quarta-feira, novembro 19, 2014

Bazar Diplomático

 
É uma tradição anualmente renovada. A Associação das Famílias dos Diplomatas Portugueses promove, com as missões diplomáticas estrangeiras em Lisboa, mais um bazar de Natal, com fins beneficentes.
 
Na sexta-feira dia 21 e no sábado dia 22, no edifício do Centro de Congressos de Lisboa (antiga FIL), à Junqueira (tem estacionamento), em Lisboa, entre as 11 e as 19 horas, pode encontrar produtos nacionais (continente e ilhas) e internacionais a preços muito acessíveis. Esta é uma excelente oportunidade para antecipar as compras de Natal e, ao mesmo tempo, contribuir para uma tarefa muito meritória. Ah! e há uma zona gourmet! No meu caso, também costumo vir carregado de sacos...

Tive uma amiga que foi jornalista

Tive uma amiga que foi jornalista. Tinha nome e mundo, as portas abertas, a graça do verbo ágil, a questão felina e inventiva, mas sempre cordial. Cresceu na sua carreira, em notoriedade e também na escrita. Nunca escondeu onde o seu coração pertencia, na vida como na opção cívica. Em ambas, cultou os seus heróis, viveu deles as saudades, por eles enlevou-se em entusiasmos, caiu em alguns "trompe l'oeil". Na profissão, o viés parecia equilibrado pelo desejo de compreender o outro, de se colocar na sua pele, de sempre o respeitar. E, assim, também foi respeitada. Um dia - terá data? - mudou. Crispou o verbo, acidulou o comentário, verrinou a crítica. Encandeou-se então com fogos fátuos, perdeu-se pelo facciosismo, tornou-se pena oficiosa da obsessão. Para tal, patriotou a sua escrita ao absurdo, lateralizou o olhar, deixou de ver, de vez, a paisagem do mundo. Hoje, essa amiga que tive e que foi jornalista está reduzida a mera observadora, contemplativa deslumbrada, não do sol, mas da lua, cujo brilho, como se sabe, é emprestado. E, mesmo esse, antes do eclipse que aí virá. 

terça-feira, novembro 18, 2014

"Não merecíamos ganhar!"

Tenho o "vício" de ser rigoroso a ver futebol. Já me ia saindo caro. Um dia, numa bancada de Alvalade, acabado o jogo, disse, alto: "Não merecíamos ganhar!". De "lampião" a expressões que se pretendiam ofensivas da minha família, levei então de tudo um pouco em cima. Só a alegria coletiva da vitória leonina - que eu partilhava, caramba! - me salvou. Ou, como me dizia um transmontano ao lado de quem tinha visto o jogo, "safaste-te por um fio de levar uma boa carga de porrada". E era verdade.
 
Hoje, no remanso do lar, a utilização da mesma expressão apenas foi recebida com um olhar patrioticamente severo. Nada mais.

Leonor Xavier


A Leonor escreve com a alma e a alma dela é feita de uma imensa alegria na aventura da vida. O seu "Passageiro Clandestino" é como que um diário de um período durante o qual a Leonor passou a ter consigo a doença. Essa mesma. Mas este não é um livro melancólico, "doentio". Longe disso! É uma obra cheia de vida, de graça, da aprendizagem de saber olhar os outros de uma outra forma, com pequenas e deliciosas notas de um quotidiano que se tornou novo, porque passou a ser diferente, talvez apenas um pouco mais urgente. Quem conhece a Leonor não se surpreende com o que ela própria decidiu: "Mais do que nunca, uso e abuso da palavra e do conceito de descoberta". E fá-lo com a deliciosa escrita a que sempre nos habituou, cultivada sem ser chata, inventiva sem ser pretensiosa, solta sem cair na vulgaridade. Este é um livro do qual não se sai triste.
 
No dia 24 de novembro, pelas 18.30 horas, no jardim do Teatro de S. Luis, os amigos da Leonor - o livro também é dedicado "a todas e a todos que me querem bem" - vão estar no lançamento. Vão ser ser muitos, estou certo. Nessa data, por razões profissionais, estarei no estrangeiro. Mas irei dar um beijo à Leonor uns dias mais tarde, no "jantar da Dois", do "Procópio". E então beberemos também um copo pelo Raul que, lá onde estiver, estará a ordenar-nos o seu "façam favor de ser felizes!".  

Snob


O mais jornalístico bar de Lisboa, o "Snob", fez ontem 50 anos. Numa cidade onde este tipo de espaços tende a desaparecer ou a descaraterizar-se, é obra!
 
O "Snob" não é o meu bar - eu sou de outra "freguesia", do "Procópio". O seu bife pode não ser melhor do que o do "Café de S. Bento", mas não deixa de ter a sua graça passar ao fim da noite por esse lugar "cosy", ligeiramente decadente, onde se arrulha, se conspira ou, muito simplesmente se bebem uns copos. Dele já desapareceu o cheiro a fritos que, durante décadas, a D. Maria não conseguia evitar que saísse da cozinha e que nos acompanhava bem para além da saída. O "Snob" é como aqueles amigos que não vemos com frequência, mas que ficamos sempre contentes por reencontrar e que, nem por isso, deixam de nos ser íntimos. 
 
Deixo aqui um abraço ao Dr. Albino, alma da casa, portista dos quatro costados.

"Crónicas das minhas teclas"

Vou ter o gosto de apresentar o livro de Henrique Antunes Ferreira, "Crónica das minhas teclas", no dia 26 de novembro, no Palácio da Independência, no largo de S. Domingos em Lisboa, pelas 18.30 horas.

segunda-feira, novembro 17, 2014

Gold

Há pouco, na vizinhança ocasional de uma esplanada em Paris, ajudei um jovem casal chinês a traduzir o menu para inglês. Quando se deram conta de que era português, em lugar de falarem de Fernando Pessoa ou Ronaldo, tomaram de imediato a iniciativa de mencionar a existência dos "golden visa" no nosso país. Confesso que não tive coragem de os atualizar face aos últimos desenvolvimentos do mecanismo entre nós.

Good morning, Vietnam!

Há segundos, como se pode verificar na consulta dos países visitantes deste blogue, na coluna da direita, houve um visitante do Vietnam (país nº 83).

Gostava muito de saudar esse longínquo leitor, lançando-lhe um fraternal "Good morning, Vietnam!"

No sebo

Era um sebo (nós por cá, em Portugal, chamamos-lhes alfarrabistas) muito conhecido em S. Paulo, ali perto do largo de S. Francisco, junto à universidade. O jovem estudante percorria as várias prateleiras, com o olhar curioso de quem descobria o seu novo mundo académico através daquelas relíquias do passado. Embora novato, tinha já a cultura de quem sabia ao que andava. Num certo momento, tomou nas mãos um livro de Aureliano Leite. Sentiu, de súbito, que acabara de descortinar uma obra bastante rara. Aureliano Leite era uma figura muito respeitada, um famoso advogado e político, com estudos sobre a história contemporânea que faziam escola.

Terá sido a coreografia do seu entusiasmo que, a curta distância, chamou a atenção de dois cavalheiros, que claramente se mostraram atentos ao volume que o estudante tinha entre mãos. Um deles, com ar seco, autoritário, como que ordenou:

- Me dê esse livro! estendendo a mão para o volume que o jovem descortinara nas estantes.

A grande diferença de idades quebrou, mas apenas por segundos, a determinação do jovem em querer guardar para si a obra que descobrira. Mas resistiu. Firme, embora sem saber o que dizer, fechou o livro junto ao peito, cioso do seu direito de adquiri-lo.

A voz do cavalheiro subiu de registo e assumiu mesmo um tom agreste:

- Seu muleque! Você não sabe o que tem entre mãos! Nem conhece o autor dessa obra! Me dê esse livro, já!

O momento anunciou-se tenso. Um pouco intimidado, o estudante ousou ainda colocar as suas razões:

- Sei muito bem o que é este livro, é um estudo histórico da "revolução de 32". É escrito por Aureliano Leite. que participou na Revolução e que esteve exilado por causa dela. É um advogado de grande mérito e é amigo de meu Pai, acrescentou, como derradeiro argumento para credibilizar o seu empenhamento.

O cavalheiro, frio, continuava impenetrável:

- Me dê esse livro!

