segunda-feira, janeiro 06, 2020

A casa do tio Óscar



Tenho uma imensa pena pelo facto da minha capacidade de “desconstrução” das coisas ser muito limitada. 

Contrariamente a uma amiga que, ao provar qualquer prato, consegue, no instante, identificar os componentes e condimentos utilizados na sua feitura, assumo-me como um perfeito “nabo” nesse domínio. O mesmo acontece nos vinhos, onde raramente sou dotado para conseguir notar os aromas e sabores que, com aparente facilidade, os enólogos ali descobrem, comigo numa inveja real face à riqueza daquele léxico específico, que tão bem arredonda as conversas numa mesa.

Mas o meu maior lamento, devo confessar, prende-se com os cheiros das casas. Trago na minha memória olfativa alguns odores que me remetem para locais quase sempre antigos, desde casas de infância a cenas da vida, espalhadas ao longo de décadas. Sou mesmo um inveterado colecionador desses marcantes aromas domésticos.

Hoje, ao entrar para o almoço num clube lisboeta de que sou sócio, neste caso o “Círculo Eça de Queiroz”, dei comigo a reconhecer por ali o cheiro da casa do meu tio Óscar, um militar que sempre vi na reserva e que já se foi desta vida há muito. Era casado com a tia Maria, irmã da minha avó materna, e foi uma das referências das minhas lembranças afetivas, de uma infância que guardei como feliz.

A casa deles era no Porto, na Ramada Alta, num primeiro andar com uma bela vista para a Boavista (se isto não for pleonasmo), que dali se via amplamente, de uma varanda traseira. Tinha um mobiliário clássico, com muitas madeiras e livros, tudo aquilo resultando num saudável conforto burguês, num sereno e pacífico ambiente. E, a envolvê-lo, havia um cheiro muito próprio, que me ficou para sempre.

Cheirava a quê? Sei lá! Talvez a cera, talvez a madeira, talvez a algumas plantas. Não sou, em definitivo, dotado de poderes de “desconstrução”, mas também não me parece que Jacques Derrida estivesse precisamente a pensar nos cheiros, quando acabou por consagrar cientificamente o conceito. 

A única coisa que sei é que o Círculo Eça de Queiroz, ao final desta bela manhã de janeiro, onde quase por acaso me deu para vir almoçar, após uma movimentada manhã de trabalho em três locais bem distintos de Lisboa, tinha hoje o mesmo cheiro da casa do meu tio Óscar. E isto é um elogio para o meu clube, note-se.

7 comentários:

Anónimo disse...

É fácil. Basta saber quais as coisas que o clube tem em comum com a casa do seu tio. Eu apostava na madeira e na cera.

pSalaberth disse...

Não será cera calculo. Óleo para madeira? Cedro? É o mais comum...

Anónimo disse...

Os clubes privados funcionam como a 2a casa dos seus sócios e normalmente não gostam de ser fotografados e depois publicadas essas fotografias ao público . É como nas nossas casas , não gostamos de as ver publicadas ... enfim a maior parte das pessoas não gosta . E como os clubes pertencem a muito mais sócios , com mais razão não devem ser publicadas num espaço público . Não é o restaurante da esquina ...

Anónimo disse...

A não ser que o dr. Pedro Rebelo de Sousa , seu actual Presidente (do Clube Eça de Queiroz ) não se importe ...

Francisco Seixas da Costa disse...

O anónimo das 16:18 deve aprender a meter-se na sua vida. E pode ver fotos no site do Grémio. E o assunto, aqui, acabou.

Anónimo disse...

Qual Grémio ? O Grémio Literário ?
Não se irrite Sr. Embaixador , hei-de aprender a meter-me na minha vida ...
Uma coisa é certa , o Círculo Eça de Queirós é o que tem o melhor cozinheiro , sem dúvida nenhuma . Devia ir lá almoçar mais vezes . Além de ser confortável , simpático , acolhedor , e democrático ... Os outros clubes que mencionou , não o são tanto , nem querem ser , e estão no seu direito : por isso são privados ...

Dulce Oliveira disse...

Por falar em memórias olfactivas, lembrei-me da casa dos avós paternos, tendo ele vivido no Brasil, a casa cheirava a café e tabaco... que saudades

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