segunda-feira, setembro 13, 2010

Eduarda Melo

Há uns meses, convidei a soprano portuguesa Eduarda Melo para cantar na Embaixada em Paris. O sucesso foi grande. Desde então, tem vindo a fazer uma segura carreira profissional em França.

Agora, importa destacar que ficou no pódio da 48ª edição do prestigiado Concurso Internacional de Canto de Toulouse, como aqui é noticiado.

domingo, setembro 12, 2010

O sangue do nosso verão

Todos os anos, não pela primavera - como no texto de Sttau Monteiro - mas pelo verão, somos brindados com o espetáculo dos touros mortos em Barrancos, em Monsaraz e outros locais, onde há a pretensão de converter uma certa versão de tradição numa forma de afirmação regional. Nas reportagens televisivas, lá vemos os decididos "populares", liderados pelos autarcas à caça dos seus votos, a sublinharem a "especificidade" desse culto local à morte, num triste jogo de "gato e rato" com uns pobres GNR's, condenados à tarefa, tida por menor, de ver a lei cumprida . Mais do que o facto em si - minoritário e localizado -, é óbvio que é a sua mediatização que permite conferir-lhe algum relevo.

Devo confessar, porém, que, muito mais do que este exercício lúdico com que alguns (poucos) se entretêm, me custa ver o canal de serviço público a continuar a dar grande espaço à tauromaquia, nesta estação que, sendo "silly", não necessitaria de ser triste. E ainda um dia gostava de perceber como é possível a alguns pais compatibilizarem a educação que julgo que darão às suas crianças, segundo a qual os animais devem ser bem tratados e protegidos, e que, simultaneamente, as deixam assistir ao ritual gratuito do sangue, por essas praças de morte e abate lento.

Noto, para quem o não tenha percebido, que este post não é, nem pretende ser, minimamente consensual. Mas o objetivo deste blogue é refletir o que pensa quem o escreve, sem nunca temer o contraditório nos comentários dos seus leitores.

Claude Chabrol (1930-2010)

Agora, foi-se Claude Chabrol. Da fornada criadora da "Nouvelle Vague" - e, antes, dos iniciadores dos "Cahiers du Cinéma" - restam apenas Jean-Luc Godard e Jacques Rivette. Com uma obra onde o mistério, o "suspense" e o humor se cruzaram frequentemente, onde ressalta uma acidez irónica contra a burguesia e na qual usou sempre de um tratamento muito particular para as figuras femininas, desaparece o cineasta que mais próximo ficou de uma fonte inspiradora dessa fantástica geração do cinema francês: Alfred Hitchcock. Há quem ache que Chabrol se deixou tentar pela facilidade, pelo cinema (e filmografia televisiva) "fácil", imposto talvez pelo ritmo intenso de filmes produzidos, por um culto excessivo do enredo policial, o que o levou a executar algumas obras que acabam apenas por ficar nos pés-de-página da cinematografia mundial. Talvez, mas, para mim, era um autor onde sempre brilhava o génio.

Para quem o conheça mal, recomendo o seu clássico, de 1958, "Le beau Serge", onde são inegáveis as referências ao neo-realismo italiano. E espero ter oportunidade de ver, proximamente, "Bellamy", com Gérard Dépardieu, que concluiu em 2009. 

sábado, setembro 11, 2010

TAP

Na passada semana, um amigo francês queixou-se-me do facto da TAP não ter servido qualquer refeição num voo Lisboa-Paris. Ainda perguntei se lhe tinham dado à entrada, como li anunciado, um "lanche" e água. Nada, rigorosamente nada!

Ontem, tive eu próprio uma experiência idêntica: só as crianças tiveram direito a serviço de bordo, na viagem para a capital portuguesa. Hoje, no aeroporto de Lisboa, ouvi o anúncio de que um voo para os Açores também não teria serviço de refeições.

Não faço ideia de quem é a culpa desta situação, nem isso interessa rigorosamente nada. Só sei que, por este caminho, a companhia acaba por oferecer os seus clientes à concorrência.

Para quem, como é o meu caso, tem um grande apreço pela TAP, isto são muito más notícias.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Duas cidades

"O 11 de Setembro de 2001 não derrubou apenas o World Trade Center e uma ala do Pentágono. Fez ruir também o sentimento de confiança que a América mantinha na sua própria intocabilidade, com profundas consequências no modo como a maior potência olha hoje o mundo e o seu papel dentro dele.

Uma das grandes linhas divisivas que afectam a política mundial prende-se precisamente com a impossibilidade, para a Europa, de interiorizar o sentimento de profunda angústia que hoje atravessa a América, face à sua inesperada impotência perante perigos de contorno desconhecido. E isso tem consequências com expressão política, num país onde a agenda pública segue de muito perto o sentimento colectivo, muito em especial quando este coincide com os grandes interesses estratégicos.

Desde há muito, a Europa habituou-se a viver com o perigo. Teve duas guerras trágicas no seu seio, sofreu o nazi-fascismo, os temores da Guerra Fria e os “anos de chumbo” das acções radicais extremistas. Os europeus têm consciência da sua própria fragilidade, mas convivem com ela com alguma naturalidade.

Para os Estados Unidos, o mundo exterior sempre fora um lugar perigoso, de que faziam uma caricatura à medida da suas vivências internas. E se a segurança interna não conseguira prever alguns actos tresloucados, os riscos políticos profundos estavam afastados do quadro de probabilidades, com a rede securitária concentrada na criminalidade, com a droga como inimigo público.

Tive a experiência de viver em Nova Iorque, antes e depois do 11 de Setembro. É sabido não ser a cidade americana típica. Alguém dizia que os europeus sempre tiveram Nova Iorque como a sua principal imagem da América, enquanto, pelo contrário, para a generalidade dos americanos, aquela cidade aparece já como uma espécie de primeira aproximação à vida europeia. Mas, talvez por isso, estando Nova Iorque “mais próxima” de nós, talvez a mudança da atitude de vida nessa cidade nos seja mais perceptível. E a ideia que me ficou do pré e do pós-11 de Setembro é que vivi em duas cidades diferentes.

Fui a Nova Iorque, pela primeira vez, há mais de 30 anos, com o World Trade Center por acabar. Daí para cá, visitei a cidade várias vezes, dela sempre recolhendo a mesma matriz trepidante, palco da ambição individual, de alguma agressividade egoísta, mas com uma indefinível cordialidade, com a assunção de um escasso número de regras de convivência urbana como chave para nos sentirmos em casa.

Em 2001, quando fui viver para Nova Iorque, a cidade recuperara o usufruto pleno de muitas zonas para os seus cidadãos, por virtude da queda do desemprego e de um eficaz combate à criminalidade. Passear à noite, em antigas “no-go areas”, tornou-se rotina. Restaurantes e galerias apareciam e desapareciam no West Village e em Chelsea, com as esplanadas cheias e um ar de prosperidade geral, embora distante do auge do Nasdaq.

Como em todas as sociedades em que a precariedade do vínculo laboral é a lei que reflecte as crises, Nova Iorque reagiu ao 11 de Setembro com brutalidade. Desemprego, encerramento de actividades e retracção de consumo, com a queda vertical do turismo e o afundar temporário da Broadway.

E, também, com a emergência da angústia com a segurança, que nunca mais terminou. Foram os tempos do “antrax”, das ameaças constantes das “dirty bombs”. Os novaiorquinos passaram à “vigilância popular”, a olhar o vizinho, o “diferente” como uma ameaça potencial. O uso da bandeira americana passou a factor de credibilitação, nas lapelas, nas portas ou nas montras, com os não seguidores da regra a serem vistos com anti-patriotas. O “nine-eleven” (fórmula americana para o 11 de Setembro), o terrorismo, Bin-Laden e Al-Queda monopolizaram os discursos, com uma comunicação social marcada por um jingoísmo que abafava reticências.

