quinta-feira, setembro 12, 2024

Ninguém tem dúvidas de que uma mera "recomendação" do Ministério da Educação, para que seja limitado o uso dos telemóveis nas escolas, dando a cada uma a liberdade de decidir, vai ser resistido pela esmagadora maioria delas. Isto é cobardia no exercício da autoridade do Estado.

Não há coincidências? Que ideia!


A conversa durou quatro horas. Foi ontem, ao jantar, numa tasca da Baixa lisboeta. Não me perguntem por onde andou o diálogo, entre mim e o meu amigo José Ferreira Fernandes, esse mesmo!, o grande mestre da crónica jornalística. Falámos de imensas coisas, com a agenda bem cheia de coisas de quem não tem agenda. 

Acabámos a noite a passear naquele lugar onde os Restauradores afunilam, a caminho do Rossio. Falei-lhe então de um túnel que, no passado, levava os passageiros que chegavam à estação do Rossio diretamente para o Hotel Avenida Palace. A propósito de eu lembrar estarmos a dois passos do local onde, em "O Leão da Estrela", o António Silva andou desesperadamente à cata de um bilhete para o Porto-Sporting, o José Ferreira Fernandes contou-me que o autor do "script" do filme era um ferrenho benfiquista. E também me revelou algo que eu estava longe de saber: que "O Pátio das Cantigas" foi inteiramente filmado em Coimbra. Aproveitei para lhe contar que a Maria Paula, uma das atrizes do filme, tinha tido um bar perto da Artilharia 1, onde, aí por 1976, a ouvi cantar ao piano canções reacionaríssimas. O José Ferreira Fernandes disse-me que a Amália estivera para entrar no filme e que tinha sido por pressão do galã António Vilar que isso não tinha sucedido.

Nessa altura demos connosco a pensar quão decisivas e relevantes eram as informações que estávamos a trocar para o que importa ao mundo de hoje. Perguntámo-nos, aliás, sobre o que diriam, se inquiridos sobre esses assuntos, os muitos jovens com os quais por ali nos cruzávamos, nessa primeira hora de quinta-feira O mais certo é que achariam que aqueles cotas já se tinham passado de vez.

Na noite fresca que já entrava pelo dia seguinte, e não sei a propósito de quê, o José Ferreira Fernandes falou da Grande Guerra, da guerra 14/18. E referiu um livro que, há uns anos, tinha lido sobre o conflito e que muito o impressionara. À medida que descrevia episódios da obra, aquilo começou-me a soar a algo de familiar. Lembrei-lhe uma cena e a conclusão foi imediata: tínhamos ambos lido o mesmo livro.

Recordei então o título da obra: "Au revoir, là-haut", do escritor francês Pierre Lemaître. E contei que, há 10 anos, tinha sido eu quem apresentou a sua edição portuguesa, no que fui acompanhado pelo autor, no Centro Cultural Luso-Francês, ainda na sua antiga morada. A isso, recordava, tinha-se seguido um jantar com Miguel Sousa Tavares, na Tágide, Até aqui, nada de novo.

Então? Nesse ano de 2014, o contacto para eu vir a apresentar o livro fora feito por Eduardo Marçal Grilo. Ora, há poucas horas, exatamente ontem!, o Eduardo tinha-me telefonado, a propósito de outro assunto. E eu e o ele raramente falamos. Durante a mesma tarde, também ontem, recebi da responsável pela edição do livro, pessoa com quem eu já não me correspondia há mais de dez anos, um email a convidar-me para elaborar um prefácio para um outro trabalho que vão publicar. Ambas as coisas, repito, ocorram ontem.

Não há coincidências? Pois não!

quarta-feira, setembro 11, 2024

Direitos


Tenho de pagar direitos de imagem por fotografar as flores do vizinho?

10 milhões de visitantes


Acabo de notar que, há cerca de dois dias, este blogue passou de 10 milhões de visualizações. 

Assim, e em média, desde a data de 2 de fevereiro de 2009, em que publiquei por aqui o primeiro post, houve um número superior a 1757 visitantes diários. Ontem, por exemplo, foram 2.546.

Creio que, desde há uns anos, deixaram de se publicar estatísticas sobre os blogues portugueses. Por essa razão, não faço ideia se este número é muito ou pouco, para um blogue "unipessoal" que tem a rara caraterística de "sair" todos os dias. E foram 5.694 dias seguidos! 

Deixo um outro mapa, com a evolução das visitas, de 2009 a 2024.

6ª feira, 13

Boys and girls


Pensando bem, só há uma forma de acabar de vez com os "jobs for the boys": é nomear apenas "girls".

Depois do debate

Foi um debate estranho. Trump faz parte de um mundo assente um emoções simplórias, medos e mitos. A verdade ou a mentira são pormenores irrelevantes. Harris está próxima de outro mundo, mais racional, às vezes repetitivo nas fórmulas. Quem está no meio, como reagirá? A ver vamos.

Os moderadores mostraram-se, em alguns momentos, demasiado "biased" contra Trump. As contradições que procuraram em Harris foram sempre apresentadas com muito maior suavidade e simpatia. A aversão de Trump aos factos e à verdade terá ajudado a convocar essa atitude mais hostil.

Harris conseguiu provar, com à vontade, que está muito longe de ser a vice-presidente "flop" de que muita gente falava. Talvez Biden tenha deliberadamente contribuído para isso. O seu discurso é fluído, às vezes demasiado formatado, mas mostrou ser uma boa "performer".

Quem segue com alguma atenção a política americana não pode deixar de colocar-se uma questão, ao mesmo tempo simples e intrigante: o que é que aconteceu para o Partido Republicano ter chegado a este nível?

terça-feira, setembro 10, 2024

O debate


Daqui a umas horas, milhões de pessoas vão ficar presas aos écrans, a ver o debate entre Donald Trump e Kamala Harris.

Muitos desses milhões serão americanos. A menos que haja um pouco provável cataclismo, a esmagadora maioria dessas pessoas não mudará o sentido de voto que já fixou num dos candidatos. E, como é da lei da vida e das regras do sectarismo político, essas pessoas vão acabar por achar o "máximo" a prestação daquele em quem irão votar e irão considerar "péssima" a do candidato do outro lado. No meio, há ainda uma América hesitante, movida por questões muito diversas, temas de nicho, interesses e crenças próprias. São eles quem pode fazer a diferença. E é a eles que, essencialmente, este debate se dirige.

Convém, contudo, ter presente que um candidato pode, no final da eleição de 5 de novembro (quase dois meses!), vir a obter mais votos do que o real vencedor. Isso é fruto do sistema de colégio eleitoral, onde as contas dos votos podem não bater certo com os números do que sairá da vontade política apurada em cada Estado. É um sistema pouco democrático? Os Estados Unidos são isso mesmo, são fruto do entendimento entre estados que se uniram para desenhar um país e isso levou a compromissos que também se refletem sobre o seu sistema eleitoral. Ah! E lembremo-nos: nós não temos nada a ver com isso, essa é uma questão entre os americanos.

