quinta-feira, setembro 16, 2010

Dominicano

Aquele jovem funcionário internacional brasileiro, seguia, com visível atenção, a história que estava a ser contada, com vivacidade e graça, por um dos participantes, numa conversa de fim de tarde, algures no Brasil. Éramos aí uma dúzia de pessoas, algumas que antes não se conheciam entre si, na casa de uns amigos de todos.

A certo passo, fiquei com a nítida impressão - não me perguntem porquê! - de que a atenção do  nosso jovem estava mais concentrada na forma do discurso do tal participante e, menos, na substância do que ele dizia.

Numa pausa, consumando a curiosidade que visivelmente o estava a alimentar nos últimos minutos, o tal espetador pergunta para o ativo interveniente:

- Você, há pouco, disse que era dominicano. Como é que, sendo dominicano, fala tão bem português?

A parte da sala que captou a bizarria da pergunta desatou a rir.

- Foi no convento - respondeu-lhe, irónico, o brasileiro, frade dominicano...

Sporting

Valeu a pena ter ido hoje a Lille ver jogar o Sporting, numa produtiva jornada europeia.

Em tempo: o Sporting jogou com as "reservas" e ganhou, coisa que raramente acontece com os titulares. Está descoberta a solução?

SEAE


Noutros tempos, a sigla SEAE significava apenas, entre nós, "Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus". Agora, também quer dizer "Serviço Europeu de Ação Externa". Mas nada de confusões: uma coisa é a política externa europeia, outra coisa é a nossa política nacional para a Europa! 

Ontem, foi anunciado o primeiro grupo de nomeações para a chefia das novas "embaixadas europeias" pelo mundo, no quadro desse SEAE. Alguns comentaristas  lusos parecem algo desiludidos pelo facto de candidatos de nacionalidade portuguesa não terem "ganho" lugares nos paises de expressão portuguesa. Confesso que não acho que isso tenha uma importância decisiva, embora perceba que possa haver quem veja nisso algum simbolismo.

O importante - e que não vi referido com suficiente ênfase - é que esta evolução da política europeia não conduza, entre nós, ao aparecimento de peregrinas ideias no sentido de um ainda maior subdimensionamento da nossa rede diplomática. A Europa criou estruturas para representar os interesses comuns aos (por ora) 27 Estados membros. Mas as "embaixadas europeias" não estão lá para tratar das relações externas de cada um dos países, da promoção da nossa língua e cultura, da ajuda aos nossos empresários ou da preservação das nossas alianças históricas ou estratégicas. Que isto fique bem claro!

Para a chefia deste SEAE, a "ministra dos negócios estrangeiros" europeia, sra. Ashton, aceitou um excecional diplomata francês, Pierre Vimont (na foto), até agora embaixador da França em Washington. Vimont é um bom amigo pessoal, há bastantes anos. É um homem de uma extrema delicadeza pessoal, que vai de par com uma notável eficácia e pertinácia. Estou seguro que vai fazer um lugar à altura das expetativas de quem o escolheu. "Bon courage", Pierre!

quarta-feira, setembro 15, 2010

Europa "à la carte"

Uma grande maioria dos portugueses, ouvida numa sondagem, afirma-se favorável à existência de "mais Europa" para responder à crise. Seguramente que, desta maioria, faz parte uma outra, também portuguesa, que acha que a adoção do euro foi uma má medida.

Imagino eu que, se perguntada, uma imensa maioria se mostraria satisfeita com o facto de ter sido possível obter, a nível europeu, um conjunto de respostas de natureza financeira que permitiu estancar a ameaça que pairava sobre as economias dos Estados membros, que havia já afetado a Grécia e que se preparava para se estender a Portugal. Destes, não sei qual a percentagem de quantos, "patrioticamente", recusam legitimidade para as instituições europeias olharem para os orçamentos nacionais e neles "lerem" se estão a ser levadas a cabo medidas de contenção do défice. (Diga-se que esta "legitimidade" decorre dos tratados que Portugal assinou, aprovou por larga maioria parlamentar e ratificou)

Haverá tradução "europeia" para a expressão - não por acaso, portuguesa - "ter sol na eira e chuva no nabal"?

