domingo, dezembro 26, 2010

Lula e o futebol

Eu tinha chegado ao Brasil há poucos dias. A apresentação das minhas cartas credenciais ao presidente Lula estava muito atrasada, devendo aguardar ainda meses.

Um dia, para minha surpresa, o "Cerimonial" (o nome brasileiro para Protocolo) convidou-me a estar presente no almoço oficial que o presidente Lula oferecia ao presidente do governo espanhol, José Luiz Zapatero. Era um gesto de inusitada simpatia para com o representante diplomático português, porque um embaixador não "existe" oficialmente, perante um chefe de Estado, antes de apresentar as credenciais. Mas as relações luso-brasileiras têm destas simpáticas sublitezas.

No final do almoço, o chefe do Cerimonial, Ruy Casaes, quis ter a acrescida amabilidade de me apresentar ao presidente e ao seu convidado. Lula da Silva deu-me as boas-vindas, de forma bastante calorosa e logo inquiriu:

- Embaixador, qual é seu "time", em Portugal?

- Sou de um clube essencialmente católico, presidente. 

Deixei passar uns segundos e, perante a perplexidade dos presentes, expliquei que era do Sporting, "um clube que só ganha quando Deus quiser".

Lula deu uma gargalhada e disse que conhecia melhor o Benfica e o Porto.

Nesse ponto da conversa, Zapatero - que não me pareceu muito conhecedor de futebol - puxou o assunto para Pélé, afirmando a grande admiração que tinha pelo jogador, que tinha visto jogar em seleções brasileiras.

Lula comentou então:

- O presidente Zapatero sabe que Pélé não fazia parte daquele que é, ainda hoje, considerado como o melhor "time" que o Brasil alguma vez teve?

Aí, eu intervim:

- Está a referir-se ao "time" do Chile, em 1962, presidente?

Lula fez uma cara de quem estranhava bastante que eu soubesse esse preciosismo e retorquiu:

- O embaixador lembra-se do "time" do Chile?

- Muito bem, presidente. E, por acaso, o presidente recorda-se dos jogadores que compunham esse "time"'?

Lula deve ter achado algo impertinente a minha observação, mas lá adiantou:

-  Tinha o Zózimo, o Amarildo, o Garrinha...

Agarrei a oportunidade e "arrasei":

- Presidente, talvez valha a pena começar pelo princípio: Gilmar; Djalma Santos, Mauro e Nilton Santos; Zito e Zózimo; Garrincha, Didi, Vává, Amarildo e Zagalo.

Zapatero estava sem perceber nada. Lula exibia um sorriso espantado e, por um instante, deve ter pensado que Portugal teria decidido mandar para o Brasil um técnico de futebol, em lugar de um embaixador.

- Mas como sabe isso, embaixador? Por que conhece todo esse "time" brasileiro?

Expliquei então ao presidente Lula uma coisa que ele provavelmente desconhecia, mas que, estou seguro, não esqueceu mais:

- Sabe, presidente, a minha geração, em Portugal, quando a nossa seleção nacional não estava numa "copa" do Mundo, tinha o Brasil como a "sua" seleção. E, por isso, eu conhecia muito bem todo o vosso "time", porque o "time" do Brasil era o meu "time".

(Não disse ao presidente Lula que esse "time" do Chile era, por mero acaso, o único que eu sabia totalmente de cor...).

A partir daí, e nos quatro anos seguintes, várias vezes conversei com o presidente Lula sobre futebol, a maioria delas sobre a errática sorte do seu Corinthians. E, infelizmente, nunca encontrei uma boa razão para lhe voltar a falar no meu Sporting...

sábado, dezembro 25, 2010

No topo

O jovem diplomata tinha chegado àquele posto há poucos meses. O seu chefe era uma figura da velha escola das Necessidades, algo severo, um pouco ácido e nada dado a confianças com os subordinados. Recebia-os o mínimo tempo necessário e não criava um ambiente propício a conversas. Apesar de tudo - havia que reconhecer -, não se podia queixar: era tratado por ele com atenção e, profissionalmente, a experiência estava a ser interessante.

