me disse que, nessa tarde, comprara uns Church's: "Sabe, dizem-me que duram 20 anos. É tempo suficiente..."

Informação

Neste mundo de informação instantânea - onde o mais difícil é "vermo-nos livres" da informação a mais e ter acesso apenas àquela que nos é essencial - esta fotografia da delegação do jornal "O Século", no Rossio de Lisboa, nos anos 40, dá-nos uma imagem curiosa do que era a avidez pelas notícias, naquele tempo de guerra europeia. Os "takes" das agências noticiosas eram então sintetizados em notas à mão, que os passantes liam. 

Bem mais tarde, como muitos se recordarão, o sistema passou para as fitas noticiosas luminosas que eram exibidas em paredes (por exemplo, no Rossio, em Lisboa, e na Praça da Liberdade, no Porto) e que nos davam "as últimas", num estilo um pouco ao modo dos atuais rodapés dos telejornais (embora, nesse tempo, sem erros ortográficos).

Ao comparar as épocas, e, no caso português, descontadas as limitações da censura, devo dizer que fico na dúvida sobre se as pessoas desse tempo eram, de facto, menos informadas do que nós, relativamente ao que era essencial para a sua vida.

quinta-feira, novembro 04, 2010

De Lisboa a Pandora

A ideia, aprovada no último Conselho Europeu, de reabrir o Tratado de Lisboa por forma a poder consagrar, em linguagem formal, os novos mecanismos para apoio aos Estados Membros em dificuldades económico-financeiras, parece derivar de um indiscutível bom-senso. Ninguém, que conheça um mínimo da coisa europeia, negará a importância de ver vertido, em termos de tratado, um modelo funcional que teve algo de "ad hoc", que foi feito sob a pressão da conjuntura.

E, no entanto... Pode ser da idade, pode ser uma desconfiança tonta, pode ser de uma deriva injusta para as teorias conspirativas, podem ser muitas outras razões, embora todas por ora tenham de ser diplomaticamente implícitas, mas, devo confessar, esta proposta traz-me alguma inquietação. 

Fiz parte do "grupo de reflexão" europeu que preparou a revisão do Tratado de Maastricht. Negociei, por Portugal, o Tratado de Amesterdão. Anos depois, ainda estava "morna" a ratificação parlamentar deste tratado e já estávamos na negociação daquilo que viria a ser o Tratado de Nice, que também tive a meu cargo. Passaram dois anos, e o governo português de então formulou-me o convite para o assessorar na fase final do defunto "Tratado Constitucional", o qual, com alguns arranjos de forma, foi a base real do Tratado de Lisboa que está em vigor - cuja negociação final se sabe ter sido de grande complexidade e no qual Portugal brilhou, durante a sua Presidência da União Europeia, em 2007. Por essas razões, julgo saber alguma coisa do que falo.

Reabrir um tratado, à luz de um motivo de conjuntura, vai contra uma regra que sempre ouvi aos meus amigos juristas: nunca se muda um lei debaixo da pressão de acontecimentos de circunstância. E isso, neste caso, ainda se processa em condições piores, porque as circunstâncias desta crise estão a mudar de minuto a minuto - e muito mais mudarão, ao longo dos muitos meses que esta revisão vai levar. Sabe-se como começa uma revisão de um tratado, nunca se sabe como se concluirá.

Temo que esta revisão do Tratado de Lisboa possa acabar por ser uma má notícia para a Europa. E, nesta fase do "campeonato", receio que venha a ser uma péssima notícia para Portugal. Mas, com total sinceridade, não posso excluir que esteja completamente enganado.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Partidas

Há uns tempos, uma amiga perguntou-me: "Não escreveste nada por ocasião da morte do Mário Bettencourt Resendes. Porquê?". Nesse momento, dei-me conta de que pode haver quem espere que este blogue "funcione" com o ritmo de um jornal, onde seja quase obrigatório notar a desaparição das figuras proeminentes. Não é nem pode ser assim.

A essa amiga, expliquei que, embora conhecendo pessoalmente Mário Bettencourt Resendes e tendo dele uma imagem, pessoal e profissional, muito positiva, não terei encontrado, naquele momento, um motivo de oportunidade para fazer uma nota. Porquê? Sei lá! Porque não tinha tempo, porque estava cansado, porque me não ocorreu nada que pudesse justificar uma escrita para posterior leitura, por um monte de outras razões conjunturais.

As evocações por aqui de figuras que desaparecem não têm nenhuma lógica entre si. Porquê falar de Laurent Fignon e não de António Feio? E de Pina Martins e não de Hugo dos Santos? Ou de Mercedes Sosa e não de Mariana Rey Monteiro? Ou de tantos outros?