O seu braço continuava estendido, intimidatório, reclamando a obra. O jovem olhou o dono do sebo e este, num discreto assentimento da cabeça, aconselhou-o a entregar o livro. Contrariado, mas sentindo-se impotente para travar o ambiente que rapidamente deslizava para o seu desapossessamento da obra, passou o volume para as mãos do cavalheiro. Intimamente, sentiu uma imensa revolta, mas resignou-se então a perder o livro, que os últimos minutos tinham tornado ainda mais precioso aos seus olhos.

A cara pesada do cavalheiro distendeu-se um pouco, no momento em que, finalmente, tomou posse do volume:

- Então seu pai conhece Aureliano Leite? Como se chama seu pai? E você? 

O jovem, no limite da humilhação, cedeu e declinou o seu nome e do seu progenitor.

O cavalheiro colocou então o livro sobre uma mesa, puxou de uma caneta e começou a escrever algo numa das suas páginas iniciais. Ao fundo, o jovem viu no rosto do livreiro desenhar-se um leve sorriso. Não entendia a cena, ou melhor, só percebeu o que tinha acontecido quando o cavalheiro, sem uma palavra, lhe entregou o livro de volta. Abriu-o e leu: "Ao jovem Eros Grau, de um velho amigo de seu Pai, com a estima de Aureliano Leite".

Este episódio foi-me contado há minutos, na Brasserie Lipp, aqui em Paris, pelo meu amigo Eros Roberto Grau, eminente jurista brasileiro, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, juíz aposentado do Supremo Tribunal Federal do Brasil. E membro da Academia Paulista de Letras, título que Aureliano Leite, desaparecido em 1976, também possuiu. Diz-me o Eros que, por vezes, ainda cruza o olhar, em espaços da Academia, com o autor do livro, que ainda hoje guarda com carinho. Esse, porém, é apenas o lado borgiano desse meu grande amigo gaúcho. O que não é pouco.

domingo, novembro 16, 2014

A "esquerda da esquerda"

Eduardo Ferro Rodrigues, na sua entrevista de hoje ao "Público" disse uma frase que é muito mais do que uma simples declaração: "Nós não sabemos o que vai acontecer à esquerda entre aspas - digo sempre entre aspas porque não acho que haja forças mais à esquerda que o PS".

Esta frase é significativa de uma ideia muito clara: as forças que, em Portugal, se situam à esquerda do PS, por muito que estejam convencidas da justeza das suas posições e estas mereçam ser respeitadas no diálogo político, não configuram, nos seus projetos, modelos que verdadeiramente possam corporizar uma política de esquerda para Portugal. 

Sem pretender minimamente sugerir-me como intérprete daquilo que Ferro Rodrigues possa ter querido dizer, parece-me evidente que apenas o PS pode hoje apresentar-se como a força política que consegue, simultaneamente, assumir as grandes bandeiras do pensamento progressista contemporâneo, respeitando em pleno o quadro político-institucional, interno e externo, onde elas sejam exequíveis e - o que é muito importante e a "esquerda da esquerda" esquece muitas vezes - passíveis de compatibilidade com o espetro político alargado de sensibilidades da sociedade portuguesa atual. Quero com isto dizer, de forma muito clara, que qualquer política portadora dos valores de esquerda, dos modelos de solidariedade social e de ética de cidadania, que são o património orgulhoso de quem se considera "de esquerda", tem forçosamente de se colocar num patamar de aceitabilidade democrática por parte de quantos não partilham esses valores e que, por essa razão, dão, com toda a legitimidade, o seu voto a outras formações políticas - mais à direita ou mais à esquerda. 

Ora olhando-se para os programas da "esquerda da esquerda", a tal "esquerda entre aspas" de que fala Ferro Rodrigues, fica claro que uma sua eventual execução significaria um processo de violentação política e económica de outros setores da sociedade portuguesa (inclusivé dos que votam PS), em alguns pontos dificilmente conciliável com o sistema democrático e, em todo o caso, sempre indutor de graves tensões, que poriam em risco o próprio regime.

Por essa razão, não por qualquer sectarismo mas por um meridiano realismo, o PS surge em Portugal como a única força de esquerda com condições de ser portadora de um projeto político-económico exequível, moderado e suscetível de funcionar como polarizador de um compromisso nacional que conjugue os valores da liberdade e de uma visão solidária do paìs.

Digo hoje isto com o à vontade de quem já pensou de forma diferente. E naturalmente, não pretendo, com o que escrevi, convencer quem acha que "essa coisa de esquerda e direita" são categorias políticas ultrapassadas, atitude que, não por acaso, é assumida, sempre e sem exceção, por quem se situa mais ou menos à direita.

Abuso de poder

Tenho o dr. Luís Marques Mendes por uma pessoa de bem. O antigo ministro e líder do PSD é uma personalidade que fez o seu caminho político ao longo de vários anos, com mérito e inteligência. E, que eu saiba, sem "casos". O seu modelo de crónica televisiva, aos sábados na SIC, podendo não ter a graça "marota" de Marcelo Rebelo de Sousa, tem, contudo, uma regular cumplicidade com o poder que faz com que nos traga algumas novidades e a antecipação de notícias do mundo político. Podemos questionar se será legítimo que alguém que é pago para comentar o quotidiano possa ter acesso, antes do cidadão em geral, a notícias sobre o curso da governação. Mas isso é um problema que não é dele. Essa é uma questão ética do poder político que, até ver, vamos tendo.

Dito isto, há uma questão que me parece um pouco mais complicada.

Há meses, o nome do dr. Marques Mendes surgiu envolvido com uma empresa relacionada com umas "trapalhadas", relacionadas com uma ONG que causou problemas ao primeiro-ministro. Vimos então o dr. Marques Mendes usar o seu espaço televisivo para afastar as suspeitas, aliás menores e residuais, que sobre si impendiam. Não foi uma coisa óbvia e "bonita". Mas passou, pronto! 

Ontem, depois das novas "trapalhadas" dos "vistos gold", o dr. Marques Mendes aproveitou uma vez mais o seu espaço televisivo para se justificar pessoalmente, face a notícias que pareciam envolvê-lo com alguns dos acusados.

Não me parece bem! Por que diabo uma pessoa, que por uma circunstância do acaso, tem um programa de larga audiência televisiva, tem o ensejo de explicar as suas razões perante o país e um qualquer outro cidadão, nesse ou em qualquer outro processo, não tem o acesso aos mesmos meios? Trata-se ou não de uma discriminação positiva, que funciona em objetivo privilégio do dr. Marques Mendes? 

Tratando-se de uma pessoa que, repito, tenho por uma pessoa de bem, o dr. Marques Mendes seguramente concordará comigo em como o seu procedimento neste caso, bem como no que anteriormente referi, configura um abuso de poder mediático, que afeta a equidade da nossa justiça.


sábado, novembro 15, 2014

O 1º de Dezembro

A Associação dos Antigos Alunos do Liceu Camilo Castelo Branco, de Vila Real, e no âmbito das comemorações do “1º de Dezembro”, vai promover, em Vila Real, um debate sobre a "Importância Histórica do Dia da Restauração na Identidade Nacional".
                             
O debate será moderado pelo Reitor da UTAD, Fontainhas Fernandes e conta com o professor Adriano Moreira, o general Loureiro dos Santos, o professor Joaquim Silveira Sérgio, o professor António Barreto, o professor Eurico Figueiredo e o "dono" deste blogue.

O evento terá lugar no dia 29 de Novembro, no Grande auditório do Teatro de Vila Real.

O XX Congresso

Será talvez uma reação geracional, mas olhando, na manhã de ontem, para um grande cartaz de rua que anuncia o XX Congresso do Partido Socialista, em acentuados tons de vermelho, fiquei com a sensação de que o ou os autores do "outdoor" não foram insensíveis à marca histórica que a expressão  "XX Congresso" tem ainda hoje.

Com efeito, o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética foi um dos momentos decisivos para a evolução da URSS e é um indiscutível marco na História universal. Nele foi feito um decisivo corte "epistemológico" com o passado estalinista. Foi nessa histórica reunião que Nikita Krutchev pronunciou o seu famoso discurso (tido por "secreto", até extratos serem conhecidos quatro meses depois, aparentemente por uma indiscrição dos "camaradas" italianos), onde fez um elenco das barbaridades cometida pelo "pai dos povos". Até então, Stalin era o "guia e farol da humanidade" para o mundo comunista internacional e, naturalmente, para o sempre ortodoxo Partido Comunista Português. Não foi sem uma penosa evolução doutrinária que o mundo comunista se adaptou aos novos tempos. Foi dessa tensão que nasceu o cisma sino-soviético, que deu origem à proliferação dos movimentos maoístas que vieram, a partir de então, a considerar "revisionista" a linha comunista do PCUS. 