Comecei por dizer que haverá milhões a ver o debate. E que a maioria será, naturalmente, de nacionalidade americana. Mas há um mundo, fora da América, que vai estar muito atento ao debate. Desde logo, os países que detestam os EUA. Mas também aqueles que gostam mais de uma América do que de outra. Nós não votamos nas eleições americanas, mas, queiramos ou não, vamos sofrer as consequências do voto dos americanos. É também por aqui que se mede a importância e a força da América.

Três anos sem Jorge Sampaio

 

(Fot. João de Vallera)

segunda-feira, setembro 09, 2024

" High life"


Todos nos damos conta de que algumas coisas, que outros tempos admitiam como naturais, passaram a ser vistas, nos dias que correm, como ofensivas a novos padrões - hesitei em escrever valores, porque isso é mais discutível - que entretanto se ergueram e ganharam terreno, passando frequentemente a dominantes. 

Vemos isso em múltiplos aspetos da nossa vida, das relações pessoais à relutância na exposição pública de certas realidades, tidas como ofensivas por alguns. Atitudes e práticas que eram correntes passaram a ser desaconselhadas ou mesmo banidas. 

Em termos de evolução dos padrões geracionais, houve manifestamente um salto muito rápido no tempo, diferente das ruturas ocorridas no passado e, não por acaso, algumas dessas mudanças continuam a defrontar-se com alguma resistência. Setores das novas gerações absorvem as alterações comportamentais com maior facilidade, em alguns casos mesmo com adesão entusiástica, enquanto que pessoas mais velhas tendem resistir-lhes. Isto prende-se, em especial, com o tema da cultura que o mundo conservador qualifica como "woke", que está hoje no centro de um fortíssimo debate à escala global. 

Na sábado passado, por mero acaso, cruzei-me num restaurante com o meu amigo Pedro Correia, que recentemente escreveu "Tudo é tabu - cem casos de novas censuras". O livro, muito bem escrito e muito polémico, é sobre isso mesmo. No texto, o autor sublinha o que entende serem os exageros desta onda avassaladora de pressão para a adoção de novas atitudes. Estou a lê-lo aos poucos. Há coisas com que estou de acordo, outras bastante menos. Mas recomendo francamente a leitura. 

Curiosamente, eu tinha levado para esse meu almoço solitário, na "Imperial de Campo de Ourique", onde ia pelo bacalhau à minhota da dona Adelaide, um pequeno e bem antigo livro de um autor hoje quase maldito. Tinha-o descoberto há cerca de um ano num alfarrabista. O autor chama-se Taki e para os que costumam ler, com regularidade, a revista conservadora britânica "The Spectator", foi um velho conhecido, com a sua coluna "High Life". 

Escrevi "foi" porque, desde o ano passado, ele interrompeu por ali a sua colaboração de décadas. De que nos falava Taki? Em síntese, da vida dos muito ricos, dos "parties", dos jantares requintados, das estadas nas estâncias de turismo de neve na Suíça, dos veleiros dos magnates amigos, dos restaurantes, hotéis e vinhos mais caros, dos automóveis e viagens de hiper-luxo e de outras coisas assim. Ele próprio milionário, Taki abordava esses temas com uma sobranceria elitista tão radical, quase obscena na sua insuportável arrogância, que a coluna acabava por ganhar a sua graça, como exercício de estilo, em especial pela imensa qualidade que imprimia à sua escrita. 

Taki conhecia, e conhece, o "who's who" desse seu mundo e era temido por esse "social set" exclusivo em que se movimentava. De origem grega e americana, é um reacionário à antiga, e que não só nunca pediu desculpa por sê-lo como exagera deliberadamente, para chocar, no seu conservadorismo extremo. As desigualdades do mundo preocupavam-no muito pouco, os privilégios e a necessidade filosófica da sua preservação eram, para ele, um "fact of life". As suas crónicas, algumas vezes, passaram dos limites que o próprio "The Spectator" consentia. Taki, que em tempos chegou a estar preso e que se meteu em trapalhadas várias, saiu entretanto da revista britânica e, ao que parece, escreve hoje em publicações americanas de extrema-direita. 

Mas que graça pode ter ler um tipo tão fora do tempo como Taki?, estarão a perguntar-se alguns. Vou repetir o que já por aqui escrevi por diversas vezes: gosto imenso de ler aquilo com que, à partida, sei que não vou concordar, desde que isso me divirta, pela qualidade da escrita ou pela bizarria do estilo. Para pensar como eu, basto eu. 


(Fotografei um extrato do livro de Taki, onde a extrema sobranceria snob se soma a uma condescendência que roça a misogenia. Mas digam lá se o estilo não tem graça!)

domingo, setembro 08, 2024

Os factos são o que são


Temos direito às nossas opiniões, não temos direito aos nossos factos. Quantos manifestantes estiveram nas manifestações de ontem, em Paris? Os manifestantes dizem 300 mil, a polícia diz 26 mil. A democracia ideal será talvez o país onde, um dia, estas avaliações coincidam.

sábado, setembro 07, 2024

A América há 80 anos


Recomendo vivamente uma visita a esta mostra da América dos anos 40 do século passado, um conjunto de fotografias cuja cor foi recuperada de forma magnífica.

Ver aqui.

França e Alemanha


Líderes têm razões para rir? 

Ver aqui.

Ucrânia / Rússia


Um claro traumatismo ucraniano no orgulho russo.

Ver aqui.

"Déjà vu"


Por que será que ambientes como este me recordam sempre o "Watergate"? 

Foi hoje


O meu outono começa quando constato que tenho de ir buscar "une petite laine", como dizem os franceses.

"De Rodriguez"


Todos os espanhóis de uma certa idade sabem bem o que significa "estar de Rodriguez". Há mesmo um filme sobre isso. Trata-se da situação de um cidadão que permanece na capital enquanto a família passa férias de verão em outro local. Não faço ideia quem possa ter sido o "señor Rodriguez", mas a verdade é que ganhou o seu lugar no imaginário social madrileno e espanhol.

Na leitura clássica que consagrou a expressão, estar "de Rodriguez" pressupõe a potencial adoção de comportamentos, em termos de entretenimento pessoal por parte dos maridos, eventualmente algo disruptivos face àquilo que uma cultura matrimonial tradicional poderia recomendar. (Espero tenham apreciado o eufemismo da fórmula que acabam de ler. Deu trabalho a construir!)

Pois, para mim, no dia de hoje, o estatuto "de Rodriguez", como se vê pela imagem junta, levou-me simplesmente a ir às compras. Quanto gastei? Toda a virtude tem o seu preço.

Barnier

"Racista" e "sexista" são alguns dos qualificativos com que Michel Barnier foi hoje brindado em cartazes, nas manifestações contra a sua indigitação como primeiro-ministro de França. 

Ontem, no "Le Monde", um seu amigo, preocupado, dizia que Barnier, cujo percurso político passou sempre à margem de grandes polémicas, mesmo as que ocorreram na sua própria família política, talvez não estivesse bem consciente do nível da crispação que atravessa o mundo partidário com que agora terá que se confrontar.

