quarta-feira, outubro 12, 2022

E o governo?

Quando um partido surge a pedir a demissão de um ministro, podemos deduzir que, no fundo, está em favor da manutençaão de todos os restantes nos lugares que ocupam? Não seria mais eficaz pedirem a demissão do primeiro-ministro e, depois, ”ia tudo a eito?”

“Ucrânia - é imperioso sair da caixa”


Fez ontem cinco meses, publiquei este artigo no “Expresso”. Algumas coisas estão datadas e ocorreu a alteração de certas circunstâncias, mas, mesmo assim, hoje apetece-me relembrá-lo, porque o essencial não mudou e continuo a pensar exatamente o mesmo:

”Esta guerra já não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É cada vez maior o envolvimento, através de ajuda militar e de sanções, de muitos países que passaram a ser parte, embora por ora não beligerante, no conflito. Em moldes todavia nunca comparáveis ao sofrimento da população da Ucrânia, as respetivas sociedades estão a começar a sentir as consequências do prolongamento da guerra.

Parece não ter sentido que os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com ela interligada.

António Guterres disse hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê? Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá qual.

É imperioso sair do impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes no apoio que dão à Ucrânia - essa é, alías, a expressão essencial do seu poder neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial direta com Moscovo. Um conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação militar no seu terreno.

O envolvimento negocial ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas, decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à sua terra . Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de que o momento ótimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários paises europeus.

O mundo que Vladimir Putin conhece é o da força. Ora o ocidente tem hoje, nas suas mãos, dois instrumentos negociais que podem ser decisivos para qualquer compromisso: a sua capacidade e determinação em poder continuar a armar a Ucrânia, colocando-a em condições de ir “empatando” a guerra, e o fortíssimo pacote de sanções, que, recordo, foi posto em prática por virtude da agressão russa, pelo que parte do qual pode ser usado como moeda de troca na hipótese de um eventual compromisso.

Macron mantém o número de telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a guerra.

A História mostra que, para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.

O óbvio

António Costa disse hoje, sobre as palavras criticadas de Marcelo Rebelo de Sousa, exatamente o que precisava ser dito. As pessoas, mesmo as que não gostam de Marcelo, acham que uma pessoa como ele desculpabilizaria abusos sexuais? Não vale tudo!

Os lamentos de Borrell

Josep Borrell deu um “arraso” público à máquina diplomática que a União Europeia alimenta pelo mundo, o chamado Serviço Europeu de Ação Externa. Para o responsável máximo pela diplomacia europeia, falta qualidade e prontidão ao “produto” das suas embaixadas pelo mundo. Estas declarações provocaram, ao que se sabe, um choque entre os funcionários do sistema, ao serem-lhes puxadas as orelhas da forma que o foram. Mas nada melhor que o seu chefe para credibilizar, com o seu testemunho, a ineficácia do SEAE. A suprema ironia desta avalição é o facto desta estrutura ter recursos materiais para a sua atividade bastante significativos, ter, também por essa via, um grande poder de influência junto dos países onde atua e dispor de gente qualificada. Se não funciona bem, de quem será a culpa? Talvez de quem orienta o sistema. 

terça-feira, outubro 11, 2022

O título


Um dia, numa conversa durante uma viagem de avião, comentei com António Guterres que estava furioso com a frase que um jornal tinha escolhido para título, de tudo o que eu tinha dito numa entrevista. Era redutora e distorcia por completo o que eu pensava. Guterres riu-se: “Aprenda, meu caro! Numa entrevista, a sua pior frase será sempre o título”.

Lembrei-me disto, ao ver a onda de críticas que hoje choveu sobre o presidente da República. Às vezes, basta uma frase menos feliz para ajudar à festa.

segunda-feira, outubro 10, 2022

O recado

Os ataques de hoje, e os que podem aí pode vir, inserem-se numa espécie de recado implícito de Moscovo a Kiev: parem de atacar territórios nas zonas que consideramos como nossas ou tornaremos a vossa vida num inferno.

“Fait divers”


Hoje, quando o ministro das Finanças entregava a “pen drive” com o texto do orçamento de Estado ao presidente da Assembleia da República, o envelope caiu ao chão. Foi logo um forrobodó de comentários nas redes sociais. “Much ado about nothing”, como diria o clássico.

É curioso observar esta inescapável tendência da comunicação social para agarrar o insólito, o imprevisto, mesmo sem o menor significado para o momento. Ninguém resiste a esta tentação. Então um escorregão de uma figura pública num passeio ou num degrau é logo um “prato de substância” para certa media!

Há uns anos, numa cerimónia pública a que eu assistia, no Brasil, o presidente Lula, que estava num palanque, deixou cair ao chão um copo de água, que se estilhaçou, com toda a gente à volta a procurar ajudar. Os fotógrafos logo "flasharam". Recordo-me de ter dito para o chefe de gabinete de Lula, que estava ao meu lado: "Vai ser curioso ver quantos jornais amanhã trarão a fotografia desta cena...". Sem excepção, todos, todos mesmo, trouxeram!

Já tenho pensado que um bom trabalho de "marketing" político poderia planear incidentes inocentes, feitos apenas para a fotografia, por forma a humanizar certas personagens políticas. A alguns, com um ar muito ”certinho”, bastante jeito dava…

Medina

Fernando Medina, que alguns apressados diziam ser um erro de “casting” de Costa para as Finanças, tem dado, ao longo destes últimos meses, sobejas provas de qualificação para o cargo.

Polícia mau

O antigo primeiro-ministro e presidente alternante da Rússia, Dmitri Medvedev, parece ter como função, no aparelho da diplomacia pública da Federação, a de “polícia mau”. Só que, neste caso, não parece muito evidente quem é o ”polícia bom”. Se esse é o papel de Putin, safa!

Precisão

Moscovo afirma que os mísseis hoje utilizados nos ataques a zonas urbanas são de extrema precisão. É bom saber. Isso significa que todos os alvos atingidos, por muito inverosímil que isso pareça, eram mesmo aqueles.

Pior, afinal, é possível

O dia de hoje provou que, como beligerante, a Rússia ainda tem margem para piorar a sua imagem e agravar o seu isolamento.

Previsível

A Rússia, no dia de hoje, foi tragicamente previsível: ataques, ao que parece um tanto discriminados, por áreas urbanas, um pouco por toda a Ucrânia. Vingar Kerch.

Outono



Em outubro, pode cheirar a setembro.

(A fotografia não é minha. Roubei-a por aqui)

Vamos para a rua?

Nesta coisa do acordo de concertação social sente-se um pouco discreto carinho em alguns comentadores, de inesperadas bandas, pela posição da CGTP, como a ressoar um “haja alguém que não amouxe!” No fundo é a “desilusão”, não é?: “Então as ‘nossas’ confederações portam-se assim?”

Do tempo do outro senhor

Declaração que os funcionários públicos eram obrigados a ler em voz alta, na ditadura, antes da posse: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição política de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”.

Fico com a sensação, ao ler muita gente aqui pelas redes sociais, que isto já os chocou mais do que os choca hoje.

domingo, outubro 09, 2022

Heterodoxias

Alguém notou que, quando o PSD está no poder, a comunicação social não recruta tantas figuras heterodoxas daquele partido para comentar a atualidade política como acontece com o PS. Será verdade? Ou o tempo PSD no poder já lá vai há muito e nós esquecemos?

Concertação

Nos comentadores do acordo de concertação social transpareceu uma espécie de “desconfiança” sobre o que teria levado certos parceiros a assiná-lo, não obstante as suas anteriores divergências face às posições do governo. Em vez de “desconfiarem”, por que não lhes perguntam?