António Costa avança para o XX Congresso do PS. Nenhuma rutura essencial se espera, nenhum drama ou denúncia de passado, recente ou mais longínquo, deverá surgir deste encontro. O seu discurso não será "secreto". Definitivamente, este é "outro" XX Congresso. Mas ninguém me convence que não houve "mãozinha" da memória na construção do cartaz!

Em tempo: afinal, não fui só eu a notar!

sexta-feira, novembro 14, 2014

Uma carta

Há pouco recebi uma carta diferente, definitiva. De um amigo, estrangeiro, que está a morrer, do outro lado do Atlântico e que decidiu, dessa forma, despedir-se dos seus amigos. Não é uma carta triste, salvo para os que a receberam. Saúda a existência que teve, as amizades que nela fez, a magnífica família de que está rodeado, o modo sereno como se preparou para o momento que aí vem. Lembra as boas coisas que se tinham atravessado na sua vida, os projetos que conseguiu concretizar, os ideais que manteve. E, sempre, as pessoas, que estiveram no centro de tudo por que viveu. Nunca me foi tão difícil responder a uma carta, mas talvez nunca o tenha feito de uma forma tão sincera, porque quem a vai ainda poder ler merece a verdade da nossa amizade. Sei que nunca teria a coragem de escrever uma carta como a que recebi, mas, por mais paradoxal que isso pareça, invejo muito a fantástica força deste amigo que nunca mais verei.  

O novo ouro

 
A questão dos "vistos gold" foi sempre vista com alguma suspeição pela opinião pública portuguesa. De facto, "comprar" a livre circulação pelo espaço Schengen por uns milhares de euros, quase sempre aplicados em áreas não produtivas, nunca foi uma operação muito popular entre nós. Verdade seja que outros países europeus procedem de forma idêntica e, tratando-se de um modelo que abrange a generalidade da zona europeia de livre circulação, a sua legalidade e até a sua legitimidade político-económica estavam, e continuam a estar, garantidas. Por isso, num tempo em que tentar trazer dinheiro a todo o custo para Portugal tem sido a palavra de ordem, este passou a ser um "negócio" como qualquer outro, apenas coreografado, de forma insólita, por algum "teatro" triunfalista que o envolveu.

Os acontecimentos de ontem enterraram definitivamente, entre nós, a bondade do modelo dos "vistos gold". Por muito que o sistema passe a estar mais blindado - "casa roubada"... - aposto que nunca mais veremos os políticos a incensá-lo, e só em imagens de arquivo veremos o dr. Paulo Portas em agitadas mãozadas com figuras tiradas dos álbuns das "Raças Humanas" - e quem disser que isto é xenofobia pode ir dando uma volta. A continuarem, os "vistos gold" vão rarear, pelo que presumo que os anúncios imobiliários em chinês, em que o meu bairro é fértil, com o tempo, vão perder os acentos.

Resta o processo de corrupção que, a confirmar-se, é da maior gravidade, tanto mais que nele surgem acusadas de envolvimento figuras da alta administração do Estado. Só não desejo que os eventuais culpados sejam "exemplarmente" punidos porque aprendi que a exemplaridade na Justiça é um conceito populista. Quem for culpado deve pagar, plenamente, por aquilo que fez, mas na medida exata que a lei prevê e não magnificada para gáudio mediático ou susto público. Não posso senão crer que aqueles que ontem foram indiciados como corruptos, ou cúmplices de outros crimes conexos, o foram por sólidas e sustentadas razões, isentas de qualquer competição entre corporações, sem o que o opróbrio público a que foram sujeitos seria de uma imperdoável crueldade. A honra das pessoas é o seu bem mais precioso e a nódoa na sua imagem, que a comunicação social sempre potencia, é hoje um labéu praticamente irrecuperável. Por essa razão me chocou muito ver, ontem, um canal de televisão que faz do crime & ofícios correlativos o seu "fond de commerce", anunciar em parangonas "gordas" que um determinado ministro havia sido "detido" para, minutos depois, corrigir para "investigado", como se a diferença dos conceitos fosse um mero detalhe. Isto tem um nome, mas não é jornalismo!

quinta-feira, novembro 13, 2014

Juncker

 
Não é uma boa notícia a fragilização do novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, logo no início das suas funções. A natural polémica, que tudo indica que se vai prolongar por algum tempo, não ajuda à criação de um ambiente de reforço da autoridade da nova Comissão, elemento da maior importância para um desejável retoque no equilíbrio interinstitucional de poderes para o qual o programa de Juncker parecia apontar.

Dito isto, "à quelque chose malheur est bon". Se desta crise puder nascer uma nova vontade política, assumida a nível europeu, para se caminhar para uma aproximação - já não serei tão otimista para falar de harmonização - dos regimes fiscais dos diferentes Estados, isso seriam muito boas notícias para a Europa. Logo veremos.

Timor-Leste e as Necessidades

Por regra e por experiência, confio no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Uma prática e uma reflexão caldeadas ao longo de muitos anos, uma consciência atenta daquilo que é o interesse nacional na ordem externa e um sentido da oportunidade e da medida, que muitas vezes falta à chamada classe política, sempre ajudou a que as relações de Portugal com o mundo tivessem, no corpo profissional que são os diplomatas, excelentes intérpretes. Costumo mesmo ironizar, dizendo que, em Portugal, à frequente falta de uma política externa, a nossa posição internacional vive de uma diplomacia reiterada.

Mas a resultante de ação diplomática dentro do MNE não nasce de geração espontânea. Ela só surge depois do isolamento daqueles (e daquelas) que "fervem em pouca água" e têm posições quase militantes, bem como dos cultores obsessivo do imobilismo, dos convictos de que "o tempo tudo cura" e de que o melhor é não fazer nada. Arredado o peso de influência destas duas "escolas", está criado o espaço de afirmação para as posições serenas, ponderadas e com sentido de equilíbrio. Quando a "diplomacia da canhoeira" (ou, no outro extremo, o tropismo "pró-causas") e o atentismo bovino conseguem ser neutralizados, o "output" do MNE é geralmente de grande qualidade. São muitos anos de claustros do convento de Nossa Senhora das Necessidades que mo ensinaram.

Espero, assim, que os diplomatas portugueses, neste difícil momento que atravessam as nossas relações com Timor-Leste, possam dar provas de estar à altura do dever de aconselhamento aos titulares dos cargos políticos dentro da Casa, municiando-os com sugestões sobre os passos a seguir, sobre os contactos a efetuar, sobre as atitudes a assumir. É que urge garantir uma unidade na expressão das posições do Estado português face às autoridades timorenses. Como sempre acontece quando se percebe que alguma fragilidade afeta a "mão" das Necessidades, surgem por aí governantes de áreas sectoriais a permitir-se mandar "bocas", agitando o estado dos seus dossiês técnicos específicos e os seus projetos para eles, esquecendo que só se implantaram e progrediram porque houve um quadro político geral que foi desenhado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. E que, se esse quadro geral for "por água abaixo", o mesmo destino terão os seus "brinquedos".

A minha preocupação perante esta situação só é atenuada pelo facto dos timorenses nos conhecerem "de gingeira". Não é impunemente que se foi colónia deste atípico país europeu. No fundo, por mais que conjunturalmente se agitem, os novos Estados saídos da nossa aventura imperial "leem-nos" melhor que ninguém, conhecem os calendários de vitalidade política de quem por aqui está no conjuntural poder, percebem as nossas dificuldades, estão bem cientes das nossas qualidades e dos nossos defeitos. Aliás, cada um deles, à sua maneira, herdou umas e mas também os outros. Isso mesmo ajuda a explicar alguma coisa do que aconteceu em Timor, mas também nos permite ter esperança em que as feridas irão sarar. Mas todos temos de ajudar, não cometendo asneiras precipitadas e, sobretudo, evitando a empolgação mediática. Dos dois lados.

quarta-feira, novembro 12, 2014

Fazer o bem sem olhar a quem

Vejam o que acabo de receber no meu mail. São frequentes ofertas destas, desinteressadas, altruístas... Que diabo de reserva me leva a não correr já para a Costa do Marfim, como dizia o João da Ega ao Palma Cavalão, "a recolher o bago"?