Agora já sabe.

Cheney?!

O antigo vice-presidente de George W. Bush, Dick Cheney, anunciou o seu apoio a Kamala Harris. Na lógica de que "tudo o que vier à rede é peixe", isso pode ser considerada uma boa notícia para a candidatura. Mas, pensando bem, ter o apoio de uma das figuras mais sinistras da política americana, um dos pilares da criminosa invasão do Iraque em 2003, que provocou um incêndio ainda não extinto no Médio Oriente, causou milhões - sublinho, milhões - de mortos e proporcionou a emergência do Daesh, é uma óbvia e grave fragilidade moral para a campanha de Harris. Vale tudo para não ter Trump?

A França é de direita

A França é de direita, afirmava convictamente o antigo presidente Nicolas Sarkozy, depois de ter sido ouvido há dias no Eliseu. Pelo menos o poder, em França, é, de facto, de direita. Se se somar a extrema-direita de Le Pen, o grupo de Éric Ciotti que a ela se juntou depois de se cindir do Les Républicains, a ala maioritária deste mesmo partido e as três ou quatro componentes do campo macronista, está encontrada uma sólida maioria de direita em França. Mas as coisas não podem ser contabilizadas assim!, dirão alguns. Ai não? O que é Michel Barnier senão o símbolo e a prova provada dessa união das direitas francesas? Oriundo do Les Républicains, partido que estava afastado do poder macronista e do qual resistia a vir a ser um parceiro menor, formação de onde Macron tinha inicialmente "pilhado" quadros para a constituição do seu próprio grupo (e onde regularmente ia sacar trânsfugas benévolos para os seus governos, com Rachida Dati como último exemplo), Barnier tem hoje o natural aval do Les Républicains, com maiores ou menores reticências vai acabar por ter o apoio dos grupos macronistas e, como cereja no bolo, garantirá um "nihil obstat" das gentes de Le Pen e Ciotti. São momentos como este que acabam por provar que as diferenças entre as direitas - da direita envergonhada que se auto-intitula de "centro-direita" até à extrema-direita pura e dura - se atenuam e encontram sempre um lugar geométrico de entendimento quando se trata de isolar a esquerda. É que a esquerda é, como sempre foi, o grande inimigo da direita, como convem lembrar aos distraídos. E quando a esquerda, como agora aconteceu, se perde em erros táticos e embarca em algumas ilusões estratégicas, fragiliza-se e convoca de imediato contra si, com toda a naturalidade, a "frente direitista" de que Barnier é o expoente e Macron o indisfarçado promotor. O resto é conversa.

Israel. Palestina


Israel vive na ilegalidade internacional e não vai ter sobre si uma pressão americana para mudar de atitude. 

Ver aqui.

sexta-feira, setembro 06, 2024

Augusto M. Seabra


Eu tinha entrado por concurso público para as Necessidades em 1975. Há já uns anos que saíra do Instituto de Ciências Sociais e Políticas (até ao 25 de Abril, de "Ciências Sociais e Política Ultramarina"), cuja última cadeira do curso, depois de muitas atribulações, tinha terminado escassos meses depois da Revolução. 

Um dia, constou-me que no ISCSP havia sido criada uma nova licenciatura em Ciências Sociais e Políticas. Eram dois anos "complementares", com 15 cadeiras, um curso novo, com matérias muito interessantes.

O trabalho no MNE era pesado, mas achei graça, embora não precisasse disso rigorosamente para nada, tentar fazer também esse novo curso. Inscrevi-me como "voluntário" e, entre 1977 e 1978, por puro diletantismo, concluí essa licenciatura. Porque utilizei o chamado "regime militar", podendo, julgo que durante dois ou três anos, solicitar exames quando me considerasse preparado (mesmo que ainda não tivesse sido dada uma única aula de algumas das cadeiras, o que acontecia com todas as do segundo ano do curso), creio ter sido a primeira pessoa a concluir o novo curso.

Não foi fácil compatibilizar a profissão com o estudo e conclusão das disciplinas, mas quando se tem 30 anos parece que tudo é possível. Acresce que eu tinha, na altura, uma outra atividade profissional na Ciesa-NCK, um pouco "clandestina" e à margem do MNE, que me arredondava as contas.

O novo ISCSP tinha, entretanto, por qualquer razão, saído do velho e magnífico Palácio Burnay, na Junqueira. Dividia-se entre duas instalações do ISCEF (agora ISEG), no velho Quelhas e na rua de Buenos Aires. 

Num desses dias, em que tinha marcado um exame, comigo a ser dispensado do MNE para poder fazer a prova, entrei no edifício do Quelhas e dei de caras com o Salgueiro Maia (sim, esse mesmo !) que por ali também andava a acabar uma licenciatura, creio que em Antropologia. Conheciamo-nos das "guerras" do MFA, três anos antes. "Escusas de te apressar! Parece que há uma greve", disse-me. Eu não fazia a mais pequena ideia do tempo académico que se vivia no ISCSP, mas, claro, se havia uma greve associativa decretada, haveria que respeitá-la. Logo eu que, durante anos, tinha andado bem envolvido na agitação académica! E preparei-me para regressar ao MNE, onde tinha muita coisa para fazer. 

Íamos ambos de saída por um corredor, à conversa, quando surgiu o Augusto M. Seabra. O Salgueiro Maia sabia que ele era uma das figuras do associativismo universitário no ISCSP. Eu conhecia-o muito vagamente do MES e o seu mundo era - e iria continuar a ser, para sempre - muito distante do meu. O Maia perguntou-lhe se se confirmava a greve aos exames. "Vocês são "voluntários"? Vêm para os exames? Não, para vocês não há greve, foi feita uma exceção. A greve é só às aulas". 

Olhei para o Salgueiro Maia e ambos voltámos a encarar o Seabra: "Tens a certeza que isso é assim? Era só o que faltava nós os dois virmos a ser acusados de ser "fura-greves"! ". O Seabra riu-se: "Não! Foi feita uma exceção para quem trabalha. Podem fazer os vossos exames à vontade. Ninguém vos vai acusar de ser contra-revolucionários! Ninguém vai dizer isso do Salgueiro Maia!" Rimos os três e lá fomos os dois fazer umas provas escritas, sei lá bem de quê!

Desde essa data, há mais de 45 anos, só voltei a "ver" o Augusto M. Seabra por escrito. Tinha a consciência de que era um ecletico e severo crítico cultural, que quem me merecia respeito especializado sempre qualificava por genial, com forte propensão para a polémica. Morreu agora e o modo como convocou imensos elogios confirma que o país perdeu alguém de grande qualidade. 

quinta-feira, setembro 05, 2024

Michel Barnier


Barnier foi a agulha no palheiro descoberta por Macron: um nome que garanta que o primeiro governo francês pós-dissolução não será censurado de imediato à chegada à Assembleia Nacional. Com a esquerda fora de jogo, Barnier vai necessitar da "neutralidade colaborante" de Le Pen.