Com o 11 de Setembro, aprendi que os americanos estão dispostos a sacrificar o mais sagrado da sua liberdade – e poucos povos haverá com um sentimento de liberdade mais arreigado – em favor da restauração, ainda que limitada ou mesmo virtual, da sua própria segurança. Por muitos e menos bons tempos, a América está prisioneira de si própria, pelo temor e pela desconfiança. Mas América que eu conheço e admiro vai, estou certo, conseguir fazer sair o país desta psicose colectiva. E todos ganharemos com isso."


Nota: Este texto foi publicado no "Jornal de Notícias" em 11 de Setembro de 2003. Embora datado, achei que podia ser interessante recordá-lo hoje.

Paddy Ashdown

Nos anos em que vivi no Reino Unido, Paddy Ashdown era líder do partido liberal-democrata. Não era então fácil a esse partido, recém-saído da aventura do SDLP, ganhar uma identidade própria, num tempo em que o poder conservador era disputado por uns trabalhistas então já em lenta mas segura ascensão, fruto de uma forte bipolarização. Além disso, a "perfídia" do sistema eleitoral castigava, por regra, os liberais-democratas e induzia ao voto útil numa das duas formações do "rotativismo" costumeiro.

Sempre apreciei em Ashdown uma atitude de homem de uma só palavra, pouco dado aos rodriguinhos de alguma baixa politiquice. E foi-me sensível a sua postura de Estado, em todas as grandes questões de interesse nacional britânico - em especial, no caso da Irlanda do Norte. A essa cultura de comportamento não será talvez estranha a sua anterior pertença às Forças Armadas e ao MI6. Não posso deixar de dizer que, sendo a aposta na ideia europeia uma das suas grandes marcas políticas, isso foi-me sempre particularmente simpático nele.

Ashdown abandonou a política interna britânica ainda nos anos 90, tendo depois ocupado, por algum tempo, o cargo de alto-comissário para a Bósnia-Herzegovina. Mais tarde, a raínha deu-lhe o título de lorde. E, em tempos mais próximos, Ashdown resistiu ao convite que Gordon Brown lhe fez para ser seu ministro.

Ontem, num grupo restrito, almocei em Paris com Paddy Ashdown. A necessária obediência às "Chatham House rules" (as clássicas regras, criadas originalmente pelo Royal Institute of International Affairs, que impedem que se divulgue o conteúdo deste tipo de encontros informais) não me permite relatar as interessantes observações feitas por Ashdown, nomeadamente sobre o Afeganistão e as relações entre a Europa e os Estados Unidos. O antigo lider liberal-democrata, hoje um conselheiro próximo do vice-primeiro ministro Nick Clegg, demonstrou, nessas quase duas horas de perguntas e respostas, uma fantástica "maîtrise" dos grandes dossiês internacionais. No final, concluí que é pena não ver Ashdown num cargo internacional à altura das suas grandes capacidades.

Inspiração

O desafio está lançado: a Organização Mundial do Comércio decidiu organizar um concurso de poesia. 

Num máximo de 110 palavras, os concorrentes devem fazer loas aos benefícios do comércio internacional e da própria OMC. Quem quiser dizer mal do protecionismo e do "anti-dumping", tem agora a sua grande oportunidade para brilhar - podendo enviar os frutos das sua inspiração para openday@omc.org, até 15 de setembro, em inglês, francês ou espanhol. Os "poetas da casa" não se abalançam? 

Posso presumir que não devem aparecer muitos sonetos do Vale do Ave...

quinta-feira, setembro 09, 2010

Luso-Jornal

A comunidade de origem portuguesa em França está de parabéns: o LusoJornal regressou, após cerca de dois meses de suspensão. Com o apoio da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, sob a dinâmica direção de Carlos Vinhas Pereira, voltou a publicar-se este semanário gratuito bilingue, que já se havia tornado uma janela aberta para o mundo luso-francês e cuja suspensão já aqui havia sido lamentada.

Ao seu diretor, Carlos Pereira, e colaboradores desejam-se as maiores felicidades nesta nova fase do jornal.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Sono

Já não recordava a história, passada há mais de 20 anos. Um amigo, ontem chegado a Paris, que dela foi testemunha presencial, trouxe-ma à memória.

Estávamos num hotel de uma capital africana, integrados na comitiva de um membro do governo português. Nessa manhã, íamos partir para o palácio presidencial, onde o chefe de Estado receberia o nosso dignitário. Toda a delegação estava já no hall, pronta para embarcar nos carros. Toda, não! Faltava o nosso embaixador acreditado nesse país, que, aparentemente, estava ainda no seu quarto. Com o tempo a escassear, via-se que o nervosismo começava a apoderar-se no nosso governante, pessoa que os anos futuros mostrariam ser pouco dada a absorver com bonomia as contrariedades que a vida nos traz.

Tomei a iniciativa de telefonar para o quarto do embaixador. Expliquei-lhe que estava tudo "em pulgas", já com algum atraso, pelo que era urgente que descesse. Como se tivesse à sua frente todo o tempo do mundo, e ignorando olimpicamente a minha observação de que o nosso político estava a ficar furioso, disse-me com a sua proverbial displicência: "Tenham calma! Aqui ninguém chega a horas..."

Cinco minutos depois, desembarcou do elevador, sorridente, aproximando-se da nossa nervosa comitiva. O governante não resistiu e, entre o ácido e o irónico, lançou-lhe:

- Então, embaixador?! Não acordou? Não tinha despertador?

O diplomata, homem há muito conhecido por olhar para as minudências do tempo com a serenidade de quem tem outras prioridades na vida, respondeu-lhe, sem perder o sorriso, quase sarcástico:

- Sabe, até acordei muito cedo. Foi esse, aliás, o problema! Tão cedo era que voltei a deitar-me e, olhe!, adormeci...

E já caminhando para a porta, comentou, comandando a mudança da conversa:

- Belo dia, não acha?

Entre as nossas gargalhadas abafadas e a fúria oficial do chefe da delegação, lá fomos para o palácio. Ainda esperámos.

O fim da Bélgica?

... e Tin Tin e Bob Morane? e Jacques Brel ? e Edgar P. Jacobs? e René Magritte? e Hergé? e Georges Simenon? e Morris? e Hugo Claus? e Paul Delvaux? e James Ensor? e Victor Horta? E muitos dirão: e Jean-Claude van Damme? e Eddy Merckx? e Salvatore Adamo? e Michel Preud'homme? e Jacky Ickx?   

Em tempo: atentos e competentes comentadores criticaram a ausência de alguns nomes desta modesta lista. Têm plena razão! Aconselho uma visita aos comentários.

terça-feira, setembro 07, 2010

Bélgica

Por uma qualquer razão, ligada ao que julgo dever ser a esperança num bom-senso residual, não me apetece acreditar na possibilidade de irmos assistir a uma partição da Bélgica e à emergência de duas entidades nacionais autónomas, dela resultantes. Para além da tristeza que causa ver a desaparição de um país que tinha ganho uma forte identidade à escala global e, em especial, dentro do projeto europeu, entendo que essa divisão, se acaso vier a ter lugar, terá um efeito muito nefasto em toda a Europa. A Bélgica não é a Jugoslávia, com todo o respeito que esta me merecia. O efeito de contágio (Escócia, Catalunha, Padania, etc) não é de excluir. E o rei dos belgas (que, por alguma razão, não é constitucionalmente o rei da Bélgica) onde ficará, em tudo isto? Volto a dizer: espero que o bom-senso ainda prevaleça.