Mistério

Que diabo se terá passado neste blogue para que, neste sábado, tenha havido mais de 10.700 visitantes, quando a normalidade são l.200 / 1.400 leitores diários? Que se procurou por aqui? Ele há cada mistério…

sábado, outubro 08, 2022

Kerch

O argumento russo de que a danificação da ponte de Kerch é um ato de “terrorismo” é perfeitamente ridículo. A Rússia está em guerra com a Ucrânia, chame-lhe Moscovo o que lhe chamar. Destruir infraestruturas é um ato normal numa guerra. A Rússia não fez o mesmo na Ucrânia?

Fui à Revista!


Tenho a sensação de que o programa de ”ir ver uma Revista ao Parque” não surge, nos dias de hoje, como uma das primeiras ideias na cabeça dos lisboetas, quando pensam sair à noite.

Pois fazem mal! Ontem decidi ir ver, com amigos, uma revista ao Maria Vitória, um espetáculo que comemora os cem anos da abertura do Parque Mayer. Por isso se chama ”Parabéns, Parque Mayer!”.

Não nos arrependemos. A revista é divertida, enche quase duas horas de música, de graças e, claro, de coristas - porque gosto das revistas como gosto da ginginhas, isto é, com elas. 

Acho, além disso, que os lisboetas têm um dever de solidariedade com a companhia teatral que ali se mantém há vários anos, sem obter subsídios. 

O Parque Mayer tem um estacionamento muito fácil e por ali janta-se bem e a custo módico.

Ontem, recordei que foi precisamente no Maria Vitória que, em 1965, vi a minha primeira revista em Lisboa. Chamava-se “E viva o velho!”. Um jovem chamado António Mourão estreava ali o seu maior sucesso, o “Ó tempo volta p’ra trás”. Menos de uma década depois, felizmente, a História não lhe fez a vontade.

Ainda no ano anterior, com o Cine-Teatro Avenida, de Vila Real, a abarrotar, tinha assistido à revista ”De Biquini e Chapéu Alto”. Ainda hoje me interrogo como tive a lata de falsificar, nessa noite, com uma resura de tinta, o meu bilhete de identidade, porque só se entrava com 17 anos - e eu tinha 16…

Voltando à minha ida ao Maria Vitória, em 1965. Entrei, com uns primos, com um ”bilhete de claque”, comprado junto de uma figura conhecida de uma certa Lisboa, que parava, ao final da tarde, na porta da Estação do Rossio. A ”obrigação” decorrente da aquisição desse tipo de bilhetes, que custavam um quarto do preço regular, era a de bater palmas ao sinal do “claqueiro”, que se encostava à parede lateral do teatro. 

Não sei quando acabaram os “claqueiros”. Ontem, não precisei deles para bater bastantes palmas, durante toda a revista.

sexta-feira, outubro 07, 2022

Mahler ou Godinho?


Andava eu pelo liceu quando o meu tio Luís, que vivia em Lisboa, num Natal, ofereceu ao meu pai, conhecido na família como francófilo, um livro da escritora francesa Françoise Sagan. O livro chamava-se “Aimez-vous Brahms..” 

O meu pai agradeceu muito a gentileza do cunhado. Minutos depois,  fez uma observação, mais ou menos assim: “É curioso, o título deste livro. Desde logo porque tem dois pontos a seguir às palavras. Ora isso “não existe” em pontuação: ou é um ponto ou são três pontos, as reticências. Mas é ainda mais estranho por outra razão. Se o título quer afirmar, devia ser “Vous aimez” e não “Aimez-vous”. Se tem o “Aimez-vous”, se é uma questão, deveria ter um ponto de interrogação.” 

Fixei aquilo e, sempre que, nos anos seguintes, olhava para o livro, lembrava-me do “mistério” do título. Para quem for mais curioso, o “tio Google” explica que, ao longo dos tempos, não foi só o meu pai a ficar intrigado. A história é conhecida e há hoje títulos publicados da mesma obra para todos os gostos. Mas não é essa a questão de hoje.

Ontem, estava a assistir à interpretação de uma obra de Mahler e, de repente, lembrei-me da pergunta: “Você gosta de Mahler?” 

Quem colocou essa questão, em meados dos anos 90, dirigida a um candidato ao acesso ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi o embaixador Luís Navega, que representava o secretário-geral da casa no júri de um concurso para a seleção de futuros diplomatas. 

Tratava-se da prova então chamada  “de apresentação”, em que se procurava, em 20 minutos, perceber, de forma algo impressionista, se o candidato tinha conhecimentos culturais mínimos. Gostar de Mahler estava, claramente, fora desse âmbito. Eu, que também integrava esse painel, fiquei banzado com o rigor da questão. Recordo-me de ter trocado olhares com outros membros do júri. Já não sei o que o candidato respondeu. De uma coisa há a certeza: ele não reprovou por causa disso, porque, acabada a prova e fechada a porta, todos os restantes membros do júri manifestaram, em coro, a sua surpresa pela questão de Luís Navega. Tanto mais surpreendente quanto ele era sempre um homem muito sensato.

Como se diz no bilhar, fiquei com aquela de Mahler “à marca”. Minutos depois, na entrevista com o candidato seguinte, puxei a conversa para outro tipo de música e saí-me com esta: “Você gosta de Sérgio Godinho?”. Olhei de viés para o embaixador Navega. Como bom profissional, afivelava um sorriso “giocôndico”, o que era uma resposta ínvia à minha óbvia provocação. Para a pequena história: o candidato gostava muito de Sérgio Godinho. Não faço ideia sobre se entrou para as Necessidades.

quinta-feira, outubro 06, 2022

Nobel

Aquele meu amigo putinista (e trumpista, que gosta do Orbán e do Erdogan, que fala com entusiasmo do “André” e que prefere o Salvini à Meloni) enganou-se.

Ontem, quando lhe perguntei um prognóstico para o Nobel da Literatura, tinha-me dito: “Vai para o tipo que escreve os “power points” ao Zelensky, vais ver!”

“A Arte da Guerra”


Esta semana, no podcast “A Arte da Guerra”, o diálogo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre temas da política internacional, feito para o “Jornal Económico”, analiso os resultados da primeira volta das eleições presidenciais brasileiras, as consequências, no plano europeu, do resultado das eleições legislativas na Bulgária e as dificuldades da nova primeira-ministra britânica para implementar a sua agenda liberal radical.

Pode ver aqui.

Requião

Numa intervenção pública que ontem fez, Lula da Silva referiu que uma das três personalidades politicas brasileiras que sempre apreciou, mesmo quando com elas tinha tido conflitos, era Roberto Requião.

Senador e, por três vezes, antigo governador do Estado do Paraná, Roberto Requião está, nos dias de hoje, para surpresa de muita gente, nas fileiras do PT. Concorreu e foi derrotado, no domingo passado, para um quarto mandato como governador do Estado. 

Mas nem sempre a sua relação com Lula foi assim foi. Ao tempo em que foi governador do Paraná, e era um militante bastante heterodoxo do então PMDB, Requião afirmava-se como uma figura bastante polémica. Autoritário e com “voz grossa” na vida pública, chegou a demitir em direto, durante uma reunião do governo estadual transmitida pela televisão, um seu governante. As suas relações com o governo central, em Brasília, foram muito difíceis e, de quando em vez, faziam títulos nos jornais os seus frequentes conflitos com os ministros de Lula.

Como embaixador, eu sempre olhei os confrontos entre políticos brasileiros como mero objeto de análise política, feita por um observador exterior. As minhas preocupações centravam-se então, no que ao governo do Paraná dizia respeito, na tentativa de defesa dos nossos interesses. E nesse âmbito, havia um sério problema: o governo de Requião recusava-se a cumprir os termos de um contrato assinado pelo Estado com uma empresa portuguesa. Porquê? Porque esse contrato tinha sido assinado pelo seu antecessor no cargo e ele não concordava com os respetivos termos.