Este blogue é e será sempre um livre exercício do acaso. Essencialmente, do tempo disponível, que não é muito. Há posts que são feitos em segundos (o que, às vezes, se reflete na respetiva escrita), outros podem derivar de uma maior elaboração. Não há regras. A única coerência que pretendo expectável diz respeito às ideias que possam transparecer do que aqui se escreve. E nem isso está, em absoluto, garantido...

Esperança

A esperada "débacle" que se abateu sobre a administração Obama, nestas eleições "midterm", culmina um período de forte erosão política, fruto dos efeitos da crise económico-financeira, da não concretização prática de grande parte do programa presidencial e do natural ressurgir da América conservadora.

Não é novidade os presidentes americanos verem a sua base parlamentar de apoio ser reduzida nestes sufrágios a meio do percurso. Aliás, se refletirmos um pouco, facilmente chegaremos à conclusão que este método de renovação parcial dos legisladores, típico de regimes presidencialistas, é uma sábia "válvula de escape" constitucional que permite atenuar o poder das maiorias e dar voz pública aos descontentes com os anos anteriores de mandato. O sistema americano pode ter muitos defeitos, mas a sua sobrevivência, num país tão complexo, prova a sabedoria de quem o desenhou.

Cada presidente é um caso, mas Obama não é um presidente "normal". A eleição de um presidente negro - ou melhor, de um negro como presidente -, ligada a uma agenda de esperança quase regeneradora, representou uma mudança de uma gigantesca dimensão. Se a gestão Obama vier a revelar-se um fracasso, que efeito poderá ter esse fragoroso ruir da esperança? E que América lhe sucederá?

terça-feira, novembro 02, 2010

"Tour de table"

Desde o início que pressenti algo de estranho na atitude daquele técnico, que Lisboa tinha enviado a uma reunião especializada, numa certa capital europeia onde eu estava colocado. Era uma pessoa oriunda de um determinado departamento ministerial português. A sua deslocação justificava-se, essencialmente, para a abordagem de um ponto particular da agenda de trabalhos, supostamente importante para os nossos interesses.

A minha estranheza prendia-se com o facto de, ao ter-lhe formulado algumas perguntas sobre aquele assunto, ter dele recebido respostas muito vagas e inconclusivas. Como era a ele que competia intervir, levei essa atitude à conta de estar a "guardar o jogo". Não insisti.

A reunião tinha lugar durante todo o dia. A mim competia-me apenas acompanhar os trabalhos. No período em que estive presente, a agenda fluiu, sem grandes intervenções. Portugal, por intermédio do nosso técnico, não teve necessidade de se pronunciar. Na parte da tarde, porque fui chamado à Embaixada, deixei o homem sozinho na delegação portuguesa. Esse era o período em que ele tinha necessariamente de intervir, para expressar a nossa posição, naquele ponto específico, que motivara a sua deslocação.

A meio da tarde, quando regressei à sala da reunião, vi o nosso técnico nervoso. Fumava imenso e parecia algo agitado. Perguntei-lhe que tal tinham corrido os debates, no tal ponto da agenda. Seco, respondeu-me: "Juntámo-nos ao consenso". E perguntou-me: "Pode assegurar o resto da reunião? Tenho de ir andando". E lá foi, de regresso a Lisboa.

No final da reunião, um colega da delegação de outro país perguntou-me: "Então vocês não tomaram posição?" Referia-se ao tal tema. Foi então que eu soube que a presidência da sessão havia, a certo passo, decidido fazer um "tour de table" (uma volta à mesa, na qual cada delegação toma a palavra). Nesse instante, o técnico português ter-se-á escapulido da sala, deixando vazio o lugar do nosso país. Claro que, ao chegar à ausente delegação portuguesa, o "tour de table" passou à frente, para a delegação seguinte. O homem terá voltado à sala depois de encerrado o debate sobre o tema. A tempo, pelos vistos, de se informar que havia sido adotado um consenso, proposto pela presidência. Estava explicada a razão pela qual Portugal "se juntara" ao consenso... 

Nunca percebi a razão desta singular atitude de "chaise vide". Seria receio de intervir? Estaria pouco preparado sobre o assunto? A verdade é que, como dizem os ingleses, aquela não terá sido "our finest hour" diplomática.

Contraditório

Uma das constatações mais positivas que faço, ao ler alguns comentários a posts publicados neste blogue, é a saudável circunstância de que muitas das pessoas que simpaticamente o continuam a consultar não estão necessariamente de acordo comigo, não se revêem em algumas das ideias que por aqui vou deixando ou que por aqui se intuem.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Livros e bibliotecas

É impressionante a qualidade dos equipamentos públicos que, nas últimas décadas, surgiram um pouco por todo o país. A minha terra de origem, Vila Real, dispõe hoje de um conjunto invejável de estruturas, que já mudaram, por completo, a face da cidade.