Retratos lisboetas (2)

Lisboa, bairro da Lapa, 15 de Setembro de 2010

terça-feira, setembro 14, 2010

Silêncio

Tinham sido longas horas, primeiro de avião, depois em viaturas militares, neste caso rodeados de forte segurança. O ministro estava de passagem naquela região do mundo. Aproveitando essa casual circunstância, o governo decidira destacá-lo para o representar na cerimónia de homenagem a militares portugueses, mortos durante uma missão no estrangeiro. Ainda que tal tivesse ocorrido num acidente, isso não diminuía o valor do seu sacrifício e a necessidade de o sublinhar da forma mais solene.

Via-se que o ministro estava genuinamente comovido, quando, depois de visitar e falar com os feridos, se deslocou ao local onde estavam os caixões, cobertos com a bandeira nacional. Teve então lugar a cerimónia do "minuto de silêncio". Quando o governante estacou e se perfilou frente a eles, os militares à sua volta fizeram, de imediato, a continência devida.

O ministro deixou-se ficar, num respeitoso recolhimento, um minuto. E, depois desse, outros minutos mais. Protocolarmente, a partir de certa altura, o tempo de expressão de respeito começou a "soar" como excessivo. A maioria do militares, muitos estrangeiros, foram "deixando cair" a continência, mantendo, contudo, a postura de sentido. Um acompanhante do ministro, notando o que poderia ser considerado um exagero no prolongamento do ato protocolar, deixou, baixo, uma palavra ao governante, do tipo: "Senhor ministro, acho que já podemos ir indo..." O homem, porém, não se desformalizava. E só ao fim de um silêncio longuíssimo, de vários minutos, se decidiu a sair de cena.

Na viagem de regresso, o colaborador, simultaneamente para justificar a observação feita e para tentar perceber a razão justificativa da longa pose protocolar do governante, inquiriu, discretamente, por que este não se limitara ao tradicional minuto de silêncio. A resposta do ministro foi esclarecedora: "Então você acha que eu vinha de longe, depois de tantas horas de viagem, e me limitava a ficar ali só um minuto?"

Bem visto!

Retratos lisboetas (1)

- Contamos consigo!

Não percebi o que o taxista queria dizer com a frase, ao ver-me sair do carro,  penosamente, com um visível esforço físico.

Minutos antes, ainda dentro do taxi, eu tinha tido uma conversa telefónica com um amigo, a quem havia dado conta do estado de evolução do meu joelho, depois de recente operação.

- Conta comigo, para quê? - perguntei, já de fora do carro.

- Para a seleção, claro! O amigo, quando ficar bom, é bem capaz de ficar a jogar melhor do que aqueles "morcões" que andaram a arrastar-se contra Chipre e a Noruega!

Não lhe dei razão, claro. Pelo menos, toda.

segunda-feira, setembro 13, 2010

O Brasil e a segurança global

Segundo a imprensa, num colóquio há dias realizado em Lisboa ficou patente a diferença de perspetivas entre o ministro da Defesa do Brasil e alguns dos seus parceiros de debate, oriundos da Europa. Em causa estaria o papel da NATO e a sua proclamada vocação à escala global, neste tempo que antecede a definição do novo "conceito estratégico" da organização, a fixar na cimeira de Lisboa, em Novembro.

Não me surpreende este contraste de posições, conhecendo bem o modo como o Brasil olha estrategicamente o mundo, as desconfianças que sempre alimentou face a um "norte" que, quase sempre, lhe aparece como pretendendo hegemonizar a segurança global. Embora me pareça que o Brasil leva, frequentemente, este seu argumento demasiado longe, quero deixar claro que reconheço que o tal "norte" lhe dá, por vezes, razões para alimentar algumas dúvidas.

No Brasil, prevalece, de há muito, uma espécie de "contra-cultura" estratégica que funciona numa relação bipolar com os Estados Unidos - tidos como fonte de sedução civilizacional e, simultaneamente, como eixo de perigosas ambições. E como o Brasil tende (bem?) a não separar a NATO (e a Europa nela) dos EUA, o nosso continente é tomado, nessas "contas", como um mero "fellow traveller" de Washington. 

Com esta sua atitude, o Brasil procura compatibilizar a afirmação de uma posição combativa em nome do "sul" com uma, menos afirmada mas facilmente pressentida, ambição de presença liderante nesse mesmo "sul". A emergência cíclica desta tentativa de autonomia estratégica, que o Brasil frequentemente enfatiza de uma forma que, erradamente, é percebida "a norte" como podendo ter um cariz conflitual, não deixa de criar algumas dúvidas nesta nossa parte do hemisfério. O que se passou recentemente com o Irão não ajudou também a afastar estas núvens. E, vale a pena dizê-lo, isso também não deixará de fazer parte da equação sobre uma possível reforma futura do Conselho de Segurança.