Assalam Alaikum,
Dearest One, I am Mrs Chandni Ali from Kuwait but now undergoing medical treatment in Ivory Coast .
I am married to late Dr.Aasif Ali, who worked with Oil Company in Ivory Coast for Eleven years before he died in the year 2010, after a brief illness that lasted for few days.
We were married for Eighteen years without a child. After the death of my lovely husband i vowed to use our wealth for the down trodden and the less privileged in our society.
Recently, My private Doctor and others told me that i may not last for the next seven months due to cancer problem, though what disturbs me most is low BP. Haven known my condition i decided to donate all my wealth to the less privileged and charity work.
When my late husband was alive we kept the sum of $2.800 000 USD. Which i promised Allah to be use for Charity works. Having known my condition now i decided to give out this fund to an individual or Organisation that have the fear of Allah who will use it the way i instructed.
Beloved one, Send me your Full contacts so that i will donate this fund to your care as soon as you promise to keep my vow to Allah.
1. Your Names......................................................
2. Address..................................................................
3. Phone Number........................................................
As soon as you send me all these information's i will give you the contact where the fund is being kept here in Ivory Coast and all the papers that prove it.
Allah bless you,
Mrs Chandni Ali.


Há muitos anos que este tipo de emails circula pela internet. Quase sempre é uma "fortuna" africana que é "posta à disposição" dos destinatários. No primeiro ou no segundo contacto, é solicitado um número de conta bancária e a vigarice começa por aí, às vezes por um adiantamento que é solicitado. Achei graça a esta tentativa, porque traz uma componente islâmica que não é habitual.

Restos de uma conversa

- Os teus textos são, cada vez mais, um problema para mim. Concordo com imensas coisas que neles dizes mas, de súbito, em alguns deles, deparo com algo que me abertamente me desagrada. É estranho porque, no passado, as coisas não eram assim. O que escrevias era mais facilmente aceite, no seu todo. E olha que não sou a primeira pessoa a notar isto! Fazes de propósito?

- Faço e não faço. Até posso perceber que te sintas assim, ao ler o que vou escrevendo. A questão é que, com o tempo, optei por ser mais transparente, de não procurar ser consensual a todo o custo. É que, na vida, nem tudo é a-preto-e-branco. Há sempre aspetos das coisas que não "rimam" com o resto. Por isso, digo o que penso, doa a quem doer - e já vi que dói a alguns amigos, como tu. Mas quero fugir àquela frase do Sérgio Godinho: "estar de bem com os outros e de mal contigo". É só isso. 

Fernando de Mascarenhas (1945-2014)

 
Fernando de Mascarenhas, que agora desaparece, era uma figura de bem, uma personalidade da cultura, a quem Lisboa muito deve. Mas era, para o que aqui relevo, um democrata que, nos tempos em que sê-lo significava correr alguns riscos, soube estar à altura das suas responsabilidades. Muito em especial, as duas reuniões da Oposição que, em 1969, autorizou no seu Palácio Fronteira ficaram como marcos de grande dignidade cívica. O desaparecimento de Fernando de Mascarenhas é um momento que deve concitar o nosso pesar.

Em tempo: leia-se a entrevista que Maria João Seixas fez a Fernando de Marcarenhas para o "Público"
Leia-se também o poema que o poeta e diplomata Luís Castro Mendes dedica a Fernando de Marcarenhas no seu blogue Tim Tim no Tibete

O sorriso

Era um sorriso sadio e permanente pelos corredores da embaixada portuguesa em Paris, quando por lá cheguei. Bastante jovem, tinha uma imensa disponibilidade, era polivalente nas suas funções, muito competente e dedicada. Um dia, foi-lhe diagonosticado um tumor maligno. Chamei-a a dar-lhe coragem, coisa difícil para mim, sempre canhestro e cobarde a lidar com estas coisas. Embora triste, estava serena, manteve o sorriso. Ela tinha a esperança. Logo que pôde, voltou ao trabalho. Sempre a sorrir. Um dia, tivemos de informá-la que o contrato precário que tinha connosco não podia ser prorrogado. O sorriso esmoreceu, mas não se perdeu. Com o tempo, surgiram novas vagas na embaixada, um novo concurso. Entre muitos candidatos, concorreu e, com total mérito, foi readmitida. O sorriso regressou. Por pouco tempo. A doença retomou o caminho. Ontem, acabo de saber, o sorriso desapareceu, para sempre. Adeus, Liliana.

Perder a mão

Terá o PS  "perdido a mão", como se diz dos tenistas ou dos cirurgiões? Terá o afastamento do poder, por alguns anos, conduzido os socialistas a revelar uma incapacidade para aguentarem mediaticamente os ataques políticos, oferecendo o terreno da ofensiva ao adversário? 

Ao olhar-se o espetáculo montado pela maioria contra a taxa turística anunciada por António Costa, na sua qualidade de presidente da municipalidade de Lisboa, fica-se com a sensação de que o PS ficou meio aturdido face a uma reação que era mais do que esperada. Alguns recuos registados revelam mesmo algum amadorismo na preparação da medida. Ou será que não era expectável que a questão dos cidadãos nacionais, dos voos internos e a questão das ilhas surgisse? E porque não se anteviu a necessidade do acordo da ANA ou do porto de Lisboa? Porque se não explicou isso tudo, em detalhe, desde o início? Será que, depois da premonitória e histriónica "performance" de Pires de Lima, não se estava à espera que a decisão da Câmara lisboeta provocasse uma atitude como a que veio a ter lugar?

O que é irónico é que se tenha permitido que um governo que, ao longo do seu mandato, foi o autor de um dos maiores aumentos de impostos sobre os cidadãos portugueses de que há memória na nossa História recente, tivesse podido, sem uma gargalhada geral, vir a terreiro "indignar-se" sobre uma taxa minúscula, imposta a estrangeiros, que reverte diretamente para o fomento do setor turístico. Como se uma taxa aeroportuária de um euro e, depois de 2016, outra de dois euros por dormida, pudesse vir a afetar a competitividade turística de Lisboa e do país. Há muitos anos que, por esse mundo fora, se pagam taxas idênticas (muitas vezes, bem mais elevadas) e não consta que isso afete, ainda que marginalmente, os fluxos turísticos para essas cidades e regiões.

O governo e a maioria foram bastante hábeis nesta operação de ataque ao PS enquanto entidade de poder local, ao mesmo tempo que procuraram fragilizar a figura de António Costa, neste tempo que antecede a sua consagração como novo líder dos socialistas. E, surpreendentemente, conseguiram-no. O PS tem, rapidamente, que "recuperar" a mão, se não quiser vir a ter outras surpresas. Espero que tenha aprendido com esta lição.

terça-feira, novembro 11, 2014

Os escribas do bago


A possibilidade de Isabel dos Santos vir a adquirir a PT fez subitamente emergir, na nossa imprensa, uma classe agora muito em voga (e a preços baixos): os escribas "do bago".
 
Leiam-se algumas das ácidas diatribes editadas nos últimos dias contra a iniciativa da filha do presidente angolano, num claro reflexo de outros interesses, alguns dos quais há muito combatem as incursões angolanas pelos nossos meios empresariais. No outro extremo de opinião, apreciem-se alguns dos que incensam essa salvífica intervenção lusófona, como se fosse a pátria que, através dela, se regenerasse.
 
Eles, esses escribas "do bago", estão hoje um pouco por toda a parte, neste tempo em que mandar bitaites sobre negócios empresariais é de bom tom e em que fazer análises serenas e ponderadas sobre as vantagens/desvantagens de certos investimentos, com raras exceções, parece ter passado já de moda. Qual é a minha opinião sobre a iniciativa de Isabel dos Santos? Não tenho ou, como dizia a outra, "sei lá!" 
 
Termino apenas com um conselho: olhem para a composição do capital das empresas de comunicação social, vejam as posições que tomam e "façam as contas". É tão simples...

Caseirinho

Hoje é dia de S. Martinho e - deve ser da idade! - ando dado à observância de algumas tradições mais agradáveis. Vou, por isso, beber uma jeropiga a acompanhar as castanhas, mesmo sabendo que isso pode afetar o efeito do antibiótico com que combato um princípio de gripe. Quem me mandou a mim não tomar a vacina e pôr-me para aqui no blogue a saudar o regresso do frio e da chuva...

Esta possível ligação negativa entre o álcool e os antibióticos traz-me à memória uma historieta antiga, testemunhada por uma pessoa amiga, numa farmácia de Vila Real. Um episódio bem popular na tradição oral da minha família.