No passado sábado, pude experimentar a funcionalidade da nova Biblioteca Municipal. A convite do economista Jaime Quesado, fiz nela a apresentação do seu livro "O Novo Capital", um evento que contou com significativas presenças, desde responsáveis locais até ao próprio líder da Oposição nacional.

O pretexto do livro proporcionou intervenções sobre algumas das temáticas nele desenvolvidas, em certos pontos questionando opções feitas em matéria de políticas públicas e educativas. Uma sessão que poderia ter tido um cariz meramente formal acabou por motivar reflexões que lhe conferiram um  particular interesse. 

Promoção comercial

A noite de sábado estava feroz, lá por Vila Real. Decidimos, mesmo assim, ir jantar, em grupo familiar, a um restaurante. Sob chuva e vento, saímos dos carros. Perguntámos ao empregado que nos abriu a porta:

- Há lugares?

A resposta foi um "must" de promoção comercial:

- Montes deles! Com uma noite destas, só os malucos saem de casa...

Para a história: comeu-se bem.

domingo, outubro 31, 2010

Dilma

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia, uma área decisiva dentro do executivo brasileiro. Dos mais de trinta ministros que o Governo brasileiro então possuia, Dilma Rousseff era talvez a única personalidade que combinava uma comprovada capacidade técnica com uma história política pessoal significativa, da qual fazia parte a prisão e a tortura, de que fora vítima durante a ditadura militar.

Embora não pertencesse ao centro do poder dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), a sua eficácia técnico-política e a crescente confiança que o presidente Lula nela claramente depositava foram-lhe garantindo o prestígio que lhe permitiu, na crise que envolveu a saída de José Dirceu da chefia da Casa Civil, o estatuto necessário para ascender ao lugar que é como que o de um "primeiro-ministro" -  embora, neste caso, no sentido de um "primus inter pares". Ironicamente, pode dizer-se que terá sido o facto de não fazer então parte do "hard core" do PT, que o processo do chamado "mensalão" tinha fortemente debilitado, que lhe deu a vantagem comparativa para assumir o cargo que, como se veio a provar, seria a rampa de lançamento para o processo que iria culminar na sua eleição.

De maio a outubro

Há dias, alguém me perguntava - nessa ilusão de que um embaixador tem um ponto de vista privilegiado - como avaliava a natureza da mobilização estudantil das recentes manifestações sociais em França, comparadas com as de maio de 1968.

As observações diplomáticas valem o que valem, até porque, ao sermos obrigados a fazê-las com incessante regularidade, por dever de ofício, acabamos por multiplicar as oportunidades para nos enganarmos. Ou, pelo menos, quero viver nessa ilusão quanto à razão dos meus próprio erros.

A sensação com que fico é que, no meio do niilismo meio anarca do maio de 1968, caricaturado no simplismo imaginativo dos slogans e "affiches" nas paredes, havia ainda um sentido de alguma esperança e de algum otimismo, mesmo que este fosse produto virtual de ideologias redentoras.

Nos jovens estudantes que hoje saem às ruas francesas julgo notar, para além de uma difusa preocupação sobre o amanhã que os espera, a assunção de um pragmatismo que me parece demasiado frio para a sua idade, como se já se tivessem conformado a não terem direito ao usufruto das grandes ilusões. Nas declarações de muitos, por entre os sorrisos da idade, revela-se já alguma consciência de que não poderão ter garantias de virem a usufruir de um bem-estar idêntico ao dos seus pais.

Ora isto é uma novidade, embora não seja uma boa notícia. Até muito recentemente, os ciclos geracionais sucediam-se num registo de melhoria progressiva de condições de vida ou, pelo menos, de uma expectativa maioritária de que isso viesse a acontecer.

Alguns comentadores devem achar, com toda a certeza, que este meu tipo de observação é titulado por quem se habituou a viver num mundo mais seguro, não sendo legítimo pensar que as novas gerações vão ficar necessariamente marcadas por uma endémica inquietação, apenas porque o seu dia de amanhã pode ser mais incerto. Espero que tenham razão, porque, como alguém já disse, eu também tenho a sensação de que, no passado, o futuro era bem melhor.

sábado, outubro 30, 2010

De joelhos

Um amigo parisiense telefonou-me para Portugal, para saber da evolução do meu joelho, cujo destino repousa ainda, por estes dias, nas insuperáveis mãos de um "craque" da fisioterapia nortenha. 