Decidi ir ver Roberto Requião a Curitiba. Surpreendentemente, em lugar de me receber em audiência no palácio do governo, convidou-me para almoçar na sua “chácara”, nos arredores da capital. Levei isso à conta da simpatia que teria pela importante comunidade portuguesa no Paraná, um Estado que tem uma população igual à de Portugal.

Fui ao almoço com a Cônsul de Portugal, Patrícia Gaspar. A conversa, a anteceder o repasto, depois de eu ter sintetizado ao que ia, não começou muito bem. Requião fez uma diatribe sobre a atividade da nossa empresa, insinuando ter havido arranjos financeiros, por debaixo da mesa, aquando da assinatura do polémico contrato. Sem dar para isso a menor prova, claro. Por isso, disse-me, não iria cumprir os termos do contrato. 

Nesse caso, e constatando estar esgotada toda a possibilidade de solução negociada, só restava à empresa o recurso aos tribunais, concluí eu.

Requião respondeu-me: “Só aceitarei decisões dos tribunais do Estado, daqui do Paraná. Não confio nos tribunais federais, lá de Brasília. Nunca respeitarei uma decisão que venha deles”. Aí, provoquei-o: “E se os tribunais do Paraná não lhe derem razão? ”. Deu uma gargalhada: “Dão, pode ter a certeza de que dão…”, deixando intuir o óbvio.

Nesse ponto da conversa, agravei o tom: “Nos últimos anos, senhor governador, o Estado português tem estimulado muito o investimento privado no Brasil. Um dos argumentos que temos dado aos empresários portugueses é que o Brasil é um Estado de direito, que aqui há um sistema judicial fiável, que existe uma segurança jurídica que permite investir e, quando há problemas, a lei protege os direitos do investidor. O que o senhor governador me está a dizer agora é que o Paraná se isenta dessa obrigação, que faz uma justiça ao seu jeito. Isso quer dizer - e lamento ter de o constatar - que o Brasil, enquanto entidade internacional de bem, passa a ter, no Paraná, uma espécie de “buraco negro”. Quero dizer-lhe que isto me surpreende muito!”

Roberto Requião olhou-me com um ar furioso. Fisicamente, ele era imenso, ao meu lado. Por um instante, temi o pior. Um ano antes, num confronto do mesmo género com o embaixador espanhol, Requião tê-lo-á ameaçado de prisão! 

Decidi não insistir no ponto. Consegui distender a conversa e, um quarto de hora depois, já após a análise de outros assuntos menos contenciosos, convidou-me a ir com ele à sua adega, para escolhermos um bom vinho francês para a nossa refeição. Disse-me que, todos os anos, fazia “expedições” com o filho a França, onde se enchiam de ostras e ele comprava ótimos vinhos.

O almoço acabou por ser simpático, embora com ainda com uma pequena picardia, quando Requião considerou o Vinho do Porto um “melaço imprestável”, o que levou a uma leve indignação da nossa parte. 

No tocante ao motivo central do encontro, Requião tinha feito o seu ponto e eu tinha feito o meu. O assunto seguiu para a justiça e, creio, só se resolveu depois da minha saída do Brasil.

Fui do Brasil para França. Nunca me cruzei com Requião em nenhum restaurante de ostras ou numa qualquer cave de vinhos franceses. Gosto pouco de ostras e, na minha casa em Paris, só se bebiam vinhos portugueses. E Vinho do Porto, claro.

quarta-feira, outubro 05, 2022

“Cícero”


Cícero Dias foi um excelente pintor pernambucano, da época do modernismo. Alguém decidiu homenageá-lo em Lisboa, criando um restaurante-bistrot em Campo de Ourique, chamado “Cícero”. Fica na rua Saraiva de Carvalho, no local onde esta artéria cruza com a Tomás da Anunciação. Os proprietários, recheados de bom gosto estético, criaram, num espaço limitado, quatro áreas diferenciadas. A obra de Cícero Dias é evocada por lá.

(Imagino que os proprietários do restaurante não façam a menor ideia de que a casa onde se instalaram alojou, por muitos anos, uma empresa brasileira, a Dimep, criada pelo português Dimas de Melo Pimenta, dedicada ao fabrico de relógios industriais. Por que sei isto? Porque a Dimep foi objeto de uma intervenção estatal, em 1975, no auge da Revolução portuguesa. E porque tive como tarefa, como jovem diplomata, dois anos mais tarde, secretariar uma comissão inter-ministerial luso-brasileira que teve de tratar de essa e de outras questões similares. E guardei para sempre o nome da Dimep (e do Pão de Açúcar) como uma delas.)

Voltando ao restaurante. A lista não é muito longa, mas está bem construída, com criatividade e muito saber. Se consultar o site, pode ficar a saber bastante, do menu aos preços: https://cicerobistrot.pt . Mas só ficará a conhecer mais se passar mesmo por lá, como eu fiz hoje, para almoçar, depois de ontem um amigo me ter falado do “Cícero”. Comi bem e gostei do serviço, muito profissional. Só posso desejar sorte à gente do “Cícero”.

Luís Moita


Quando revemos aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias, surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita.

Há muito que, à distância, eu sabia quem era aquela figura que, saída do catolicismo crítico, enveredara, entre outras, pela tarefa difícil, mas essencial, de ajudar à luta anti-colonial na terra do colonizador. A repressão, que bem conhecia a sua determinação, não o poupou.

Imediatamente após Abril, cruzei o Luís em algumas noites agitadas desses dias sem par. Mas, com a minha itinerância, os nossos destinos perderam-se, por algum tempo.

O Luís, com uma admirável coerência e grande dignidade, fez, a partir daí, o percurso cívico que a consciência lhe ditou, ligando-se, sempre com aquele contagiante entusiasmo juvenil que é o seu, a algumas causas que entendeu como nobres e necessárias.

Sempre do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes, o Luís foi fazendo o seu caminho, envolvendo-se em áreas da dinamização da sociedade civil, ao mesmo tempo que ia construindo uma carreira académica de sucesso.

Foi em alguma limitada ligação minha ao mundo universitário, a seu convite, na última década, que me aproximei mais do Luís. E em que desenvolvi com ele a forte relação de amizade que hoje nos une. Tenho, além disso, pelo Luís Moita, uma consideração e uma admiração que dedico a muitas poucas pessoas - e digo isto com grande sinceridade.

Durante anos, eu achava que o Luís “não tinha idade”. A sua vitalidade e capacidade de trabalho projetavam nele um “boyish style” que quase me levou a não acreditar quando, um dia, ele me convidou para a festa dos seus 80 anos.

A saúde pregou, entretanto, algumas partidas recentes ao Luís. O seu quotidiano futuro vai ter algumas limitações, o dia a dia já não vai poder ser aquilo que, até há pouco, foi e em que ele se sentia confortável. A universidade já não poderá contar com aquela sua generosa e proverbial disponibilidade. Mas, como canta o nosso amigo Fausto, “atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir”.

O espírito do Luís mantém-se, felizmente, inalterado: “O 5 de outubro não é só a proclamação da República, é também o dia do meu regresso a casa”, disse ele, há dias, aos amigos, numa SMS.

Bem regressado, Luís! A vida continua e os teus amigos estão muito felizes por te verem de regresso às lides. E, neste dia, em que te mando um forte abraço e um beijo amigo à Ana, sei que estás comigo num viva à nossa bela República!

terça-feira, outubro 04, 2022

“Country”


A “country music” tem um mundo de fãs muito estranho. Há quem lhe ache pouca piada, quem considere que aquele ritmo é pobre, repetitivo e adequado a um auditório pouco sofisticado. Não sou dessa opinião. Temos de colocar aquela música no seu ambiente próprio, que é o de uma certa América popular. O “country” tem grandes vozes, homens e mulheres, no seu caminho criativo, que tem quase 100 anos.