Ao balcão, uma senhora idosa, de aldeia, era instruída sobre os medicamentos que acabara de "aviar", receitados pelo médico. O empregado, pacientemente, ia dando indicações sobre as horas e as doses. Explicou, a certo passo, que, enquanto um determinado medicamento, um antibiótico, estivesse a ser tomado, não deveria ser consumido álcool. Este imperativo causou algum alarme na senhora, cujos hábitos seriam desta forma radicalmente alterados: 

- Mas nem um copito de vinho? Para acompanhar "o comer"?...", inquiriu a senhora.

O empregado da farmácia, experiente, ciente de que o rigor na observância do receituário em condições ótimas estaria sempre posto em causa, ensaiou um compromisso sábio:

- E o vinho, é caseirinho? 

A senhora confirmou ser "a pinga" de produção caseira. Isso "sossegou" o vendedor:

- Ah! Se é caseirinho, então pode beber. Mas não muito...

A minha jeropiga é do Pingo Doce. É caseirinha...

Justiça estrangeira

Os portugueses acordaram, há dias, para uma situação que a maioria desconhecia: há juízes portugueses a atuar no sistema judiciário de Timor-Leste. Não estão lá apenas como formadores dos novos quadros timorenses, mas são, eles próprios, quem ministra justiça, quem profere sentenças, as quais obrigam e impendem sobre os cidadãos e as instituições timorenses, a começar pelo próprio Estado.

Este modelo não é original. Por exemplo, em África, no período subsequente à descolonização britânica, mantiveram-se vários executores de justiça provenientes do anterior poder colonial, apoiados no facto  da nova ordem jurídica se ter mantido, por muito tempo, próxima da que antes fora utilizada. No caso de Timor, foram as próprias autoridades a solicitar esse apoio e, ao que julgo saber, grande parte da cooperação nesse setor foi útil e bem aceite, colmatando temporalmente as lacunas locais. 

Os incidentes que recentemente levaram à expulsão de juízes portugueses vieram, contudo, pôr a nu a relativa incongruência deste tipo de cooperação. Ser juíz não é a mesma coisa que ser engenheiro ou economista. A um juíz deve reconhecer-se a autoridade de um órgão de soberania, a qual, de acordo com a divisão tradicional de poderes, só pode ser limitada pela lei e não releva da vontade dos restantes parceiros institucionais do Estado, na equação de poderes que Montesquieu consagrou. Ora é para mim evidente que um estrangeiro, contratado a prazo por um governo, só por um exercício de ficção pode surgir ungido desse poder soberano. É assim uma receita fácil para o desastre, em especial perante dossiês que se prendem com grandes interesses internacionais do Estado ou que dizem respeito a figuras deste, como aconteceu no caso timorense.

Estranho que o Estado português não tenha estado devidamente atento para a sensibilidade deste tipo de situação, que agora se vê que, a prazo, tinha fortes condições para correr mal. Os avisos e os alertas, como agora se soube, foram muitos, ao longo do tempo. E, naturalmente, também não é desculpável a forma displicente como as autoridades timorenses atuaram, sem cuidar do impacto dessa atitude num dos sistemas de cooperação mais generosos com que sempre pôde contar.

Restam os juízes. Pode compreender-se o desgosto dos atingidos, mas eles devem reconhecer que a sua defesa pelos órgãos institucionais portugueses foi cabal e solidária. Por isso, e até para proteger a sua própria imagem, exige-se-lhe agora algum recato deontológico, que marque precisamente a sua diferença face ao sistema que os atingiu. Trazer para a comunicação social elementos a que tiveram acesso por via de processos que lhe foram confiados só reforça a razão a quem os acusou e dá de si uma má imagem profissional. E já nem falo do inenarrável agente policial que diz ter mandado para fora do território de Timor-Leste - o Estado que lhe pagou e que nele confiou - um contentor com informação...

As frases não ditas

Numa entrevista há dias, François Hollande pronunciou-se sobre um determinado programa de financiamento público. Nas várias respostas dadas às questões que sobre o tema lhe foram colocadas, surgem duas frases: "Não é caro" e, a uma pergunta um pouco mais adiante, ""É o Estado que paga", referindo-se, neste caso, à circunstância do encargo caber ao Estado central e não às coletividades locais. Foi o suficiente para as redes sociais fazerem, nos últimos dias, uma campanha colocando na boca do presidente francês: "Não é caro. É o Estado que paga". O "Le Monde" de hoje desmonta a operação de intoxicação mas, como era o objetivo desta, está criada a ideia que Hollande não se preocupa com os dinheiros públicos.

Na memória coletiva sobrevivem, por vezes, expressões que, não tendo nunca sido pronunciadas, passaram a constituir-se como mitos. Recordo o "play it again, Sam", que Rick nunca disse no "Casablanca", ou o "elementary, my dear Watson", que ninguém encontrará, posto na boca de Sherlock Holmes, em nenhuma linha de Conan Doyle. 

O debate político também se faz, muitas vezes, em torno de alguns desses mitos: Salazar nunca proferiu exatamente a frase "para Angola, rapidamente e em força", contrariamente ao que muitos portugueses pensam.

Desde há muito, é atribuída uma frase ao antigo presidente da República, Jorge Sampaio: "há mais vida para além do défice". À volta desta frase tem emergido, ao longo dos últimos anos, uma imensidão de comentários. Porque tinha curiosidade em perceber o que fora efetivamente dito (e o contexto em que o fora, o que não é despiciendo), fui um dia à procura do texto verdadeiro. E o que é que descobri?

Primeiro, Jorge Sampaio nunca terá proferido a frase "há mais vida para além do défice". 

Segundo, a frase verdadeiramente dita pelo antigo presidente - "há mais vida para além do orçamento" - foi proferida num contexto específico que merece ser ponderado:

"Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora exigente e necessária atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores. Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais."

Alguém discorda?

Para alguns, "os fins justificam os meios". O diabo é que também esta frase nunca foi, contrariamente ao que a História acolheu, escrita por Maquiavel...

Guiné-Bissau

O especialista daquele programa televisivo parecia saber do que falava. As explicações dadas sobre o surto do ébola e os seus riscos eram elucidativas e convincentes. Várias vezes se referiu aos países onde a epidemia tivera maior expressão e, durante mais de uma hora, também focou os casos “surgidos na Guiné-Bissau”. Mas há ébola na Guiné-Bissau? Não, não há. O tal especialista “apenas” confundira a Guiné-Bissau com a República da Guiné. É um detalhe? Não é. Trata-se de um lapso que, nem pelo facto de ser involuntário, deixa de ter um impacto negativo na perceção subliminar que muitos milhares de pessoas passam a ter da situação na antiga colónia portuguesa, deitando assim por terra o considerável esforço de prevenção feito pelas novas autoridades daquele país, em estreita ligação com Portugal, no tocante ao surto de ébola naquela subregião.

Simultaneamente, foi divulgado que a TAP anunciou que, por “razões de segurança”, continuavam suspensos os voos de Portugal para Bissau. Na memória de todos nós está a atitude arbitrária que, há meses, as então autoridades guineenses tomaram, ao forçarem o embarque para Portugal de refugiados sírios. Portugal suspendeu então esses voos – e fez bem. Só que há um pormenor: ao contrário do tempo em que esse incidente ocorreu, as condições essenciais de segurança para as operações de transporte aéreo estão hoje asseguradas. Por que não confessar que é a recusa do pessoal da TAP, num capricho que tem muito a ver com o boato do ébola, que impede que uma linha essencial para a ligação internacional da Guiné-Bissau ao mundo exterior permaneça encerrada?

A Guiné-Bissau é um Estado historicamente frágil. O mundo associa-lhe um tropismo para a instabilidade político-militar e a ligação do território a redes de narcotráfico. Porém, é importante que saiba que aquela que foi a primeira colónia portuguesa a tornar-se independente, depois do Brasil, está atualmente a atravessar um momento de retoma do funcionamento das suas estruturas democráticas, sob uma liderança que oferece, pela primeira vez desde há muitos anos, uma janela histórica de oportunidade para a sua estabilização política. À frente do seu governo está uma personalidade que os portugueses se habituaram a respeitar, ao tempo em que foi Secretário-geral da CPLP, Domingos Simões Pereira. O executivo por ele formado é uma coligação de vários partidos e de independentes, com uma componente técnica muito forte.

Desde 1974, Portugal tem sido um dos mais fiéis amigos da Guiné-Bissau, independentemente dos ciclos políticos em que o país mergulhou. E tem de continuar a sê-lo. É absolutamente vital que o nosso país expresse uma solidariedade ativa às novas autoridades. E isso passa muito pelo modo como possamos ajudar a dar relevo aos respetivos esforços para a plena retoma da normalidade no país. Contribuir para a desinformação em torno da situação na Guiné-Bissau é um ato de grande irresponsabilidade.
 
