segunda-feira, junho 03, 2013

Polónia

Por razões que seria fastidioso explicar, mas que se prendem essencialmente com a leitura que faço dos equilíbrios desejáveis no seio da União europeia e da Europa - que são coisas um pouco distintas - fui sempre um apologista da entrada da Polónia nas instituições comunitárias. Aculturei essa perceção com António Guterres, cuja determinação europeísta cedo soube marcar o rumo oficial português perante o processo de alargamento.

Cheguei há algumas horas a Varsóvia, para encontros profissionais, no quadro da minha nova vida de "ex-aposentado" - para recuperar a feliz designação que me foi atribuída por um comentador deste blogue. Já aqui não vinha há uma década. Entre 1995 e 2003, visitei várias vezes a Polónia, sempre em trabalho, acompanhando António Guterres e o presidente Jorge Sampaio, mas igualmente para proferir conferências (duas vezes no magnífico Instituto europeu de Natolin, outra a convite de antigo MNE Bronislaw Geremek, para falar a jovens polacos, no âmbito da Fundação Jean Monnet, a que presidia) ou a chefiar missões bilaterais. Também no âmbito da OSCE me desloquei a Varsóvia, ido de Viena. (O meu amigo e ex-jornalista do "Expresso" Luís Tibério espalhava aos quatro ventos que, durante anos, quando me tentava telefonar, eu estava sempre na Polónia....). Tive e tenho excelentes amigos polacos, na política como na diplomacia, todos tributários de uma cultura marcada por tempos muito difíceis, exigentes e frequentemente bem trágicos. E por uma magnífica capacidade de saber "dar a volta por cima" às coisas.

De cada vez que volto à Polónia fico surpreendido com a vitalidade deste país, com o seu crescimento, com a sua vontade de se afirmar como um poder sólido no contexto europeu. Conheço as linhas dominantes do pensamento estratégico que por aqui se cultiva, as preocupações com a evolução recente da Rússia, mas, igualmente, o cuidado posto no processo político que se desenvolve em dois vizinhos complexos: a Ucrânia e a Bielorrússia. E, naturalmente, é sempre importante acompanhar o sentido do diálogo entre Varsóvia e Berlim, bem como os vários capítulos da particular relação da Polónia com os Estados Unidos, agora que a França passou a contar menos na sua política de alianças. Um país não escolhe os seus vizinhos, pelo que há que perceber que, muitas das vezes, a sua liberdade para selecionar os seus amigos está ligada aos imperativos ditados por essa mesma vizinhança. E a Polónia contemporânea sabe bem perante quem tem uma dívida de gratidão, seja na ajuda à sua libertação da tutela soviética, seja, mais tarde, na sua integração europeia, com a liberdade e o progresso que daí lhe adveio.

Há semanas, num debate em Lisboa comemorativo do dia da Europa, contei uma história que me foi relatada, um dia, por um amigo polaco, nascido em Varsóvia, no final da guerra. A capital polaca era então uma montanha de escombros. Esse meu amigo cresceu nesse ambiente, que estava, no tocante a Berlim, muito bem retratado no impressionante filme de Rosselini cuja projeção tinha antecedido as nossas intervenções (de Viriato Soromenho Marques, de José António Pinto Ribeiro e de mim próprio, para além de representantes das embaixadas francesa e alemã em Portugal). Um dia, os pais desse meu amigo, então com cinco ou seis anos, levaram-no a Cracóvia. Era e é uma belíssima cidade, felizmente poupada pelas destruições da guerra, que fica próxima do campo de concentração de Auschwitz. Para esse amigo, então muito jovem, a surpresa foi imensa: no seu imaginário de criança, habituado à "paisagem" de Varsóvia, todas as cidades eram ruínas. Ora, afinal, havia cidades onde as casas estavam de pé, onde a guerra não parecia ter passado. 

Na minha intervenção no debate, procurei explicar que nós, em Portugal, durante a segunda guerra mundial, vivíamos como que "em Cracóvia", pelo que nunca poderemos entender verdadeiramente a Europa se não soubermos estar à altura das preocupações de quantos experimentaram um mundo bem mais dramático, feito de guerra, de morte, de ocupação, seguido de um totalitarismo violento, reciclado por ondas repressivas, que se prolongou por décadas. Não é, assim, de estranhar que esse países valorizem o desenvolvimento que entretanto obtiveram, à custa de imensos sacrifícios e renúncias. E que tudo isso molde a sua idiosincrasia nacional.