Vestuário

Eu havia jantado com ele, numa passagem breve por Londres. Era um diplomata mais promissor do que o futuro iria confirmar, muito seduzido por uma certa imagem de si próprio e, talvez por isso, algo desatento à substância. Talvez o facto de ser um solteiro de sucesso potenciasse esse seu narcisismo, que se pressentia à distância.

Regressado a Lisboa, encontrei um conhecimento comum, uma pessoa de fora da "carreira". Falámos no diplomata de Londres e ele, cruel mas brilhante, definiu-o nesta "pérola": "Veste-se como ele julga que os ingleses se vestem". Tinha razão.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Futebol

Por um daqueles bambúrrios do "zapping" televisivo, acabo de assistir à repetição de um Portugal-Inglaterra no Euro 2000. Que bela noite de futebol, nesses tempos de Couto, Figo e Rui Costa! De um resultado negativo de 2-0, ao final de 20 minutos, a seleção partiu para uma brilhante vitória por 3-2. Dá (dava) gosto ver jogar assim!

Entretanto, acaba de sair a notícia de que a federação francesa rescindiu com Raymond Domenech, por justa causa e sem indemnização.

Mas por que diabo ligo eu tudo isto?

"Librairie de France"

Era apenas uma porta com duas montras, um espaço interior reduzido, no Rockefeller Center, a dois passos da 5ª avenida. Quando vivi em Nova Iorque, ia lá, de quando em vez, relembrar a cultura francesa. Os preços eram escandalosamente altos e as novidades de Paris demoravam a chegar e, quando chegavam, era em número restrito de exemplares. Agora, uma pessoa amiga fala-me do seu encerramento.

Um dia, comprei, na "Librairie de France", "Le mort qu'il faut", de Jorge Semprún, com aquela capa discretamente elegante que a Gallimard dá às suas edições. Como a todos nos acontece, ligo a compra de alguns livros a momentos da vida. Esse era um dia de sol de primavera, daqueles que, em Nova Iorque, dão àquele movimento incessante de pessoas, sob o inconfundível ruído de fundo da cidade, um ambiente de "déjà vu" cinematográfico. Recordo, como se fosse hoje, o prazer que tive em assentar arraiais, por algum tempo, à hora de almoço, num banco público, perto do Empire State Building, a iniciar a leitura do livro. E lembro o contraste que senti, ao apreciar o trágico mas belo relato autobiográfico da saída do campo de cencentração de Buchenwald num  cenário como aquele.

domingo, setembro 05, 2010

Espanha

Aquele antigo primeiro-ministro estava já, como se costuma dizer, um pouco a "cair da tripeça". Era um homem cordial, sempre sorridente, mas a idade não perdoava e ia-lhe afetando visivelmente a memória.

De há muito que, sempre que encontrava o nosso embaixador, tinha para ele um sorriso simpático, uma palavra agradável, um gesto amigo. O diplomata português, com toda a naturalidade, ficava satisfeito com essa recorrente manifestação de amabilidade e não perdia uma ocasião para saudá-lo.

Um dia. numa receção, o embaixador avistou o velho político e, arrastando consigo dois dos seus colaboradores, decidiu atravessar a sala e ir cumprimentá-lo. O antigo primeiro-ministro olhou-o com um largo sorriso, deu-lhe um abraço caloroso e, crendo, com isso, estar a fazer um gesto de extrema cordialidade, perguntou-lhe: "E então, diga-me, meu querido amigo, como vai a Espanha?"

O nosso diplomata, homem incapaz de se descompor, pressentindo o lapso do seu interlocutor, mas não o querendo contraditar de forma aberta, retorquiu: "Muito bem, senhor primeiro-ministro, muito bem. Pelo menos, essa é a perspetiva que nós, lá em Portugal, vamos tendo..."

"Maison & Object"

Tenho pena de não ter estado em condições "operacionais" para, desta vez, calcorrear os muitos quilómetros que exigem uma visita à presença portuguesa na "Maison & Object", a grande feira profissional de mobiliário e decoração que, na passada sexta-feira, abriu em Paris.

Sete dezenas de expositores nacionais trouxeram aqui, para um público especializado mundial - esta não é uma feira exclusivamente dedicada aos importadores franceses -, o melhor da sua produção. De ano para ano,  a presença portuguesa tem vindo a aumentar e a melhorar de qualidade, bem visível na apresentação dos stands, o que reforça o prestígio internacional da nossa produção.

Diz-me quem me representou no evento que há, entre os empresários portugueses, um generalizado ambiente positivo e otimista, produto de contactos com mercados que começam a dar sinais visíveis de recuperação.

Espera

Deliciosa expressão utilizada esta semana pelo "Nouvel Observateur" para caraterizar uma personalidade de quem se falava como podendo vir a ser escolhido para primeiro-ministro: "Ele estava no corredor da antecâmara da sala de espera dos primo-ministeriáveis".

sábado, setembro 04, 2010

Ainda Israel

Na primeira metade de 2001, estive presente num jantar anual organizado por uma associação de amizade Estados Unidos-Israel, cujo nome exato não posso precisar. Por uma qualquer razão, um grupo restrito de embaixadores junto das Nações Unidas era convidado para esse evento. A cada um competia a presidência de uma das mesas, com cerca de uma dúzia pessoas, pelas quais se desdobrava o imenso jantar, num local luxuoso de Nova Iorque. A bandeira portuguesa, tal como a americana e a israelita, figurava no centro da nossa mesa.

O convidado de honra desse jantar era Shimon Peres, então vice-primeiro ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo israelita chefiado por Ariel Sharon. Peres teve uma intervenção de grande sensatez, com elevado sentido de compromisso, sublinhando os riscos que havia se se viesse a provocar o isolamento de Yasser Arafat e da Autoridade Palestiniana. O futuro, aliás, veio a dar-lhe completa razão.

O ambiente que recebeu as palavras de Peres, nesse encontro que juntava uma elite da comunidade judaica americana, foi de um progressivo gelo. Passados os primeiros minutos do discurso, as palmas que tinham começado por sublinhar algumas das suas frases esmoreceram, até desaparecerem por completo. No final, notei que, na minha mesa, eu tinha sido o único a aplaudir. Na cara e nos comentários secos dos meus vizinhos senti a rejeição profunda da mensagem de Peres. Ouvir alguém falar de perspetivas de negociação com os palestinianos, com cedências na política de expansão dos colonatos, na lógica do "land for peace", era um visível sacrilégio para aquelas pessoas, que aparentemente consideravam que, das suas "trincheiras" de Manhattan, defendiam melhor os interesses de Israel do que um seu líder histórico. Nessa noite, confirmei muito do que pensava sobre o papel da comunidade judaica americana na questão israelo-palestiniana.

Lembrei-me ontem desta história, ao ler notícias de que o comissário europeu do comércio foi alvo de fortes críticas e de acusações de anti-sionismo por ter lamentado que o lóbi judaico americano estivesse a condicionar a posição do seu governo e acabasse por limitar Washington na sua possível pressão sobre Tel-Aviv, para a conclusão de um novo acordo de paz.

Cada vez mais me convenço que a atitude radical de alguns dos amigos externos de Israel, que induzem o país a políticas que contribuem para o seu progressivo isolamento, acaba, muitas vezes, por ajudar à estratégia dos seus piores inimigos. Provavelmente, também isto não pode ser dito. Mas eu digo.