"A Arte da Guerra"


Regresso pós-vilegiatura de "A Arte da Guerra", o podcast do Jornal Económico sobre temas internacionais, em que falo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre a situação política em França, a guerra na Ucrânia e o conflito Israel/Palestina. 

Ver clicando aqui.

Leitura


Várias pessoas têm-se-me queixado de que a letra dos textos deste blogue era de difícil leitura. Assim, "a pedido de várias famílias", passo a usar uma letra mais "reader's friendly". Espero que gostem!

quarta-feira, setembro 04, 2024

terça-feira, setembro 03, 2024

Édouard Philippe

Edouard Phillipe, o primeiro dos quatro primeiros-ministros de Macron, que diz de si próprio ser um "homme de droite" (vem do antigo UMP/LR, fação Juppé), anunciou que será candidato à Presidência. Estranho "timing"! Dentro de horas, quando for anunciado o próximo primeiro-ministro, este anúncio irá "morrer" nos media.

Realismo

Neste tempo em que muita gente acordou para a ausência de soluções para pôr cobro a certos conflitos internacionais, lembro que a História ensina que, muitas vezes, o máximo que se pode fazer é mantê-los num registo de baixa intensidade, minorando-lhes as consequências.

Ucrânia

Foi anunciado que Zelensky irá amanhã remodelar mais de metade do governo. A classe política ucraniana parece inesgotável! Será ser interessante perceber o eventual novo sentido da linha política futura de Zelensky, seguramente na decorrência do importante conjunto de consequências da operação em território russo.

As assinaturas da TAP

"PSD critica “timing” do relatório da IGF sobre a TAP após escolha de Maria Luís para comissária europeia", diz a imprensa. 

Pode-se imaginar o "pé-de-vento" que não teria sido, do lado laranja, se a IGF tivesse publicado o relatório há uma semana!

Castets


Lucie Castets, a cara que a esquerda francesa tentou, sem êxito, que Macron nomeasse PM, não tem história política passada e talvez a não tenha no futuro. Tal como muitos trabalhistas britânicos diziam de Dennis Healey, dir-se-á que ela foi "the best prime-minister we never had"?

França

Surge a dúvida sobre quais são as competências mínimas de um presidente francês, à luz da Constituição da V República. É simples: são as que a experiência provou que ele consegue preservar em caso de coabitação com uma maioria parlamentar hostil. O que não é o caso atual.

segunda-feira, setembro 02, 2024

Palestina

A razão pela qual Benjamin Netanyahu não aceita um cessar-fogo - já é quase irónico falar de cessar-fogo, depois de mais de 40 mil mortos em Gaza "and counting" - é muito simples: desde o início, ele sempre achou que arrasar o território e esmagar o Hamas valia bem a vida dos reféns. Pensou que a vitória total se conseguiria em muito menos tempo e, provavelmente, não contou que Israel fosse pagar um preço reputacional tão elevado. Mas a parada valia o desafio. E, para ele, ainda vale, tanto mais que o desequilibrar da Cisjordânia a favor dos colonos está no pacote final do problema palestino.

Tertúlia


Não me perguntem onde é, porque aquilo é fechado aos membros da tertúlia. Mas pensei que gostassem de saber.

TAP


Fernando Pinto pode ter cometido erros durante a sua gestão da TAP. Mas foi a sua visão, ao aproveitar a quebra do potencial brasileiro de transporte internacional, que veio a permitir à empresa dispor de um portfolio de ligações com a América Latina que é hoje o seu grande valor.

Über alles


Andam por aí uns e umas "europeístas do fogo-à-peça" muito entusiasmados com a viragem pró-armamentista alemã, que só não é maior porque a economia não está a ajudar. E se a extrema-direita chega por lá ao poder? Já pensaram nisso?

Rússia

A Rússia apostou, por muito tempo, no cenário de uma possível cessação provisória de hostilidades, congelamento das posições no terreno e discussão política do futuro, mas tendo como uma "realidade" o território ucraniano efetivamente ocupado. A surpreendente tomada de território russo pela Ucrânia muda por completo os termos da discussão: um congelamento de posições passou a ser-lhe desfavorável, porque implicaria ter de aceitar, mesmo que provisoriamente mas por tempo indeterminado, que a Ucrânia passasse a ocupar parte da Rússia. Nesse cenário de pausa negocial, a Rússia teria de admitir que a Ucrânia se mantivesse no seu território como entidade ocupante, sem reação militar de Moscovo. Essa é a razão pela qual a Rússia mudou de posição e diz que assim não aceita negociar. 

Péssimo gosto

 


Acho isto de péssimo gosto. Ainda se se tratasse do Charlie Hebdo! Mas o Libération?!

Pois é!

Dizer mal é a única coisa que algumas pessoas sabem fazer muito bem.

"Jobs for the boys"


Deve acabar de vez a hipocrisia e assumir abertamente: quando muda o vento político, há "jobs for the boys" para distribuir pelas máquinas partidárias do outro lado do "bloco central". Todos sabem quais são, pelo que as críticas do outro lado são sempre pífias e quase de rotina. É triste, mas é assim.

Leões em Benguela


Recordo ter chegado a uma varanda, onde estavam sentadas três pessoas, num fim de tarde, com o sol já a cair. Para tal, tinha atravessado toda a casa, mobilada e decorada com grande simplicidade, sem quaisquer luxos. Os tempos, que eram de guerra, não estavam para isso.

Sobre uma mesa, havia várias garrafas de cerveja Cuca, algumas já vazias, além de uma bela pratada de caju. Um rádio portátil, grande, de pilhas, daqueles com asa e lugar para cassetes, de onde saía um som forte e roufenho, dominava a cena. Ao lado, estava um exemplar, já com mais de uma semana, do jornal português, nessa altura trissemanário, "A Bola".

Era uma moradia de um só andar, numa rua de Benguela, no sul de Angola. Estávamos em 21 de março de 1984. Há mais de 40 anos. Já perceberão por que recordo a data.

Eu tinha ali arribado poucos minutos antes, no avião da tarde da TAAG, ido de Luanda. Pousara a mala na residência do nosso cônsul-geral, Fernando Coelho, que me tinha ido buscar ao aeroporto e que, de imediato, me convidou a ir beber umas cervejas a casa de umas pessoas.

O Fernando tinha chegado a Angola semanas antes de mim, dois anos antes. Num posto muito difícil, isolado, nas complexas condições de vida que eram então as de Angola, ele tinha sabido estruturar uma eficaz rede de contactos, rapidamente passou a movimentar-se com grande à-vontade na sociedade local e, o que era mais importante, transmitiu segurança à inquieta comunidade portuguesa. Assumia uma atitude humana de grande simplicidade, às vezes numa postura que eu vi como algo arriscada no modo aberto como se expunha, recusando a distância profissional a que alguns colegas recorrem, para desenharem uma bolha de importância à sua volta. O Fernando era uma joia de pessoa e criava amigos com muita facilidade.