Hoje, com 90 anos, morreu uma das grandes cantoras da história do “country”, Loretta Lynn (na fotografia). O seu maior êxito é, na minha opinião, o “Coal miner’s daughter”, que, já há muitos anos, deu origem a um filme, protagonizado por Sissy Spacek.

Estava eu nesta conversa com um amigo, ao final da tarde de hoje, louvando a qualidade da desaparecida rainha do “country”, quando ele me contraditou, escandalizado: “Rainha do “country”?! A Loretta Lynn?! Ora essa! A rainha do “country” é a Patsy Cline! A longa distância!” Diga-se que Cline morreu em 1963, mas este meu amigo tem muito boa memória de ouvido. 

E assim ficámos. Pode ouvir a Loretta Lynn, no “Coal miner’s daughter” e a Patsy Cline, no seu clássico “Crazy”, uma balada de que eu também gosto muito. Mas não lhe disse, claro!

segunda-feira, outubro 03, 2022

Horário de trabalho

Quando é que terminam as férias da pessoa que o governo contratou para coordenar a sua política de comunicação?

“Fringe talks”


Começou ontem, em Birmingham, terminando na 4ª feira, a conferência anual do Partido Conservador britânico.

A recém-eleita líder “tory”, Liz Truss, vai ter ali uma difícil prova de fogo, imediatamente após ter recuado face a uma medida de extremismo liberal que provocou a revolta nas hostes conservadoras: a brutal redução de impostos para os mais ricos, a ser financiada com endividamento público. Truss já não vai ter uma segunda oportunidade para retificar a má primeira impressão que já deixou.

Vai para trinta anos, quando trabalhava na nossa embaixada em Londres, fui a uma dessas conferências, que teve lugar em Blackpool. O partido tinha saído do longo período de liderança de Margareth Thatcher e o governo era chefiado por John Major, o nome “lackluster” de compromisso encontrado pelos “grandees” do partido para evitar que Michael Heseltine, com credenciais europeístas, chegasse a primeiro-ministro.

Nesse tempo, a conferência anual dos conservadores era um dos poucos momentos em que as estruturas locais, as “constituencies”, tinham oportunidade de se misturar com quem, verdadeiramente, era o dono da condução da máquina partidária: o grupo parlamentar. Embora lhes competisse selecionar os candidatos a deputados, as bases conservadoras estavam então excluídas, por completo, de intervir na escolha do líder, usando a convenção como a rara oportunidade para passar a suas preocupações políticas. Nos dias de hoje, as coisas são um pouco diferentes, e bastante mais democráticas, como recentemente se constatou: os deputados, por eliminação sucessiva de candidatos, chegam a uma “short list” de dois nomes, competindo ao militantes, por voto secreto, escolher um deles para líder. Foi dessa forma que Liz Truss chegou, há semanas, à liderança.

As conferências são uma imensa “feira”, no bom sentido. Há, no plenário  animação, muita cor (com o azul predominante), tendo mais interesse e graça quando o partido está no poder. Algumas “constituencies” e alas ideológicas do partido organizam interessantes debates setoriais temáticos, os “fringe meetings”, de acesso livre, onde se expressam os defensores de linhas que estão longe do “mainstream” dominante no poder central, em Londres.

Lembrando (o que muitos ignoram) que o partido conservador também tem oficialmente no seu nome a palavra “unionista” (promotor da ligação da Irlanda do Norte à Grã-Bretanha), os debates sobre a temática irlandesa eram interessantíssimos, com o reverendo Ian Paisley em destaque, com a sua voz tonitruante. A Europa era, já então, bem diabolizada, com figuras como Bill Cash e outros eurocéticos (a quem Major chamava, em privado, os “bastards”) a darem o tom. Nesses escassos dias em Blackpool, aprendi mais sobre os conservadores britânicos do que em muitas horas de leitura de livros ou jornais. E fiquei fã, não dos conservadores (credo!), mas do acompanhamento possível das suas conferência, mais serenas nos liberais-democratas, mais ideologicamente bizarras, no limite do extremismo heterodoxo, nos antigos trabalhistas.

Nesse ano, nos corredores de um desses "fringe meetings", entre os quais eu saltitava para apanhar os programas mais divertidos, com os oradores mais apelativos, numa troca de apresentações, num grupo de diplomatas, apertei a mão a um desconhecido que me disse:

- Sou o adido militar da Indonésia em Londres. De que país é?

- Sou um diplomata de Portugal. E quero dizer-lhe que acho muito curioso conhecer um militar indonésio. Nem imagina quanto, por estes dias, se fala dos militares indonésios lá pelo meu país...

O massacre de Santa Cruz, levado a cabo pela repressão militar indonésia em Timor, estava na memória recente de todos.

Disse aquilo e fiquei impávido. O homem olhou-me, de esgar vidrado, sem saber como reagir. Outros colegas estrangeiros, rápidos na perceção da situação, ficaram à espera de um qualquer "follow-up". Que não houve, claro. Cada um de nós foi para seu lado.

Impressões

Liz Truss não terá uma segunda oportunidade para poder criar uma primeira impressão à frente do seu país. E a primeira impressão que deixou não foi brilhante.

Lição

No Reino Unido, nos últimos dias, aconteceu uma dispendiosa aula prática sobre a diferença entre o radicalismo liberal e o conservadorismo.

Borla esterlina

O governo britânico foi obrigado a ceder na sua proposta de dar uma “borla” aos cidadãos mais ricos, para estimular a economia. O crescente mal-estar no seio dos conservadores forçou o recuo. Resta agora esperar para ver o impacto que tal vai ter no comportamento dos mercados.

Kupiansk

Anda aí uma polémica séria sobre um plágio no “Público”. O tema é interessante, embora triste. Lembrei-me dele agora, ao ver no jornal o nome de uma cidade na guerra da Ucrânia: Kupiansk.

Dois amores

O espetro de representação partidária nas duas câmaras legislativas brasileiras favorece Bolsonaro, em detrimento de Lula, para a governação nos próximos quatro anos. Será assim? Quando os partidos se sentarem à mesa do orçamento, com quem ganhar, os alinhamentos irão às urtigas.

domingo, outubro 02, 2022

O dia seguinte

Lula vai ganhar. Mas, no final, como aconteceu nos EUA com Trump, iremos olhar para os largos milhões de brasileiros que votaram Bolsonaro. E, para o futuro que aí vem, Lula terá que pensar que essas pessoas são, em regra, muito diferentes de quantos votaram Serra, em 2002.

Guerra e Paz

O Comité Nobel de Oslo, terra do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, irá nomear um Prémio Nobel da Paz 2022 que nos surpreenda?

O ridículo também mata

Nesta guerra, os responsáveis russos expõem-se a um imenso ridículo. Ouvir o Ministério da Defesa russo dizer que a retirada de Lyman foi feita para assegurar “more advantageous lines” vai acabar por ganhar o prémio do “understatement” do ano.

Depois do Xá


Chico Buarque, há muitos anos, escreveu sobre as mulheres de Atenas. Ninguém escreve sobre a coragem magnífica das mulheres de Teerão?

Voto no Bolso

Não quero desiludir os meus amigos lulistas, mas gostava de lembrar que, há quatro anos, Bolsonaro teve mais votos do que as sondagens previam. Vai perder, é óbvio, mas a possibilidade de ser só no dia 30 de outubro é elevada. Mas nunca se sabe, né?

O discurso do rei

A imprensa inglesa diz que a presença do rei na cimeira do clima, onde faria uma intervenção sobre o tema de políticas públicas que mais o motiva, foi desaconselhada pela primeira-ministra Liz Truss. 