Justiça

Falar do caso Casa Pia? Não faço parte de quantos têm certezas na matéria. As ondas de notícias, ao longo dos anos, não criaram em mim qualquer convicção profunda, embora, como a qualquer pessoa, tenham provocado alguns efeitos impressionistas. Mas, com a vida, aprendi que, por regra, só devemos falar de forma imperativa daquilo que realmente sabemos. E que sabemos nós deste caso, mais do que a própria Justiça? O que lemos nos jornais ou o que as televisões nos trouxeram?

Para mim, apenas duas coisas são certas. A primeira é que houve jovens abusados, acolhidos pela Casa Pia, uma instituição estatal que tinha como obrigação protegê-los e que acabou por se transformar num "supermercado" de sexo infantil e juvenil. A segunda é que um processo conduzido por vários profissionais judiciais, sobre cuja independência global não parece haver razões para alimentar dúvidas, chegou à conclusão que certas pessoas foram culpadas por parte dos abusos cometidos sobre esses jovens e, por essa razão, condenou-os.

Haverá inocentes entre os agora considerado culpados? Se assim for, estamos perante uma tragédia irreparável, embora o sistema judicial português faculte meios que permitem que haja uma revisão do processo. Porém, mesmo que venha a confirmar-se, em derradeira instância, que algum ou alguns dos agora condenados estava inocente, já nada poderá apagar a mancha pública criada sobre a sua imagem, bem como os efeitos sobre as suas famílias e a sua vida futura. A assim ser, a imagem da justiça portuguesa vai sair fortemente ferida, aos olhos da opinião pública. Se, ao invés, estas sentenças vierem a ser basicamente confirmadas por outros juízes, também independentes, só deveremos concluir que, não obstante um condicionamento mediático quase sem paralelo, a justiça portuguesa acabou por fazer o trabalho que lhe competia.

Resta uma questão - essa também da maior gravidade - que ficou (para sempre?) sem resposta: quem e porquê tentou arrastar para este processo suspeitas sobre cidadãos, muitos dos quais nem sequer são conhecidos da opinião pública, que a justiça - a mesma que agora condenou este réus - considerou não terem qualquer fundamento? Essa será, para sempre, uma irrecuperável nódoa na nossa democracia.

Pena é que, por razões múltiplas, todas estas coisas demorem um tempo imenso a ser resolvidas. Fazer justiça é também tomar decisões, de condenação ou de inocentação, num prazo razoável. A justiça fora do tempo acaba por ser um arremedo de justiça.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Mandelson

Irrita-me o hábito de ir, a correr, comprar os pré-anunciados "best sellers", como se eles nos fugissem ou tivessemos a obsessão de comentá-los antes que outros os leiam. Há anos que tenho a reação automática de só os adquirir e vir a ler alguns tempos mais tarde (faço uma exceção com alguma banda desenhada, confesso). É o que vai acontecer com o "A Journey", de Tony Blair, que espero apreciar, com calma, lá para outubro.

Para já, ando deliciado com o monumento de genial egocentrismo (a começar pelo título) que é o "The Third Man", de Peter Mandelson, uma figura marcante na história no "New Labour", lado a lado com Blair e Gordon Brown. Mandelson esteve nos governos de ambos, com altos e baixos no seu percurso político interno. É, sem a menor dúvida, uma figura de excecional inteligência e agudeza, às vezes prejudicada por alguma impulsividade e tendência para dizer mesmo o que pensa. Retenho este magnífico pedaço de auto-análise: "Contrariamente àqueles que, em política, são capazes de ir com as marés, eu não sou uma figura neutral. Não me lembro de um momento em que não tenha estado a lutar por alguma coisa ou contra alguma coisa, ou, simplesmente, a lutar contra o tumulto que sobre mim desabava. Embora seja capaz de mudar de opinião, eu raramente deixo de ter uma opinião". 

Curiosamente, talvez mais do que na política interna, foi como comissário europeu que Mandelson se destacou e se afirmou, com uma excecional capacidade de gestão dos dossiês, embora com duvidosa eficácia no saldo diplomático das negociações em que se envolveu. "For the record", deixo aqui a apreciação que, no livro, faz ao "estado da arte" da União Europeia, ao tempo que por lá passou:

"O meu papel como comissário para o comércio deu-me um muito maior grau de autonomia do que o de muitos dos meus colegas da Comissão, mas, desde os dias gloriosos de Jean Monnet e Jacques Delors, a Comissão, como um todo, foi progressivamente perdendo poder, quer para o Conselho de Ministros, que representa os Estados membros, quer para o Parlamento Europeu, e isso foi acentuado com a aprovação do Tratado de Lisboa. Tudo isto conduziu a um enfraquecimento da União Europeia em geral, porque era tarefa da Comissão observar e proteger a dimensão europeia em cada área das políticas (comunitárias), e fazia isso de uma forma mais consistente e dedicada do que o Parlamento ou os Estados membros individualmente. Pelo contrário, o Conselho (de Ministros) tentou reclamar de volta mais poder para si próprio e o Parlamento estava já longe de ser uma mera instância declaratória: tinha adquirido reais "dentes" legislativos".

Ver isto dito por um britânico é a prova de que, também estes, às vezes, "go native".

4 - 4 = 0

Sou do tempo em que "dávamos" 16-1 aos cipriotas. Sou do tempo de José Torres, que ontem partiu. Mas também sou do tempo desta seleção. Que raio de tempo este! 

Ainda o Iraque

Vale a pena notar o que hoje escreve, num artigo publicado na imprensa internacional, o antigo MNE alemão, Joschka Fischer, a propósito do Iraque, após a saída das tropas norte-americanas:

"Nenhum dos problemas políticos urgentes originados pela intervenção americana - a repartição do poder entre shiitas e sunitas, entre curdos e árabes e entre Bagdad e o resto do país - foi verdadeiramente resolvido. O Iraque continua a ser um Estado sem uma verdadeira nação. Poderá, aliás, tornar-se num campo de batalha para os interesses opostos dos seus vizinhos. O combate entre o principal poder sunita, a Arábia Saudita, e os shiitas do Irão, pelo controlo do golfo Pérsico ameaça transformar de novo o Iraque num campo de batalha, cumulado por uma nova guerra civil. As vizinhas Síria e Turquia seriam provavelmente aspiradas para um tal conflito. Esperemos que o vazio deixado pela retirada americana não produza uma implosão de violência".

Não deixa de haver algo de tragicamente irónico nesta perspetiva, que é partilhada por muitos analistas. Quem, como Fischer, foi abertamente contra a intervenção americana, reconhece agora que, tendo-se ela produzido, tinha a obrigação de ter levado mais longe a sustentação da situação que acabou por criar.

quinta-feira, setembro 02, 2010

"Bonne adresse"

Nesses anos 80, fui visitá-lo muito longe de Portugal, numa passagem esporádica, no início da minha carreira, estando eu já a viver no estrangeiro. Não era um amigo íntimo, mas tínhamos construído um muito cordial entendimento pessoal. Tratávamo-nos por "você", talvez fruto da diferença de idades ou daquelas irrecuperáveis casualidades que fazem com que, no primeiro contacto, não tivéssemos desformalizado totalmente o relacionamento.

Era um colega simpático, disponível, embora um pouco "afetado" e - mesmo muito! - preocupado com aquilo que se costuma designar como os "sinais exteriores da carreira".

(Essa é a auto-caricatura em que alguns profissionais da "casa" se deixam cair: uma certa  forma de vestir, a rede de conhecimentos "certos", convites a quem mais convém, carro adequado ao estatuto, férias com grupos selecionados, opção por desportos de elites, um discurso sempre cuidadoso, para não criar arestas nem suscitar rejeições, etc.)