E, de  passagem, convidou-me para, no meu regresso, jantarmos lá por casa um "jarret de porc" e revermos essa obra mítica de Eric Rohmer que é o "Le genou de Claire" (na imagem). Brincalhão...

sexta-feira, outubro 29, 2010

Gonçalo Ribeiro Telles

Se  houvesse um mínimo de memória pública, as inundações que hoje afetaram, de forma quase dramática, a Baixa de Lisboa, deveriam levar-nos a recordar a figura do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles.

Aquele que foi o pioneiro da consciência ambiental em Portugal, e a quem ainda não foi prestada a grande homenagem nacional que também por isso lhe é devida, alertou, em devido tempo e de forma enfática, para as consequências que o tipo de construção que então se promovia na Avenida da Liberdade, em Lisboa, iriam ter em termos de limitação do escoamento subterrâneo das águas, quer em caso de intempéries quer no tocante à necessidade de contínua humidificação da estacaria em que assenta a Baixa pombalina. O arquiteto Ribeiro Telles não foi ouvido, as obras continuaram a fazer-se da mesma forma e o resultado aí está, à vista de todos. Sem culpados, claro. Era o que faltava!

quinta-feira, outubro 28, 2010

Tarek Aziz

Reconheço que pode haver algo de "corporativo" na forte impressão que me faz a condenação à morte de Tarek Aziz, o antigo chefe da diplomacia de Saddam Hussein. Para além de ser, por princípio e como é óbvio, adversário feroz da pena de morte, em qualquer circunstância.

Aziz foi, durante muitos meses, uma das caras mais "apresentáveis" da ditadura iraquiana. Circulava nos meios diplomáticos, jogava todas as manobras dilatórias possíveis face às pressões da comunidade internacional, e assegurava, perante a incredulidade de muitos, que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E não tinha, como se veio a provar... 

Não sei se Aziz tem todas as responsabilidade que se lhe assacam. Algumas terá. Mas nenhuma delas justifica que venha a passar por essa prova de medievalismo judicial que é a forca.

A União Europeia vai inaugurar, daqui a um mês, com pompa, circunstância e ambição o seu Serviço Europeu de Ação Externa. Sobre ele falaremos em breve. Gostava de dizer que seria um gesto de grande dignidade - e de mostra clara de princípios - se a nova cúpula diplomática bruxelense fosse capaz de obter autoridade para dizer aos iraquianos, alto e bom som, que a Europa irá retirar todas as necessárias consequências, no relacionamento bilateral com Bagdad, se o seu regime prosseguir com bárbaras execuções, nesta lenta "révanche" política em que se está a transformar o processo condenatório dos antigos líderes do país.  Muitos europeus morreram em solo iraquiano para ajudar a implantar o seu atual regime. Alguma autoridade a Europa tem para se pronunciar sobre as práticas bárbaras que o mesmo regime leva a cabo.

Vale a pena recordar que, se acaso se tratasse de um pobre país da Convenção de Cotonou e não do Iraque, a "voz grossa" de Bruxelas há muito que já estaria no ar. Mas como o Iraque atual é, para a Europa, fonte de petróleo e negócios, o caso muda de figura. Além disso, os eurodiplomatas sabem que Bagdad tem, na matéria em causa, as "costas quentes" de Washington, onde a pena de morte se mantém, sem vergonha nem escândalo, apenas sob a tibieza de umas burocráticas declarações bruxelenses em "caixa baixa".

Um diplomata é a última pessoa que deve mostrar-se surpreendido pelo exercício da realpolitik, eu sei! Mas, às vezes, também devemos poder exprimir o nosso direito à indignação. Ele aqui fica.

Periferia?

Entrar numa tabacaria em Vila Real, antes de almoço, e poder comprar o "Le Monde" com data "Jeudi 28 octobre 2010" (sim, eu sei que o "Monde" sai na véspera, a meio do dia, com a data do dia seguinte, mas mesmo assim...) é a prova provada de que a periferia já não é o que era.

Sem nostalgia (antes pelo contrário...), recordo-me dos tempos - final dos anos 60 e durante os anos 70 - em que disputávamos, da parte da tarde, os muito escassos "Diário de Lisboa" da véspera, que eram destinados à venda na cidade.  Os mais atentos sentávamo-nos então no café "Pompeia", de olho na tabacaria do "Bragança", logo em frente, à espera de ouvir o barulho da motocicleta do Fernando "Choco", em cuja caixa traseira chegavam os rolos com os "Lisboas", trazidos da estação. O Neves da "Pompeia" ficava furibundo quando via abalar, de sopetão, esses clientes oportunistas, motivados apenas pela geografia citadina, em direção à pastelaria "Gomes", onde um mais generoso consumo, a leitura e a conversa de tertúlia dos universitários em férias iria prosseguir.

