Há dias, um site que tem pretensões a ser voz da intelectualidade da direita, dedicou largos minutos a mostrar, sublinhando-os com pretenso humor, os gestos físicos involuntários de alguns membros do governo, durante as horas de perguntas, na sessão pública comemorativa dos dois anos de trabalho do executivo.
É claro que, como acontece a todo e qualquer normal cidadão, alguém sentado por largo tempo numa cadeira acaba forçosamente por, num determinado momento, coçar a orelha, o nariz ou passar a mão pelo queixo, além de outros gestos automáticos (pegar no telemóvel, sussurrar algo ao vizinho de cadeira, etc). Se a cena for filmada por algumas horas, se se recortarem precisamente os segundos em que esses gestos tenham lugar e se se os juntar todos numa sequência, cria-se um ritmo de imagem que pode parecer ridículo. Mas issó só resulta assim porque, artificialmente, o “jornalista” - esse, pelos vistos, com todo o tempo do mundo para se coçar... - juntou artificialmente as cenas que, malevolamente, introduzem uma imagem que se pretende apoucar. Algum dos ministros cometeu, pelos gestos que fez, alguma gaffe? Não, mas algum “jornalismo” quis tirar um efeito que pretende assimilar a lapsos públicos.
Ontem, fui a um telejornal da TVI e, no fim de uma série de perguntas sobre Trump e a Palestina, falei dos acordos de “Camp David e Paris”. Continuei a responder mas (“on the back of my mind”) dei-me conta de que deveria ter dito “de Washington e Oslo” (a origem do erro é que, em política internacional, nos rotinamos a falar dos acordos “de Dayton e de Paris”). Um lapso, numa referência, creio que perdoável, numa conversa de dez minutos.
Mas, pelos vistos, nem todos têm direito ao “perdão”. No domingo passado, eu estava sentado em frente a António Costa, numa cerimónia no Palácio da Bolsa, no Porto. Costa fazia um discurso de improviso. A certo passo, numa frase, trocou a palavra “emprego” por “desemprego”. Pode acontecer a qualquer pessoa, num discurso corrido, e não lido, de vinte minutos. Eu disse logo para a pessoa ao meu lado, que aliás nem tinha notado o lapso, pensando ter ouvido mal: “Esta vai ser a notícia!”. Meu dito, meu feito. Uma folha informativa colocou a gaffe a todo o esplendor da sua primeira página do dia seguinte e, cúmulo dos cúmulos, uma figura da oposição veio nela indignar-se com o lapso, considerando-o significativo e freudiano.
Isto bateu no fundo, em matéria de algum “jornalismo” (na polítca, nem é bom falar). E se o outro, o verdadeiro jornalismo, sem aspas, não se indignar e souber reagir contra as práticas desses “colegas”, corre o risco de cada vez mais ser metido no mesmo saco. De lacraus, claro.