Recordo-me que Jorge Sampaio detesta o conceito de "classe política" e se irrita quando ouve a expressão. Percebo esta reação, na perspetiva de que um grupo de pessoas que, por via eletiva, ocupa cargos públicos ou aspira a fazê-lo está longe de configurar uma ideia de "classe", ainda que numa perspetiva apenas homóloga das categorias a que a ciência política nos habituou.
Quando por vezes se fala dos atuais ocupantes do nosso Parlamento, surge à memória coletiva de alguns uma espécie de nostalgia sobre a qualidade dos integrantes da Assembleia Constituinte, em 1975/76. Refere-se a circunstância de figuras de forte prestígio nas suas profissões terem então feito parte dessa histórica formação parlamentar. E faz-se logo um paralelo com os deputados dos tempos de hoje, num tom, em regra, depreciativo para estes últimos.
Acho isto de uma profunda injustiça. O momento pós-revolucionário foi uma conjuntura única. Com as escassíssimas exceções de quantos, tendo estado na assembleia da ditadura aí ganharam esporas de atitude democrática que lhes garantiu uma justa cooptação para o novo regime, para a esmagadora maioria dos integrantes do areópago que desenhou a nova ordem constitucional tratava-se de dar um primeiro contributo em liberdade. Tal como aconteceu com o chamado I Governo Provisório, estavam por ali os "talentos" que a jovem democracia tinha conseguido convocar, teoricamente dentre o melhor que o país tinha, o que, para muitos deles, foi mesmo uma primeira experiência política.
Mas as coisas mudaram muito, desde então. A vida política passou a ser feita por gente comum. O desenvolvimento dos partidos, o ciclo dos governos e a vida autárquica deram origem à entrada na vida pública de gente que apenas nessas funções viria a ganhar alguma experiência. Dir-se-á que é pena que muitas dessas pessoas não tivessem, à partida, uma formação profissional própria, para onde pudessem regressar no termo das suas funções políticas. Mas a realidade é o que é. Muita gente deu ao serviço público alguns dos melhores anos da sua vida, desde novo. Se optam por continuar na política - no Parlamento, no Governo ou nas autarquias -, passam a integrar a tal "classe política" e, aos olhos de alguns, são uma espécie de "funcionários" do sistema. Se, ao invés, decidem ingressar na sociedade civil, assumindo funções privadas, são frequentemente vistos como utilizando esses seus conhecimentos para usufruir vantagens.
Não deve ser cómodo, ao contrário do que muitos pensam, fazer parte da "classe política".
4 comentários:
Para mim, a classe política é atualmente algo de bem claro e identificado, e a imagem que eu faço dela é a dos leitõezinhos na gravura "a porca" de Rafael Bordalo Pinheiro: um conjunto de deputados que produziram 1300 propostas de diferentes formas de mamar no Orçamento de Estado.
Não há tetas para toda esta gente.
Se só os deputados pudessem ser ministros o nível dos membros da AR melhoraria. Os ministros devem ser políticos e não técnicos, muito menos especialistas das áreas que vão tutelar.
Fernando Neves
A classe politica é diversa. Há aquela que defende os interesses da oligarquia do seu país mas também as oligarquias de todos os grandes países ricos do planeta e mais largamente todo o grupo dominante do 1% do topo.
Esta classe politica reforça dia após dia o seu poder político e económico sobre os trabalhadores (assalariados ou não) do povo-classe 99% ,multicor e diverso.
As politicas neoliberais ou ordoliberais defendidas por esta classe politica, são absolutamente anti sociais, porque difundem largamente a austeridade, destroem os serviços públicos e mantêm o desemprego, (deslocalizando as actividades quando querem), a precariedade, os salários de miséria enquanto que as classes dirigentes e dominantes acumulam no topo da sociedade poder e riqueza material e patrimonial.
É esta classe política que lança a nódoa indelével sobre toda a classe politica.
É como o discurso eurocéptico. Neste caso, pare os Venturas. Mais uma vez falta muita informação. Que foi sempre a melhor arma contra a demagogia e os populismos. A maior parte dos portugueses imagina, por exemplo, que os deputados vão dois dias por semana ao Plenário e no fim de cada mês sai-lhes um totoloto. Agora convenhamos que também há muito a fazer do lado de lá. Quando saem notícias que deputado x até a morada de casa aldrabou para receber mais uns tostões ao fim do mês... Claro que paga o justo pelo pecador. Inclusive há muito a fazer por parte dos partidos politicos.
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