Uma derradeira boleia deixou-me na Porte d’Italie. Nessa manhã, tinha partido de Blois, depois de oito dias com diversas paragens, condicionadas pelas disponibilidades de transporte. Tudo tinha começado na rotunda do Relógio, em Lisboa. Repito, à boleia.
O mapa de Paris que trazia comigo, obtido no turismo francês em Portugal, era o então conhecido “Paris à vol d’oiseau”, com desenhos dos prédios e um recorte do centro da cidade que nos dava a ilusão de podermos “conhecer”, por antecipação, os monumentos e artérias principais. Mal eu sabia, ao chegar à Porte d’Italie, que a capital francesa era muito e muito mais do que isso. E ainda hoje continuo a aprender...
Havia preparado, com extremo cuidado, aquela minha saída de férias pela Europa, depois de um ano académico muito pouco feliz. A boleia era então um método de viagem muito comum, particularmente para quem, à volta dos 20 anos, desejava conhecer o mundo europeu, sem grandes encargos, com uma mochila às costas. O Inter Rail estava ainda para ser inventado e os tempos que se viviam eram então suficientemente calmos para gerar confiança em quem nos abria, com simpatia, as portas das suas viaturas. E, pela parte de quem solicitava boleia, o sentimento de segurança era quase generalizado. Nessa que foi a primeira de três viagens do género que fiz pela Europa, o meu objectivo era ir de Portugal à Noruega, com Paris e Amesterdão como incontornáveis escalas. E cumpri exatamente aquilo a que me tinha proposto.
À chegada a Paris, lembro-me bem de ter apanhado, creio que pela primeira e última vez na minha vida, um daqueles históricos autocarros com uma plataforma aberta nas traseiras, que agora já só se veem nos filmes. Descobrir um lugar para uma dormida compatível com aquilo que tencionava gastar, numa tarde de um Agosto turístico, revelou-se uma tarefa muito difícil. Corri “seca e meca”, mas todos os “auberges de jeunesse” que os meus apontamentos indicavam estavam mais do que cheios. Comecei a ficar inquieto: o final da tarde aproximava-se.
Foi então que alguém me disse que o Centre International de Séjour, que existia na Porte de Vincennes, podia ter ainda vagas. De metro, fui lá parar, defrontando-me logo com uma fila de espera considerável. O processo de registo era assegurado por dois funcionários, cujo gesticular revelava já um certo cansaço, seguramente provocado pela pressão e pelo calor intenso do dia. Longos minutos decorreram e a fila pouco andava. A certo passo, um dos funcionários soltou uma sonora e impublicável imprecação… em castiço português. Não resisti e, lá de trás, do fundo da fila, mandei-lhe, bem alto, um “boa tarde!”.
O homem olhou-me à distância, com cara de poucos amigos, mas logo lançou, num berro, em português: “Você aí! Avance!”. Um tanto atrapalhado, ultrapassei a longa fila, com imensa gente a protestar, a caminho do balcão. O nosso patrício, com uma lata incomensurável, mas bem olímpico no seu desplante, limitou-se a informar os contestatários, bem alto, desta vez em francês, da óbvia evidência: “Este senhor tem reserva!". E tive!
O homem olhou-me à distância, com cara de poucos amigos, mas logo lançou, num berro, em português: “Você aí! Avance!”. Um tanto atrapalhado, ultrapassei a longa fila, com imensa gente a protestar, a caminho do balcão. O nosso patrício, com uma lata incomensurável, mas bem olímpico no seu desplante, limitou-se a informar os contestatários, bem alto, desta vez em francês, da óbvia evidência: “Este senhor tem reserva!". E tive!
1 comentário:
ora aí está!...
quem fala assim não é gago!...
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