Por alguma razão, o meu nome vai surgir, nas horas mais próximas, associado por aí ao mundo do futebol, como alguns irão notar. É a vida, como dizia o outro!
Aproveitemos então o ensejo, com toda a tranquilidade, para exercitar um pouco a memória.
Gosto muito de futebol, desde que me conheço. O meu pai levava-me, em miúdo, ao campo do Calvário, onde o Sport Clube de Vila Real - o clube mais antigo de Trás-os-Montes, que, daqui a pouco, festejará o seu centenário - disputava então, em regra, a segunda divisão, antes do destino o ter feito cair, inexoravelmente, para a terceira e depois para os distritais. (Ficou famosa, por ali, uma frase lançada um dia por um adepto, muito entusiasmado mas pouco realista, quando, a dez minutos do fim de um jogo, até então teimosamente empatado, a nossa equipa marcou finalmente um golo: “Vamos à dúzia!”)
Na minha infância e juventude, as vitórias do “Sport Clube” (como se dizia em minha casa) animavam a cidade, em especial se fossem sobre o Chaves, à época o seu grande rival. Qualquer feito notório do clube era festejado com receção no Alto de Espinho, o ponto mais elevado da estrada que liga Vila Real a Amarante. Autoridades e “forças vivas” iam receber os jogadores e diretores, imagino que com cerimónia posterior nos “paços do concelho”, com direito a discursatas gongóricas.
Na cidade, os adeptos do Benfica eram dominantes. Depois, vinha o Sporting, com o Porto então num distante terceiro lugar, em matéria de fãs. Esses eram os dias em que a liderança no futebol português se decidia no “derby” de Lisboa. “A Bola” e o “Record” dominavam em vendas, com “O Norte Desportivo”, do infatigável Alves Teixeira, a defender as então muito minoritárias cores das Antas. O meu pai “levou-me” cedo para o Sporting e por aí fiquei, sempre com imenso gosto e orgulho, por muito que a posterior carreira do clube pudesse apontar noutro sentido.
Fui sempre um medíocre praticante de futebol, desde a escola primária. Tinha a “mania” que era defesa lateral direito, mas algumas experiências, ainda em Vila Real e, mais tarde, quando estudava no Porto, fizeram-me constatar a minha inabilidade. Outras jogatainas, já na tropa, confirmaram essa minha perceção. Terminei cedo a minha “carreira”...
Continuo a gostar imenso de ver futebol, um espetáculo desportivo que acho sem par. Sou, contudo, um feroz adepto de sofá, raramente de bancada. Porém, sempre que ponho em causa a minha comodidade e decido ir a um estádio, apanho um banho de alegria e de vida. Ainda estive no velho Wembley, no Parc des Princes e em algumas outras “catedrais”, mas nunca me perdoarei por ter perdido o Maracanã. Admito que é na televisão que se consegue “ler” melhor um jogo, mas não há nada melhor do que entrar no ambiente de um estádio cheio, para sentir o verdadeiro futebol!
Nos dias de hoje, o meu Sport Clube de Vila Real já não joga no campo do Calvário (na imagem, o pórtico de entrada, desenhado por um tio meu). Por muito tempo, os meus pais viviam num andar que dava sobre esse campo de futebol. De uma ampla varanda, era possível ver quase 90% (ia a escrever “do relvado”, mas era um campo pelado!) do terreno. Um dia, já há muitos anos, estando de visita a Vila Real, ia haver por ali um qualquer jogo, creio que de juniores. Ao ver sair com pompa, do balneário, a equipa de arbitragem, dei-me conta de que o árbitro era meu amigo de infância, uma pessoa que, desde sempre, ia encontrando pelas ruas da cidade. Ele olhou para a varanda, viu-me e acenámos um para o outro. Foi um mar de olhos virados para cima, para tentar perceber quem é que o “senhor árbitro” (como o jogo ainda não tinha começado, ainda era tratado com esse respeito...) estava a saudar!
São assim as cidades pequenas, que nos trazem grandes memórias.