Só não casou "bem", porque é dos que não estão para aí virados. E, verdade seja, depois de todo esse esforço, mas também graças a erros próprios, a sorte profissional acabou por lhe não sorrir.

A certa altura desse nosso encontro, a conversa derivou, já nem sei bem porquê, para a zona onde tínhamos as nossas casas, em Lisboa. Disse-me que queria trocar urgentemente de casa, estava insatisfeito com o apartamento que então possuía, num certo bairro popular de Lisboa. Perguntou-me rntão onde eu morava. Disse-lhe que vivia em Santo António dos Cavaleiros, num andar barato, alugado desde os meus tempos de tropa. Olhou-me com uma espécie de horror social! "Mas isso é quase em Loures! Não é "bonne adresse"!

Recordo ter então dado uma imensa gargalhada, que espero não tenha levado a mal. O seu delicioso comentário ficou-me para sempre na memória.

Há meses, vi-o sair de carro de uma agradável moradia, numa zona socialmente prestigiada de Lisboa. Agora, já reformado, tem, finalmente, "bonne adresse". Deve estar contente. Ainda bem!

Pedras Salgadas

Acaba de me chegar uma nota positiva: parece ter-se estabelecido nas Pedras Salgadas, entre todos os interessados no processo de recuperação daquela estância termal, um entendimento no sentido de fazer uma frente comum contra a UNICER - entidade que, lamentavelmente, não tem cumprido aquilo a que se comprometeu perante a localidade e a sua população.

Evitadas as divisões partidárias e as clivagens entre personalidades, este parece ser o início de um tempo novo naquela que é uma luta muito justa, a que, por razões afetivas próprias, tenho vindo a dar saliência neste blogue - porque, como um dia aqui escrevi, os diplomatas também têm direito à indignação.

Sobre o passado desta questão, pode ler-se : aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

A pólvora e a comodidade

Os taxis parisienses estão a ser reconvertidos na sua sinalética. Se a luz estiver verde estão livres, se estiver vermelha estão ocupados. E tudo se vê muito bem, à distância. É a "descoberta da pólvora"!

Porque não usar em Portugal um sistema idêntico, que nos evite estar a fazer sinais para taxis ocupados? Ou será um sistema demasiado fácil para ser aceite entre nós?

Já agora, note-se também que há já muitos parques de estacionamento em Paris onde uma pequena luz no teto, sobre cada lugar, verde ou vermelha, nos assinala, bem à distância, se o lugar está livre ou ocupado.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Miliband

A atual disputa em torno da liderança do Partido Trabalhista britânico, depois do abandono de Gordon Brown, tem os ingredientes necessários para alimentar o imaginário popular. Um cenário de dois irmãos, Ed e David, numa campanha entre si, sempre no limiar frágil da agressividade, são um bom mote para discussão. Num magnífico artigo, no "Público", Teresa de Sousa contou, há dias, esta saga política contemporânea com excecional clareza.

O trabalhismo britânico é um dos ambientes partidários mais fascinantes da história europeia. Foi atravessado como nenhum outro pelos grandes debates teóricos que mobilizaram o século XX, o qual, já de si, recolhia uma experiência única que vinha do passado, forjada nas lutas da revolução industrial britânica. A ligação entre o sindicalismo e a política partidária teve uma expressão muito própria no Reino Unido, conduzindo o "labour" a grandes vitórias e, a contrario, levando-o mais tarde a grandes travessias do deserto. É, aliás, na descontinuidade da dependência automática entre as duas componentes que pode ser encontrada a chave do regresso dos trabalhistas ao poder. 

Os Miliband são uma boa ilustração desses tempos. Quando um dia, num qualquer jornal, me apareceu, pela primeira vez, o nome de David Miliband, que haveria de liderar a diplomacia britânica, a primeira pergunta que se me colocou foi saber se ele tinha alguma coisa a ver com o "velho" Ralph Miliband, desaparecido em meados dos anos 90. Tinha, era filho. Depois, apareceu o irmão mais novo, Ed Miliband, mais à esquerda que o irmão, mas, ainda assim, a milhas ideológicas do pai Ralph. Uma geração Miliband chegava, finalmente, ao poder.

Ralph Miliband foi, durante muitos anos, uma das grandes referências da esquerda britânica, senão mesmo a maior. Esteve na fundação da "New Left Review", privou com Harold Laski e Wright Mills e representou, por muitos anos, a crítica radical à prática política trabalhista. Atacou Harold Wilson pelo apoio a Washington no Vietnam e pode imaginar-se o que diria da atitude de Blair no Iraque, se acaso dela tivesse sido contemporâneo. No plano ideológico, Ralph Miliband vinha da mesma escola dos "fellow travellers" marxistas que, numa deriva limite, se colocaram ao serviço da URSS. Mas Miliband nunca enveredou por esses caminhos, limitando-se a teorizar criticamente um estado de coisas que nunca aceitou.  

Jornal do Brasil

Deixou ontem de se publicar a edição em papel do "Jornal do Brasil", passando apenas a formato digital.

Não pode deixar de se ter um sentimento de pena pela desaparição daquele que chegou a ser um dos grandes órgãos de informação da América Latina, como tal reconhecido em todo o mundo.

Nos anos 80, numa visita ao Rio de Janeiro, recordo-me de ter ficado impressionado pela qualidade daquele jornal, com um estilo gráfico que seguia então de perto o "The New York Times". Quando, em 2005, fui trabalhar para Brasília, o contraste entre o diário que conhecera e o que então se publicava era já flagrante.

Por virtude de algumas opções erradas de gestão,  o "JB" entrou, na última década, numa crise financeira de que nunca recuperou. O jornal ressentia-se visivelmente de alguma penúria de meios e o abandono do modelo "broadsheet", com a adoção de um formato tablóide, que tem pouca tradição local em jornais daquela índole, também não terá ajudado. Já sem a antiga capacidade de expansão nacional, o "JB" vivia muito do "gossip" político e social, para além de algumas boas colaborações e colunistas. Mesmo no Rio, deixara-se ultrapassar por "O Globo" e arrastou na sua crise aquele que também foi um grande diário económico, a "Gazeta Mercantil". Resta-me a consolação pessoal de ainda ter tido a possibilidade e a honra de publicar alguns artigos, quer no velho "JB", quer na "Gazeta".

Quem quiser experimentar a versão eletrónica do JB, pode, a partir de hoje, clicar aqui.

Iraque

O presidente Obama anunciou ontem o fim das operações militares americanas no Iraque. As forças armadas dos EUA permanecerão, a partir de agora, naquele país, apenas para ações de formação, até ao termo de 2011.

Em 2003, o governo americano decidiu invadir o Iraque e derrubar o regime dirigido por Saddam Hussein. A sombra dos ataques terroristas cometidos contra a América, menos de dois anos antes, estava bem clara por detrás dessa decisão. Contudo, o argumento então utilizado foi a existência no país de armas de destruição maciça, que ameaçariam a segurança internacional. Washington considerou, embora sem grande convicção, ter cobertura legal para promover essa invasão, à luz de uma anterior resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta tese não foi, como é sabido, maioritariamente aceite pela comunidade internacional, que se dividiu entre a rejeição e o apoio à iniciativa americana, fratura que acabou por se refletir dentro da própria União Europeia. As autoridades portuguesas de então optaram por transformar Portugal num sujeito ativo nessa polarização, adotando, na circunstância, uma atitude que afetou o tradicional consenso político interno em matéria de ação externa.

