2001. “Diferente, diferente, é uma livraria que conheço no Upper West Side! É próxima da universidade de Columbia e um bocado “esquerdalha” “, disse eu a Sampaio. Falava-se, naquele dia, da possibilidade de dar um “salto” a uma boa livraria.
Jorge Sampaio, como presidente da República, estava de visita a Nova Iorque, onde eu era embaixador junto das Nações Unidas. Alojado na residência onde eu vivia, tínhamos, nesse dia, umas horas livres.
Os livros estavam, aliás, a marcar aquela viagem. Na véspera, eu tinha convidado para jantar em minha casa o então recente Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, que conhecia de um grupo de debates que ambos integrávamos e que reunia na Grécia, uma vez por ano, animado por George Papandreou. Joe tinha trazido a Sampaio, fazendo ali mesmo uma dedicatória para o seu filho, André, o à época muito badalado “Globalization and its Discontents”. Imagino que o André ainda tenha o livro.
A sugestão de ir ao “supermercado” de livros velhos que era o “Strand” não o tinha mobilizado. Também a ideia de visitar uma “Barnes & Noble”, embora um pouco mais atrativa, perdia força perante a hipótese de um salto a um comércio de livros mais heterodoxo - teoria política, sociologia, relações internacionais, “current issues”, etc. É que eu tinha-lhe explicado que conhecia bem essa livraria, que distribuía o “Dissent”, uma revista de pensamento político alternativo de que era assinante e a que ele achara graça.
“Vamos a isso! Monte lá essa operação!”. Avisei o pessoal do nosso protocolo que foi tratar com a segurança americana, a qual, de manhã à noite, acompanhava o nosso presidente, trazendo nas lapelas, bem à vista, em irónico contraste com o seu nome, uma chapola dizendo … “Secret Service”! Decidimos a hora e preparámo-nos para a jornada, que implicava atravessar a ilha de Manhattan, de um lado ao outro.
Minutos depois, fui chamado: os americanos perguntavam se queríamos “mesmo” ir àquela livraria. Eu confirmei. De óculos escuros, surgiu-me, minutos depois, um “director”, que queria ter “a word” comigo. Disse que a sua “central” considerava o lugar “suspeito” e que o presidente podia correr alguns riscos. Imagino o que deve ter pensado quando eu lhe disse que, todos os fins de semana (estava a exagerar, claro), passava por aquela livraria e que fora eu a aconselhar o presidente a visitá-la. E que iríamos lá, com ou sem segurança.
E fomos. Foi então impressionante ver cada corredor da livraria, aliás não muito grande e nada glamourosa enquanto loja, invadido por um grupo reforçado de latagões de fato escuro, microfones e auriculares, perante uma escassa clientela siderada e os empregados da casa meio aturdidos. Tive que lhes dizer a verdade: estava ali o presidente de Portugal, que quisera conhecer o local, por recomendação do seu embaixador, que, por acaso, era eu. Abriram-se logo num sorriso, que voltei a encontrar nos meses seguintes em que por ali continuei a ir.
“Bela livraria, mas carota!”, concluiu Sampaio, à saída, passando um saco com aquisições ao senhor Baptista, o seu magnífico segurança vindo de Lisboa.
2 comentários:
Li com atenção todas estas histórias com o Sr. Presidente Jorge Sampaio. Muito obrigada.
Julgo que foi o Woody Allen que uma vez comentou que se a Dissent e a Commentary se fundissem, 'you would get Dissentary'...
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