Alguns anos antes, muitos de nós tínhamos um ritual em tudo idêntico. Só que a moto era do Albertino "dos jornais", o local de espera eram as escadas do Banco de Portugal,  no "Cabo da Bila*", a publicação por que se ansiava era, uma vez por semana, o "Cavaleiro Andante". Outras idades e outras letras.

*Com "b", claro

quarta-feira, outubro 27, 2010

Portugal em obras

Uma rua essencial para o acesso da cidade de Vila Real ao seu hospital encontra-se bloqueada, desde há semanas, por obras de ligação da rede de águas.

Durante vários dias, nenhum operário apareceu nessas obras. Seria uma greve? Uma crise laboral? Não, parece que o empreiteiro tinha levado os trabalhadores para as suas vindimas...

País bizarro, este!

Inquietação

Das caras e dos comentários das pessoas que vou encontrando ao longo do dia ressalta um sentimento difuso de inquietação. A crise política, que se soma à crise económico-financeira, tem agora uma expressão mais concreta. O dia de hoje está a ser visto, por muitos, como uma data que inaugura uma viagem para o desconhecido, para um mundo onde já nada é seguro, a não ser as dificuldades da vida - que ninguém, contudo, sabe ou pode medir em toda a sua plenitude. Para quem tem compromissos, para quem tem pessoas a cargo, para quem não tem emprego ou o vê já precário, para quem estuda não se sabe bem para fazer o quê  - estes dias devem ser angustiantes. Não se diga que a crise é para todos, porque os seus efeitos são assimétricos, pelo que diferentes são os graus de inquietação de quem a sente. E de quem a comenta, claro.

Pode parecer um sentimento estapafúrdio, mas acho que, se todas as coisas más têm um lado bom, talvez o dia de hoje tenha a virtualidade de levar muitos portugueses a refletirem um pouco mais no país, deixando, por uma vez, a ideia de que essas coisas da política são para os outros, de que há um "jogo" em S. Bento e em Belém para o qual somos convocados, de tempos a tempos, para dar uma opinião cruzada num papel branco.

E, contudo, somos um país feliz - e alguns leitores devem achar isto uma heresia. Somos felizes por sermos uma sociedade democrática, com instituições que, por mais de uma vez, deram provas de serem capazes de enquadrar fortes tensões económico-sociais. Somos felizes porque temos liberdade, porque podemos exprimir as nossas opiniões, porque temos o direito de escolher quem queremos que nos governe. Somos felizes porque, não obstante todas as suas inesperadas limitações, estamos inseridos na União Europeia, que nos trouxe muita prosperidade e nos fornece ainda algumas das chaves essenciais para abrir as portas do nosso futuro.

A inquietação e o desespero não são bons conselheiros. Pelo contrário: são o pasto dos demagogos e dos paladinos do finis patriae, dos promotores das soluções que radicam fora do sistema, como se um salto para o desconhecido nos pudesse trazer qualquer súbita panaceia salvadora.

Os tempos estão tensos, as pessoas tendem a radicalizar posições, os antagonismos podem aumentar. É nestas alturas que temos de ser mais vigilantes sobre nós mesmos, em que devemos parar para pensar, para decidir, para optar. É nos tempos difíceis que se mede a serenidade de um país, a sua maturidade como nação. Temos quase nove séculos, passámos por crises muito mais graves e, com esforço, fomos capazes de as superar. Este é talvez um dos momentos em que se pode aplicar a frase de John Kennedy: "não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta o que tu podes fazer pelo teu país".

Isabel Meyrelles

Há quase um ano, tive o prazer de entregar uma condecoração a Isabel Meyrelles, uma personalidade da cultura, ligada ao movimento surrealista português, há muito residente em Paris.

Em Lisboa, a exposição "Cadavre-Trop-Exquis", na Perve Galeria - na Rua das Escolas Gerais, 17/23, até ao final deste mês - apresenta trabalhos de Isabel Mayrelles, dessa grande figura do Surrealismo português que é Cruzeiro Seixas (e de quem não sou parente) e de Benjamin Marques, outro artista português também residente em Paris. 

O jornal "Público" traz hoje uma interessante peça sobre Isabel Meyrelles que pode ser lida aqui.

O nosso jornalismo

Há dias em que não há pachorra, desculpem lá.

Portugal sobe de 35º para 32º país em matéria de transparência em corrupção. O título? "Portugal em 32ª posição entre 178 países".