Alguns desses seus amigos de Benguela estavam ali reunidos, um dos quais me foi indicado ser o proprietário da casa. Eram todos angolanos: dois mulatos e um negro. Cumprimentaram-me, embora sem me prestarem grande atenção, quando o Fernando me apresentou: um diplomata, seu colega, que vivia em Luanda, onde trabalhava na embaixada. Estavam todos muito fixados a ouvir o relato de um jogo de futebol.

Tendo já na mão uma cerveja que alguém me estendeu e com acesso livre ao cajú, refastelei-me numa cadeira de braços e apreciei a cena: acompanhavam, pela rádio, o jogo que o Benfica estava a disputar com o Liverpool, no estádio da Luz.

O ambiente estava pesado. O Benfica perdia, e já estava na segunda parte, por dois golos. Toda a sala era benfiquista, ferrenha. Bom, toda não: eu era sportinguista, mas o Fernando tivera o prudente cuidado de não começar por referir a quem ali me acolhia esse despiciendo pormenor.

O que era mais curioso no grupo era constatar o modo como seguiam o jogo, quase como se estivessem na Luz. O relato, pela rádio, era muito bem feito, vivo, cheio de notas que, para quem nele estivesse concentrado, criavam uma imagem muito impressiva sobre aquilo que se passava em Lisboa.

Eu sabia muito bem que, em Angola, um pouco como em todas as outras antigas colónias portuguesas, a fidelidade aos nossos principais clubes tinha sobrevivido, intocada, aos respetivos processos de independência. Era uma espécie de afetividade que se autonomizara, em absoluto, dos processos descolonizadores. Não deixava de ser interessante assistir ao sofrimento daqueles angolanos, fanáticos benfiquistas de Benguela, que, inclinados sobre a mesa, bebiam as palavras do locutor português.

Mais do que isso: que se pronunciavam, com firme opinião, sobre o andamento da partida, as prestações de cada um dos jogadores do Benfica, as opções técnicas que iam sendo feitas pelo treinador. "Este Eriksson hoje só faz asneiras", comentava, irado e agitado, o único negro na sala. "O Maniche já devia ter saído! O gajo não sobe bem pela esquerda! Devia meter o Filipović!".

Outro dos presentes, um mulato mais velho, recomendava, por uma qualquer razão tática, a entrada de Shéu, que estava no banco de suplentes. Resposta do terceiro membro do grupo, o dono da casa, com uma gargalhada: "Esse tipo é do lado de lá, não presta!", sublinhando a origem moçambicana do jogador. Toda a gente riu, mais por nervoso do que pela pertinência da graçola.

Eu não tinha uma opinião técnica definitiva sobre nada, até porque era de outra "freguesia" desportiva. Conhecia quase todos os jogadores do Benfica, claro, mas não fazia a menot ideia se uns eram melhores do que outros para "dar a volta àquilo", como se clamava pela sala. 

E assim tudo continuou até ao final do jogo, comigo relativamente silencioso, entretanto já revelado como sportinguista, mas a assumir publicamente uma discreta simpatia, embora talvez não muito entusiasta, pela desdita dos encarnados naquela noite. O Benfica acabaria, no final, por encaixar quatro golos, como o Nené a salvar a honra do convento da Luz. A carreira do Benfica na taça europeia que disputava tinha, nesse ano, chegado ao fim.

Encerrado o jogo, desligado o rádio, com alguns ligeiros impropérios e comentários sobre a partida ainda a pairarem na conversa, numa desilusão que os minutos iam diluindo, surgiu de lá de dentro, da cozinha, uma senhora, mulata, muito vistosa, aparentemente a dona da casa, até aí discretamente ausente. Trazia, com um sorriso agradável e um claro alheamento quanto à jornada desportiva que havia mobilizado a sua casa, alguma coisa para jantarmos. Já não recordo o que foi, pelo que não deve ter sido coisa gastronomicamente memorável. A senhora regressou logo à cozinha, não nos acompanhando na mesa. Eram assim as coisas, por ali.

A conversa alargou-se então a outros temas. Aquele núcleo de benfiquistas de Benguela continuava triste pelo desfecho do jogo, mas foram muito simpáticos, mesmo algo cerimoniosos, para com o intruso forasteiro que eu ali estava a ser. O Fernando Coelho, visivelmente muito bem integrado no grupo, do qual resultava ser íntimo, animava a mesa e os espíritos, com a alegria contagiante de homem bom que sempre foi. 

O jantar terminou entretanto e era tempo de regressarmos à residência do Fernando. Agradecendo a amabilidade do acolhimento, despedi-me daqueles meus novos e fugazes conhecimentos e fui caminhando para fora de casa, em direção ao carro do Fernando. Este ficou um pouco para trás. Despedia-se do dono da casa, a quem, num tom de voz baixa mas não deliberadamente audível por mim, ouvi dizer: "É simpático, esse seu amigo. Pena é ser lagarto!"

Eu já tinha contado esta história, no meu blogue, há uma década. Mas achei poder relembrá-la agora que o grande Eriksson morreu e o Benfica acaba de "pôr com dono" um outro treinador, naquilo que é a sina ingrata da única profissão do mundo em que, muitas vezes, o "patrão" ganha bastante menos dos que os mais talentosos "empregados".

domingo, setembro 01, 2024

Memória


A extrema-direita alemã teve alguns fortes ganhos eleitorais. Se acaso um dia vier a chegar ao poder federal pelo voto, não seria a primeira vez que tal aconteceria. Lembro que foi um governo alemão de extrema-direita - e mais ninguém, sublinho - o responsável pelo Holocausto.

Dos meus arquivos que não tenho


Porque é pura verdade, gabo-me sempre de não ter arquivos. Mas guardei papéis, que, em férias, acabo por descobrir nuns caixotes. São coisas soltas, não organizadas. Como creio que acontece a toda a gente, a cada uma dessas "revisões", há uma parte que vai para o lixo e outra que vai ficando. São notas, cartões, escassas cartas pessoais e algumas fotocópias. Algumas são do tempo do liceu, dos dias da rádio, da universidade, da tropa e quase nada do MNE.

Descobri há pouco este requerimento do general Galvão de Melo, de quem eu era assessor na Junta de Salvação Nacional, logo após ele ter saído daquele cargo.

Desarrumação


Hoje, ao arrumar papelada, encontrei uma folha solta com este belo texto. Pareceu-me ser, por uma pinta, do Mário-Henrique Leiria. Era. E lá me transferi eu para o sofá com os livros do homem. As arrumações pararam, claro. Que sina!

Communism


A história das ideias comunistas em Inglaterra é fascinante. Desde logo, pelo facto de Karl Marx lá ter escrito a esmagadora maioria da sua obra e de estar lá sepultado. Mas o fascínio pelo comunismo e pela própria União Soviética tem ali um historial notável. Até pela influência que isso teve no próprio Partido Trabalhista e nas "Trade Unions" que por muito tempo o controlaram.

Mas foi preciso deparar ontem com esta fotografia para constatar que os comunistas britânicos ainda existem. E verifiquei que ainda se publica o "Morning Star", que me lembro de ser um jornal da Grã-Bretanha bem pró-soviético.