Um dia, o chefe chamou-o: deveria, nos três dias seguintes, acompanhar um velho embaixador vindo de Lisboa, que fora destacado para executar uma missão especial naquela cidade, ligada a uma qualquer estrutura internacional. Pela forma como o seu chefe lhe referiu o assunto, percebeu logo não se tratar de alguém com quem ele tivesse uma relação de simpatia muito forte. Aliás, o visitante nem sequer tinha prevista, no seu programa, uma deslocação à Embaixada.

O contacto com o diplomata chegado de Portugal revelou-se, para o nosso jovem, uma surpresa muito agradável. Era um "gentleman" - cordial, falador, contador de histórias interessantíssimas sobre a carreira e a vida diplomática. Estava a ser um prazer acompanhá-lo.

Uma noite, no bar do hotel onde o velho embaixador estava instalado, e talvez abusando um pouco da familiariedade com que estava a ser tratado, o jovem diplomata ousou perguntar:

- O senhor embaixador vai-me desculpar mas, dado o seu profundo conhecimento da nossa carreira diplomática, gostava de lhe colocar uma pergunta um pouco delicada...

- Ó homem, esteja à vontade!, diga lá o que quer saber - responde-lhe, condescendente, o colega mais antigo.

- Como sabe, estou há poucos meses neste posto. Tenho uma boa relação com o meu embaixador, mas já deu para perceber que tem um feitio complicado e dizem-me que está longe de ser uma pessoa consensual na nossa carreira. Tinha, por isso, alguma curiosidade em saber como é que ele é, de facto, cotado no âmbito do MNE.

- Mas isso é muito fácil, caro colega: o seu embaixador está, sem a menor sombra de dúvida, qualificado no topo dos nossos colegas!

- Ah! sim? É tido como um dos nossos melhores embaixadores?

- Não, homem! Nada disso! Está no topo dos maiores estupores da nossa carreira, claro!

Não tenho registado o historial de conflito que terá existido entre os dois velhos diplomatas. Mas coisa séria deve ter sido...

sexta-feira, dezembro 24, 2010

A colher

O diplomata ia a sair do jantar, em casa de um amigo, no posto onde estava colocado. Já perto da porta, o empregado da casa, que ele conhecia de há muito, revelou-lhe a sua indignação: tinha acabado de ver um determinado convidado meter ao bolso uma colher de prata do serviço de café. Valia a pena dizer ao patrão, com o risco de ir criar um escândalo?

Não, não valia a pena, aconselhou o diplomata. E, para surpresa do empregado, pediu-lhe uma colher idêntica, meteu-a no bolso do casaco e regressou à sala, onde a festa  ainda ia animada.

A certo passo, aproximou-se do indivíduo que surripiara a colher e, em tom de cumplicidade, disse-lhe, mostrando discretamente a colher que acabara de meter ao bolso: "Meu caro, dizem-me que "eles" já sabem que fomos nós quem sacou as duas colheres que faltam. Vou pôr a "minha" discretamente naquela mesa ao fundo. Quer lá pôr a "sua" também?"

quinta-feira, dezembro 23, 2010

E agora, José?

Os novos embaixadores tomam assento no banco traseiro daquele que, por alguns anos, vai ser o seu carro oficial, na capital a cujo aeroporto acabam de chegar. 

Minutos volvidos, do banco de trás, a embaixatriz inquire do seu novo motorista:

- Desculpe. Não fixei o seu nome. Como disse que se chamava?

- Mário, senhora embaixatriz, responde o homem.

Segue-se um silêncio, após o que a embaixatriz retorque:

- Ó Mário, dado que o meu marido também se chama Mário, e para evitar confusões, vou passar a tratá-lo por outro nome. Pode ser José?.

- Pode, senhora embaixatriz, diz o motorista, entre o tímido e o assarapantado.

E assim foi, durante mais de quatro anos. Quando, finalmente, chegou o dia em que aqueles embaixadores partiram definitivamente do posto, durante o regresso à cidade, o "José" voltou-se para o diplomata que com ele viajava no carro e perguntou:

- O senhor doutor acha que eu, agora, já posso voltar a ser tratado por Mário?