Até aqui, tudo normal, até porque o rei teria de ler exatamente o que o governo quisesse e não o que tivesse a veleidade de pensar. A questão é outra: está em saber se Truss não se estará a preparar para recuar nos compromissos climáticos, afastando-se de alguns parceiros ocidentais.

sábado, outubro 01, 2022

Lula


Em 1989, por esta altura, fui de férias ao Brasil. Decorria uma campanha presidencial. Por dias, fiquei colado à televisão, arruinando horas de programas turísticos organizados por amigos. Tudo aquilo, à época, era, para mim, uma coisa nova, comparada com a cansativa política portuguesa. Começou ali a minha descoberta da imensa diversidade da vida política de um Brasil de novo em liberdade.

O favorito do sufrágio, que depois seria o seu vencedor, era Collor de Mello, um candidato “penteadinho”, com ar kennedyano e discurso plástico, claramente promovido pela Globo e pelos poderes fácticos do dinheiro. (Três anos depois, os escândalos afastá-lo-iam da presidência). O seu opositor era um sindicalista, Lula da Silva, então com um ar um pouco “troglodita”, barba larga e “look” quase ameaçador, dizendo, sem jeito mediático e o sorriso que a experiência lhe faria ganhar, algumas coisas que assustavam parte da classe média. 

Aquela campanha presidencial significou, verdadeiramente, o regresso à plena liberdade política, a consolidação da democracia, depois da aprovação de uma nova Constituição, o fecho de mais de duas décadas de sinistra ditadura militar.

Aquele era um tempo político magnífico para a vida cívica do Brasil! Ali assisti às campanhas de Ulisses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, Fernando Gabeira, Paulo Maluf e do bizarro Enéas, com os seus 15 segundos de antena (no Brasil, o tempo de campanha oficial depende da força dos partidos apoiantes), que quase só tinha tempo para dizer “Meu nome é Enéas”.

Collor ganhou, com Lula a fazer 47%. Em 1994 e 1998, Lula voltou a perder, ambas as vezes para Fernando Henrique Cardoso. Voltaria a concorrer uma quarta vez, em 2002, ganhando, dessa vez, a José Serra. Seria reeleito, em 2006, com 61%, tendo Geraldo Alckmin como principal adversário. Alckmin é hoje o seu candidato à vice-presidência. 

Estive no Brasil, como embaixador, durante parte do primeiro e do segundo mandato de Lula. Cheguei a Brasília num tempo, que já vinha de trás, de alguma euforia nas relações económicas bilaterais, com interessantes resultados de empresas portuguesas no mercado brasileiro.

Tive a sorte de poder criar com Lula uma boa relação pessoal. É uma pessoa cativante e muito agradável. Se muita gente do seu partido estava, e está, longe de ser fã das relações com Portugal, Lula foi sempre a exceção: nunca, nos quatro anos que estive no Brasil, deixei de contar com o seu permanente interesse em aprofundar as relações com Portugal. Testemunhei a atenção com que tratou interlocutores portugueses que foram ao Brasil, por esse tempo: José Sócrates, Mário Soares, Jaime Gama, Cavaco Silva, Jorge Sampaio e alguns outros. Não posso dizer o mesmo da atitude para connosco por parte da ministra que acabou por ser a sua sucessora.

Amanhã, Lula vai sair vitorioso da primeira volta das eleições presidenciais brasileiras. Se não parece muito plausível que a sua eleição possa acontecer nesta primeira volta, isso irá ocorrer, inevitavelmente, no dia 30 de outubro, no segundo turno, a menos que “o diabo vista farda”.

Lula pode ter muitos defeitos e nada garante que este seu novo ciclo político venha a ter o inegável sucesso que foram os seus oito anos de presidência. Mas tudo será seguramente melhor, para o Brasil, do que aquilo que se passou nos últimos quatro anos. E será bem melhor, para Portugal, ter Lula na presidência. O facto de André Ventura dizer o contrário conforta-me nesta minha certeza.

Governos

Há uma regra na política, desde tempos imemoriais: quando a oposição, política ou mediática, dá sinais de gostar muito de um ministro, é sinal de que a ação de tal governante está em óbvio contraciclo com o executivo de que faz parte. Esta regra quase nunca falha!

Rússia

É pouco plausível que a Rússia se arrisque a utilizar armamento nuclear tático na guerra da Ucrânia. A China já deu sinais de que a sua “neutralidade colaborante” não se manteria, nesse caso. Mas é crível que Moscovo enverede por uma muito maior violência em termos convencionais.

NATO

O diferente modo como cada Estado membro da NATO vai reagir ao pedido de adesão da Ucrânia acaba por criar a imagem de uma organização dividida, coisa que a não favorece e era perfeitamente evitável.

Falsa bandeira

Os tempos que correm recomendam muito que se conheça o conceito de operações de “falsa bandeira”. Trata-se de operações militares executadas por um dos lados, o qual, contudo, procura imputá-los ao outro lado, com vista a prejudicar a imagem pública deste. Estejam atentos.

Imperialismo do bem


Em Campo de Ourique, fecharam a Peixaria da Esquina e a Parreirinha do Minho. 

Continua, contudo, impante, a Imperial de Campo de Ourique, do meu amigo João Gomes.

Ao almoço de hoje, a dona Adelaide preparou-me por ali um bacalhau à minhota que estava de comer e chorar por mais. 

Mas não espalhem muito, porque as mesas são escassas!



Parabéns, Carlos Moedas!


A decisão de mandar retirar todos os cartazes que poluíam a paisagem do Marquês de Pombal, tomada pelo presidente do município Carlos Moedas, representou um ato corajoso e de grande valia cívica. Os lisboetas agradecem-lhe e aplaudem-no. 

Só um autarca do PSD poderia concretizar esta medida, porque havia sido precisamente o PSD a objetar, no passado, a uma similar proposta feita por uma gestão socialista.

Agora, não perdendo o balanço, é importante que haja uma rápida limpeza dos cartazes com a mesma natureza, um pouco por toda a cidade, das praças à 2ª circular e outras vias onde o olhar dos condutores, com os riscos que isso implica, vivem sob constante distração visual. O que se passa em frente à Assembleia da República é, em particular, uma vergonha para a dignidade daquele órgão do Estado! 

Lisboa poderá constituir, aliás, um bom exemplo para o resto do país. As cidades portuguesas não podem continuar a ser a selva visual que atualmente são. Os cidadãos devem ter direito a ter todos os seus espaços públicos limpos de material propagandístico, político e não só. O país não vive numa campanha eleitoral permanente e, quando isso acontece, como sucede nas democracias evoluídas, deve haver lugares próprios para colocação da sua propaganda, com tempo certo para a retirada desses materiais, com coimas se tal não acontecer. 

Se Carlos Moedas também vier a pôr ordem na praga das trotinetes (não apenas no trânsito, mas também na recolha, obrigando à sua acomodação pós-uso nos equipamentos próprios para parqueamento, o que é possível obrigando a que o desligar dos cartões de utilização só venha a ocorrer nesses pontos) e conseguir disciplinar a questão do ruído noturno em zonas com forte componente residencial, deixará uma marca de modernidade na sua gestão da capital. 

Parabéns, Carlos Moedas!

Artigo 5°


Fala-se muito do Artigo 5° do Tratado de Washington, constitutivo da NATO, e da reação que o ataque a um país membro pode vir a resultar por parte dos outros. Convém lê-lo bem e entender que a resposta armada não é assim tão automática.

Questões

Se a ambição russa passar a ser preservar as fronteiras das novas regiões anexadas, pode deduzir-se que zonas como Odessa deixam de ser alvos militares? Caiu assim o desígnio russo de vedar o acesso da Ucrânia ao Mar Negro? E o sonho da Transnístria de integrar a Rússia?

sexta-feira, setembro 30, 2022

Geografias


Aqui estão o novo mapa da Rússia (e, por consequência, o novo mapa da Ucrânia), anunciado por Moscovo. Vale a pena fazer apostas sobre quem, pelo mundo, irá reconhecer esta nova realidade formal. Vai-se falar muito de Portugal, por estes dias: é que as cinco regiões (“oblast”) a laranja escuro, têm aproximadamente a área do nosso país.