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, novembro 10, 2014

A outra "legionella"

Foi há cerca de sete anos. Fui ter com um amigo que me esperava para almoçar num clube privado de Lisboa, daqueles onde só entram homens (É verdade! Ainda hoje há disso!). O ambiente era, como se pode imaginar, bastante conservador - e isto é um eufemismo! Eu conhecia algumas escassas caras que por ali pousavam, a maioria gente já de uma certa idade, parte da qual ligada ao regime de antes do 25 de abril. Sinto-me, de há muito, com uma vocação antropológica ao privar com esses meios, porquanto acho que é sempre importante percebermos que, ao lado do nosso mundo, continuam a existir outros mundos, quiçá parados um pouco no tempo, mas que fazem parte do país plural que hoje somos. Às vezes "malgré eux", como dizem os franceses.

Bebíamos nós um gin tónico introdutório quando, de um círculo de sofás ocupado por um grupo de meia dúzia de cavalheiros, com idades à volta dos 80 anos, se ouviu a pergunta de um deles para outro:

- Diz-me lá! Tu entraste para a Legião antes ou depois de mim? logo adiantando a data da sua filiação nessa prestimosa instituição filo-fascista, que a ditadura manteve entre 1936 e 1974.

Não me recordo da data da resposta, mas troquei sorrisos irónicos com o meu amigo. O diálogo ia muito bem com o ambiente da casa e só a um estranho como eu ele poderia parecer bizarro. Imagino, aliás, que não seria muito popular se, naquele preciso momento, eu me identificasse como antigo e orgulhoso membro, em 1974, da "Comissão de Extinção da Pide/DGS e LP" (Legião Portuguesa)...

O meu amigo, que me conhecia bem, disse então, em voz baixa, uma frase que me ficou na memória, até hoje:

- Ainda há por aqui antigos legionários. Mas "aquilo" não se pega, não é um virus. Não é nenhuma "legionella"...

Tenho-me lembrado deste episódio nos últimos dias, em que aprendi que, tal como as ideias que suportavam a ditadura não contaminavam necessariamente quem nela viveu, a temível "legionella" não se propaga por contágio humano.

Mário António


"Com novembro a chiar nestas cigarras
as acácias sangrando suas flores
e um sol afirmativo num céu alto

Espero a tua carta e a minha vida

Uma pausa do tempo em minhas mãos
preenchida
pela contagem das horas
nas cigarras e pétalas caídas"

O pequeno livro "Amor", da autoria de Mário António, onde está o poema de que citei um estrato, vinha como oferta no saco do jornal "O Sol", da passada sexta-feira, que só hoje esvaziei. Trata-se de um facsimile de uma edição de 1960, da Casa dos Estudantes do Império, estrutura que acolheu figuras que viriam a destacar-se na luta pela independência dos seus países. 

Mário António, teve uma atividade cultural intensa em Angola, onde nasceu em 1934. Publicou considerável obra de poesia, de conto e de ensaio. Veio estudar para Lisboa, em 1963, onde ficou ligado ao ISCSPU, à Gulbenkian e à Sociedade de Geografia, cidade onde morreria em 1989.

Conheci-o em 1968. Deu-me aulas de Quimbundo (é verdade!) e não nos demos especialmente bem. Era um homem fechado, que mantinha uma distância crítica face aos agitados associativos em que eu então me inseria. Por uma qualquer razão, irritava-se facilmente comigo e eu encanitava com o seu ar muito "certinho", de mulato de sorriso presunçoso, com ar de seminarista. Na memória universitária desses tempos, corria a "lenda" de uma sua antiga ligação aos "movimentos de libertação", mas, também à época, era por demais evidente o seu deliberado afastamento de quantos, por ali, sabíamos próximos do MPLA ou da Frelimo. Ademais, era voz corrente que quebrara já esses antigos laços e estava próximo de algum "ultramarinismo", à luz do qual iria construir a sua subsequente carreira universitária. 

Desconheço muito sobre Mário António, pelo que admito que possa estar a ser injusto neste seu retrato, fácil e impressionista. Dele, lembro-me de ter lido uns contos passados em Luanda, que não me deixaram particular marca, mas nenhuma poesia, de que este opúsculo me deixou agora curioso. Perdi-o por completo de vista, até que este inesperado "Amor" caiu do saco de "O Sol". Quem havia de dizer que seria "O Sol" a trazer-me de volta a imagem do meu antigo professor de Quimbundo!

Diz-que-diz-que

Às vezes é compulsivo, para se mostrar no centro da atualidade, outras é por vocação para a intriga, outras ainda é por distração irrefletida, que raia a falta de sentido de responsabilidade. É assim que alguns se tornam em promotores de indiscrições.

A França está a ser abalada por uma "crisette" provocada por uma entrevista dada ao "Le Monde" pelo Secretário-Geral da Presidência da República, Jean-Pierre Jouyet, na qual este terá revelado extratos de uma conversa com o antigo primeiro-ministro François Fillon. Segundo Jouyet, que foi secretário de Estado dos Assuntos europeus do governo Fillon em 2007, este último terá insistido, nessa conversa, em que os processos judiciais contra Sarkozy fossem acelerados, a fim de se evitar o regresso do antigo presidente aos palcos políticos - algo que seria vantajoso para François Hollande e para figuras emergentes na direita, como ele próprio, François Fillon. Não evitaram, como se viu. Fillon, que está numa guerrilha virtual com Sarkozy pelo poder, nega ter abordado o assunto e Jouyet mete um pouco os pés pelas mãos, sem se desmentir face a uma gravação da entrevista que, a ser revelada, pode ser comprometedora. Certa direita francesa exulta: "enterra" Jouyet, que sempre considerou um "traidor" (passou do governo Sarkozy a chefe político-administrativo do Eliseu, com Hollande), pretende abater Fillon pela denúncia das suas "intrigas", credibiliza as teses do "complot" contra Sarkozy e, como cereja no bolo, vê criado um imenso embaraço para François Hollande... como se ele necessitasse de mais um!

Em França, porém, este tipo de " leaks" é vulgar, embora as mais das vezes em registos temáticos muito menos polémicos. Coisas ditas em conversas telefónicas "a dois" surgem publicadas, regulamente, no "Canard Enchainé" e na "Marianne"´e aquele país já vive com isso com certa naturalidade. O que não deixa, contudo, de provocar pequenas crises.

Não é muito comum, no seio da classe política portuguesa, a propensão para provocar o surgimento na imprensa deste tipo de indiscrições. Mas já aconteceu e todos conhecemos alguns nomes que, com regularidade, ajudam a essa "festa", embora tenha desaparecido a maioria dos órgãos de imprensa onde esse vício se revelou. Não deixa de ser saudável que, pelo menos até ver, tenhamos escapado a essa cultura de indiscrição.

Em tempo: a França é também o país do humor subtil. Leia-se uma deliciosa "carta póstuma de Michel Vaillant", o volante da ficção de banda desenhada, dirigida a François Fillon, que é conhecido como um empenhado piloto amador de competições automobilística. Nesta "carta" que o "Le Figaro" hoje traz, é recordado o conselho do grande piloto que foi Juan Manuel Fangio: "A que velocidade se deve conduzir para ganhar uma corrida? O mais lentamente possível. Basta chegar antes do segundo..." Leia aqui.

domingo, novembro 09, 2014

O problema dos títulos

- Então você quer que paguemos mais para a União Europeia?

Jaime Gama fez a pergunta com um largo e irónico sorriso, no momento em que eu entrei no Falcon, onde ele já estava sentado há uns minutos, pouco antes de uma deslocação que íamos fazer, creio que ao Luxemburgo. Não percebi a que é que se estava a referir. Foi então que o ministro dos Negócios estrangeiros me passou para a mão um exemplar de "O Diabo", o título hiperconservador que, depois de ter sido, nos anos 40 do século XX, um órgão que veiculava posições próximas do PCP, passou, após o 25 de abril, a ser uma voz da direita radical, inicialmente sob a direção de Vera Lagoa.

O título na capa de "O Diabo" era inequívoco (e cito de cor): "Portugal gostaria de pagar mais para a União Europeia". Uma larga foto minha, identificado como responsável governativo pelos Assuntos europeus, não deixava a menor dúvida sobre o autor da frase. 