Diplomatas

Tenho grandes dúvidas sobre a eficácia informativa das peças jornalísticas que, ontem e hoje, o "Diário de Notícias" publicou sobre a diplomacia portuguesa. Nem me quero pronunciar sobre o rigor do que foi escrito, até porque há por ali dados que eu próprio desconhecia.

A condição diplomática tem "nuances" de vida que se torna muito difícil explicar, em particular porque há aspetos menos claros e menos óbvios para quem tem um quotidiano  profissional mais sedentário.

De qualquer forma, quero louvar o esforço de quantos procuram, dentro da estrutura sindical que agrega os diplomatas - e de que já fui vice-presidente, com responsabilidades na negociação do estatuto da carreira -, defender os nossos interesses profissionais, sublinhando junto do poder político os direitos de uma das poucas carreiras públicas que nunca fugiu aos seus deveres e que, nesse âmbito, tem dado constantes provas de um elevado e não ultrapassável sentido de Estado. 

Sei que falo em causa própria, com tudo o que isso diminui a autoridade do argumento, mas é o que sinto.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

António Patriota

Quem o conhece, conhece-lhe bem as qualidades. E eu julgo conhecê-lo. O futuro ministro das Relações Exteriores do Brasil, António Patriota, é um homem sereno, ponderado, profundamente habilitado para liderar a face externa de um país que já não é "emergente" porque, de há muito, emergiu já como um "global player" no cenário internacional.

Em Brasília, trabalhámos com grande proximidade durante alguns anos e, em certos momentos mais delicados, soubémos descobrir soluções para o tipo de problemas que a profissão nos ensina a tratar de forma discreta, sem recurso à "diplomacia do megafone".

Boa sorte e um forte abraço, António!

Nomes

A carreira diplomática portuguesa é, de há muito, uma escola de convivência bem disposta, onde se trocam graças, "nicknames" e humor, este às vezes um pouco ácido, na maioria dos casos inóquo. É com essa ironia que se conserva um ambiente e uma "cultura" muito próprios, que alguns não entendem, que outros invejam.

Quando entrei para a carreira, ouvi histórias ligadas a dois "nomes", que nunca esqueci. Diziam respeito a colegas antigos, figuras respeitadas da nossa profissão. Só conheci pessoalmente o primeiro.

Esse primeiro era o embaixador Braga Condé, trasmontano como eu. Qual era a graça que lhe dizia respeito? Era o facto de alguns colegas, ao referirem-se-lhe, falarem do "nosso colega Draga". Porquê "Draga"? Porque era "Braga com 'dê'..."

A outra história refere-se a Carlos Lemonde de Macedo, que não julgo ter conhecido. Ao que me dizem, dado tratar-se de alguém de pendor bastante conservador, havia colegas que se lhe referiam como "Carlos Le Figaro de Macedo"...

Sem a ironia, a diplomacia tem muito menos graça!

terça-feira, dezembro 21, 2010

A "Seara" e o padre*

O grupo "Seara Nova" foi, sem dúvida, a mais fecunda escola de pensamento crítico nascida durante a primeira República portuguesa. Dentre os seus objetivos figuravam o aprofundamento de temáticas culturais, cívicas, pedagógicas e económicas, para o que congregou figuras de relevo da intelectualidade portuguesa de então. Criado em 1921, dando origem a uma revista com esse nome, o grupo "seareiro" representou, a partir de 1926 e durante toda a ditadura, um polo alternativo em matéria de reflexão em torno das ideias e da sociedade, com regular acolhimento de textos de muitas personalidades desafetas ao regime, o que lhe valeu ser alvo cíclico da repressão, com uma constante perseguição por parte da censura.

Muitos recordarão a imagem histórica do grupo "Seara Nova", que adiante se reproduz:
Os seus integrantes são nomes sonantes do grupo. Sentados, da esquerda para a direira. estão Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro e Raul Brandão. De pé, pela mesma ordem, veem-se Teixeira de Vasconcelos, Raul Proença e Câmara Reis. Dos fundadores da "Seara", faltarão, na foto, António Sérgio e Augusto Casimiro, se não estou em erro.

