quarta-feira, janeiro 15, 2020

O dilema de Rio


Terá desaparecido a possibilidade de haver maiorias absolutas de um só partido no sistema político português? O futuro ao eleitor pertence mas, no plano das probabilidades, tudo assim o indica. A atomização vigente no parlamento, sendo sintoma da existência de cada vez mais votantes que se não se sentem representados pelas duas principais forças do sistema tradicional, não obsta a que estas tenham de continuar a ser as âncoras de qualquer solução, mais ou menos duradoura, de estabilidade.

O desafio para cada um desses dois partidos, em termos de apoio parlamentar potencial, mudou muito, contudo, nos últimos anos.

Os socialistas tiveram a histórica ousadia de derrubar o muro, que parecia eterno, à sua esquerda, tendo governado uma legislatura completa com o suporte parlamentar de duas forças que, no juízo definitivo de muita gente, estavam para sempre excluídas do “arco da governação” em democracia. Esses partidos não integraram o executivo, mas puderam reivindicar o resultado de algumas das suas políticas, o que os aproximou dos corredores do poder, aos olhos exteriores e na sua própria perceção. As últimas eleições revelaram que o PS terá sido o mais beneficiado com o “negócio”, razão pela qual parte dessa “esquerda da esquerda” o não quis renovar formalmente. Os socialistas, para recuperarem uma imagem mais “centrista”, não insistiram num novo entendimento formal, esperando que esses seus antigos parceiros acabem, no fim de contas, por preferi-los no governo a vê-los substituídos por forças mais à direita. Mas não é de excluir, em absoluto, que o juízo sobre as vantagens de desencadear uma crise política, provocando eleições antecipadas, possa um dia vir a ser diferente no PS e nos seus antigos aliados.

Para o PSD a questão que se coloca é a do tipo de coligações que lhe permitam o retorno ao espaço do poder. O espetro de opções à sua direita sofreu uma grande alteração, com a simultânea anulação da importância do mais moderado CDS e a emergência do mais radical Chega, o qual, tal como a Iniciativa Liberal, foi “pescar” votos ao seu eleitorado tradicional ou a um novo eleitorado que, normalmente, acabaria por se abster, votar CDS ou apoiá-lo. Qualquer aliança com esse setor dará ao PSD uma imagem clara de “viragem à direita”, precisamente num tempo em que Rui Rio anuncia o seu desejo de levar o partido mais para o centro político. Assim, ou Rui Rio se desdiz e perde a face ou se entrega a um “namoro” ao PS. A alternativa é ficar sozinho na praça.

3 comentários:

Luís Lavoura disse...

Terá desaparecido a possibilidade de haver maiorias absolutas de um só partido no sistema político português?

Não é somente no sistema português, noutros sistemas (Espanha, Israel, Alemanha, Áustria, etc) ocorre o mesmo. São agora necessárias coligações, muitas vezes estranhas (como aquela que agora subiu ao poder na Áustria, e outra análoga que poderá alcançar o poder na Alemanha).

Cada vez mais soluções do tipo "Bloco Central" tendem a tornar-se as únicas sensatas. Mas há muita resistência dos partidos a implementá-las...

dor em baixa disse...

"O PS terá sido o mais beneficiado no negócio". Não,foi o único. O BE perdeu 60 mil votos,a CDU perdeu 115 mil, o PSD e o CDS perderam juntos 435 mil, comparados com a PAF.

Jaime Santos disse...

Luís Lavoura, os 'Blocos Centrais' só reforçam os extremos, como se vê com o exemplo alemão, e a decadência do SPD, ou com o exemplo da Suécia, tal como antes tinha acontecido na Holanda. São um excelente caminho para a liquidação do Centro-Esquerda, que acaba sempre a implementar políticas de Direita.

Lembro-lhe que o PS, depois do 'Bloco Central' de 1983, caiu em 1985 para pouco mais de 20%. Costa sabia disto muito bem e foi também por isso que formou a geringonça em 2015.

Quer isto dizer que são sempre de rejeitar? Não, em situações extremas seguramente que não, mas são uma receita para um pântano.

A política faz-se de alternativas e quando não há maiorias, deixem as pessoas conversar...

Segunda feira

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