3 comentários:
Ao Vila Real alegre, província de Trás-os-Montes, o dia que em que não veja, meus olhos são duas fontes.
Hoje através do DN e como vem sendo habitual vou dar uma vista de olhos ao “duas ou três coisas” que tem como título Notícias da bola e sobre o Sport Clube de Vila Real.
Gosto de ler estas crónicas pois acho que as pequenas ou grandes coisas sobre a nossa urbe deve ser falada e lembrada para quem não teve a sorte de viver esses tempos.
Esta crónica sobre Sport Clube e Vila Real trouxe-me à memória tempos idos, ou seja, mais de cinquenta anos. Relembrar o Velhinho Campo do Calvário o Restaurante Espadeiro que ficava paredes-meias. O Sport Clube Vila Real com a deslocação para o Estádio da Forca perdeu aderência e talvez por isso as descidas de Divisão. Era um Clube por quem nutre uma certa simpatia e ter sido treinado por Amaral um Vila-realense que esteve ao serviço do seu Sporting Clube de Portugal.
A minha estima também por Vila Real deve-se ao facto de ter raízes Vila-realense. O meu pai que se fosse vivo completava uma centena de anos em Setembro. Era filho de mãe solteira, filho incógnito, na sua cédula pessoal não constava o seu nome. Sabia quem era e a sua família e que tinha falecido novo.
Um dia, já conhecia Vila Real, o Sport Clube Freamunde foi aí jogar e o meu pai aproveitou para ir fazer uma visita às suas tias, um outro seu tio, irmão do pai, sei que esteve em Angola como professor, mas antes de rebentar a guerra colonial veio para a sua Vila Real com a família.
Quem me contava isto era o meu pai e até me disse que queriam me meter num colégio de padres para dar continuidade aos estudos porque de outra forma não havia possibilidades. Filhos de gente pobre não se podiam dar a esses luxos.
Mas como estava dizendo lá fui com o meu pai fazer uma visita às suas tias. Não as conhecia e desde logo a impressão não foi a melhor. Notei uma certa beatice. Sei que chegamos ali cedo e a primeira coisa que queriam que eu fizesse era ir à missa com elas. Duas eram solteiras e uma casada. Acontece que não me convenceram.
Não era porque a Igreja (Sé) fosse longe. Não. Ficava a dois passos da sua residência. Era na Avenida Carvalho Araújo e nessa residência havia por baixo uma padaria. Não sei o que aconteceu à residência pois julgo que como a maioria dos imóveis estão devolutos o mesmo lhe aconteceu.
Não fiquei simpatizante da família de meu pai. Quando mais precisava da família de seu pai foi quase desprezado. Sei que o ser filho de pai incógnito não lhe dava direito a reclamar algo. E os seus parentes tinham uma filha a quem deixar a herança.
Mesmo assim Vila Real está no meu coração. Ah! Esquecia-me de referir o apelido do pai de meu pai, portanto meu avô: Lameirão dos Santos.
...foi o único sítio onde vi um jogo de futebol ao vivo e a cores :-)
Percebo o entusiasmo pelo futebol que afeta a maioria dos portugueses. Eu também gosto de futebol. Todavia, custa-me muito entender o desapego que as pessoas votam os clubes da região para apoiarem os "três grandes". Na minha opinião, o futebol em Portugal é uma espécie de espelho em relação ao próprio país, nas suas tremendas desigualdades territoriais. E é, também, um fator ciltural muito arreigadp, uma penosa herança de uma mentalidade que se desenvolveu durante os tenebrosos 48 anos de ditadura.
Se repararmos bem, o futebol em Portugal, do modo como é interpretado tantos pelos "profissionais" da opinião, como pelas pessoas em geral, é muito diferente dos restantrs paises europeus. Olho para os outros campeonatos e reparo que os adeptos dos chamados clubes pequenos não são subservientes relativamente aos grandes (não deixam de ser do clube quando o Benfica os visita). É a nossa apagada e vil tristeza.
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