terça-feira, novembro 11, 2014

As frases não ditas

Numa entrevista há dias, François Hollande pronunciou-se sobre um determinado programa de financiamento público. Nas várias respostas dadas às questões que sobre o tema lhe foram colocadas, surgem duas frases: "Não é caro" e, a uma pergunta um pouco mais adiante, ""É o Estado que paga", referindo-se, neste caso, à circunstância do encargo caber ao Estado central e não às coletividades locais. Foi o suficiente para as redes sociais fazerem, nos últimos dias, uma campanha colocando na boca do presidente francês: "Não é caro. É o Estado que paga". O "Le Monde" de hoje desmonta a operação de intoxicação mas, como era o objetivo desta, está criada a ideia que Hollande não se preocupa com os dinheiros públicos.

Na memória coletiva sobrevivem, por vezes, expressões que, não tendo nunca sido pronunciadas, passaram a constituir-se como mitos. Recordo o "play it again, Sam", que Rick nunca disse no "Casablanca", ou o "elementary, my dear Watson", que ninguém encontrará, posto na boca de Sherlock Holmes, em nenhuma linha de Conan Doyle. 

O debate político também se faz, muitas vezes, em torno de alguns desses mitos: Salazar nunca proferiu exatamente a frase "para Angola, rapidamente e em força", contrariamente ao que muitos portugueses pensam.

Desde há muito, é atribuída uma frase ao antigo presidente da República, Jorge Sampaio: "há mais vida para além do défice". À volta desta frase tem emergido, ao longo dos últimos anos, uma imensidão de comentários. Porque tinha curiosidade em perceber o que fora efetivamente dito (e o contexto em que o fora, o que não é despiciendo), fui um dia à procura do texto verdadeiro. E o que é que descobri?

Primeiro, Jorge Sampaio nunca terá proferido a frase "há mais vida para além do défice". 

Segundo, a frase verdadeiramente dita pelo antigo presidente - "há mais vida para além do orçamento" - foi proferida num contexto específico que merece ser ponderado:

"Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora exigente e necessária atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores. Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais."

Alguém discorda?

Para alguns, "os fins justificam os meios". O diabo é que também esta frase nunca foi, contrariamente ao que a História acolheu, escrita por Maquiavel...

6 comentários:

Anónimo disse...

Passos Coelho NUNCA chamou piegas aos "Portugueses".

Ele disse a uma aluna do secundário que eles (os alunos) não podiam ser piegas desculpando-se com a falta de tempo para estudarem.

Ass.: Catinga (sem paciência para fazer "login")

Anónimo disse...

Todos sabemos que a imprensa e os opositores políticos colocam na boca das pessoas frases que aos ditos conviria que tivessem sido ditas. Mas existe o "desmentido veemente e oportuno". Que se saiba Jorge Sampaio só timidamente desmentiu o que lhe foi atribuído largos tempos depois, pelo que mesmo não o tendo dito o efeito assassino da frase produziu os seus efeitos e, portanto, politicamente disse a frase.
João Vieira

Albino M. disse...

Bah, não me vai dizer também que o Pai Natal não existe.
Ou então, que os meninos não vêm de Paris, atados, no bico da cegonha.
Não nos desiluda!...

Joaquim de Freitas disse...

Sobre Jouyet , tinha eu escrito um comentário no "post" que lhe é dedicado, pelo Senhor Embaixador, em Abril 2014:



"E se os homens políticos dos dois campos se assemelham e convivem socialmente ao ponto de serem perfeitamente intercambiáveis nos governos , então que resta aos cidadãos progressistas para combater o Estado burguês senão o extremismo ? E a questão lancinante : reformar ou destruir ?
9 de Abril de 2014 às 17:44"



Pois, Jouyet, sendo intercambiàvel, nada mais normal que almoce com Fillon, seu antigo primeiro ministro, que este lhe diga "todo o amor que nutre por Sarkozy ", que toda a gente sabe, e todo o receio de o ver desembarcar de novo à cabeça do UMP , garantido, e depois no palácio do Eliseu,(menos certa).
Aquilo que Fillon lhe disse toda a gente o sabe e a maioria dos militantes do UMP crê realmente que Fillon é um traidor!
A "clique" do UMP procura afogar Hollande e o seu amigo Jouyet, no lamaçal do UMP.

EGR disse...

Senhor Embaixador: ainda há poucos dias ouvi um Ministro, creio que foi o grande comediante, Pires de Lima invocar essa suposta frase de Jorge Sampaio.
O caminho que estas coisas fazem também é resultado dos escribas que temos e cuja qualidade, é cada vez mais, impressionante.

Anónimo disse...

aqui fica mais uma:
jornalismoassim.blogspot.com/2012/11/a-arte-de-implantar-uma-ideia-fabula-da.html

A Europa de que eles gostam

Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá. ...