Um país livre é isto mesmo.

Abraçada pela árvore


Ontem, deu-me para ir de Vidago a Chaves pela estrada de Loivos. Recordo que, há uns anos e por uns bons meses, havia necessidade de fazer esse percurso, por virtude de obras na EN2. E não é que, sem que alguém mo tivesse dito ou alertado, fui encontrar, à entrada de Loivos, esta expressão estranha da natureza? Uma placa de trânsito, colocada junto a uma árvore, a qual, com a passagem do tempo a "abraçou". Neste tempo em que se torna tão fácil duvidar de tudo, a colocação da fotografia nas redes sociais valeu-me uma série de acusações de "montagem", "fake news" e coisas assim. Pelos vistos, a verdade é muito difícil de vingar.

Essa coisa de viajar...


E não é que Miguel Esteves Cardoso é capaz de estar cheio de razão?

Bolas


Em matéria de futebol, para um sportinguista como eu, este sábado foi um pouco um banho escocês: ganhámos ao terceiro classificado do campeonato do ano passado, o que não foi mau, mas assistimos à saída do treinador do segundo classificado, que tão bom trabalho estava a fazer.

Setembro


... e agora cheira a setembro, como o outono sabe a vinho. (Ary dos Santos)

sábado, agosto 31, 2024

Flores


Foi há 23 anos. Era um jantar de "smoking", na bela residência que o embaixador austríaco junto das Nações Unidas tinha na 5a Avenida, em Nova Iorque.

Digo "tinha" porque não faço ideia se algum governo liberalóide, lá por Viena, não passou entretanto a casa a patacos. Por cá, um outro que nem em pesadelos quero lembrar desbaratou, precisamente do outro lado do Central Park, um magnífico apartamento, que o bom senso e o bom gosto anos antes tinham adquirido para o Estado português.

Volto ao jantar, que guardo na memória ter sido divertido, o que, convém que se saiba, está longe de ser a regra na chatice que muitas vezes é a vida social a que os diplomatas não conseguem fugir. 

O serviço era assegurado por empregados contratados para a ocasião. As embaixadas nunca dispõem de pessoal suficiente para assegurar o atendimento aos convidados, nas refeições de maior dimensão e nos cocktails que organizam. Em todas as grandes capitais do mundo, existe sempre um batalhão de mão-de-obra disponível para servir nesse eventos, o mais das vezes fazendo disso complemento a outras profissões. São pessoas de diversas nacionalidades - na América e alguma Europa, sem surpresa, são muitos portugueses, espanhóis, latino-americanos, num " network" em que uns vão chamando os outros - que circulam entre essas funções sociais. Recebem à jornada, que é de algumas horas. Em todos os lados onde trabalhei, sabia-se que havia um valor para esses serviços.

Naquela noite, na casa do meu colega austríaco, no momento em que estaca a ser servido, ouvi um sussurro no meu ouvido, por parte do empregado: "Eu sou de Bornes, senhor embaixador". 

Bornes, ao lado das Pedras Salgadas, é a nossa terra de família, pela parte da minha mãe, em torno da Casa do Pereiro, que foi do meu avô, que lá nasceu. Vou a Bornes de quando em vez, para visitar essa casa e para passar pelo cemitério onde estão os meus pais e toda a minha família materna que já se foi. Ou para visitar uma nossa amiga, antiga empregada da casa do meu avô, que há muito já faz parte da nossa família afetiva. Curiosamente, fiz isso precisamente hoje.

Mas regressemos a Nova Iorque e ao homem de Bornes que servia na 5ª Avenida.

Quando ouvi "Bornes", imagino que deva ter exprimido surpresa. Olhei para ele, nunca o tinha encontrado antes e pedi-lhe que, no final, me deixasse o seu nome e contacto. Ele assim fez. Chamava-se Orlando. Falámos ainda uns instantes antes de eu sair do apartamento. No dia seguinte, quando cheguei ao escritório, transmiti o contacto do homem ao meu secretariado e dei indicação para que o incluíssem na lista de empregados a recrutar para as nossas funções sociais futuras. Seria bem simpático, de vez em quando, ter alguém de Bornes lá por casa.

Seria mas não foi. Vieram informar-me de uma realidade que eu desconhecia: os empregados que circulavam nas residências da 5ª Avenida e áreas similares recebiam um "cachet" ligeiramente superior àquele que nós habitualmente pagávamos. As casas do "Upper East Side", onde fica a bela residência do embaixador português em Nova Iorque, não pagavam tanto como as zonas mais centrais da 5ª, da Madison ou da Park Avenue. E, por isso, o senhor Orlando nunca foi contratado.

Passaram entretanto meia dúzia anos. Uma tarde, lá por Bornes, em dia da festa anual da aldeia, eu estava encostado a um muro, a ver passar a procissão, quando se aproximou de mim, nem mais nem menos, o senhor Orlando, de Nova Iorque. Eu já andava então por outras paragens e ele permanecia na "Big Apple". Depois, nunca mais ouvi falar dele. Até hoje.

Há horas, à saída do cemitério de São Martinho de Bornes, notei que uma campa estava coberta com uma imensidão de flores. Deduzi que o funeral dessa pessoa tivesse sido na véspera. Conheço já pouca gente em Bornes, mas tive curiosidade de saber o nome de quem tinha convocado tão expressiva manifestação de pesar. Um amigo disse-me: foi o senhor Orlando, o homem que viveu em Nova Iorque. Morreu em Bornes, há dois dias.

Ele há cada coincidência, não é? 

"O Forno de Jales" (Vreia de Jales)



Já estou a imaginar o sobrolho carregado daqueles lisboetas que têm a mania que o Prior Velho, ou mesmo Vila Franca, já é no Norte do país. São os mesmos que calhou um dia irem ao Porto, ao casamento de uma prima, e que juraram para nunca mais, por se terem perdido no Nó de Francos, quando acharam que o Waze tinha pifado ao mandá-los sair por um lugar chamado Bessa Leite. Essa malta, ao ler aqui escrito "Vreia de Jales", deve ter tido um sobressalto de estranheza e concluído: este tipo anda por lugares étnicos bizarros e trá-los para aqui para armar à diversidade regional de quem se quer dar ares.

Pronto, eu explico! A Vreia de Jales é uma aldeia que fica numa pequena estrada a leste da A24. Essa estrada é a maneira mais "difícil" de ir de Vila Pouca de Aguiar para Vila Real. Mas vale muito a pena: a paisagem é magnífica, além de que lhes permite passar por Sanguinhedo (por que diabo quero eu passar por Sanguinhedo?, pensará alguém a quem nunca sequer passou pela cabeça ir tomar um café a Tourencinho) e chegar à capital transmontana por um caminho menos óbvio. Por isso, caro leitor, se faz parte da fauna dos que recusam caminhos menos óbvios, abstenha-se de continuar a ler e faça "zapping" para a telenovela ou para os crimes da CMTV.