Em todo este contexto, e sem nos "pormos em bicos de pés", é mais do que óbvio que um país como Portugal deverá, desejavelmente, ter um papel positivo nesta clarificação de posições. 

Por um lado, no quadro da Aliança Atlântica, tendo o cuidado de contribuir para uma postura conjunta que seja respeitadora de outras culturas estratégicas, as quais partem de pressupostos diferentes. Nesse esforço, deveremos procurar destacar a contribuição que destas podem resultar para quadros geradores de confiança de dimensão reegional, que potenciem valores comuns em prol da paz e segurança. Para isso, é importante que fique bem claro que o papel da NATO não se assume como podendo arrogar-se uma qualquer preeminência face às instituições de natureza multilateral, das quais decorre sempre toda e qualquer legitimidade de intervenção à escala internacional. Para isso, importa discutir, com clareza, a excecionalidade da intervenção no Kosovo e destacar as divisões ocorridas no caso da última invasão do Iraque.

Mas, por outro lado, também nos compete trabalhar intimamente com o Brasil, bem como com os restantes países africanos de língua portuguesa, em especial no âmbito da CPLP, por forma a conseguir fazer destacar, no trabalho conjunto à volta dos grandes desafios de segurança global, alguns princípios comuns que cada um possa projetar, sem conflitualidade, nos diferentes quadros estratégicos em que nos inserimos. Pode ser que eu esteja enganado, mas o agravamento de algumas ameaças acabará por tornar mais evidentes, para países que partilham a mesma matriz democrática, que estamos todos muito mais próximos do que pode parecer. Isso será ainda mais claro se nos conseguirmos afastar das "vuvuzelas" de alguma retórica com que alguns se entretêm.

Eduarda Melo

Há uns meses, convidei a soprano portuguesa Eduarda Melo para cantar na Embaixada em Paris. O sucesso foi grande. Desde então, tem vindo a fazer uma segura carreira profissional em França.

Agora, importa destacar que ficou no pódio da 48ª edição do prestigiado Concurso Internacional de Canto de Toulouse, como aqui é noticiado.

domingo, setembro 12, 2010

O sangue do nosso verão

Todos os anos, não pela primavera - como no texto de Sttau Monteiro - mas pelo verão, somos brindados com o espetáculo dos touros mortos em Barrancos, em Monsaraz e outros locais, onde há a pretensão de converter uma certa versão de tradição numa forma de afirmação regional. Nas reportagens televisivas, lá vemos os decididos "populares", liderados pelos autarcas à caça dos seus votos, a sublinharem a "especificidade" desse culto local à morte, num triste jogo de "gato e rato" com uns pobres GNR's, condenados à tarefa, tida por menor, de ver a lei cumprida . Mais do que o facto em si - minoritário e localizado -, é óbvio que é a sua mediatização que permite conferir-lhe algum relevo.

Devo confessar, porém, que, muito mais do que este exercício lúdico com que alguns (poucos) se entretêm, me custa ver o canal de serviço público a continuar a dar grande espaço à tauromaquia, nesta estação que, sendo "silly", não necessitaria de ser triste. E ainda um dia gostava de perceber como é possível a alguns pais compatibilizarem a educação que julgo que darão às suas crianças, segundo a qual os animais devem ser bem tratados e protegidos, e que, simultaneamente, as deixam assistir ao ritual gratuito do sangue, por essas praças de morte e abate lento.

Noto, para quem o não tenha percebido, que este post não é, nem pretende ser, minimamente consensual. Mas o objetivo deste blogue é refletir o que pensa quem o escreve, sem nunca temer o contraditório nos comentários dos seus leitores.

