Em junho de 2000, durante a presidência portuguesa da União Europeia, coube-me chefiar uma missão de “diálogo político” a Teerão. Da “troika” (já as havia…) que me acompanhava, faziam parte um diretor do Quai d’Orsay (a França iria suceder-nos na presidência, dias depois) e um representante da Comissão Europeia. A delegação iraniana era chefiada por um vice-ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sabia-se que o diálogo com as autoridades do Irão ia ser difícil. Cabia-me colocar-lhes todas as questões que a União Europeia via como polémicas, desde os direitos humanos à observância de princípios democráticos. Temas como a perseguição de opositores e os presos políticos, bem como o do tratamento de minorias e dos estrangeiros, estavam na nossa lista. Eles tinham os seus próprios agravos.
Num certo ponto da agenda, o vice-ministro iraniano acusou um Estado membro da União Europeia, que não identificou, de estar a levar a cabo “atos de espionagem”, em articulação com inimigos do país, contra a segurança do Estado iraniano. Interrompi-o e pedi-lhe para identificar o Estado em causa, dada a gravidade da acusação. Disse-me que não o faria, “para não piorar ainda mais as coisas”. Na ata, deveria ficar a acusação, nos termos genéricos em que a formulara.
Reagi: ou ele identificava o nome do país, também para efeitos da ata da sessão, ou retirava a acusação. O “diálogo político” não podia prosseguir sem uma dessas opções. Sugeri que o intervalo da reunião, que estava previsto para mais tarde, tivesse lugar de imediato.
O ambiente, naquela sala do ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, toldou-se. A delegação iraniana saiu da sala de cara fechada. Os membros da “troika” perguntavam-me se tinha medido bem o risco de dramatização que estava a fazer. Eu disse que sim, mas, interiormente, interrogava-me se o meu “bluff” iria resultar (porque era disso mesmo que se tratava).
Minutos depois, o chefe da delegação iraniana reabriu a sessão dizendo que, com vista “a facilitar os trabalhos”, propunha que, da ata, não constassem as referências que antes tinha feito sobre o “tal” Estado membro europeu.
Desde o início, todos sabíamos que a acusação iraniana se dirigia ao Reino Unido, país com o qual, de há muito, Teerão tem um particular contencioso. Ora, o vice-ministro iraniano, meu contraparte na chefia das negociações, havia-me revelado, em conversa antes da reunião, que, no final desse ano de 2000, deveria ir para Londres como embaixador (o que realmente veio a acontecer).
Ao exigir a revelação do nome do país, eu tinha tido isso em conta. Se acaso ele mencionasse o nome do Reino Unido, e ficasse na ata ter sido ele quem lançara essa atoarda não provada, o governo de Londres nunca lhe daria “agrément”.
A vida diplomática também se faz com alguns truques.
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