Nervos de aço


A Federação Russa aceitou o pedido de integração das quatro repúblicas criadas no território da Ucrânia, duas em 2014, duas outras pelos referendos organizados na última semana.

Sei que, chegados a este ponto, muitos leitores devem estranhar que o parágrafo com que encimei o texto não esteja recheada de aspas, que a palavra repúblicas não esteja antecedida do ritual auto-proclamadas, que o termo referendos não tenha antes o adjetivo de falsos. Fiz isso de propósito, porque as evidências devem falar por si e as pessoas não precisam de muletas gráficas para entenderem o óbvio. Aquelas repúblicas e a sua independência fugaz valem o que valem, os atos referendários têm a legitimidade que cada um quiser atribuir-lhes. A cada um a sua verdade, ou a sua mentira.

No seu discurso de hoje, somado a outros recentes, Vladimir Putin foi muito claro. A sua leitura da Rússia mostra uma evidente não acomodação à realidade que constituiu a implosão da União Soviética, em 1991, da qual resultou a criação de 15 Estados. Putin não desejava o fim da União Soviética. Já agora, eu relembraria que Mikhail Gorbachev também não.

O que é distintivo nesta doutrina de Putin é a noção, que hoje ficou ainda mais clara, se necessário fosse, de que os espaços geográficos da antiga URSS onde ainda exista uma significativa presença de populações russas constituem, para a Rússia de Vladimir Putin, territórios passíveis de integração na Federação Russa, tida relutantemente como a matriz institucional atual da pátria russa.

A lógica deste raciocínio é extremamente simples: trata-se de tentar reverter, na medida do que hoje ainda é possível, o destino criado a essas populações pelo ato de 1991, que, agora se percebe melhor, não é aceite por Putin como legitimador de fronteiras.

Se repararmos bem, o gesto de Moscovo, ao reconhecer, em 2014, as repúblicas da Abcásia e da Ossétia do Sul, áreas cindidas da Geórgia e das quais tinham saído, depois de conflitos armados, as respetivas populações não russas, já ia precisamente nesta linha.

Na Ucrânia vivia, até ao dia de hoje, a maior população russa expatriada. Na perspetiva de Moscovo, isso agora acaba: essas populações, e com elas os territórios em que residem, passam a integrar a pátria russa.

A circunstância da recolha de vontade se ter processado, nesses territórios até hoje ucranianos, debaixo de uma violenta ocupação militar, o facto de muitos outros cidadãos não-russos que aí viviam terem entretanto saído contra a sua vontade, não contando assim para o apuramento dos esmagadores resultados apresentados, parece não ter visto como afetando a legitimidade desse processo.

O dia de hoje é muito importante para o destino do Direito Internacional, sendo que ao dizer importante não lhe dou o significado de feliz.

António Guterres, ao pronunciar-se sobre a flagrante ilegalidade dos referendos e da sua sequência, com os processos de integração dos novos estados na Federação Russa, falou em nome de uma ordem internacional que tem a ONU no seu centro e que, ao longo de muitas décadas, tem sido o referente da gestão das relações entre os Estados, um pouco por todo o mundo.

Não podemos esquecer que outras potências relevantes, como é o caso dos Estados Unidos, várias vezes colocaram em causa a sua subordinação a esse modelo de gestão pactada do mundo. Aliás, a China continua a fazer o mesmo, com as suas iniciativas nos mares meridionais, dando mostras de ter uma leitura muito própria das regras internacionais.

Nunca, porém, um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU assumiu, de forma tão flagrante, o seu afastamento deliberado do normativo internacional que vinha a reger a sociedade internacional, embora, cinicamente, tentando dar ares de a ele se subordinar, como a Rússia hoje fez.

Ao desafiar desta forma a ordem internacional, a Rússia abre caminho a que outros se possam sentir tentados a ir revanchistamente na mesma linha, criando talvez o momento mais perigoso que o mundo está a viver desde o fim do segundo conflito mundial.

Neste tempo de desvario acossado de Moscovo, o mundo democrático e, em especial, os Estados Unidos e a Europa, têm a estrita obrigação de manterem uma contenção de atitudes à altura das responsabilidades que têm na segurança global. Este não é o tempo para emoções, para gestos de gongorismo proclamatório, por muito que isso possa confortar o ar do tempo. É que é para firmeza, determinação e, em especial, nervos de aço.

A igreja e os abusos

Há poucas semanas, numa entrevista a Maria João Avillez na CNN Portugal, o papa Francisco, sem enjeitar as responsabilidades da igreja perante as cada vez mais frequentes revelações sobre abusos sexuais no seio da instituição, lembrou, e bem, que a maior parte dos crimes desta natureza são praticados nas famílias.

As estatísticas dão razão ao papa, mas não podem absolver a igreja católica, por pequena que seja a sua quota de culpa. E é também por essa razão, somada às evidências que já não podem ser negadas, que a própria igreja tem vindo a autocriticar-se. E só lhe fica bem.

Há uns tempos, estive à conversa com um amigo que viveu uns anos num seminário. Veio à baila a questão dos abusos sexuais que por ali se praticavam. Esse amigo referiu-me que, nesses tempos, a fragilidade dos filhos de gente pobre, nomeadamente oriunda de zonas rurais, enviada para os seminários como único caminho para obter uma educação e a esperança de algum futuro, era por vezes explorada por religiosos abusadores. Esse era então um “segredo de Polichinelo”, numa época em que a força da autoridade, bem como a complacência da instituição, conduzia a um manto de silêncio sobre tais práticas.

Nos últimos dias, surgiram acusações contra o bispo timorense Ximenes Belo, dando conta de se tratar de histórias antigas, pelos vistos arquivadas na memória embaraçada da hierarquia religiosa.

Tive oportunidade de encontrar Ximenes Belo quando Timor-Leste precisou da sua coragem. Com ele e com Ramos Horta, partilhei uma jornada em Genebra, em setembro de 1999, durante a qual, no seio da então Comissão dos Direitos Humanos, foi possível isolar a Indonésia, no caminho para a libertação do território. Ambos viriam a representar a determinação dos timorenses, com a justa atribuição do Prémio Nobel da Paz, em 1996.

Há menos de três anos, cruzei Ximenes Belo numa pastelaria de Campo de Ourique. Conversámos uns minutos e recordámos esses tempos. Nunca mais o vi, desde então. A tragédia pessoal, pelos vistos, bate-lhe agora à porta. Terei imensa pena, se as graves acusações que sobre ele impendem forem verdadeiras. Mas uma coisa não apaga a outra: um eventual comportamento dessa natureza, a confirmar-se, deve ser  condenado e denunciado, mas não pode nunca anular a admiração que a sua luta por Timor-Leste concitou pelo mundo.

quinta-feira, setembro 29, 2022

“A Arte da Guerra”


Em “A Arte da Guerra”, o podcast semanal com António Freitas de Sousa, para o “Jornal Económico”, abordo esta semana as eleições no Brasil, as ameaças de Moscovo em matéria nuclear e a disrupção social e política no Irão

Pode ver aqui.

Serenidade

Com os anos, aprendi que a serenidade se constrói, sempre e só, dentro de nós. Se acaso nos deixarmos afetar pelo mundo exterior, por aquilo que contra nós se move, acabaremos por fazer a “a festa dos outros”. Era só o que faltava!

Voto

Bolsonaro desconfia do voto eletrónico. Em 2018, quando foi eleito por esse método, não desconfiou?

Ou tudo ou nada!


