domingo, setembro 05, 2010

Espanha

Aquele antigo primeiro-ministro estava já, como se costuma dizer, um pouco a "cair da tripeça". Era um homem cordial, sempre sorridente, mas a idade não perdoava e ia-lhe afetando visivelmente a memória.

De há muito que, sempre que encontrava o nosso embaixador, tinha para ele um sorriso simpático, uma palavra agradável, um gesto amigo. O diplomata português, com toda a naturalidade, ficava satisfeito com essa recorrente manifestação de amabilidade e não perdia uma ocasião para saudá-lo.

Um dia. numa receção, o embaixador avistou o velho político e, arrastando consigo dois dos seus colaboradores, decidiu atravessar a sala e ir cumprimentá-lo. O antigo primeiro-ministro olhou-o com um largo sorriso, deu-lhe um abraço caloroso e, crendo, com isso, estar a fazer um gesto de extrema cordialidade, perguntou-lhe: "E então, diga-me, meu querido amigo, como vai a Espanha?"

O nosso diplomata, homem incapaz de se descompor, pressentindo o lapso do seu interlocutor, mas não o querendo contraditar de forma aberta, retorquiu: "Muito bem, senhor primeiro-ministro, muito bem. Pelo menos, essa é a perspetiva que nós, lá em Portugal, vamos tendo..."

8 comentários:

Guilherme Sanches disse...

A minha colega Inglesa viajava para Portugal, acompanhando três elementos de um cliente, jovens na casa dos 30, em visita à fábrica no distrito de Coimbra.
Pelo caminho, um deles, provavelmente quis exibir algum conhecimento e perguntou:
- em Portugal falam brasileiro, não é?...
Foi na semana passada.
Sabidos, estes ingleses...
Um abraço

LP disse...

Será que o Sr. "Tripeça" não fez mesmo a pergunta para a resposta obtida?

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa,

Na verdade, para além dos projectos de Federalismo Ibérico que já existiram, na actualidade a nossa interdependência económica e social com Espanha é cada vez mais uma realidade. Aliás, lembro-me de ter estado em Cambridge nos anos 80 e haver uma japonesa com boa formação que julgava que Portugal pertencia a Espanha.

Talvez, hoje devido à visibilidade internacional de algumas figuras públicas (L.Figo, C.Ronaldo, J.M.D. Barroso, A. Guterres, etc) e aos mega eventos da Expo 98 e do Euro 2004 isso não aconteça tanto. Mas, se vamos tentar realizar em parceria com a Espanha o Mundial de Futebol de 2018 ou 2022, pode ser que a confusão se volte a instalar em muitas pessoas no mundo...

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Snr. Embaixador:

Sou um seu leitor fiel, mas um tanto passivo, passividade que só se altera quando justamente o tema tem, de algum modo a ver com a "ameaça permanente".
Não sei se há relação de causa efeito ou se se trata de mera coincidência, mas ontem (Domingo, dia 05), no DN, o director daquele órgão, João Marcelino publicou um esclarecido artigo de opinião sobre o "Campeonato Ibérico de Saramago", que vale a pena ler. A ser com ele diz, episódios como o que V. Exª descreve, em tom ligeiro, arriscam-se a passar a ser mais a regra que a excepção...
Também eu, tal como JM, não compreendo a inacção de alguns serviços do Estado, que justamente é suposto (também) existirem para impedirem que saloios empertigados ponham em perigo aspectos essencias que devem ser tutelados pelo Estado. O que faz, neste caso, a tal Secretaria de Estado, snr. Embaixador?

Cumprimentos,

A. Costa Santos

patricio branco disse...

Ao ler a entrada evoco uma imagem que impressionou e enterneceu muita gente. Em 2009 ou 2008 circulou uma tremenda mas bela fotografia: o rei de espanha com o braço sobre o ombro de adolfo suarez, os dois passeando num verde jardim, vistos de costas, como que conversando. É facil encontrar na net a fotografia.
Que diriam os dois amigos e será que então A S (tal como o ex pr. ministro da entrada)tambem perguntou ao seu amigo juan carlos: "como vai espanha?". A sua já longínqua espanha.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Patrício Branco: Aconselho a que leia o post

http://duas-ou-tres.blogspot.com/2010/03/espanha.html

patricio branco disse...

Caro FSC. Obrigado pelas suas linhas. Na verdade, a sua entrada "Espanha" teve a boa virtude de me recordar essa imagem do rei juan carlos caminhando com adolfo suarez, bem como a carga emocional e afectiva que a mesma tem. É uma imagem de antologia histórica.
É possível que a sua entrada tenha outro sentido que não percebi, mas a mim a reacção que provocou foi aquela apenas: lembrar-me de um excelente instantâneo duma amizade entre um político hoje atingido por um mal cruel e o seu amigo rei, os dois companheiros de anos de difícil governação e de uma tentativa de golpe de estado que os uniu para sempre.

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

Ao Sr. Guilherme Sanches:

Se eu fosse «mauzinho» (que não sou ;-) ), dir-lhe-ia que esse inglês não está longe da verdade – em Portugal começa-se a falar (e a escrever), cada vez mais, «brasileiro». Veja-se, por exemplo, este blog do Sr. Embaixador.

Além disso, esse tal «antigo primeiro-ministro» não estaria hoje completamente desactualizado. Graças aos «esforços notáveis» de, nomeadamente, José Sócrates e Gilberto Madaíl, já estivemos mais longe de (voltar a) ser uma província espanhola.

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...