Para quem, como eu, tem a coleção da "Seara Nova" desde os anos 50 (adquirir as décadas anteriores é difícil, embora não impossível, mas não tenho espaço para tal), esta fotografia faz parte da minha memória eterna dos "seareiros".

Um dia, porém, nos anos 70, ao analisar um número comemorativo dos 50 anos da "Seara", atentei melhor na fotografia do grupo que essa publicação apresentava. Por uma razão que na altura não identifiquei, achei nela algo de estranho. Fui então à procura de outras imagens do famoso grupo de 1921 e - supresa das surpresas! - verifiquei que as fotos não coincidiam. 

Querem saber porquê? Vejam:
Como se diz nos passatempos: observe as diferenças!

E a principal dentre elas é a existência de um padre no canto superior esquerdo desta segunda foto - esta que é, de facto, a foto original.

Ao que reza a pequena história, "não daria jeito" ter o padre na fotografia. E quem era ele? Trata-se do anónimo pároco de Coimbrão, localidade perto de Leiria onde, em casa de José Leal, teve lugar a reunião fundadora da "Seara" e onde foi tirada a foto. Porque  ninguém terá querido afastar o padre da ocasião, foi decidido apagá-lo mais tarde, historicamente, da fotografia do grupo. 

Como se vê, nem só Estaline tirava Trotsky das fotografias. Mais ou menos pela mesma época, aliás...

* Uma amiga que, neste Natal, esteve na casa onde a foto foi tirada, esclareceu que o "apagado" pároco se chamava Horácio Biu. Finalmente, o homem recuperou o nome...

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Óquei

Uma curta notícia num jornal dava ontem conta da morte de Correia dos Santos. Mas quem era Correia dos Santos? - perguntará a maioria dos leitores, para quem este nome nada dirá.

Pois fiquem sabendo que foi uma das grandes figuras do óquei português, lado a lado com o seu primo Jesus Correia (na foto, à esquerda, em baixo, e que também pertenceu aos "cinco violinos", esse ataque mítico do futebol do Sporting). Correia dos Santos, com o seu inconfundível cabelo de risca ao meio, está à frente, à direita. Entre ambos, está Raio, que, há anos, fui encontrar a chefiar uma unidade hoteleira em Sintra. De pé, ao lado do selecionador José Prazeres, figuram, da esquerda para a direita, Sidónio, Emídio e Edgar. 

Este foi um "dream team" dos anos 50, que antecedeu outras magníficas equipas do nosso óquei, com jogadores da qualidade de Livramento, Adrião, Rendeiro, Cristiano e tantos outros. Quantas noites passei, agarrado ao rádio, a "imaginar" o deambular dessas nossas equipas por rings do mundo, em especial nessa que era a "catedral" de Montreux, na Suíça, onde as grandes "batalhas" tiveram lugar.

O óquei em patins era, no tempo do Estado Novo, a modalidade que trazia para Portugal a maioria das muito escassas vitórias que o nosso desporto internacional conseguia obter. A qualidade do nosso óquei era indiscutível e, por muitos anos, apenas se nos opunham, com algum êxito, a Espanha e a Itália. 

Honra, assim, a Correia dos Santos!

domingo, dezembro 19, 2010

Contra-informação

Confesso que nunca fui, em nenhuma das suas fases, um espectador regular do "Contra-informação". Depois de ter sido uma novidade, o modelo cedo me cansou, porque a criatividade dos "gags" era, por vezes, escassa, com a "magia inicial" do programa a perder-se com rapidez. Verdade seja que isso me aconteceu, da mesma forma, com modelos similares, como o britânico "Spitting image" ou com os "Guignol" franceses. Mas sempre continuei a atentar, a espaços, aquela forma, que às vezes ainda era divertida, de caricaturar o quotidiano luso. 