Nota: as belas casas que se vêm na imagem, na clássica praça Rynek, são reproduções feitas com base em documentos e desenhos anteriores à segunda Guerra mundial, um trabalho que só ficou concluído em 1962. Depois do conflito, a praça era apenas um amontoado de pedras e ruínas. 

10 comentários:

Anónimo disse...

stary rynek em Poznan?

António Pedro Pereira disse...

Senhor Embaixador:
Já era tempo de discordar frontalmente de si.
Do que afirma no último período.
Nós sabemos dar o valor ao que é a destruição das nossas cidades, não na guerra mas no pós-guerra, não pela mão das bombas mas dos autarcas e ministros.
Enquanto os polacos, a partir de fotografias, reconstruíram a praça Rynek, nós destruímos os centros históricos das cidades e recordamo-los a partir das fotografias que reproduzimos em artigos de jornal e em livros.
Nós também tivemos a guerra nas nossas cidades.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro António Pedro Pereira: tem toda a razão! Essa é a nossa guerra civil. As exigências da nossa memória histórica ficam muitas vezes àquem dos interesses do patobravismo do nosso "bloco central" autárquico.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 23.56: há, de facto, uma stary Rinek em Poznan, mas, apesar de muito bonita, é bem diferente da de Varsóvia. Conheço bem as duas.

São disse...

Já estive duas vezes na Polónia: em ambas em Cracóvia (que acho lindíssima)e Auschwitz-Birkenau ( um horror para que nada tem o condão de nos preparar e sempre repetido em cada visita).

Em Agosto de 2012 visitei também , entre outras cidades, Varsóvia e foi na Praça Zamkowy que vivi uma nos mais emocionates momentos da minha vida, quando às 17 H se homenageou a Revolta brutalmente esmagada pelo ocupante alemão e a que o Exército Vermelho assitiu sem mexer um dedo para ajudar os polacos-

Quanto a nós, a destruição está sendo feita paulatinamente , sem bombas...mas com resultados também muito trágicos.

Boa semana

Anónimo disse...

Reconstrução de cidades! Isso lembra-me o que está a acontecer à nossa Lisboa, especialmente na "Baixa". Não tivemos uma guerra, mas olhando para a maioria dos prédios, mais parece que alguma maldição passou por ali. E, o mais grave, é que vai perdurar nas próximas gerações...

Anónimo disse...

A propósito da adesão da Polónia, recordo-me de um episódio que vivi, na fase de pré-adesão.
No contexto de um seminário do Conselho da Europa, no qual representava o nosso país, fiquei, à minha chegada, subitamente “submergido” pelos dois representantes polacos, um deles que eu já conhecia e outro que falava muito bem português, que queriam que eu lhes confirmasse que a posição de Portugal era, de facto, favorável à adesão da Polónia.
Embora não fosse a minha área, lá lhes disse que essa era a posição oficial e que não havia qualquer motivo para que dela duvidassem.
Mas vi que não ficaram tranquilos e, durante todo o seminário, todos os pretextos serviam para me abordarem tentando perceber quais os motivos que teriam levado o nosso país a assumir aquela posição.
Não sei se, passados tantos anos, já conseguiram perceber…

JR

Anónimo disse...

espero que o pais tenha pouco que ver com os hooligans, a brutalidade e o neonazismo das claques de futebol que tem.
E peca por favor aos anormais que andaram a grafitar "legia de varsovia" por todos os cantos da cidade de lisboa para os virem limpar.

João Melo disse...

existe um rynek em cada cidade da polonia . é de certa maneira ekivalente a plaza central de espanha. conheço bem a de wroclaw e de varsovia onde fui 3 vezes.é realmente um pais com grande vitalidade e com uma cultura muito propria.sempre k posso volto la

Anónimo disse...

O que me “baralhou” foi a historia de reconstrução que Sr. Embaixador contou de Varsóvia (onde nunca estive) ser exatamente igual à que as meninas polacas me contaram em Poznan, nessa praça, enquanto me serviam um copo de uma cerveja maravilhosa. Bem…, não sei se estou a confundir a qualidade da cerveja com o ambiente de estar a ser servido por autênticos modelos femininos, naquela praça encantadora!
Quanto à adesão da Polónia à UE, pelas pessoas maravilhosas que conheci, e foram diversas, quem lucrou foi a UE!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...