Há vários anos que me tinham falado de existir um restaurante "para grupos" na Vreia de Jales. Por regra, desconfio imenso de restaurantes "para grupos". Nunca fui fã de manadas almoçantes, onde raramente se come bem e pode ter-se por horas o azar, nas longas mesas, de uma companhia insuportável. Há meses, disseram-me: o antigo restaurante, onde a prudência me levou a nunca ir, tinha fechado e foi agora criado outro, dirigido por um casal de excelentes cozinheiros (eu acho pedante escrever "chef") que vieram da estranja (muita Espanha e alguma Suíça), e que teria implantado por ali um novo "conceito". Ora eu também embirro com o conceito de "conceito". E, por semanas, fiquei de pé atrás.

Enfim, ontem, porque a curiosidade era muita, e para pôr a coisa em pratos e talheres limpos, decidi ir lá jantar. E, antecipo desde já o sentido deste texto, gostei bastante.

O João Pires e a Rita Gomes estão por ali, naquela aldeia, desde o final do ano passado. A sala, sem ser um deslumbre de decoração, é muito agradável e espaçosa, boa herança do anterior restaurante. O casal faz uma cozinha que alia alguma sofisticação das propostas à utilização inteligente e criativa dos produtos regionais, com preocupação do que é sazonal. A refeição é ritmada em seis momentos, que conseguem criar um menu degustação que assinalei não ter tido quebras de nível. Não vou aqui falar dos croquetes, da bola de sardinha, do interessante bacalhau, da fralda de vitela, com um molho magnífico, da maronesa no ponto certo. E de outras coisas boas, explicadas bem pelo João. Ou mesmo da estranha, no bom sentido, rabanada que veio como sobremesa (e que, a meu ver, poderia sobreviver bem sem o gelado), feita num pão pouco usual. Tudo vinha embrulhado em moldes criativos de apresentação que, em alguns casos, me atrevo a dizer que podem evoluir esteticamente. Mas o que é importante destacar, porque o saldo de uma refeição é isso mesmo, é que tudo o que nos chegou à mesa, sem exceção, estava muito bom - e eu sou um conhecido chato nesta coisa de restaurantes, como gastrófilo mas não gastrónomo que sou. A lista de vinhos, muito transmontana e curiosamente menos duriense, tinha, a preços honestíssimos, coisas muito boas e pouco conhecidas, como, por exemplo, vários vinhos de Arcossó (Ah! Pois é! Também não sabem onde é Arcossó, terra da minha bisavó, de onde estão a sair vinhos magníficos?). 

Vou parar por aqui. Não lhes digo os horários do "O Forno de Jales" porque o restaurante não tem "sessões contínuas": não abre todos os dias e a todas as horas. Liguem para lá pelo 916 301 886 e, se não atenderem, deixem recado, porque eles contactam de volta, como aconteceu comigo. Última nota: sem vinhos, o menu degustação custa € 35,00 por pessoa. Isso mesmo!

Pronto! Quem ousar passar a norte do Prior Velho, já sabe. Meta o Waze e vá almoçar ou jantar à Vreia de Jales. É já ali!

sexta-feira, agosto 30, 2024

Helicópteros


"O senhor embaixador faz muita questão de ir à plataforma?"

A pergunta foi-me posta por alguém do gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates. Foi no hall do Hotel Pestana, no Rio de Janeiro, em 2006. Ao final dessa manhã, José Sócrates, que estava numa visita oficial ao Brasil, iria de helicóptero visitar uma plataforma petrolífera ao largo da baía de Guanabara, creio que de uma exploração onde a GALP tinha interesses. Um embaixador, numa ocasião destas, é sempre uma "sombra" dos dignitários portugueses, pelo que estava previsto que eu o acompanhasse - imagino que com o vistoso capacete - na deslocação.

Antes que eu pudesse responder "se fazia questão", o meu interlocutor esclareceu: "É que o senhor ministro Manuel Pinho disse estar interessado em ir, mas não há mais lugares. Só se o senhor embaixador dispensar o seu."

"E tenho de pagar alguma coisa?", inquiri.

O homem, porque era um homem, olhou-me, surpreendido. Sem lhe dar tempo a retorquir, expliquei: "Eu detesto tanto andar de helicóptero que estou mesmo disposto a pagar para evitar ir. Que o meu lugar faça muito bom proveito ao senhor ministro Pinho!". E chamei um motorista para me levar à Livraria da Travessa, em Ipanema.

Detesto andar de helicóptero. Tenho sempre presente o que, sobre os seus riscos, um dia me foi dito pelo meu saudoso amigo Arlindo Ferreira, experiente piloto militar desse tipo de aeronaves, E fiquei com o trauma de menos boas experiências na Noruega, num "voo tático" da RAF durante um exercício da NATO, rasando cumes, e em Angola, numa interminável viagem de ida e volta de Luanda a Cabinda, em que eu aguardava um tiro a qualquer momento. E não me senti nada confortável em outras viagens que fiz, em alguns casos podendo tê-las evitado - por cá, nos Estados Unidos, no Congo, na Itália, no Tajiquistão, na Coreia do Sul, em Israel e também algumas outras no Brasil. Recordo os riscos que corri na Geórgia, num voo sobre as fronteiras da Inguchétia e da Chechénia, até outro, arriscadíssimo, entre a Ajária e a Abcásia. Digam-me onde posso assinar uma declaração para nunca mais andar de helicóptero.

Há poucas horas, ao ouvir notícias sobre a trágica morte de militares da GNR, num acidente de helicóptero no Douro, lembrei-me disto.

À mesa


Foi há semanas. Comi nesse local umas quatro vezes. O empregado foi sempre o mesmo. Um homem bem dentro da casa dos 50, pessoa educada e agradável, revelando alguma experiência de restauração, mas menos adequada para o nível daquele local. Era alguém que, visivelmente, na época alta, tinha sido contratado para reforçar a equipa do restaurante.

Pela simpatia que tinha criado, hesitei muito em falar-lhe naquilo que, desde o início, trazia atravessado. No último dia, fi-lo: "O meu amigo não vai levar a mal, mas acho que, depois destes dias em que viemos aqui jantar, há meia dúzia de coisas que devo dizer-lhe. Nunca se serve uma pessoa passando, na mesa, pela frente de outra. Se, por razões de espaço, tiver de o fazer, peça sempre desculpa por isso. E deve servir sempre pela esquerda das pessoas e retirar os pratos pela direita. E não se empilham os pratos retirados de uma mesa, arrastando os restos de comida para o prato do topo. E, claro, deve servir primeiro as senhoras. Quanto ao vinho, não esteja sempre a encher os copos. Depois de servi-lo uma primeira vez, pergunte às pessoas se querem mais: com a insistência em encher os copos, fica a ideia de que quer vender outra garrafa! Ah! E as bebidas são sempre servidas pela direita! Desculpe dizer-lhe tudo isto, mas achei que tinha de o fazer, para o ajudar a melhorar no seu serviço, no futuro".