Por ser verdade, quero dizer que, frequentemente, discordei do caráter arbitrário do perfil atribuído a algumas dessas caricaturas, por entendê-lo injusto e, mais do que isso, pelo facilitismo que se traduzia em "fazer coro" com difusos e orientados sentimentos prevalecentes no seio da opinião pública. Não sei se, muitas vezes - quer à esquerda quer à direita, diga-se, ao longo da década e meia do programa -, esse sublinhar a traços mais "grossos" de algumas figuras não terá contribuído, num país em que a capacidade de absorver com rigor a informação não é uma característica generalizada, para confundir e reforçar alguns estereótipos. Repito, de forma injusta.

Mas, dito isto, será melhor ficarmos sem o "Contra-informação", como agora foi decidido? Confesso que, no seu saldo final, acho que o programa tinha uma função positiva, por conseguir manter uma permanente leitura de humor sobre a sociedade política, dessacralizando-a, o que é sempre muito importante em todas as democracias. Assim, acho que o fim do "Contra-informação" não constitui uma boa notícia para o país.

sábado, dezembro 18, 2010

Duhamel

Alain e Patrice Duhamel são duas figuras de relevo do mundo audiovisual francês. Com um percurso na rádio, na televisão e no jornalismo que não esteve isento de polémicas, algumas bem fortes, estes dois irmãos simbolizam, de certo modo, um estilo de jornalismo que não pode ser indiferente a quem se interessa pela vida francesa.

Há dias, saiu um livro em que os dois Duhamel são entrevistados no Renaud Revel. Embora, por vezes, entrando num detalhe de "name dropping" um tanto complexo para um leitor fora do meio ou que por França não viveu nas últimas décadas, essas conversas são um percurso fascinante pelo mundo das relações entre os políticos e o jornalismo, desde os tempos de Giscard d'Estaing até à atualidade, com referências muito curiosas a diversos momentos anteriores. Um livro muito útil.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Procópio

No ano passado, tínhamos perdido o Raul Solnado. Este ano, vai-nos faltar o Jorge Fagundes. Nestas coisas da morte, apetece dizer "é a vida", utilizando a expressão de um certo engenheiro.

Talvez por isso mesmo, hoje, no restaurante da Ordem dos Engenheiros, lá estaremos muitos, no jantar de amigos em que a tertúlia da "mesa dois" do bar "Procópio" se junta, anualmente, numa rotina que, desde há seis anos, eu teimo em não deixar cair. E a que espero chegar a tempo.

Começámos há seis anos na "Marítima de Xabregas" (como contraponto a uns "pontos" que antes se haviam ajuntado, de gravata liberal, lá p'ró Beato), passámos pelo "Manel" do parque Mayer (para ver in loco o andamento das obras do Frank Gehry), demos uma de "finaços" no "Vírgula", até que este se finou (por obra e graça dos sábios administradores da nossa estiva) e, agora, vamos mudar para o restaurante de uma estimável corporação. Mas todos acabamos, cedo ou tarde, no "Procópio".

Olá, Alice!

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Festas

Em princípio, a partir de hoje e nos tempos mais próximos, este blogue vai entrar num registo de alguma acalmia "postal". Mas como a realidade é, às vezes, mais imaginativa que os homens, não se admirem se assim não acontecer.

E, desde já, ficam os meus votos para quem por aqui passar: Bom Natal e um ano de 2011 bem melhor do que aquele por que todas estamos à espera.

Voos (2)

Confesso que, num primeiro momento, pareceu-me que podia havia pessoas legitimamente confundidas. Agora acho que já estamos do domínio da pura desonestidade. Na imprensa, nos blogues e em alguns comentários que por aí se produzem.

A mistura da questão dos voos da CIA para Guantanamo com os voos de repatriamento, vindos de Guantanamo, é uma atitude que releva da mais sofisticada má fé e de uma clara opção pela política do "vale tudo". Tenho muita pena de ver pessoas que estimo entre quantos continuam a procurar explorar, sem  qualquer pudor, esta confusão. A chicana política deveria ter a decência como limite. Mas não tem. Pelo menos em Portugal.