Veio a verificar-se, entretanto, que não havia no Iraque quaisquer armas de destruição maciça, que tudo não havia passado de uma invenção para criar fundamentos para a invasão. Muitos de quantos haviam apoiado a intervenção à luz daquele argumento acabaram, sem surpresas, por reconverter o pretexto, sublinhando depois a importância de eliminar um regime ditatorial e instaurar um sistema político democrático. Tomando o mundo por ingénuo, evitam lembrar que romperam, dessa forma, as regras mínimas do direito internacional e que, por alguma razão, não mostram idêntico zelo face a outras ditaduras cuja sustentação estrategicamente lhes convem. Alguns, entre nós, fazem patéticos atos tardios de contrição, alijando as graves responsabilidades que tiveram na aventura em que envolveram o nome de Portugal, atitude que só não foi mais trágica porque lhes não foi permitido o envolvimento dos nossos militares.

O que se passou depois pode ajudar, cada um de nós, a fazer a avaliação do saldo político e humano desta intervenção: mais de 100 mil mortos entre a população iraquiana, um regime político frágil instalado em Badgad e, muito particularmente, uma indireta contribuição para o imenso reforço do regime iraniano, visto agora, por grande parte da comunidade internacional, como uma real ameaça à segurança coletiva.  Mas, mais do que isso, a invasão acabou por favorecer a consolidação da máquina de terror montada pelo extremismo islâmico, que passou a poder apresentar a agressão externa ao Iraque como tendo sido feita sob uma falsa base.

Nos últimos anos, a questão iraquiana esteve no centro de um debate que os Estados Unidos tiveram consigo mesmos, sobre o seu papel no mundo e sobre o modo como este os passou a olhar. A eleição de Barack Obama foi também, de certo modo, um reconhecimento do erro da estratégia seguida a partir da aventura no Iraque.

A história não volta atrás, mas é hoje muito claro que não são apenas os Estados Unidos quem está a expiar os seus erros passados. A instabilidade acrescida induzida naquela zona do mundo - e que tem, repita-se, a invasão americana do Iraque no seu eixo - é um dado com que todos temos agora de contar, no desenho da nossa segurança coletiva.    

Novos "sítio" e blogue da Embaixada

A partir de hoje, o "Sítio" da Embaixada de Portugal passa a ter uma cara nova e um conteúdo algo diferente. Por ora, está apenas disponível em língua portuguesa mas, até ao final de Setembro, tê-lo-emos preparado em francês. Algumas outras novidades irão surgir, com o tempo.

O Blogue de atualização do "sítio", dedicado a dar conta de atividades da Embaixada e a fornecer algumas informações úteis, pode ser consultado a partir do "sítio" ou diretamente a partir daqui.

Como não temos a pretensão da infalibilidade, agradecemos que nos comuniquem eventuais erros, imprecisões ou sugestões de melhoria, através do seguinte endereço eletrónico: embaixada.portugal.paris@gmail.com.

terça-feira, agosto 31, 2010

Fignon

"Não tenho medo da morte, não tenho é vontade de morrer", dizia, há meses, Laurent Fignon, o penúltimo francês a ganhar o Tour de France, proeza que conseguiu duas vezes.

Hoje, o cancro matou-o, aos 50 anos. Para Fignon, o intelectual do ciclismo francês, a última corrida terminou cedo.

Diana

Passaram já onze anos, dia por dia, desde a morte, aqui em Paris, de Diana de Gales. Tinha esquecido a data, mas um amigo, há umas horas, lembrou-me isso, ao chamar a minha atenção para a profusão de flores que hoje estão colocadas junto à chama dourada (que nada tem a ver com a morte da princesa, diga-se) que se situa por cima do túnel de Alma, onde ela teve o seu mortal acidente.

Nos mais de quatro anos que vivi em Londres fui espetador distante da crise matrimonial que então já atravessava a realeza britânica. Diana era uma figura mítica, adorada pelos fotógrafos e explorada até ao limite pela imprensa. A força da monarquia britânica mede-se também pela capacidade com que conseguiu lidar, sem ser destruída, pelo fenómeno Diana.

Uma noite, em Buckingham Palace, na cerimónia anual em que a corte recebe o corpo diplomático, Diana parou junto da delegação portuguesa, na breve conversa circunstancial que toda a família real tem com a representação de cada embaixada. Notando que o cônsul-geral, Duarte Ramalho Ortigão, e eu próprio tínhamos, ao pescoço, o símbolo da Cruz de Cristo (a única condecoração portuguesa que, embora nos graus inferiores que, à época, eram os nossos, assim pode ser usada), Diana, sopesando, atrevida, a insígnia do Duarte, inquiriu junto do embaixador António Vaz Pereira, que chefiava o nosso grupo: "Ambassador, you don't have it?". Vaz Pereira, que tinha ao peito outras condecorações bem importantes, respondeu, diplomático, com um largo e deliciado sorriso: "I'm working for it, Your Highness!" Diana deu uma bela gargalhada.

Em 1993, Diana esteve, com o príncipe Carlos, na nossa Embaixada em Londres, no jantar que o presidente Mário Soares ofereceu à rainha Isabel II. Posso assegurar que era muito mais bonita ao vivo do que em fotografia.   

Felipe Oliveira Baptista

O estilista português Felipe Oliveira Baptista acaba de ser nomeado diretor artístico da Lacoste. Segundo a imprensa francesa de hoje, quinze estilistas internacionais estavam, à partida, na corrida para o lugar, para o qual a firma havia feito uma "short list" de seis nomes da qual saiu o nome de Oliveira Baptista.

Felipe Oliveira Baptista nasceu em Portugal, em 1975, tendo-se formado em Londres. Trabalhou em marcas prestigio como Cerruti, Max Mara ou Nike. O estilista estava, desde há algum tempo, a mostrar-se como uma das figuras mais marcantes da nova geração da moda parisiense, com sucessos reconhecidos pelo público e pela imprensa especializada.

Um grande e luso abraço para ele.

segunda-feira, agosto 30, 2010

A aposta

No palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há um andar considerado mais "nobre", conhecido como o "terceiro andar" (na realidade é o 1º andar, para quem entra pelo largo do Rilvas). Nele têm os seus gabinetes o ministro e um secretário de Estado.

O acesso ao "terceiro andar" pode fazer-se por uma escadaria com corrimão de mármore e um confortável tapete (na imagem, à direita) ou, em alternativa e um pouco mais adiante, por uma escada mais modesta, que circunda um elevador.

Um certo ministro que, há muito, passou lá pelo MNE, decidiu, um dia, limitar o uso regular da tal escadaria a si próprio e ao secretário de Estado, para além dos respetivos visitantes oficiais. Ao que consta, não lhe agradava cruzar-se na escadaria com diplomatas ou pessoal técnico e administrativo, o qual, no seu entender, deveria utilizar as alternativas de acesso existentes.

Talvez por ter percebido que a passagem a escrito de uma tal determinação poderia tornar-se polémica, a decisão do ministro foi espalhada apenas de forma verbal, mas com indicação de ser para cumprir.

Um dia, o ministro cruzou-se na escadaria com dois diplomatas, que aparentemente haviam ignorado a sua determinação. Com ar grave, perguntou-lhes:

- Os senhores não ouviram dizer que eu dei ordens para não utilizarem esta escadaria?

Um dos diplomatas exclamou, em tom baixo, mais para o colega que o acompanhava:

- Pronto! Ganhaste a aposta!

- Que aposta? - inquiriu o ministro, com ar um tanto agastado.