Claude Chabrol (1930-2010)

Agora, foi-se Claude Chabrol. Da fornada criadora da "Nouvelle Vague" - e, antes, dos iniciadores dos "Cahiers du Cinéma" - restam apenas Jean-Luc Godard e Jacques Rivette. Com uma obra onde o mistério, o "suspense" e o humor se cruzaram frequentemente, onde ressalta uma acidez irónica contra a burguesia e na qual usou sempre de um tratamento muito particular para as figuras femininas, desaparece o cineasta que mais próximo ficou de uma fonte inspiradora dessa fantástica geração do cinema francês: Alfred Hitchcock. Há quem ache que Chabrol se deixou tentar pela facilidade, pelo cinema (e filmografia televisiva) "fácil", imposto talvez pelo ritmo intenso de filmes produzidos, por um culto excessivo do enredo policial, o que o levou a executar algumas obras que acabam apenas por ficar nos pés-de-página da cinematografia mundial. Talvez, mas, para mim, era um autor onde sempre brilhava o génio.

Para quem o conheça mal, recomendo o seu clássico, de 1958, "Le beau Serge", onde são inegáveis as referências ao neo-realismo italiano. E espero ter oportunidade de ver, proximamente, "Bellamy", com Gérard Dépardieu, que concluiu em 2009. 

sábado, setembro 11, 2010

TAP

Na passada semana, um amigo francês queixou-se-me do facto da TAP não ter servido qualquer refeição num voo Lisboa-Paris. Ainda perguntei se lhe tinham dado à entrada, como li anunciado, um "lanche" e água. Nada, rigorosamente nada!

Ontem, tive eu próprio uma experiência idêntica: só as crianças tiveram direito a serviço de bordo, na viagem para a capital portuguesa. Hoje, no aeroporto de Lisboa, ouvi o anúncio de que um voo para os Açores também não teria serviço de refeições.

Não faço ideia de quem é a culpa desta situação, nem isso interessa rigorosamente nada. Só sei que, por este caminho, a companhia acaba por oferecer os seus clientes à concorrência.

Para quem, como é o meu caso, tem um grande apreço pela TAP, isto são muito más notícias.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Duas cidades

"O 11 de Setembro de 2001 não derrubou apenas o World Trade Center e uma ala do Pentágono. Fez ruir também o sentimento de confiança que a América mantinha na sua própria intocabilidade, com profundas consequências no modo como a maior potência olha hoje o mundo e o seu papel dentro dele.

Uma das grandes linhas divisivas que afectam a política mundial prende-se precisamente com a impossibilidade, para a Europa, de interiorizar o sentimento de profunda angústia que hoje atravessa a América, face à sua inesperada impotência perante perigos de contorno desconhecido. E isso tem consequências com expressão política, num país onde a agenda pública segue de muito perto o sentimento colectivo, muito em especial quando este coincide com os grandes interesses estratégicos.

Desde há muito, a Europa habituou-se a viver com o perigo. Teve duas guerras trágicas no seu seio, sofreu o nazi-fascismo, os temores da Guerra Fria e os “anos de chumbo” das acções radicais extremistas. Os europeus têm consciência da sua própria fragilidade, mas convivem com ela com alguma naturalidade.

Para os Estados Unidos, o mundo exterior sempre fora um lugar perigoso, de que faziam uma caricatura à medida da suas vivências internas. E se a segurança interna não conseguira prever alguns actos tresloucados, os riscos políticos profundos estavam afastados do quadro de probabilidades, com a rede securitária concentrada na criminalidade, com a droga como inimigo público.

Tive a experiência de viver em Nova Iorque, antes e depois do 11 de Setembro. É sabido não ser a cidade americana típica. Alguém dizia que os europeus sempre tiveram Nova Iorque como a sua principal imagem da América, enquanto, pelo contrário, para a generalidade dos americanos, aquela cidade aparece já como uma espécie de primeira aproximação à vida europeia. Mas, talvez por isso, estando Nova Iorque “mais próxima” de nós, talvez a mudança da atitude de vida nessa cidade nos seja mais perceptível. E a ideia que me ficou do pré e do pós-11 de Setembro é que vivi em duas cidades diferentes.

Fui a Nova Iorque, pela primeira vez, há mais de 30 anos, com o World Trade Center por acabar. Daí para cá, visitei a cidade várias vezes, dela sempre recolhendo a mesma matriz trepidante, palco da ambição individual, de alguma agressividade egoísta, mas com uma indefinível cordialidade, com a assunção de um escasso número de regras de convivência urbana como chave para nos sentirmos em casa.

Em 2001, quando fui viver para Nova Iorque, a cidade recuperara o usufruto pleno de muitas zonas para os seus cidadãos, por virtude da queda do desemprego e de um eficaz combate à criminalidade. Passear à noite, em antigas “no-go areas”, tornou-se rotina. Restaurantes e galerias apareciam e desapareciam no West Village e em Chelsea, com as esplanadas cheias e um ar de prosperidade geral, embora distante do auge do Nasdaq.