E deixem-me que lhes diga, acho uma suprema ironia ver figuras que sempre demonstraram, por doutrina de vida, a maior desconfiança na palavra dos americanos virem agora tomar à letra, como doutrina de fé, os relatos dos telegramas das missões dos EUA por esse mundo fora.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

Carlos Pinto Coelho (1944-2010)

... e assim, "acontece"! Morreu Carlos Pinto Coelho, um homem que tinha em si todo o entusiasmo do mundo e que, por muitos anos, com aquele sorriso aberto, ajudou, diariamente, a divulgar a cultura portuguesa.

Alguns recordarão também aquela forma tão característica de apresentar o "Jornal" da RTP2, que levou Herman José a criar um "boneco" nele inspirado, sem que o Carlos com isso se ofendesse. E outros reterão para sempre aquele que foi o eterno homem da rádio.

Lembro-me do curioso dialogo que uma noite estimulou, na RTP, entre o embaixador Calvet de Magalhães e eu próprio, sobre a diplomacia e as suas histórias. O que me deu algumas ideias...

Um dia, quando uma patetice de alguém o afastou de fazer o que gostava e fazia bem, o Carlos Pinto Coelho disse-me que ia para o Alentejo. Depois, voltou, creio para a TSF e para a sua eterna RTP. E agora, partiu. "Acontece"...

Até sempre, Carlos!

Ensino

Podia ter graça, se não fosse triste, o tom, entre o chocarreiro e o complacente, com que alguma imprensa e muita blogosfera olhou para os resultados educativos em Portugal anunciados pela OCDE. 

Para quem se compraz no aprofundar dessa arte bem lusitana que é dizer mal de Portugal, talvez não fizesse bem (pelo menos, aos que ainda aprenderam francês) lerem o que o "Le Monde" de hoje traz sobre o assunto, ressaltando, com admiração e muito destaque, os resultados do nosso país. 

Mas eu sei que isso vai a contraciclo de "l'air du temps" e que, para muitos - ao escrever o que escreve -, deve tratar-se de um jornal "vendido"...

terça-feira, dezembro 14, 2010

Richard Holbrooke (1941-2010)

A morte de Richard Holbrooke é uma perda importante para a diplomacia americana. Embora alguns discutam a eficácia efetiva da ação que recentemente vinha a desenvolver no Afeganistão e Paquistão, o seu passado de cidadão da diplomacia revela uma vida de intenso trabalho, com papéis importantes em vários cenários geopolíticos. No seio da administração democrática americana foi sempre um defensor do uso ponderado da força, atitude que, algumas vezes, não soube gerir com total equilíbrio. Mas ficam-se-lhe a dever os acordos de Dayton-Paris, sobre a Bósnia-Herzegovina, que permitiram estancar uma tragédia que já parecia eterna, embora eu saiba, por antecipação, que entre os leitores habituais deste blogue há quem não coincida comigo na avaliação da "bondade" desta ação diplomática.

Conheci-o pessoalmente num interessante almoço, em Nova Iorque, em 1999, ao qual, enquanto membro do governo português de então, acompanhei o presidente Jorge Sampaio e José Ramos Horta, que era amigo de sua mulher. Estávamos num tempo muito complexo da vida de Timor Leste e essa refeição fazia parte de uma estratégia de abordagem da diversificada da administração americana, essencial para alguns aspectos entendidos como vitais para uma solução positiva do problema. Holbrooke era então chefe da missão americana junto das Nações Unidas, função que ocuparia até Janeiro de 2001. Por pouco mais de um mês, não coincidi com ele em funções no "palácio de vidro".

A biografia de Holbrooke está hoje por todos os jornais. O seu papel de grande negociador foi central na sua vida pública e - disse-me quem o conheceu bem - Richard Holbrooke era uma homem de palavra firme, o que lhe garantia uma grande credibilidade nos momento complexos de decisão.  O facto de representar uma grande potência e de se saber adepto de soluções musculadas também deve ter ajudado à eficácia prática de alguns dos seus êxitos. Fica a sensação que Holbrooke esperaria ter uma função nesta administração americana muito superior à que acabou por ter. Isso ter-se-á ficado a dever à escolha de Obama, em detrimento de Hillary Clinton.