No mesmo jornal, no mesmo dia, a notícia de que Portugal baixou de 25º para 26º no índice de prosperidade. O título? "Portugal desce para o 26º lugar no índice de prosperidade".

Como se chama a isto, em termos de decência deontológica? São jornalistas quem escreve este género de textos? O SNI era mais sofisticado...

terça-feira, outubro 26, 2010

José Cardoso Pires

Conheci pessoalmente José Cardoso Pires no final dos anos 60, em noites em casa do Carlos Eurico da Costa. Tinha-o lido bastante, mas desconhecia o conversador delicioso que ele era, com um humor cáustico e uma patente frontalidade, arredondada por inesperadas ternuras por coisas comuns. Durante muito tempo, via-o apenas a espaços, em momentos ocasionais. E continuava a lê-lo, claro.

Bastantes anos mais tarde, voltámos a encontrar-nos, já com alguma regularidade, na tertúlia do "Procópio", onde se conserva um grande retrato seu, como se deve a quem nos faz falta. A propósito do chafariz à entrada, José Cardoso Pires escreveu, um dia, esta pérola: "Um chafariz à porta de um bar é cá uma saudação que enternece o maior malvado".

José Cardoso Pires morreu, precisamente, há 12 anos. A melhor homenagem que lhe podemos prestar é lê-lo. Foi um dos grandes escritores da língua portuguesa e um homem que sabia o que queria da vida e o que queria para a vida de nós todos. 

Língua portuguesa

Termina hoje, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, um encontro internacional realizado sob a égide da União Latina, sobre o lema "Língua portuguesa e culturas lusófonas num universo globalizado". Uma excelente iniciativa, com participações muito interessantes.

Ontem, tive o privilégio de acompanhar os professores Eduardo Lourenço, Hélder Macedo e Onésimo Teotónio de Almeida num debate sobre Diáspora e Emigração.

Para quem se possa interessar, deixo os tópicos da minha intervenção:
  • Um leigo num painel de académicos
  • O português na globalização linguística. Riscos e oportunidades
  • A importância de não perder tempo na institucionalização multilateral da língua
  • CPLP. Ação desenvolvida nas instituições internacionais
  • Promoção cultural lusófona - uma necessidade. Trabalhar mais o conceito de literaturas de expressão portuguesa
  • Ultrapassar a querela do Acordo Ortográfico
  • Língua, cultura e Comunidades na diplomacia portuguesa
  • Políticas para as Comunidades: do complexo de culpa ao seguidismo imobilista?
  • Política da língua nas Comunidades: coragem para não fugir ao debate "língua materna"/"língua estrangeira"
  • Situação do português em França. Números. Esforço português. Necessidade de avaliação rigorosa da qualidade do ensino ministrado. Acompanhamento pedagógico deficiente. Reavaliação urgente
  • Vitalidade das "secções internacionais" de português nos liceus franceses
  • Ensino superior de português em França. Instabilidade. Desigualdade de situações. A batalha "semântica" pelo reconhecimento da identidade do ensino do português
  • Edição de literaturas de expressão portuguesa em França. Notas positivas
  • Gulbenkian e Instituto Camões em Paris: o "milagre" da cooperação lusa
  • Nota final: necessidade de melhor trabalho entre Embaixadas CPLP

Quando?

O anúncio dos cortes orçamentais trouxe-me à memória a reação de uma pessoa conhecida, há já uns bons anos, quando o governo que ele então apoiava (outros, na busca de procurada ambiguidade, diziam então "that I support"...) decidiu impor alguma austeridade:

- Já estou a começar a ficar farto disto! Quando são os "nossos" que estão no poder, vêm-nos dizer que temos de apertar o cinto; quando chegam os "outros", somos logo os primeiros a sofrer. Mas, afinal, será que algum dia "isto" vai correr bem para nós?

Não lhes digo quem estava no poder, ao tempo dessa frase.

Bocas

Alinhavando tópicos para uma intervenção na Gulbenkian, fui ontem almoçar numa ignota tasquinha próxima (se tivesse ido ao "Polícia", à "Gôndola", ao "Lacerda" ou ao "De Castro Elias," apareceriam, pela certa, alguns conhecidos e não conseguiria concentrar-me).

De saída, ouvi um cliente perguntar para o outro:

- E vocês, vão aderir à greve geral?

A resposta foi "portuguesmente" lapidar:

- Se for geral, lá terá que ser...

Mais pela similitude do ritmo discursivo do que por qualquer outra razão, veio-me à memória uma clássica, mas "benévola", graça anti-comunista dos anos 90. Nela, um cidadão pergunta para outro:

- Foste à última reunião do Comité Central?

