sábado, junho 07, 2025

O destino inesperado


Foi no início de 2024. O telefonema era de França. Eu conhecia mal o cônsul-geral português em que estava do outro lado da linha e que, simpaticamente, me convidava para intervir num colóquio, que estava a organizar com uma universidade da cidade, incluindo outros oradores portugueses, sobre os 50 anos do 25 de Abril. 

Como sempre acontece nestas coisas, e apesar de toda a boa vontade, revelou-me que estava a ser-lhe difícil juntar apoios para custear o alojamento e as viagens dos convidados portugueses, que naturalmente dispensavam qualquer outro encargo pela sua participação. 

Tempos depois, em uma outra conversa, informou-me que, em especial, estava a ser muito complicado garantir a verba para as passagens aéreas. Eu tinha feito as contas e constatado que, se compradas com grande antecedência, as viagens podiam sair bastante mais baratas, ainda que com a limitação de não poderem ser canceladas. Como já tinha decidido levar comigo a minha mulher, e passar por lá uns dias mais, em férias, comprei entretanto os bilhetes do meu bolso. Mas não avisei disso o nosso esforçado representante consular. 

Em casa, avisei que, acontecesse o que acontecesse, iríamos sempre passar uma semana de férias a Lyon. E, para apoio "teórico", mandei vir pela Amazon o guia da Michelin sobre a cidade.

Algum tempo decorreu. Um dia, o nosso cônsul-geral, desolado, telefonou-me a informar que, por mais esforços que tivesse feito, não havia conseguido juntar os apoios necessários à realização do colóquio. Lamentava, assim, ter de cancelar a iniciativa. 

Percebi perfeitamente. São coisas que acontecem! Para não o penalizar mais, não lhe revelei que já tinha comprado as passagens. No termo da nossa conversa, ainda o ouvi dizer: "É mesmo uma pena que o senhor embaixador não possa vir. Teria muito gosto em recebê-lo cá em Marselha."

Em Marselha?! Ó diabo! Eu tinha comprado passagens para Lyon! O cancelado colóquio era para ser em Marselha! Na nossa primeira conversa, devo ter feito confusão e, a partir de então, intimamente, dei por adquirido que o evento seria em Lyon. Imaginem se o colóquio tivesse tido lugar em Marselha e eu, alegremente, me apresentasse em Lyon! 

E lá fomos nós, um mês mais tarde, passar uma semana de férias a Lyon. Reservei um magnífico Airbnb, no topo de uma torre antiga na cidade velha, pedi ao meu amigo (e crítico magistral do Expresso) Fortunato da Câmara uma lista dos melhores bistrots da cidade (nenhuma das mesas que eu ali conhecia estava na lista e as indicadas por ele foram excelentes), visitámos mais de um museu por dia, dissecámos turisticamente a cidade e arredores, regressando a Lisboa atulhados de livros. E, no meu caso, com mais dois quilos e tal, porque Lyon é uma das grandes cidades gastronómicas de França.

Acabei assim, "sem saber ler nem escrever", como antes se dizia, por ter uma bela semana de férias em Lyon! Por puro erro meu! Podia ter sido em Marselha? Podia, mas não seria a mesma coisa. Há pouco, lembrei-me: e se, este ano, fôssemos a Marselha?

1 comentário:

Maria Teresa Relva disse...

Crónica interessante que me fez lembrar como a falta de financiamento faz arruinar os melhores projetos. E nem sempre é possível aproveitar as oportunidades.

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