O diplomata esclareceu:

- De facto, senhor ministro, essa ideia da proibição anda por aí. Mas eu apostei com este meu colega que devia ser um boato de algum inimigo seu, que tinha posto isso a correr para lhe prejudicar a imagem. É que eu não conseguia acreditar que o senhor ministro tivesse proibido a utilização desta escada. Mas, afinal, era verdade! Assim, perdi a aposta.

E, voltando-se para o colega, disse:

- Hoje pago eu o almoço.

Não consta dos anais da casa a reação do ministro.

Para a história, diga-se que a proibição se desvaneceu com o tempo, não necessariamente por virtude deste incidente, mas porque se terá provado impraticável. Como é óbvio, quem quiser pode hoje utilizar a tal escadaria.

"Visiteurs du soir"

À luz de um velho conceito criado pela literatura e pelo cinema, a política francesa consagrou, de há muito, a figura dos "visiteurs du soir", uma espécie de conselheiros informais que as grandes personalidades políticas costumam ouvir ao final de algumas tardes, com maior ou menor regularidade. São, quase sempre, amigos pessoais, saídos da sociedade real, que, pela porta das traseiras, lhes trazem notícias do mundo exterior, que lhes refletem o modo como os políticos são vistos nos meios onde se movem, que dão opiniões sobre a atuação dos seus colaboradores. A sua principal característica será dizerem livremente o que pensam, sem estarem sujeitos a cadeias hierárquicas ou temerem profissionalmente os humores do seu auditor.

Os "visiteurs du soir" são - diz-se! - a "bête-noire" de quantos se acham com direito institucional a ter um acesso privilegiado às personalidades políticas e, em especial, a dispor de uma influência sobre as suas decisões. Assessores e adjuntos, ao que parece, temem essas figuras incontroláveis, cuja opinião pode destruir relatórios, pareceres e outros juízos formais, convenientemente elaborados no sereno remanso da burocracia. Estes nunca saberão, aliás, se a mudança de atitude do chefe perante uma determinada proposta é devida a uma leitura própria ou é derivada da prevenção de um desses visitantes.

A existência dos "visiteurs du soir" é a prova evidente da importância, para as figuras políticas, de não se manterem fechadas numa redoma oficiosa, muitas vezes feita de "yes-men" ou "yes-women", que, com o tempo, acaba por reproduzir o mundo ideal que eles próprios gerado, o qual, muitas vezes, pode estar já distante do mundo real exterior. Saber escolher e saber ouvir os seus "visiteurs du soir", em especial aqueles que não têm interesses próprios por detrás dos seus conselhos, é um atestado de sabedoria dos homens políticos.

domingo, agosto 29, 2010

Interinidade

Em alguns países da América Latina, a assunção de funções de governo por um substituto, na ausência do titular efetivo do posto, tem uma consagração formal muito expressiva. Se um ministro sai para o exterior, por uma qualquer razão, a pessoa que fica responsável pelo seu cargo passa, de imediato, a ser designada por "ministro interino" e, como tal, a ser qualificada obrigatoriamente em cerimónias e na imprensa. Diga-se que, de certo modo, isso lhe confere um suplemento de autoridade e dá aos seus atos um significado diferente, como que colmatando o que poderia ser um vazio político. 

No Brasil, o caso mais flagrante prende-se com as ocasionais ausências simultâneas do presidente e do vice-presidente da República. Neste caso, assume o cargo o presidente da Câmara dos Deputados. Se este estiver ausente, essa titularidade passa, sucessivamente, ao presidente do Senado e ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Em alguns casos, estes titulares interinos fazem questão de assumir a plenitude dos direitos do cargo e mudam-se - nem que seja por escassos dias! - para o gabinete presidencial e recebem em audiência nesse cenário, com abundância de fotografias oficiais. Para a história divertida ficou mesmo o caso de quem, no precário exercício dessa fortuita e ocasional função, foi bem longe no usufruto das benesses logísticas a que a mesma dava lugar...

A prática europeia, pelo menos nos casos que conheço, parece ser bastante menos formal. Em Portugal, a um secretário de Estado que fica a chefiar um ministério na ausência do ministro não lhe passaria nunca pela cabeça intitular-se "ministro interino", do mesmo modo que - como uma exceção histórica que só confirma a regra - um presidente da Assembleia da República jamais seria tentado a mudar-se para Belém, durante a ausência do país do presidente da República. Cada terra com seu uso...

Vem isto a propósito de uma conversa que, há menos de uma década, um grupo de embaixadores na ONU (em rigor, deve dizer-se de "representantes permanentes", designação para os chefes de missões diplomáticas junto de organizações internacionais) estava a ter em casa do meu querido amigo e colega espanhol Inocencio ("Chencho") Arias, à volta de um almoço. Por qualquer razão, veio então à baila esta prática latino-americana. Alguns comentaram a profusão de "presidentes interinos" a que a mesma pode conduzir. Nem todos, porém, comungaram dessa visão ligeira.

Um dos colegas latino-americanos, aliás dos mais qualificados entre todos os colegas que cruzei em Nova Iorque, pediu a nossa indulgência e, um tanto embaraçado, revelou: "Também eu, um dia, assumi por três dias as funções de presidente da República. Era o ministro mais antigo e coube-me ocupar o cargo. E, devo confessar-vos, não resisti: coloquei a faixa presidencial e, com a família, tirei fotografia oficial, com constituição na mão e bandeira por detrás. Com os diabos: aquilo só acontece uma vez na vida!".

O quadro do colombiano Botero, com o título de "El Presidente", é talvez cruel de mais, mas não resisti a utilizá-lo a ilustrar este post. 

Decisão

Dizia-se que ela nunca decidia nada. Era injusto, não era verdade. Havia uma coisa em que era vertiginosa: na decisão de adiar.

sábado, agosto 28, 2010

Salazar

Filipe Ribeiro de Menezes, um investigador português residente na Irlanda, publicou uma biografia política de Salazar nos Estados Unidos, como aqui já se referiu, há meses. Essa obra está prestes a ser editada em português, pela Dom Quixote.

De uma entrevista que concedeu à última "Visão", acho interessante citar:

"Não encontrei nada que me fizesse acreditar que Salazar alguma vez pensou, a sério, e desejou, sinceramente, retirar-se da cena política e, sobretudo, da presidência do Conselho de Ministros."

"Salazar era mais dono do seu tempo do que qualquer seu sucessor o conseguiu ser. Não tinha de comparecer perante o parlamento, raramente reunia o Conselho de Ministros, não se tinha de preocupar em manter a liderança partidária, não tinha de ir a Bruxelas semana sim, semana não... Tinha a vida que queria e trabalhou como quis."

"Salazar desejava o poder, e convenceu-se que governaria melhor que qualquer outro português. Estou convencido de que ele acreditava ser (ou que a certa altura acreditou ser) uma figura providencial."

"Se o Estado Novo mal sobreviveu a Salazar não foi devido ao enorme vazio que este deixou e que Marcelo Caetano não conseguiu colmatar - foi porque, graças à guerra colonial, Salazar deixou o regime numa situação impossível de resolver."

"O homem que se orgulhava de ter 'nascido pobre' é insensível à pobreza extrema que se encontra no país, ou à emigração que a política económica dos seus governos provoca."

"O facto de Salazar nunca ter denunciado o Holocausto, mesmo depois de finda a guerra, conta contra ele."

"O 'orgulhosamente sós' foi muito mais perigoso para a soberania nacional, e o papel de Portugal no mundo, do que qualquer outra política desde então seguida."

Godard

Acaba de ser anunciado que a Academia de Hollywood vai atribuir um Óscar de carreira a Jean-Luc Godard.