- Não, mas se soubesse que era a última tinha ido...

Facebook

Hoje, acordei "no" Facebook. Sem que nada tivesse feito para tal, sem nunca me ter passado pela cabeça entrar na "rede social", alguém me "colocou" no Facebook, com fotografia (retirada da Wikipedia e tudo).

E, logo, alguns conhecidos, simpaticamente, já se "ligaram" à minha página... 

Alguém me pode dizer como conseguir "desarriscar-me" (como se diz no "argot" de Vila Real)?

segunda-feira, outubro 25, 2010

Pelé

Quando fui viver para o Brasil, em 2005, levava comigo o projeto de conhecer três  figuras - Pelé, Oscar Niemeyer e Chico Buarque. Também queria conhecer Lula, mas "that would come with the job".

Conheci e falei bastante com Niemeyer. Não conheci Chico Buarque, embora, de facto, nunca me tivesse esforçado muito para isso. Mas conheci Pelé, uma das figuras que, desde sempre, mais me fascinaram no mundo do futebol - com Beckenbauer, Cruyff, Platini e Di Stefano. 

Falei com ele pouco tempo, no intervalo de um famigerado Brasil-Portugal, onde uma seleção desenhada pelo senhor Queirós foi batida por uns humilhantes 6-2. 

Pelé acaba de fazer 70 anos. Nunca pensei que, depois daquela noite em Brasília, se voltasse a lembrar de mim. Mas lembrou. Semanas mais tarde, num restaurante de Nova Iorque, o meu sucessor viu Pelé e decidiu apresentar-se, revelando que seria o novo embaixador português no Brasil, para onde partiria dentro em pouco. Pelé foi simpático e, na conversa, perguntou-lhe: "vai substituir aquele embaixador de cabelos brancos, que eu conheci, muito triste!, em Brasília, na noite em que Portugal perdeu por 6-2 conosco?". O meu colega confirmou. Eu estava, de facto, bastante triste e isso não deve ter escapado a Pelé. O que ele não sabia é que tê-lo conhecido terá sido a minha única alegria daquela noite.

domingo, outubro 24, 2010

Estupidez

Há dias, num debate público, alguém disse: "Se a estupidez pagasse imposto, éramos um país rico".

Não me contive e lancei para o microfone: "Lá chegaremos! Mas, nesta conjuntura, convém não dar novas ideias..."

sábado, outubro 23, 2010

Moratinos

Estávamos num jantar de trabalho, no Luxemburgo, no fim do primeiro dia de um Conselho de ministros Assuntos Gerais da União Europeia, em 1996.

Abel Matutes, ministro espanhol de "Exteriores", revelou-me que a Espanha tinha um candidato para o importante lugar que o Conselho Europeu iria criar, dentro de dois dias, de enviado especial da UE para o Médio Oriente. Tratava-se de garantir à Europa uma maior visibilidade política no processo de paz, à altura do apoio que a ele já prestava no domínio económico. Matutes hesitava, contudo, em avançar, desde já, com o seu nome, porque tinha indicações de que os britânicos se lhe oporiam, pelo interesse que se dizia poderem ter no cargo. Porém, não tendo aparecido outros candidatos, a imediata colocação em liça de um nome colocaria a Espanha na dianteira, com todos os eventuais futuros nomes já a surgir como seus "challengers". Estas eram as razões que fundamentavam a hesitação.

Matutes explicou-me também que a figura espanhola pensada para o cargo era o seu recém-nomeado embaixador em Tel-Aviv, Miguel Ángel Moratinos. Perguntou-me se acaso eu poderia vir a obter o apoio de Lisboa para o candidato espanhol. Expliquei-lhe que não precisava de consultar Lisboa e ele que podia contar, a 100% e desde logo, com o pleno apoio do governo português. (Esta é, na prática, uma regra não escrita nas relações luso-espanholas contemporâneas: apoiamos mutuamente os nossos candidatos, a menos que tenhamos interesses próprios a salvaguardar ou compromissos com terceiros a respeitar).