Imagino a reação do cidadão comum ao entrar numa tabacaria, ao passar uma vista de olhos pelas primeiras páginas dos jornais do dia e ao deparar com aquela insólita "tirada". Um responsável do nosso país, um Estado que passava o tempo a tentar explorar todos os possíveis "nichos de saque" das instituições europeias, no sentido de recolher financiamentos para compensar o atraso do seu desenvolvimento, tinha a "lata" de afirmar que deveríamos "pagar mais" para a Europa? "O tipo passou-se, pela certa!", devia ser o sentimento comum. Se eu estivesse no lugar do cidadão, era o que pensaria.

"O Diabo" era um jornal ao qual nunca me tinha passado pela cabeça dar uma entrevista. A sua agressividade contra o governo socialista, de que eu então fazia parte, era conhecida, não havia edição do semanário em que o executivo de António Guterres não fosse zurzido, acusado de "vende-pátrias", quase filo-comunista, de incompetente e irresponsável.

Um dia, porém, uma jornalista por quem eu tinha bastante respeito sondou-me sobre a minha possível abertura para dar uma entrevista a "O Diabo". Garantia-me um diálogo com um jornalista equilibrado, profissionalmente capaz, sem uma agenda despropositadamente agressiva. Achei que era um ensejo interessante para "meter a foice em seara alheia", que não devia desperdiçar. Preparei-me para o que desse e viesse, sem grandes preocupações: tinha plena confiança na minha capacidade de dizer só aquilo que queria. A entrevista correu muito bem. O interlocutor preparara-se convenientemente, foi rigoroso e sem concessões, mas manteve-se num registo muito decente. Esperava um bom texto.

Naquela manhã, a caminho do Falcon, esqueci-me de adquirir "O Diabo". Jaime Gama, a quem nada escapava, era um leitor completo de tudo quanto a "media" portuguesa (e não só) publicava, de jornais a revistas. "O Diabo" não lhe escapara e, nele, claro!, a minha entrevista.

Mas, afinal, eu afirmara ou não que "Portugal gostaria de pagar mais para a União Europeia"? 

A pergunta do jornalista fora: "Portugal não paga demasiado para a UE?". Ora cada Estado membro da União paga, para suportar o funcionamento da organização, uma contribuição anual que depende diretamente da sua riqueza, isto é, todos pagam mas os países mais ricos pagam mais que os mais pobres. A minha frase era irónica: queria exprimir que até gostaríamos de pagar mais, porque isso significaria que éramos um país mais rico. Era apenas isto que eu pretendera dizer, nada mais. Porém, as ironias não "passam", necessariamente, nos textos. O paginador da capa de "O Diabo" deve ter-se desunhado para descortinar, na minha entrevista, uma frase sonante, que servisse de título. Eu fora especialmente cuidadoso, sabedor "do que a casa gasta". Ao ler o texto, o responsável pela paginação ter-se-á então apercebido que salientar essa minha frase criava uma "caixa" interessante, funcionando de forma negativa para o membro do odiado governo socialista, a que imprudentemente abrira as suas colunas. E não hesitou.

António Guterres explicou-me um dia que, nas entrevistas que concedamos, a nossa pior frase será sempre chamada para título. A minha frase não estava errada, tinha apenas sido dita num tom que não "passou"...

Mas a que propósito veio isto hoje? É que deparei, há pouco, num jornal diário, com uma fotografia minha, numa intervenção pública em Lisboa, complementada com um título onde figura algo que eu disse, embora não complementado com uma contextualização que eu próprio tivera o cuidado de precisar. Outra "simplificação", de natureza similar, descortinei ontem noutra nota, desta vez informática, atribuindo-me uma expressão que, de facto, eu utilizei na mesma sessão, mas que havia complementado com a frase "como alguns gostam de dizer, num conceito que hoje é muito contestado". Em ambos os casos, creio que não estamos perante qualquer atitude de má fé. Trata-se apenas do problema de criar um título, que, por definição, terá de ser curto e sintético. E redutor. É a vida...

Os órfãos do muro


É tão bom revisitar o passado através da consabida finura da leitura histórica do Partido Comunista Português! Apreciem esta peça-modelo do "Avante!" Com total sinceridade, devo dizer que sinto mesmo uma certa ternura por estes saudosos do "Trabant" e das glórias da URSS e dos seus "compagnons de route", a que Ialta forçou a existência. O PCP é hoje um museu de si próprio, que deve ser conservado com todo o cuidado que sempre deve ser concedido às espécies em extinção.

Custa-me ter de concluir que um partido a quem tenho, como muitos portugueses, uma eterna dívida de gratidão pela sua inigualável e sacrificada luta para derrubar a ditadura, não entenda o ridículo a que se expõe ao ficar preso a estes clichés caricaturais, que não dignificam a esperança que muitos ainda põem na sua ação política. Ao ler textos como estes, dou-me bem conta do que poderá ser o futuro da ideia da "maioria de esquerda" em Portugal. Ao auto-excluir-se do "mainstream" do bom senso, pela assunção deste género de posições, o atual PCP revela-se, uma vez mais, o grande e principal aliado (objetivo, como a doutrina marxista classifica) da direita portuguesa, ao lado de quem esteve no derrube do último governo socialista, na sua lógica imutável do "quanto pior, melhor".
 
Tenho pena, pelos bons amigos que por lá tenho e pelo respeito que conservo pelo velho PCP.

sábado, novembro 08, 2014

Francisco George


Gosto do estilo de Francisco George, diretor-geral de Saúde. A sua figura é talvez um tanto atípica, aquele bigode seria "punido" se acaso tivesse de obedecer às regras militares de corte, o cabelo é um "must" que, um destes dias, abre um modelo nacional para os barbeiros. Mas os portugueses já perceberam que têm diante de si alguém que não utiliza a "langue de bois", que não esconde as dificuldades para efeitos polìticos, que sabe do que fala, que não se intimida perante os "cornetos" das Sónias Cristinas. E que atua, mobilizando equipas e meios, num domínio que gere sempre graves incertezas e dúvidas.

Francisco George, oriundo de uma linhagem médica familiar muito respeitável, é um grande "servidor do Estado", uma categoria que talvez não esteja na moda mas que fui educado a respeitar. Perante a rotação de alguns meninotes arrogantes pelas cadeiras do poder, a manutenção de Francisco George no lugar, há muitos e bons anos, mesmo depois de mudanças drásticas na governação, mostra que ainda sobrevive uma réstea de bom senso em setores da nossa classe política. Nas gripes, no ébola ou na "legionella", ao atentar nas declarações de Francisco George, que lida com essa coisa definitiva que são as ameaças à vida, nossa e dos nossos, ficamos com a sensação, talvez estranha em face do resto que por aí vai, de que ainda há alguém "in charge".

sexta-feira, novembro 07, 2014

Presidenciais

Presumo que Jaime Gama não vai gostar daquilo que vou escrever. Mas não posso deixar de fazê-lo.

António Guterres reúne unanimidade dentro do Partido Socialista para vir a ser o candidato presidencial apoiado pelo partido (e por largos setores fora dele). Numa inevitável segunda volta, parece dificilmente batível nas urnas, seja por quem for - e Santana Lopes é, a meu ver, a carta mais provável por que Passos Coelho vai acabar por puxar, quanto mais não seja para travar as ambições do "irritante" Marcelo Rebelo de Sousa. Toda a restante esquerda, com mais ou menos entusiasmo, acabaria por alinhar atrás do atual alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados, lugar em que Guterres se tem prestigiado.

Resta saber se a Guterres "apetece" mais Belém ou o palácio de vidro da 2ª avenida de Nova Iorque. Não estou minimamente "no segredo dos deuses", mas tenho para mim, conhecendo-o, que lhe agradaria mais o lugar internacional. Resta saber se a manutenção em aberto desta hipótese é, em termos de calendário, compatível com o "timing" ótimo para lançamento de uma candidatura presidencial. Quero com isto dizer que o eleitorado potencial de Guterres, e em particular o Partido Socialista, não pode ficar refém desta indecisão e que, prolongando-se a mesma, há que encarar tempestivamente uma outra solução, com vocação vencedora.

Neste caso, não tenho a menor dúvida: o nome de Jaime Gama é, "by far", aquele que me parece indiscutível como podendo encarnar uma candidatura presidencial de altíssima craveira. Trata-se de um dos mais qualificados e bem preparados quadros políticos de que o país hoje dispõe, tem uma grande notoriedade nacional e internacional, revela um equilíbrio e um sentido de Estado que pede meças a quem quer que seja, na nossa política doméstica.

