Não é propriamente uma novidade, mas vale a pena registar o que passou nos últimos dias, entre os parceiros da "troika". Depois do FMI ter deixado a público alguma contrição sobre os eventuais erros cometidos no caso da intervenção na Grécia, surgiram vozes do lado da União Europeia - que, na "troika", tem a Comissão europeia e o Banco central europeu - a lamentar essa voz dissonante.
Do lado português, em lugar de se aproveitarem tais dissídios para explorar a manifesta fragilidade institucional em que a "troika" ficou e, de imediato, alegar a incoerência programática das suas decisões mais gravosas, expondo à crítica algumas das condições que nos são impostas, a reação foi, no mínimo, curiosa.
Da parte do chefe do governo, lamentaram-se as divergências entre os membros da "troika", o que não deixa de ser singular, num executivo onde, precisamente, as contradições sobre a justeza da aplicação de algumas das medidas do ajustamento por mais de uma vez fizeram perigar a coligação.
Já o presidente da República optou pelos princípios e repetiu o óbvio: em tese, seria desejável que a Europa não precisasse de um tradicional "xerife" da ortodoxia financeira para respaldar decisões em que, ela própria, deveria ter massa crítica própria.
No meio da situação, surgiu a voz do presidente da Comissão europeia, a lembrar que, afinal, a responsabilidade final pelas medidas impostas - e pelo seu grau de rigor, sublinhe-se - é dos Estados membros da "eurozona", que decidem (e, presume-se, ou não) sobre aquilo que a "troika" recomenda que deve ser imposto, nomeadamente em termos da maturidade dos empréstimos, das taxas de juro a aplicar e, naturalmente, dos limites temporais para a redução do nosso défice. O dr. Barroso tem razão, mas esqueceu-se de dizer, neste seu já tradicional e recorrente "lavar de mãos", que a instituição a que formalmente preside (por obra e graça dos tais Estados membros que tudo decidem) faz parte da entidade que propõe as medidas, com o rigor que delas ressalta. E que o "seu" comissário para o setor é um dos "falcões" do exercício e, várias vezes, tem assumido posições que colocam em causa o papel de "pomba" que o seu presidente, às segundas-quartas-e-sextas, entende dever assumir.
Vamos, então, às contas finais: se é verdade que as propostas da "troika" (que se sabe agora, de fonte "limpa", serem objeto de divergências no seu seio) têm de ser ratificadas pelos Estados membros do euro, então, ou eu estou a ver mal as coisas ou o esforço negocial principal deveria concretizar-se num intenso trabalho bilateral junto de todos e de cada um dos componentes da "eurozona" (os tais Estados membros que, segundo Barroso e La Palisse, dirigem o processo). Como? Através de um intenso "shuttle" para diálogo em cada uma das capitais dos países do "eurogrupo", politizando os argumentos, dramatizando a realidade das consequências económicas e sociais do ajustamento, denunciando o grau de rigor que ele nos tem imposto - no fundo, explicando essa coisa, que me parece evidente e facilmente arguível, de que todas as previsões da "troika" (e de quem nela manda) sobre os efeitos concretos das medidas aplicadas (para a recuperação dos indicadores macroeconómicos) falharam rotundamente, seja pela sua eventual inadequação objetiva aos objetivos ou, muito simplesmente, por culpa da conjuntura, não obstante o esforço que o governo português fez para fazer tudo "by the book", como lhe foi ordenado.
Será que isto tem sido feito? Era importante saber-se.