Nos idos de 1980, colocado na embaixada em Oslo, coube-me preparar a visita de Estado de Ramalho Eanes, então presidente da República, à Noruega.
Personalizo a frase porque, durante alguns meses, estive quase “home alone” na função: o anterior embaixador, Fernando Reino, tinha sido transferido para Lisboa (onde passou a ser, precisamente, chefe da casa civil de Eanes), e o novo embaixador, Cabrita Matias, só chegaria a Oslo poucas semanas antes da chegada do presidente. Assim, por ali estive sozinho, ainda com limitada experiência diplomática, com escassíssimo apoio, numa embaixada “microscópica”, como “encarregado de negócios”, a ter de acordar com os noruegueses todos os pormenores da organização de uma visita presidencial. Mal eu sabia que, no futuro, me caberia ter de organizar outras visitas presidenciais, bem mais complexas.
O meu interlocutor no palácio real norueguês foi Magne Hagen, um militar que, à época, era chefe de gabinete do rei Olavo V. Os noruegueses cedo tinham percebido a minha relativa “solidão” nas discussões sobre os temas em análise, que iam da clássica “marchandage” das trocas de condecorações aos pormenores protocolares e à agenda de conversas. A situação era tanto mais complexa quanto, em Lisboa, havia então uma forte conflitualidade entre o presidente e o governo, comigo a receber, por vezes, instruções contraditórias, umas das Necessidades, outras de Belém. Mas os noruegueses foram sempre de uma extrema simpatia.
Um jovem colega e amigo do nosso Protocolo seria entretanto enviado de Lisboa, por uns dias, a poucas semanas do evento, para nos ajudar a fixar os últimos pormenores: chamava-se José de Bouza Serrano, viria a ser embaixador e chefe do protocolo do Estado português. Sei que ele se lembra bem desses tempos.
Como resultado do frequentes contactos profissionais que fui mantendo com Hagen, acabámos por nos transformar em bons amigos. Da parte dele, uma prova dessa amizade seria o convite, no ano seguinte, para passarmos os dias da Páscoa com a sua família, na sua “hytte”, as cabanas de madeira nas montanhas que os noruegueses gostam sempre de ter. Não é muito fácil entrar na intimidade dos nórdicos mas, uma vez franqueado esse passo, revelam-se quase sempre gente de uma imensa franqueza e generosidade.
Por que é que me lembrei disto agora? Porque amanhã é 25 de janeiro. Nesses dias de junho de 1980, durante a estada de Eanes em Oslo, num dos intervalos do programa, apresentei-lhe Magne Hagen, sublinhando o papel decisivo que ele tivera na impecável organização da visita. Eanes agradeceu-lhe e eu aproveitei para assinar a coincidência do presidente e de Hagen fazerem anos no mesmo dia, 25 de janeiro.
(Meses depois, no final de 1980, Eanes iria disputar uma tensa campanha política para a sua reeleição, marcada pela morte de Sá Carneiro, com um adversário oriundo da direita militar, Soares Carneiro, que morreu em 2014. Curiosamente, Soares Carneiro tinha nascido... a 25 de janeiro.)
António Ramalho Eanes faz amanhã 85 anos e a História contemporânea do nosso país consagra já dele uma imagem de estadista e de uma personalidade de imensa probidade, muito por cima de todas as divergências que a sua ação, em determinados momentos, possa ter suscitado em vários setores, comigo incluído. O melhor elogio que lhe posso fazer é dizer que fazem muita falta a Portugal figuras com a sua estatura e integridade política.
Magne Hagen, o meu grande amigo norueguês, teve os últimos tempos da sua vida marcados por ocorrências de saúde que lhe tornam o quotidiano bastante difícil. Ainda há poucos anos, fomos visitá-lo à sua casa em Strømmen, perto de Oslo. Amanhã, telefonar-lhe-ei para o felicitar pelos seus 82 anos.
Curiosidades da vida.
1 comentário:
Por não poder fazê-lo de outra forma, muitos parabéns sr. General e muito obrigada pela sua correcta postura sempre a favor deste país que tem a memória muito curta e se esquece muitas vezes dos seus mais fiéis defensores em prol de gente que não vale os tomates dum gato...
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