segunda-feira, novembro 10, 2014

Mário António


"Com novembro a chiar nestas cigarras
as acácias sangrando suas flores
e um sol afirmativo num céu alto

Espero a tua carta e a minha vida

Uma pausa do tempo em minhas mãos
preenchida
pela contagem das horas
nas cigarras e pétalas caídas"

O pequeno livro "Amor", da autoria de Mário António, onde está o poema de que citei um estrato, vinha como oferta no saco do jornal "O Sol", da passada sexta-feira, que só hoje esvaziei. Trata-se de um facsimile de uma edição de 1960, da Casa dos Estudantes do Império, estrutura que acolheu figuras que viriam a destacar-se na luta pela independência dos seus países. 

Mário António, teve uma atividade cultural intensa em Angola, onde nasceu em 1934. Publicou considerável obra de poesia, de conto e de ensaio. Veio estudar para Lisboa, em 1963, onde ficou ligado ao ISCSPU, à Gulbenkian e à Sociedade de Geografia, cidade onde morreria em 1989.

Conheci-o em 1968. Deu-me aulas de Quimbundo (é verdade!) e não nos demos especialmente bem. Era um homem fechado, que mantinha uma distância crítica face aos agitados associativos em que eu então me inseria. Por uma qualquer razão, irritava-se facilmente comigo e eu encanitava com o seu ar muito "certinho", de mulato de sorriso presunçoso, com ar de seminarista. Na memória universitária desses tempos, corria a "lenda" de uma sua antiga ligação aos "movimentos de libertação", mas, também à época, era por demais evidente o seu deliberado afastamento de quantos, por ali, sabíamos próximos do MPLA ou da Frelimo. Ademais, era voz corrente que quebrara já esses antigos laços e estava próximo de algum "ultramarinismo", à luz do qual iria construir a sua subsequente carreira universitária. 

Desconheço muito sobre Mário António, pelo que admito que possa estar a ser injusto neste seu retrato, fácil e impressionista. Dele, lembro-me de ter lido uns contos passados em Luanda, que não me deixaram particular marca, mas nenhuma poesia, de que este opúsculo me deixou agora curioso. Perdi-o por completo de vista, até que este inesperado "Amor" caiu do saco de "O Sol". Quem havia de dizer que seria "O Sol" a trazer-me de volta a imagem do meu antigo professor de Quimbundo!

2 comentários:

Anónimo disse...

Sei que Mário António foi, e é ainda hoje, vários anos após a sua morte, objeto de opiniões muito diversas.
Fui seu colega e amigo nos bancos do ISCSPU, mas não sabia que aí veio depois a ensinar. Nas várias biografias que conheço isso não é mencionado. Não o posso julgar como professor e tenho de admitir aquilo que diz dele.
Como colega, não era nada disso.
Em qualquer caso, a sua poesia conta-se, quanto a mim, entre a melhor que no seu tempo se escreveu em português. José Neto

patricio branco disse...

desconhecia o sr.
curioso reeditarem um seu livro (certamente esquecido) mas relembrar estas figuras também tem méritos

A Europa de que eles gostam

Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá. ...