Como em todas as sociedades em que a precariedade do vínculo laboral é a lei que reflecte as crises, Nova Iorque reagiu ao 11 de Setembro com brutalidade. Desemprego, encerramento de actividades e retracção de consumo, com a queda vertical do turismo e o afundar temporário da Broadway.

E, também, com a emergência da angústia com a segurança, que nunca mais terminou. Foram os tempos do “antrax”, das ameaças constantes das “dirty bombs”. Os novaiorquinos passaram à “vigilância popular”, a olhar o vizinho, o “diferente” como uma ameaça potencial. O uso da bandeira americana passou a factor de credibilitação, nas lapelas, nas portas ou nas montras, com os não seguidores da regra a serem vistos com anti-patriotas. O “nine-eleven” (fórmula americana para o 11 de Setembro), o terrorismo, Bin-Laden e Al-Queda monopolizaram os discursos, com uma comunicação social marcada por um jingoísmo que abafava reticências.

Com o 11 de Setembro, aprendi que os americanos estão dispostos a sacrificar o mais sagrado da sua liberdade – e poucos povos haverá com um sentimento de liberdade mais arreigado – em favor da restauração, ainda que limitada ou mesmo virtual, da sua própria segurança. Por muitos e menos bons tempos, a América está prisioneira de si própria, pelo temor e pela desconfiança. Mas América que eu conheço e admiro vai, estou certo, conseguir fazer sair o país desta psicose colectiva. E todos ganharemos com isso."


Nota: Este texto foi publicado no "Jornal de Notícias" em 11 de Setembro de 2003. Embora datado, achei que podia ser interessante recordá-lo hoje.

Paddy Ashdown

Nos anos em que vivi no Reino Unido, Paddy Ashdown era líder do partido liberal-democrata. Não era então fácil a esse partido, recém-saído da aventura do SDLP, ganhar uma identidade própria, num tempo em que o poder conservador era disputado por uns trabalhistas então já em lenta mas segura ascensão, fruto de uma forte bipolarização. Além disso, a "perfídia" do sistema eleitoral castigava, por regra, os liberais-democratas e induzia ao voto útil numa das duas formações do "rotativismo" costumeiro.

Sempre apreciei em Ashdown uma atitude de homem de uma só palavra, pouco dado aos rodriguinhos de alguma baixa politiquice. E foi-me sensível a sua postura de Estado, em todas as grandes questões de interesse nacional britânico - em especial, no caso da Irlanda do Norte. A essa cultura de comportamento não será talvez estranha a sua anterior pertença às Forças Armadas e ao MI6. Não posso deixar de dizer que, sendo a aposta na ideia europeia uma das suas grandes marcas políticas, isso foi-me sempre particularmente simpático nele.

Ashdown abandonou a política interna britânica ainda nos anos 90, tendo depois ocupado, por algum tempo, o cargo de alto-comissário para a Bósnia-Herzegovina. Mais tarde, a raínha deu-lhe o título de lorde. E, em tempos mais próximos, Ashdown resistiu ao convite que Gordon Brown lhe fez para ser seu ministro.

Ontem, num grupo restrito, almocei em Paris com Paddy Ashdown. A necessária obediência às "Chatham House rules" (as clássicas regras, criadas originalmente pelo Royal Institute of International Affairs, que impedem que se divulgue o conteúdo deste tipo de encontros informais) não me permite relatar as interessantes observações feitas por Ashdown, nomeadamente sobre o Afeganistão e as relações entre a Europa e os Estados Unidos. O antigo lider liberal-democrata, hoje um conselheiro próximo do vice-primeiro ministro Nick Clegg, demonstrou, nessas quase duas horas de perguntas e respostas, uma fantástica "maîtrise" dos grandes dossiês internacionais. No final, concluí que é pena não ver Ashdown num cargo internacional à altura das suas grandes capacidades.

Inspiração

O desafio está lançado: a Organização Mundial do Comércio decidiu organizar um concurso de poesia. 

Num máximo de 110 palavras, os concorrentes devem fazer loas aos benefícios do comércio internacional e da própria OMC. Quem quiser dizer mal do protecionismo e do "anti-dumping", tem agora a sua grande oportunidade para brilhar - podendo enviar os frutos das sua inspiração para openday@omc.org, até 15 de setembro, em inglês, francês ou espanhol. Os "poetas da casa" não se abalançam? 