Este blogue, cujo nome é inspirado num seu filme, e quem o escreve, que deve muito a Godard no modo como ele o ajudou a ver o cinema, regozijam-se com esta decisão, que representa o reconhecimento da indústria americana pelo trabalho que, deste lado do Atlântico, muito contribuiu para a história do cinema.

A obra de Godard evoluiu entretanto para outros terrenos e muitos dos seus admiradores, como é o meu caso, não se reconhecem na sua última fase. Isso não impede que saudemos o seu incontestável génio.

"Long drink"

No ano de 2004, aquele pobre país da Ásia Central mantinha, no essencial, todos os reflexos típicos da época comunista, tal como eu os recordava dos anos 80. O único hotel disponível, marcado pelas autoridades, era mais do que espartano, com o elevador avariado e uma desfuncionalidade geral irritante. Só os preços tinham um mínimo de "elevação", provavelmente inflacionados para estrangeiros. Os quartos estavam decorados de uma forma inenarrável, as casas de banho eram dignas de pensões portuguesas do tempo do Estado Novo, as camas suscitavam insuperáveis dúvidas de limpeza. Como era só por uma noite, não valia a pena fazer de tudo aquilo um drama.

Logo que instalado, desci para o "hall", juntando-me aos quatro colegas que comigo vinham de Viena, cúmplices desse périplo de "fact-finding mission" que nos faria atravessar todas as cinco Repúblicas da região. Rimo-nos um pouco da situação, sob o olhar patibular de uma matrona mal encarada que, na receção, era um modelo acabado de inospitalidade. Perguntámos se podiamos beber qualquer coisa. Com um gesto displicente, apontou-nos um bar ao fundo da sala. Ao balcão, estavam dois personagens de blusão de couro, manifestamente dedicados à observação dos nossos movimentos.

Os meus colegas pediram refrigerantes, mas eu tive a ideia de querer um vodka tónico, honrando o álcool preferido daquela parte do mundo. O barman, que tinha sido educado na mesma escola de simpatia da rececionista, respondeu-me, em macarrónico inglês, que só serviam "long drinks" depois das 7 horas. E eram aí 6 e picos. 

Pedi, assim, uma água tónica. Depois, pedi algum gelo. Deixei passar uns minutos. Como eu suspeitara, os dois matulões da segurança bebiam vodka, em pequenos copos. Quando os vi pedir outra dose, disse ao barman que também queria, para mim, um vodka. Hesitou por um segundo, mas não tinha nenhuma razão para recusar o que acabara de dar aos seguranças. E lá me trouxe um copo com vodka.

Aí, não resisti: com um gesto largo, verti o vodka sobre a água tónica com gelo e exclamei: "Vodka tonic!". Os meus colegas desataram às gargalhadas e tenho a impressão que os seguranças também sorriram. Só temi que o barman tivesse uma Kalashnikov para poder concretizar o ódio com que me olhava.  

sexta-feira, agosto 27, 2010

Carter

O antigo presidente americano, Jimmy Carter, acaba de obter a libertação de um cidadão do seu país, que havia sido condenado na Coreia do Norte. Para além do efeito político que os seus anfitriões possam ter tido como objetivo nesta ato, a verdade é que esta não é a primeira vez que a intervenção de Carter proporciona a resolução de certos casos complexos, na ordem internacional.

Jimmy Carter, que foi presidente entre 1977 e 1981, não é uma figura que tenha ficado gravada de forma muito positiva no imaginário histórico americano, talvez por não ter assumido a atitude jingoísta que muito dos seus concidadãos esperavam, em casos como a tomada de reféns na Embaixada americana em Teerão ou a invasão russa do Afeganistão. 

Talvez o mundo, mais do que os EUA, tenha apreciado o fantástico êxito que consistiu a assinatura dos acordos de Camp David, que acabaram com a conflitualidade entre Israel e o Egito e lhe valeram o prémio Nobel da paz, o ato de devolução do canal do Panamá ao panamenhos, a distensão com Cuba, que permitiu a abertura da secção de interesses em Havana, bem como a assinatura do tratado de desarmamento SALT II. E, mais do que isso, parte da América talvez não tenha gostado do seu "puxar de tapete" a certas ditaduras latino-americanas, num recuo em relação à lógica subjacente à "doutrina Monroe".

Carter é um homem de bem, o presidente que trouxe os Direitos Humanos para a primeira linha da agenda externa americana. De certo modo, pode dizer-se que Barack Obama, sem o poder assumir, é um herdeiro da linha de Carter, o qual talvez tenha tido razão cedo demais.

quinta-feira, agosto 26, 2010

Perdigões

Há dias, veio-me à lembrança uma história curiosa que, vai para uns anos, um velho diplomata me contou, a propósito das dificuldades que, por vezes, surgiam no Protocolo do Estado, antes do 25 de Abril.

A hierarquia a estabelecer entre os convidados para refeições oficiais nem sempre é uma coisa óbvia e, muitas vezes, a solução final encontrada acaba por ser contestada. Já deparei com situações bem delicadas, com um ou vários convidados a ficarem furibundos com os lugares que lhes foram atribuídos num almoço ou jantar. Algumas regras básicas existem e são essenciais, mas o bom-senso e a experiência acabam sempre por ser o melhor conselheiro para as decisões neste domínio, em especial quando se misturam personalidades oriundas de meios muito diversos, sem uma "ordem" natural entre si. Percebo que estas coisas possam parecer "chinesices" a quem não é do "métier", mas posso garantir que, em todo o mundo, esta questão tem sempre a maior importância.

Comentava eu com esse meu colega uma dificuldade com que um dia nos havíamos confrontado na gestão protocolar de uma mesa, e que tinha provocado um incidente sério, quando ele me perguntou: "E os "perdigões"? Ainda têm problemas com eles?"

Era a primeira vez que eu ouvia falar dos "perdigões"! Foi então que o meu amigo me esclareceu que, nos seus tempos no MNE, havia sido criada essa figura "protocolar", para designar personalidades cujo "ranking" relativo com outras entidades, nomeadamente oficiais, era discutível, mas cuja importância pela função ocupada justificava claramente um "upgrading" nos planos das mesas. De onde vinha o nome? Claro, de Azeredo Perdigão, então presidente da Fundação Calouste Gulbenkian.

Não tenho ideia de que, nos dias de hoje, o nosso Protocolo de Estado ainda utilize esse conceito, mas de uma coisa estou certo: com esse ou com outro nome há certas figuras, dentre os convidados regulares dos banquetes oficiais, que requerem um cuidado à altura dos antigos "perdigões". 

Gameiro

Chama-se Kevin Gameiro. É francês e uma das grandes surpresas da lista de escolhidos para a seleção nacional de futebol, há poucos minutos.

A sua ascendência é, claro!, portuguesa. O seu avô imigrou para França há muitos anos. 

Duas ou três coisas

Joyce, brasileira, compôs e canta com Ney Matogrosso... "Duas ou três coisas":

Duas ou três coisas que eu sei da vida
Posso até te aconselhar
Antes de mais nada esqueça os conselhos
Deixa o coração mandar

Duas ou três coisas que eu sei da estrada
Posso até te sugerir
Não vá pela sombra não, deixa o dia
Deixa a luz te colorir

Quem já viajou no bonde do sonho
Sabe onde ele vai parar
Salta muito antes do fim da linha
Na curva do mar

Duas ou três que eu sei do mundo
Eu podia te ensinar
Mas cada mergulho é um
Vá bem fundo e aprenda logo a nadar

Duas ou três coisas guardo comigo
Que eu podia te contar
Mas quem ta com Deus não corre perigo
Vá...
Onde o vento te levar


Oferta de um amigo, para ouvir aqui.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...