Com a anexação dos territórios ucranianos, integrando-os na Federação, a Rússia sobe a parada. Se se mantivessem “repúblicas” independentes, algum “trade off” com Kiev ainda era possível. Desta forma, Moscovo não admite qualquer possibilidade de recuo. A lei de Murphy está aí!

Do Reino

O que se está a passar no Reino Unido com as medidas fiscais do governo de Liz Truss tornou-se num “case study”. A reação do FMI mostra-o.

quarta-feira, setembro 28, 2022

5ª Conferência de Lisboa

 





Em 13 e 14 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, terá lugar a 5ª Conferência de Lisboa, uma organização bienal promovida pelo Clube de Lisboa - Global Challenges, a cujo conselho diretivo tenho o gosto de presidir, desde 2019. 

Sugiro que cliquem nas duas imagens e observem o programa, este ano subordinado ao tema “Rumo a uma Nova Ordem Mundial?”. 

Serão dois dias de debates em torno de temas de grande atualidade. Por que não se inscrevem? Não tem qualquer custo e podem escolher os momentos que mais lhes interessem. Basta irem ao site do Clube: https://www.clubelisboa.pt/

terça-feira, setembro 27, 2022

“A Arte da Guerra”


Com o jornalista António Freitas de Sousa, em “A Arte da Guerra”, uma produção audiovisual do “Jornal Económico”, fizemos esta semana um balanço do congresso do Partido Comunista chinês, analisámos o governo de Giorgia Meloni em Itália e as escolhas de Rishi Sunak, o novo chefe do governo britânico.

Pode ver aqui.

De Trump a Putin

Foi um belo debate aquele em tive o gosto de participar, ao final da tarde de hoje, na Fundação Casa de Mateus, em Vila Real, com a professora Fátima Vieira, vice-reitora da Universidade do Porto, em torno do livro “De Trump a Putin - a guerra contra a democracia”, de Álvaro de Vasconcelos, que Teresa Albuquerque nos pediu para apresentar.

O destino e as ameaças que pairam sobre o modelo de democracia em que vivemos são o eixo em torno do qual se desenvolve a análise de Álvaro de Vasconcelos, que trata temáticas que vão do Brexit a Trump, daa primaveras árabes ao bolsonarismo, com natural ênfase no caso ucraniano, entre várias outras. 

segunda-feira, setembro 26, 2022

Extrema-direita


Fará 23 anos no próximo mês de janeiro, um partido de extrema-direita foi cooptado para uma coligação de centro-direita na Áustria. O líder do novo governo austríaco era uma figura respeitada da direita moderada, que tinha sido, por bastante tempo, ministro dos Negócios Estrangeiros de Viena. A posição da extrema-direita no governo era a de um parceiro menor.

Nesse ano de 2000, a Europa política entrou em estado de choque. Ter a extrema-direita num governo dessa Europa dos 15 era impensável!

Jacques Chirac e outros líderes europeus, de direita e de esquerda, pressionaram António Guterres, então primeiro-ministro, para que a Presidência Portuguesa da União Europeia, em nome dos 14 restantes Estados membros, estabelecesse um “cordão sanitário” em torno no governo austríaco.

A nossa Presidência tentou compatibilizar a preservação do estatuto de Viena como membro pleno da União com algumas medidas de caráter bilateral, por parte dos restantes Estados membros, tendentes a sublinhar o isolamento em que o novo governo se colocava, ao ter a ousadia de integrar figuras daquela área política. Foram as célebres “sanções” à Áustria. O Tratado de Nice, então em discussão, passou a incluir medidas tendentes a “prevenir” semelhantes casos, o que o Tratado de Lisboa reforçou. Depois, com a chegada da Presidência francesa da União, o zelo de Paris esmoreceu.

E depois?

Depois, houve os alargamentos e, dentro destes, com o tempo, emergiram casos que acabaram por tornar o “caso austríaco” numa brincadeira de crianças.

Ontem, a terceira economia europeia, um dos países fundadores do processo de unidade europeia, passou a ter uma primeira-ministra de extrema-direita.

De Bruxelas, chegam uns gemidos políticos sem consequências. Como diria Bob Dylan, “ the times they are a-changin’ ”.

domingo, setembro 25, 2022

Direita democrática

A subida da extrema-direita é um imenso desafio para a direita democrática. Desde logo porque, muitas vezes, para conseguir chegar ao poder, é tentada a “dar-lhe boleia”. Outras vezes, quando a procura combater, é colonizada pela agenda extremista, que acaba por mimetizar.

Fascismo (2)

Tem imensa graça observar o coreografia verbal relativizadora dos que, argumentando com o rigor conceptual, procuram afastar os termos “fascista” e “extrema-direita” como qualificadores dos políticos ou regimes dessa área. Estejam atentos!

Fascismo

A frase é batida, mas há que ter a humildade de reconhecer que continua a ter muito de verdade: a extrema-direita fornece sempre respostas erradas para problemas que se apresentam como reais, mas que os politicos moderados não conseguiram resolver.

Lula

Raramente alguém é feliz no regresso ao sítio onde isso aconteceu. Lula vai regressar. Vai lutar contra a regra e leva consigo uma carga de esperança a que, só por milagre, estará à altura. O mundo em que Lula teve assinalável sucesso já não existe. Precisará, desta vez, de muita sabedoria e sorte.

sábado, setembro 24, 2022

Genéricos


Não é Ernest Hemingway quem quer. Bernard- Henry Lévy é um infatigável "guerrilheiro da palavra", um corajoso combatente com os mortos dos outros. Se o ridículo matasse, esta fotografia era fatal.

Democracia

A democracia está a perder terreno pelo mundo, mas o conceito, em si, continua a ser usado por quase todos os regimes, como fator de legitimação. Não conheço nenhum regime se assuma abertamente como anti-democrático. É, pelo menos, uma vitória semântica.

Outono


“… e agora cheira a Setembro, como o Outono sabe a vinho” (Ary dos Santos)

Conhecimentos


Numa ocasião pública, há dois dias, com imensa gente, ao cumprimentar uma senhora que conhecia, notei que outra, que estava ao seu lado, pessoa que eu nunca vira mas a quem, delicadamente, também tinha saudado, colocou uma “cara de pau”. 

Uns segundos depois, ganhou coragem e disse-me: “Vou ser desagradável, mas quero que saiba que não concordo nada com as suas ideias”. Posso imaginar que a senhora me tivesse ouvido ou lido algures. Não quis saber.

Nestas ocasiões, cada um reage ao seu jeito. A mim, saiu-me: “Ao contrário da senhora, eu não vou ser desagradável. Não vou ter a pretensão de querer conhecer as suas ideias”. 

E, com um aceno de cabeça, saí de cena e fui à procura de uma flute de champanhe, o qual, aliás, era muito bom.

Somos adultos

Na ditadura, havia um programa da Emissora Nacional que tinha como lema: “A verdade é só uma e Rádio Moscovo não fala verdade”. Há um cheiro a Estado Novo nos apelos a que sejam caladas vozes tidas como favoráveis às teses da Rússia. Ouçamos todas as opiniões, mesmo as mais absurdas!

Rússia

A Rússia continua a ser um Estado formalmente democrático, na letra constitucional. Porém, na prática, com Putin, o regime há muito que se converteu numa evidente autocracia, a qual, contudo, em nada é incompatível com a persistência de um ainda forte apoio popular à sua liderança.

Prisioneiros

A começar por Kiev, muitos se surpreenderam com o facto da Rússia ter decidido libertar, por troca, um número significativo de combatentes que tinha capturado em Azovstal. 

