Uma fila de carros para lavagem automática não é um local habitual para manter diálogos com estranhos. Mas aconteceu-me ontem.
Era um homem de trinta e poucos anos. Aproximou-se, falando inglês, a inquirir como podia adquirir a senha para a máquina.
No regresso, na breve espera, a uma pergunta minha, disse ser belga. Respondi-lhe qualquer coisa em francês. Teimou no inglês. Resolvi ser chato, de novo em francês. "Não fala francês?" Com um esgar que não era sorriso, disse-me, em inglês: "Sou flamengo". Os carros avançaram e a conversa perdeu-se. Sem pena minha.
Fiz um "flashback". Há quase 55 anos. Andava uma vez mais à boleia pela Europa, de mochila às costas. Estava a sair de Antuérpia, na Bélgica, e não conseguia encontrar a estrada para Breda, já na Holanda. Essa era a cidade mais próxima no caminho para a "Meca" desses tempos: Amesterdão.
Cruzei-me com um cidadão e perguntei-lhe se aquela era a rua certa para ir dar à estrada para Breda. Fiz-lhe a pergunta em francês. Respondeu-me, num francês impecável: "Peço desculpa, mas eu não falo francês". Reformulei a questão em inglês e lá obtive o que queria.
Naquele instante, aprendi alguma coisa. Ontem confirmei-a.
Linguisticamente, a Bélgica é um país muito complicado. Alguns belgas tornam-no pior.
15 comentários:
Numa loja em Bruges, dirigi-me ao jovem empregado, charmoso e sorridente, e, ao falar em francês, ele respondeu com o seu melhor sorriso, em alemão, que o flamengo era a língua oficial daquela região. Bem, eu já tinha conhecimento disso, mas foi, certamente, uma pequena provação que me proporcionou um momento de charme e diversão. Complicados ou não — eu gosto muito dos meus vizinhos belgas.
O mesmo que faziam os "primos" Afrikaans quando eram interpelados em inglês.
A Suiça é a mesma coisa. Enfim, a Bélgica é capaz de ser pior pois é um país fictício e onde ultimamente ninguém se entende. Nem sequer para enfrentar a ameaça islamista proveniente da criação de um partido islâmico que já vai concorrer às próximas eleições.
Países complicados, para não dizer artificiais. No meu trabalho havia necessidade de falar com Genebra ou Zurique de vez em quando. Com Genebra, de lingua francesa, podia-se falar frances ou ingles, conforme o conhecimento de quem estava deste lado. Com Zurique de lingua alemã, nem pensar, só mesmo em ingles, já que deste lado não havia quem falasse alemão.
Quando foi criada a univeridade de Lovaina de língua francesa (a original fica na Flandres), foram à antiquíssima biblioteca da universidade medieval e dividiram os livros todos um a um: um para a flamenga, um para a francesa, mais um para a flamenga, mais um para a francesa...
Muito bom dia.
Atrevo-se a presumir que o senhor embaixador não discordará, a Bélgica é um país complicado, e não apenas pela linguistica.
É a convicção que tenho, resultante da minha experiência profissional ao longo de períodos entre 1983 e 1998.
Tenha uma boa 4ª Feira. Saúde.
António R. Cabral
Washington rodou o mesmo botão na Ucrania para levar a Ucrania para a guerra. E destruir a Ucrania.
Confesso que no conjunto de rivalidades e separatismos europeus aprecio especialmemte o que os escoceses fizeram ao inglês. E também acho hilariante quando os speakers em Westminster obrigam os membros escoceses a repetir os discursos para conseguirem perceber pelo menos algumas palavras.
Na Europa a língua franca é o inglês. Deve ser utilizado. A menos que haja um perfeito acordo entre os falantes para utilizarem uma outra língua, é disparatado estar a procurar conversar com um estrangeiro noutra língua que não o inglês.
O francês é uma língua que tem muito passado mas bem pouco futuro.
Na Russia dos czares, a lingua oficial da corte era o frances, tal como noutros lados. Quanto ao ingles, foi tornado mais simples no século xx, para se tornar a lingua oficial dos negócios. Houve no entanto um judeu que criou uma alternativa genérica para ninguém se sentir prejudicado ou ofendido por não falar a sua lingua nativa. Infelizmente não foi adotada, mas podem ver que embora pareça dificil por ser uma mistura de várias linguas, tem uma sonoridade que nos parece algo familiar. O ESPERANTO.
https://youtu.be/A9BO3Sv1MEE
Ainda bem que os belgas não prescindem das suas origens linguísticas: os valões que falam francês, os flamengos da Flandres falantes do holandês, a comunidade alemã no leste da Valónia, a língua alemã, além do bilingue de Bruxelas.
Como afirmou J.M. Coetzee, de ascendência sul-africana e naturalizado australiano, e um dos autores de língua inglesa mais aclamados pela crítica (Nobel da Literatura de 2003 e o primeiro escritor a receber o “Booker Prize” por duas vezes (1983 e 1999): “Uma língua é uma visão do mundo e cada vez mais me sinto mais distante da que é a proposta pelo inglês”.
Ao contrário, nós neste “rectângulo à beira-mar plantado” dispensamos Fernando Pessoa “A minha pátria é a língua portuguesa” e falamos – refiro-me ao português falado e não ao português escrito, onde impera o caos ortográfico causado pelo AO/90 – cada vez mais a praga do “portinglês”, trocando:
reacção ou opinião por “feedback”,
peritos por “experts”,
exibição ou prestação por “performance”,
público-alvo por “target”,
dinheiro por “cash”,
panfletos ou folhetos por “flyers”,
guiões por “scripts”,
boletins por “newsletters”,
aparência ou visual por “look”,
hiato por “gap”,
visita ou excursão por “tour”, etc., etc.
E ai de que não os utilize, que logo é apelidado de ignorante!!!
Já sabe, senhor embaixador, na próxima que encontrar um belga...
Nós não entendemos muito bem estas "teimosias" porque temos um país com unidade linguística, mas são situações semelhantes a quando nos tentam falar em espanhol ou quando em concertos nos brindam com um "gracias"... Dá vontade de mandar àquela parte, não dá?
Com a Bélgica tenho uma imensa afinidade musical.
No ínicio da década de 90 por ocasião minha primeira viagem a Bruxelas com intenção de me instalar na capital da Europa deu-me para fazer uma visita a Lille. A autoestrada (sem portagens) prometia uma viagem rapida. A certa altura dou-me conta de que LIlle tinha desaparecido misteriosamente dos painéis da auto-estrada. Será que eu me tinha enganado? Mas de mapa na mão com a ajuda da minha mulher tentávamos perceber o que tinha acontecido (não brinquem com a fábula das "mulheres que não sabem ler mapas"). Lá chegámos ao destino e entretanto percebi que Lille é designada pelos flamengos como Rijsel
Depois percebi que estava em território da Flandres e era quase proibido falar francês (como mais tarde um colega - flamengo por sinal - me explicou). Na auto-estrada E40 que liga Bruxelas a Liége as placas mudam a cidade de destino uma quatro vezes (a distância a percorrer é de pouco mais do que 100 Km) e o destino em Flamengo é Luik!
A secção francófona da universidade de Lovaina foi fundada nos anos 70 numa cidadezinha do outro lado da "fonteira linguística" (Louvain la Neuve) depois de um processo tumultuoso que culminou na expulsão dos francófonos ...
So agora me dei conta que fiz o comentário como anónimo - peço desculpa pelo lapso involuntário
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