Nos anos em que vivi em França, assistia, com regularidade, a um animado e interessante programa televisivo semanal, com entrevistas e debates, intitulado “On n’est pas couché”. Por ali passava tudo quanto “estava na berra”, da política à literatura, do teatro ou cinema à música. O programa tinha então dois comentadores residentes, que liam e analisavam, de forma muitas vezes cáustica, mas sempre inteligente, os livros que iam saindo, o comportamento das figuras da política, etc. Durante alguns anos, o dueto foi constituído por Éric Naulleau e Éric Zemmour (depois, foram variando).
Nollau era ensaísta e editor, com uma visão de esquerda, mas frequentemente muito crítica para a própria esquerda. Zemmour era jornalista e autor de vários livros, extremamente conservador e soberanista. Mais tarde, criaram, em outra estação, um programa intitulado “Zemmour & Naulleau”. Eram ambos figuras brilhantes, por muito polémicas que as suas opiniões fossem.
Com o regresso a Portugal, perdi de vista Naulleau, mas cada vez tenho ouvido falar mais de Zemmour, embora nem sempre pelas melhores razões. As suas posições foram-se tornando mais extremadas, algumas foram lidas como xenófobas e mesmo racistas, o que levou a condenações judiciais e ao seu afastamento de vários órgãos de comunicação.
Mais recentemente, Zemmour surgiu na vida política francesa como um possível candidato à presidência da República. Um livro que lançou, “La France n’a pas dit son dernier mot”, na sequência de vários outros que foram imensos êxitos editoriais, está a ser visto como uma possível rampa de lançamento para o Eliseu. Zemmour é hoje um fenómeno de que toda a França fala.
Há sondagens que o creditam com 11-14 % de intenções de voto, já muito próximo da candidata do “Rassemblement National” (antigo “Front National”), Marine Le Pen. Mas o grande embaraço parece estar a atingir o campo político da direita tradicional, o partido “Les Républicans”, antes liderado por Nicolas Sarkozy e, depois, por François Fillon (ambos hoje a braços com a Justiça), atravessado uma luta fratricida para escolher um candidato para o representar nas eleições presidenciais de abril/maio de 2022. O discurso de Zemmour, que chega a reivindicar-se do gaulismo, parece estar a fazer o seu caminho no eleitorado desse setor conservador.
Zemmour é demasiado elaborado para poder ser tido como uma espécie de Trump “à francesa”. Mas a sua postura, chauvinista, abertamente anti-islâmico, tradicionalista e com apelo ao saudosismo identitário, tem um acolhimento potencial que está a baralhar os dados da política interna francesa.
6 comentários:
xenófobas e mesmo racistas
É curioso ser racista, porque ele mesmo é judeu.
Penso que se esta à referir ao Eric Naulleau, com o qual até tenho a mesma Alma Mater, Paris Nanterre.
Quanto a sua reflexão acho a um tanto simplista, Zemmour é um produto criado pela televisão com a finalidade de aumentar as audienças nos sítios onde aparece.
Primeiro numa versão soft no “On n´est pas couché”, depois um pouco mais dura na RTL, no Le Figaro e no Paris Première no “Zemmour et Naulleau” depois mais hard, no C News.
Hoje aparece um Zemmour 2.0 muito mais hard, obsessivo, pouco intelectual mais populista pronto a tudo. Como no mais recente exemplo de terça feira passada : depois de na semana anterior ter falado mal do Qatar (acusando com razão essa monarquia de financiar os Irmãos muçulmanos) passado alguns dias esta no Parc des Princes a dar vivas ao produto mais visível desse estado o PSG.
Propagando fakes news e versões inexactas da historia aparecendo com apoios como o Philippe de Villiers e o Patrick Buisson para ocupar a direita da direita republicana (LR) e a esquerda da extrema direita (RN).
Não tem programa só umas ideias “attrape tout” com algum “echo” em sectores mais velhos da população, onde o antes era melhor ainda tem expressão.
Dito isto, não creio que esta figura tenha hipótese de ir até as urnas, face as figuras da direita republicana em corrida para a presidência, neste momento, ambas já com programa definido e obra feita na presidência das regiões que são Xavier Bertrand e Valerie Pécresse. Devo dizer que não votaria para nenhum dos três aguardo um candidato de esquerda.
E depois, Luís Lavoura? Por que razão um judeu não pode ser racista? As opiniões que muitos nacionalistas israelitas têm dos árabes podem ser consideradas racistas. Daniel Barenboim, entre outros, classificou a lei do Knesset que negava a autodeterminação em Israel a outros que não os judeus como racista.
Pode-se naturalmente perguntar se tal posição é coerente ou sequer inteligente, já que os judeus são alvo habitual de racismo, mas o mundo é um lugar complicado. Os Portugueses são ainda objeto de racismo noutras paragens e também por cá temos os nossos Zemmours...
Ó Lavoura, racismo é uma coisa, xenofobia é outra e, finalmente, antissemitismo é outra!
José
racismo é uma coisa, xenofobia é outra e, finalmente, antissemitismo é outra
Não bem. Antissemitismo é uma forma de racismo. Não são, portanto, coisas completamente distintas.
Jaime Santos
Evidentemente que um judeu pode ser racista. Mas, na Europa, em particular em França, país no qual o antissemitismo já foi muito virulento, não é de esperar que um judeu seja racista - pois sabe que esse racismo se pode virar contra si mesmo.
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