Volto a dizer: não sei se Jaime Gama gostará desta nota, mas entendo que, se o momento assim o exigir, não poderá eximir-se a este dever, que não é só político, mas também é patriótico.

Tiradas

1. O ministro Pires de Lima mostrou-se ontem um pouco alterado numa sua prestação parlamentar. A doutrina divide-se quanto aos motivos do estilo adotado, mas não quero ir por aí. Depois de uma violenta diatribe contra aquilo que considerou ser a influência negativa do anterior governo na vida interna de uma empresa como a PT (onde o Estado, à época, ainda era acionista, note-se), não se coibiu de revelar que havia já passado alguns recados à administração do Novo Banco, no sentido de esta dever ser mais favorável ao financiamento das PME. Bem prega frei Tomás: faz o que ele diz e não o que ele faz.

2. Ainda o antigo BES. Ontem, convidado surpresa da Quadratura do Círculo, Fernando Ulrich "descaiu-se" e disse que, se acaso o montante a pagar pelos bancos, no quadro do fundo de resolução, em caso de uma venda menos favorável do Novo Banco, vier a ultrapassar um certo montante, as instituições bancárias deverão recorrer a uma litigância judicial. Quer isto dizer que será o montante a definir a legalidade da medida! Bonito! Esta é a resposta dada pela banca, depois de, com a outra mão, não ter hesitado em recorrer à ajuda dos fundos públicos europeus que foram postos à sua disposição, com apoio dos Estados. É bom saber-se!

3. A senhora Merkel continua a dar-se ares "patronizing" (ou devemos dizer "matronizing"?) face aos seus parceiros europeus. Depois das "ameaças" ao PM Cameron, saiu-se agora com um comentário sobre o "excesso" de licenciados que Portugal (e Espanha) terão, em detrimento de carreiras vocacionais profissionalizantes. Presume-se que os "gasterbeit" de que a Alemanha necessita, nas obras ou nas fábricas, e que ligam melhor com a imagem que têm de Portugal, não necessitem de grande qualificação (embora o nosso país esteja bem abaixo da média comunitária). O PS abespinhou-se, o ministro Crato, conhecido "amigo íntimo" das universidades, veio a terreiro defender a posição portuguesa. Onde chegou a Europa - melhor, onde chegou a Alemanha! - para termos de ver um país, numa descarada tirada para efeitos políticos internos, entrar neste tipo de demagogia. Vou medir as palavras: a Alemanha, e os seus dirigentes, estão a arranjar um grande sarilho para a sua imagem junto dos parceiros. Um dia vão arrepender-se e pode ser já tarde. Para a Europa e para eles. Espero, sinceramente, não vir a ter razão.

quinta-feira, novembro 06, 2014

Artur Castro Neves (1944-2014)

Era um prazer passear com o "Kiko" (Artur Castro Neves) pelas ruas de Paris. Tinha delas uma leitura muito diferente do "turista diplomático" que eu nunca deixei de ser, olhava-as com a mirada de "vieux routier", contava a história da loja de esquina que já fora outra coisa, do andar onde vivera fulano, do bistrot onde se comia, bom e barato, algo que era sempre bem diferente dos locais que eu conhecia. Era viciado na "La Une", eu na "L'Écume des Pages". Depois das livrarias de cada um, encontrávamo-nos no Lipp. Para a semana, vou beber por lá, por ele, um Chablis que sei que apreciava.

Paris era a cidade para onde ele saíra em 1962, onde se licenciou em Sociologia, onde lecionou na universidade, antes de o fazer por cá. Em Paris, escreveu na "L'Esprit", por cá editaria vários livros sobre o audiovisual, o tema que o fascinava. Por lá, viveu a sua mãe, que visitava regularmente, tendo eu, por quatro anos, sido beneficiário, pelo convívio, desse seu percurso cíclico. Surgia-nos lá em casa, com o inconfundível "papillon", sempre com uma oferta, umas flores, um livro, um chocolate ou uma compota. Trazia-nos a sua visão do país em crise, sempre original, fruto de um pensamento livre, feito de mundos que decantara. Refletia o mundo a partir dele, não de uma perspetiva paroquial. Tinha amigos de excecional qualidade, que gostava de partilhar, enriquecendo-nos. Através dele conheci gente muito interessante, em Paris ou em Brasília, onde nos visitou e nos iluminou os dias.

Conhecemo-nos nos anos 80, em Lisboa, no Procópio, onde ele parava a espaços. Ficámos amigos num segundo. A capital, contudo, parecia-me que não era a sua "praia". Era o Porto, a sua terra, que lhe dava a identidade, aquela maneira única de estar na vida e na relação franca com os outros. O Kiko era uma espécie rara de intelectual urbano, porque não se enfronhava nas folhas, antes sorvia  o quotidiano. Tinha uma graça natural, uma agitação quase adolescente. Era adepto de uma ironia culta, frequentemente feroz. Às vezes, divergíamos, politicamente e não só. No fundo, era um jogo: "picávamo-nos" um ao outro, divertidos. 

O Kiko deixou-nos, na madrugada de ontem. Quis o acaso que hoje eu estivesse de passagem no Porto. Pude, desta forma, despedir-me de um amigo com quem partilhava muitas inquietações, algumas certezas e, sempre, um olhar de esperança sobre Portugal. Deixamos aqui um abraço sentido à sua Família e um beijo muito amigo à Isabel.

Em tempo: recordemo-lo aqui.

Das embaixadas

No seu IV volume de memórias, "Acta est fabula", há dias publicado, Eugénio Lisboa, que foi conselheiro cultural em Londres entre 1978 e 1995, e com quem coincidi naquela embaixada de 1990 a 1994, traça um singular retrato de uma certa estirpe. Respigo o extrato aqui, com a devida vénia:

"À volta das Embaixadas, gravita toda uma fauna peculiar, que vive dependente de ser vista nas recepções das Embaixadas, cujo estatuto social precisa da bênção e da aura das Embaixadas e para quem é vital "ser muito das Embaixadas" e saber o que lá se passa e "quem vai ser o novo embaixador". Intrigam, telefonam, pressionam, namoram, iriam para a cama, sendo necessário, para assegurarem que receberão o "convite". Recebido este, nada lhes dá mais prazer do que alardeá-lo por todo o lado, sobretudo junto daqueles que, quase de certeza, o não receberam. Não há nada como marcar a diferença: ir ou não ir à Embaixada, eis a questão. Depois, no dia miraculado da recepção, saltitam de pessoa em pessoa, repletos, garantindo o máximo de visibilidade às suas egrégias e assaz convidadas pessoas. Quando, por uma razão qualquer ou por nenhuma razão em particular, houve uma recepção para que não foram convidados ou convidadas, ficam num desespero de ave ferida na asa, não largam o telefone, a quererem saber porquê, numa voz um bocadinho histérica, de amante abandonada. Sim, porque, no passado, tinham estado sempre "na lista". Terão sido "riscados" ou "riscadas" da "lista"? Quem foi o intriguista responsável pela erradicação? Sim, porque houve de certeza alguém mal intencionado, invejoso, que esteve por detrás daquela "intriga"! Para estas pessoas, a "Embaixada" é um lugar mágico, "a charmed place". É um mundo de mil e uma noites, de maravilhas insuspeitadas... Quando um embaixador deixa o posto, entram logo numa grande ansiedade: "Quem será o novo?" Babam-se, literalmente, de uma expectativa quase lasciva. Quando lhes dizia que ainda se não sabia, olhavam para mim, com ar de dúvida: "Sabe, mas não pode dizer..." E este "segredo", não desvelado, tornava-se, para elas, um grande motivo de emoção, de quase acarinhada ternura... Quando, por fim, era conhecido o nome do novo ocupante do posto, derramavam-se, sôfregos, compreensivelmente impacientes: "Quando chega? Como é ele? De onde vem?" Desfaleciam, literalmente, de curiosidade mal saciada. Antecipavam, mentalmente, a "recepção" em que seriam, finalmente, apresentados a Sua Excelência! A alguns, mais atrevidos, parecia-lhes que talvez fosse a ocasião de sugerir ao "novo" a oportunidade, a conveniência, a justiça de uma apetecida condecoraçãozinha..."

Não ouso dizer-lhes se, na minha opinião, as coisas são mesmo assim. Tendo servido em quatro das maiores embaixadas portuguesas - Luanda, Londres, Brasília e Paris -, onde essas situações podem ser mais frequentes, sou forçado a repetir a expressão clássica de Urquhart, na versão inglesa (não conheço a americana) da série "House of Cards": "You might think that. I couldn't possibly comment"...

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...