Posso presumir que não devem aparecer muitos sonetos do Vale do Ave...

quinta-feira, setembro 09, 2010

Luso-Jornal

A comunidade de origem portuguesa em França está de parabéns: o LusoJornal regressou, após cerca de dois meses de suspensão. Com o apoio da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, sob a dinâmica direção de Carlos Vinhas Pereira, voltou a publicar-se este semanário gratuito bilingue, que já se havia tornado uma janela aberta para o mundo luso-francês e cuja suspensão já aqui havia sido lamentada.

Ao seu diretor, Carlos Pereira, e colaboradores desejam-se as maiores felicidades nesta nova fase do jornal.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Sono

Já não recordava a história, passada há mais de 20 anos. Um amigo, ontem chegado a Paris, que dela foi testemunha presencial, trouxe-ma à memória.

Estávamos num hotel de uma capital africana, integrados na comitiva de um membro do governo português. Nessa manhã, íamos partir para o palácio presidencial, onde o chefe de Estado receberia o nosso dignitário. Toda a delegação estava já no hall, pronta para embarcar nos carros. Toda, não! Faltava o nosso embaixador acreditado nesse país, que, aparentemente, estava ainda no seu quarto. Com o tempo a escassear, via-se que o nervosismo começava a apoderar-se no nosso governante, pessoa que os anos futuros mostrariam ser pouco dada a absorver com bonomia as contrariedades que a vida nos traz.

Tomei a iniciativa de telefonar para o quarto do embaixador. Expliquei-lhe que estava tudo "em pulgas", já com algum atraso, pelo que era urgente que descesse. Como se tivesse à sua frente todo o tempo do mundo, e ignorando olimpicamente a minha observação de que o nosso político estava a ficar furioso, disse-me com a sua proverbial displicência: "Tenham calma! Aqui ninguém chega a horas..."

Cinco minutos depois, desembarcou do elevador, sorridente, aproximando-se da nossa nervosa comitiva. O governante não resistiu e, entre o ácido e o irónico, lançou-lhe:

- Então, embaixador?! Não acordou? Não tinha despertador?

O diplomata, homem há muito conhecido por olhar para as minudências do tempo com a serenidade de quem tem outras prioridades na vida, respondeu-lhe, sem perder o sorriso, quase sarcástico:

- Sabe, até acordei muito cedo. Foi esse, aliás, o problema! Tão cedo era que voltei a deitar-me e, olhe!, adormeci...

E já caminhando para a porta, comentou, comandando a mudança da conversa:

- Belo dia, não acha?

Entre as nossas gargalhadas abafadas e a fúria oficial do chefe da delegação, lá fomos para o palácio. Ainda esperámos.

O fim da Bélgica?

... e Tin Tin e Bob Morane? e Jacques Brel ? e Edgar P. Jacobs? e René Magritte? e Hergé? e Georges Simenon? e Morris? e Hugo Claus? e Paul Delvaux? e James Ensor? e Victor Horta? E muitos dirão: e Jean-Claude van Damme? e Eddy Merckx? e Salvatore Adamo? e Michel Preud'homme? e Jacky Ickx?   

Em tempo: atentos e competentes comentadores criticaram a ausência de alguns nomes desta modesta lista. Têm plena razão! Aconselho uma visita aos comentários.

terça-feira, setembro 07, 2010

Bélgica

Por uma qualquer razão, ligada ao que julgo dever ser a esperança num bom-senso residual, não me apetece acreditar na possibilidade de irmos assistir a uma partição da Bélgica e à emergência de duas entidades nacionais autónomas, dela resultantes. Para além da tristeza que causa ver a desaparição de um país que tinha ganho uma forte identidade à escala global e, em especial, dentro do projeto europeu, entendo que essa divisão, se acaso vier a ter lugar, terá um efeito muito nefasto em toda a Europa. A Bélgica não é a Jugoslávia, com todo o respeito que esta me merecia. O efeito de contágio (Escócia, Catalunha, Padania, etc) não é de excluir. E o rei dos belgas (que, por alguma razão, não é constitucionalmente o rei da Bélgica) onde ficará, em tudo isto? Volto a dizer: espero que o bom-senso ainda prevaleça.

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...