Animado com a minha reação, e após discretas aproximações positivas a mais dois colegas, Matutes acabou por lançar para a mesa a proposta do nome de Moratinos. Como era de esperar, o britânico David Davies, "minister for Europe", pediu mais tempo para refletir. Para grande satisfação de Matutes, fui o primeiro a "sair à carga", argumentando que o desenvolvimento rápido da situação na região impunha que a Europa mostrasse, de imediato, uma "cara" no processo de paz que tomava então formas crescentemente positivas e que Portugal propunha formalmente que, daquele jantar, saísse já uma aprovação "de princípio" do nome espanhol (que elogiei sem sequer conhecer...). Por uma daquelas dinâmicas que, às vezes, ocorre neste tipo de encontros, e um tanto pelo efeito surpresa provocado pela proposta de Matutes, acabou por gerar-se um sentimento alargado de apoio ao candidato espanhol. O nome de Moratinos foi anunciado formalmente, logo nessa noite, como a proposta unânime dos chefes da diplomacia ao Conselho Europeu (isto é, aos primeiros-ministros). David Davies, à saída do jantar, estava agastado comigo e com a "pressão ibérica" que eu tinha ajudado a transformar em decisão...

Miguel Ángel ("Curro", para os amigos) Moratinos permaneceu no cargo de enviado especial da UE para o Médio Oriente de 1996 a 2003, tendo sempre mantido conosco um excelente relacionamento, nomeadamente durante a nossa presidência da UE, em 2000. Com um trato pessoal de grande afabilidade, que esconde uma forte determinação, Moratinos ajudou a credibilizar a voz europeia num processo onde, por uma culpa que não é sua, a Europa tem sempre e apenas o "óscar" para o "melhor ator secundário".

(Para a "petite histoire", posso revelar que, num jantar idêntico ao de 1996, que teve lugar na Grécia em Junho de 2003, os chefes da diplomacia europeia abordaram a questão da substituição de Moratinos, o qual pretendia abandonar o cargo de representante especial da UE para o Médio Oriente. Um único nome foi então discutido e a aprovação dos ministros em torno dele ficou praticamente garantida. O nome era... o meu! Porém, o governo português de então não havia tido nem o cuidado nem a elegância de me consultar previamente, tendo optado por "testar" a aceitabilidade do meu nome sem querer saber da minha eventual disponibilidade, contando que eu aceitaria o facto consumado. Por essa e por outras razões, recusei a possibilidade de indigitação. O Conselho Europeu ficou então sem um candidato que nunca o fora e Moratinos acabou, muito contra a sua vontade, por ter de prolongar-se por mais alguns meses nas funções. Esta historieta surgiu em vária imprensa da época, como, por exemplo, aqui. Na altura, sobre o assunto, escrevi isto.)

Moratinos seria chamado, anos mais tarde, a dirigir a diplomacia do seu país. O seu relacionamento com Portugal manteve-se excelente. Saiu anteontem do governo espanhol, numa remodelação surpresa efetuada pelo presidente Zapatero. 

A diplomacia espanhola e a diplomacia portuguesa têm, nos dias que correm,  fortes pontos de contacto e de convergência. Isso deve-se muito a homens como "Curro" Moratinos.

República

Bela (e imperdível, para quem puder) exposição sobre a (primeira) República, a que está na Cordoaria de Lisboa. 

Rigorosa e historicamente não demagógica, como seria de esperar de um académico do nível de Luis Farinha - que há meses tive o gosto de ter, como meu convidado, em Paris, para o colóquio realizado na Embaixada sobre a "Liga de Paris". E com um grafismo de grande força e elegância, na tradição a que o Henrique Cayatte nos habituou, desde há muito.

Três notas críticas, uma de fundo, duas de forma.

A exposição assenta, basicamente, nos eventos entre 1910 e 1926, isto é, sobre 16 anos de uma República que tem mais 84 de existência. Pena é que a mostra passe "a correr" sobre todo o cultivo da ideia republicana que a coragem de alguns fez sobreviver durante toda a ditadura salazaro-marcelista. E que o 25 de Abril, e o fantástico salto de modernidade e de aculturação democrática a ele subsequente, não sejam sublinhados como um orgulhoso património da nossa República.

Agora, as reticências de forma.

Presumo que 90% dos visitantes que chegam à Cordoaria se dirigem à sua entrada habitual. Hoje, eu e a totalidade das pessoas que queriam visitar a exposição lá fomos "ao engano", pela falta de indicação de que o início da mostra é, afinal, no torreão norte.

Posso ter sido iludido pela amostragem, mas a qualidade profissional das apresentadoras que explicam a exposição aos grupos pareceu-me fraca, com um discurso muito "papagueado". Uma delas relatava - aliás, perante o gramatical silêncio do auditório - que "houveram muitas revoltas" em certo período. Eu, que ia de passagem, não resisti e perguntei alto: "houveram?". E a menina, convicta de que eu estava a pôr em causa os factos, lá confirmou: "houveram, houveram, sim senhor!". Desisti...

Dito isto, acho importantíssimo que, quem puder, visite esta magnífica exposição, infelizmente só disponível até ao início de Dezembro. Despachem-se!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...