Gostaria de destacar um dos seus "feitos", que pode parecer lateral mas que teve uma importância decisiva na facilitação do funcionamento da máquina da ONU: a resolução do diferendo que envolvia as contribuições americanas para a organização, a que ele ajudou a pôr termo, no final de 1999. Com habilidade, utilizou nessa difícil negociação a contribuição dada por Ted Turner, o patrão da CNN, que assim financiou parte da dívida, através de uma milionária doação às Nações Unidas. A convite pessoal de Kofi Annan, tive o prazer de ser um dos dois embaixadores escolhidos para integrar o "board" executivo do "United Nation Fund for International Parnerships", que selecionava os projetos a financiar por esse fundo. Indiretamente, fico a dever a Holbrooke essa magnífica oportunidade.

Finalmente, gostava de mencionar que Holbrooke deixou um livro muito interessante, que vivamente recomendo: "To end a war", sobre a sua experiência na Bósnia-Herzegovina.

Cimeiras

De há muito que penso que a pulsão para a frequente realização de cimeiras a alto nível acaba por banalizar este tipo de encontros e, as mais das vezes, por não estar à altura das expectativas de presenças. 

Há hoje, claramente, uma "summit fatigue" no mundo internacional e os chefes de Estado e de governo evitam, muitas das vezes, deslocar-se a esses eventos, na perceção antecipada que, dos seus resultados, pouco sairá com impacto útil e operativo. E, atendendo à intensidade das agendas nacionais, muitas vezes fazem-se representar.

Dois exemplos recentes.

Na cimeira entre a União Europeia e a África, na Líbia, entre 54 países africanos, apenas estiveram presentes 31 chefes de Estado ou governo. Dos 27 países da União Europeia estiveram, em Tripoli, 13 líderes.

Na cimeira da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, em Astana, entre 56 Estados membros, contaram-se 34 chefes de Estado ou Governo.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Piris

Sempre considerei Jean-Claude Piris um verdadeiro génio da arquitetura jurídica europeia. Desde há décadas que a feitura dos tratados passou muito por ele, como jurista-chefe do Conselho de ministros comunitário. Inventivo, conhecedor ao pormenor do tecido legislativo da União, Piris soube sempre descobrir soluções para ultrapassar dificuldades que pareciam insuperáveis. Todas as presidências da União lhe devem ajudas fundamentais, a que não escaparam as que foram tituladas por Portugal.

Contrariamente a outras figuras do espaço burocrático da União, que afivelam carões para sublinharem a sua suposta importância, testando os limites possíveis da sua arrogância junto dos interlocutores, Jean-Claude Piris é um homem de sorriso franco, com uma grande cordialidade, com que apetece estabelecer relações de confiança e amizade. Como as que com ele tenho, desde que o conheci.

No passado sábado, aqui em Paris, e a pretexto da passagem à reforma de Jean-Claude Piris, que parte agora para os EUA, para escrever e dar aulas na New York University, um grupo dos seus amigos diplomatas aqui residentes reuniu-se com ele num agradável jantar, onde trocámos historietas e revisitámos gentes e acontecimentos que nos foram comuns.

Mas, para mim, um ponto importante desse jantar foi ter recolhido de Piris uma surpreendente e  elaborada avaliação de otimismo sobre o futuro do projeto europeu. Vindo de quem vem, esta opinião é muito importante e, devo confessar, "recarregou-me as baterias" do entusiasmo no processo integrador.

Casa de Portugal

A Casa de Portugal (residência André de Gouveia), na Cité Universitaire de Paris, celebrou ontem o período natalício com um excelente espetáculo musical, com a soprano portuguesa Ana Paula Russo e o guitarrista argentino (mas residente em ortugal há 30 anos) Carlos Gutkin-Prast. Um repertório variado, onde conviveram música portuguesa e espanhola, lado a lado com sons do mundo alusivos à época, com os "encores" a serem preenchidos por espirituais negros.

Está de parabéns a nova diretora, Ana Margarida Paixão, que assim prossegue o excelente trabalho de ligação da Casa à cultura portuguesa que foi levado a cabo pelo seu antecessor, Manuel Rei Vilar.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...