É simples: com este gesto, “embrulhado” numa troca de prisioneiros, a Rússia ficou livre de ter ainda de vir a pagar o preço político que os julgamentos e sanções, nomeadamente alguns anunciados fusilamentos, iriam desencadear.

sexta-feira, setembro 23, 2022

Ucrânia

É óbvio que os referendos organizados pela Rússia nas quatro zonas da Ucrânia não têm o menor valor, à luz do Direito Internacional. Mas que ninguém se iluda: a esmagadora maioria daqueles votantes é, de facto, favorável à Rússia, mesmo que os resultados possam ser inflacionados.

A tragédia dos russos ou russófilos que vivem na Ucrânia é que a não aplicação do Acordo de Minsk impediu que pudessem ter a sua identidade respeitada no quadro de uma Ucrânia democrática. A invasão russa, que para muitos foi bem vinda, consagra o fim dessa outra alternativa.

Era tão evidente!

Berlusconi diz que Putin, afinal, apenas queria colocar um governo decente em Kiev. Nunca nos tínhamos lembrado de que, de facto, devia ser apenas isso.

E por que não a Calçada do Combro?

Santarém surge agora como uma alternativa para o novo aeroporto. Depois de meio século de sugestão de hipóteses, em que um número infindo de especialistas nunca alvitrou essa possibilidade, António Costa e Luís Montenegro não se dão conta do imenso ridículo que tudo isto representa?

Vergonha


Uma declaração desumana, marcada pela russofobia. A União Europeia, de que a Estónia é membro, não é nada disto.

Mateus

 




PSD

Um partido fundador da democracia deveria saber manter uma distância “higiénica” face a uma formação com um discurso xenófobo e racista. O oportunismo já tinha começado nos Açores. Pelos vistos, o “estender de mão” prolonga-se com a nova liderança. É pena.

quinta-feira, setembro 22, 2022

“A Arte da Guerra”


As eleições legislativas em Itália e em São Tomé e Príncipe e os problemas de Vladimir Putin na cimeira de Samarcanda da Organização de Cooperação de Shangai - temas da conversa que tive com o jornalista António Freitas de Sousa, no “A Arte da Guerra”, o podcast de política internacional do “Jornal Económico”. 

Pode ver aqui.

Os recessivos

Uma forte recessão externa pode facilmente contagiar a nossa economia. Mas a ânsia com que se vê as cassandras já a anteciparem a recessão faz-nos lembrar que são os mesmo - isso mesmo, esses! - que, há uns tempos, previam que vinha aí o diabo. Não veio: levaram com a geringonça.

Segurança

Anda aí uma polémica sobre a adjudicação de um contrato para um regulamento municipal sobre trotinetas e coisas assim. A mim tanto me faz quem vai escrever o texto, desde que o faça bem. A única coisa que gostava (mas temo muito que não aconteça) é que a regulamentação não viesse a ter a menor ambiguidade que se refletisse na sua aplicação, não permitindo que alguém argumente que “o texto não é taxativo”, que “há uma margem de interpretação a considerar”, que “há zonas cinzentas que dão aso a leituras diversas” e outras pequenas armadilhas de “juridiquês” que podem impedir o fim da “selva” em que se vive.

País livre

Claro que devemos dar asilo político a quem foge do regime de Putin. Como devemos sempre ter as portas abertas e não criar dificuldades a todos os russos que queiram viajar para Portugal, sem lhes perguntar o que pensam sobre Putin ou sobre o que quer que seja. Essa é a diferença de um país livre.

Facha e bela


Alguém, ontem, falando de Giorgia Meloni: “A facha é bem gira!”. De facto, é, embora isto de dizer que alguma mulher ”é gira” deva desencadear um coro de acusações de sexismo, talvez por assim estarmos implicitamente a discriminar quem o não é. Ouvi responderem-lhe: “É gira mas é facha”.

Russos


Tal como acontece, por estes dias, com a maioria dos brasileiros com quem falo, é dificil conversar com alguém que seja russo e sentir que, ao comentar a situação do seu país, essa pessoa consegue ganhar alguma distância e objetividade. Mas, ao contrário dos brasileiros, que se estão nas tintas sobre o que pensamos dos políticos de topo do seu país, os russos pronunciam-se sempre, sobre Putin ou sobre o regime russo, tendo como ponto assente que, do nosso lado, há já um “partis pris” assumido. Daí que adequem o discurso à circunstância de andarem entre nós, o que artificializa os contactos. 

Do que escrevi pode deduzir-se que tenho o ensejo de andar aí a falar com imensos russos. Não ando. Nos últimos sete meses, falei com três. Mas tenho pena de não ter falado com mais.

Um deles reagiu como eu esperava: disse logo o pior possível de Putin, achando que eu ficava confortado. Mas pareceu-me muito sincero. 

O segundo russo, aliás, uma russa, nascida bem distante de Moscovo, reagiu, desabrida, contra uma leve menção à Ucrânia, tida como coio de nazis e fonte de todos os males que, nos dias de hoje, podem ocorrer à Rússia. Não falou nunca de Putin, mas admito que fosse fã. Sermos um país livre dá-nos a vantagem (alguns acham isso mal, mas não tenho o menor respeito por quem pensa assim) de poder acolher opiniões contrastantes. É uma frase batida, mas foi para isso que se fez o 25 de abril. 

Da terceira conversa, que tive muita pena pelo facto de ser tão breve como foi (todas foram, devo confessar), tenho uma recordação mais interessante. Essa pessoa, que não tinha a mais leve simpatia por Putin, com alguma não escondida emoção, falou-me da existência, nos dias de hoje, de “três Rússias”. 

Descreveu o sentimento dos russos mais velhos, muitos dos quais viveram adultos na União Soviética. A maioria não tem saudades do comunismo, têm saudades da segurança na vida quotidiana, ainda que espartana - na rua, no emprego, na saúde. Fez-me recordar o que li num livro que muito me impressionou: “O Fim do Homem Soviético”, de Svetlana Aleksievitch. Putin restituiu-lhes um pouco isso, bem como o sentimento de que no Kremlin está alguém que comunga com eles o sentido patriótico. Essa pessoa disse-me ainda uma coisa estranha: que, para essa gente, Putin é como que uma figura “religiosa”, que corporiza a nação. Será assim? Não fazia a menor ideia.

Depois, falou-me de uma outra Rússia, dos mais jovens, que abominam Putin e a clique dirigente, que são globais na cabeça, andam nas redes sociais e acham todo aquele aparato burocrático uma coisa sem sentido. Segundo ele, algumas dessas pessoas estavam com Navalny, mas “muito pouca gente conhece Navalny na Rússia”. É a espuma política urbana, gente que quer liberdade, viver à vontade, viajar e ser feliz. O regime detesta essa gente, porque a não consegue “agarrar”.

Essa pessoa com quem falei (há mais de dois meses) não ia à Rússia desde abril, mas disse-me que, quando de lá saiu, entre os seus conhecimentos, não tinha encontrado ninguém que estivesse convencido da utilidade da guerra, mesmo que alguns subscrevessem a teoria do “cerco” pelo ocidente e pela América, e não tivessem particular simpatia pela Ucrânia (“A Ucrânia e os ucranianos nunca foram muito populares na Rússia”).

Na descrição que essa pessoa me fez de uma terceira Rússia, onde estavam bastantes amigos seus, recordei o estado de espírito de muita gente durante o Estado Novo: viviam à margem da política, evitavam “meter-se” com o poder, criticar ou apoiar quem está “lá em cima”, tentando apenas sobreviver entre as pingas e levar a vida o melhor possível. Alguns desses russos viajavam pelo estrangeiro e, sem serem ricos, tinham uma vida razoável. Talvez o efeito das sanções os venha a tirar da letargia em que vivem, disse-me o meu interlocutor.

Que pena tenho de não ter tido a possibilidade de prolongar a conversa com esse russo que conheci, uma tarde, no Porto, um homem lúcido e, talvez por isso, visivelmente triste. Não deve ser fácil ser russo, pelo mundo, nos dias de hoje.

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...