O homem pareceu-me, de início, um pouco surpreendido com a minha recomendação, mas reagiu muito bem: "Agradeço ter-me dito tudo isso. Algumas das coisas eu já sabia mas a gente distrai-se, e sabe porquê?: porque parece que as pessoas não se importam e nós vamos facilitando. Mas é bom que me tenha lembrado. Já a questão do vinho, são ordens". Eu sabia!

Para o ano, conto passar por lá. Se o homem ainda lá estiver, aposto que se vai lembrar deste cliente "chato".

From Lisbon, with Hayek

Teria sido preferível, mas as coisas não funcionam assim, que o nome do comissário europeu tivesse sido consensualizado entre os dois partidos centrais do regime. Desta forma, o governo manda quem lhe apetece e, neste caso, e por um período de cinco anos, a Comissão terá uma voz ultra-liberal enviada por Lisboa.

A verdadeira posta


Caí na esparrela: na carta do restaurante dizia "posta": era apenas uma carne simpática. Eu devia ter desconfiado: a faca era de serrilha, o que é logo um dramático aviso à navegação de que o mar estará rijo. 

Um teste obrigatório por que deve sempre passar algo que se apresente como "posta" - e, muito mais, como "posta mirandesa" - é o imperativo da peça poder ser cortada com o outro lado da faca. Sim, isso mesmo!, o lado que nunca é usado para cortar.

Tudo o resto, o que não passar nesse "teste do algodão", pode ser um bife agradável (às vezes chamam-lhe "naco" e coisas assim), mas será sempre um abusivo genérico na verdadeira posta. 

Correio do bago

Há um jornal que tem como uma das vertentes da sua linha informativa a alimentação obsessiva da inveja. ML Albuquerque vai para Bruxelas? A primeira "questão" a colocar qual é? Quanto vai ganhar.

O Brasil dos juízes

Não conheço país do mundo em que haja tanta exposição mediática do órgão máximo do poder judicial. Todos os dias e a todas as horas a comunicação social relata o que diz o ministro A ou B e as reações que isso provoca. Há um excesso de imagem pública do judiciário brasileiro.

Abreu Amorim


Não parece muito adequado que um membro do governo se pronuncie no Twitter desta forma. Eu sei que "old habits die hard" e que muita gente achava que, cedo ou tarde, o velho tropismo da pessoa viria inevitavelmente ao de cima. Eu, ingénuo, apostei em alguma contenção. Enganei-me, pronto.

Antes era a "viradeira"


Este é um nicho histórico de "jobs for the boys" partidários. Esperemos que, por equidade, também comece a haver "girls". Ou há moralidade ou comem "todes"...

Belém

A procissão presidencial ainda vai no adro, mas Marques Mendes e Centeno já seguem nos andores de alguns fiéis. Parece tudo muito prematuro mas, se acaso, no boletim de voto, a alternativa viesse a ser entre os dois, gostava de lembrar que o país teria duas figuras respeitáveis entre quem optar. 

O que sobra

A montante da eleição de 2016, Trump perdeu os "never Trump", envergonhados com o que pressentiram. Com o caos durante o mandato, os melhores foram saindo. Em 2020, com o episódio do Capitólio, afastaram-se os últimos decentes. Quem constituiria a administração Trump 2025? 

Europinhas

O estertor das lideranças europeias está a provocar uma cacofonia insuportável: ele é Von der Leyen, é Borrell, é Michel, já é também Kallas, a não fazer jus ao báltico nome. Todos mandam bitaites adjetivados sobre a Ucrânia. O silêncio de António Costa tem sido de ouro.

Ai Montesquieu!

Temos obrigação de respeitar o modelo constitucional do Brasil, o qual, aliás, tem demonstrado ser capaz de sobreviver e enquadrar várias e fortes crises política. Mas compreendo bem quem possa estranhar o desmesurado papel do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as restantes instituições. Ver esse orgão, como vi acontecer, determinar o impedimento da reunião de uma comissão parlamentar é algo que deve pôr Montesquieu às voltas na tumba.

Digo eu, não sei...

A decisão do juiz brasileiro de proibir o Twitter/X no país parece-me "a bridge too far". O Brasil é um país demasiado relevante no quadro internacional para poder titular este tipo de gestos, mais comuns em autocracias.

Manda quem pode

As grandes indústrias de armamento há muito que são um elemento determinante no desenho da política externa das grandes economias de mercado. E, desta vez, não estou a falar dos EUA e do seu "complexo militar-industrial". Falo do modo como Macron meteu os pés pelas mãos para justificar a venda milionária de jatos franceses à Sérvia, país que não esconde de que lado está entre Kiev e Moscovo. Nos EUA, chamam-se a isso os "powers that be", em França "les autorités en place", por cá seria, simplesmente, "quem manda".

Estranho

Caiu o primeiro F16 dado à Ucrânia e parece que não foram os russos a abatê-lo. Estas coisas são muito difíceis de saber, mas ou foi "nabice" do piloto (primeira versão) ou o avião terá sido abatido por "friendly fire" dos Patriots dados pelos americanos (segunda versão). Em todo o caso, os russos esfregam as mãos de contentes. Que guerra esquisita!

Então?

Quando se começou a falar da possibilidade da Ucrânia passar a dispor de F16, ouviu-se dizer que os caças russos de última geração se encarregariam de os destruir, logo nos primeiros recontros. Não dei conta de isso ter acontecido, mas posso ter estado distraído.

quinta-feira, agosto 29, 2024

Avós, bifes e memórias


É curioso que, quando me refiro ao meu avô, penso sempre e apenas no pai da minha mãe. 

O pai do meu pai morreu, em Viana do Castelo, 23 anos antes de eu ter nascido e só o visualizo em algumas fotografias do tempo da República, sempre com um fácies grave e um arrebicado bigode. Era maçon e tinha andado de armas na mão a defender a bandeira verde-rubra contra os "trauliteiros", na tentativa de implantação da "monarquia do Norte". Tenho, portanto, desse lado jacobino da família, alguém a quem sair, salvo no "avental" que nunca usei.

Já o meu avô materno, com o qual, com os meus pais, tive o fantástico privilégio de viver até aos meus 13 anos, era conservador, na atitude cívica e na opção profissional: foi, por muitos anos, conservador do Registo Predial, em Vila Real, depois de ter abandonado a magistratura, porque detestava ter de itinerar pelo país como juíz, optando por permanecer junto da família. Tinha nascido perto das Pedras Salgadas, em Bornes de Aguiar, sendo por lá proprietário da bela Casa do Pereiro, que felizmente continua na nossa família, onde se refugiava sempre que podia.

Não tendo carro próprio, o meu avô viajava bastante na linha ferroviária do Corgo, que ia da Régua a Chaves. Nela fazia, com alguma frequência, o percurso entre as Pedras Salgadas e Vila Real, num ronceiro comboio a vapor que julgo demorava muito mais de uma hora para percorrer o que, por estrada, não chega a 40 km. Essa linha acabou já há bastantes anos.

Creio que por uma boa dúzia de vezes, comigo nos anos de escola primária, o meu avô levou-me com ele a passar uns dias a Bornes e, recordado que estou do modo carinhoso como sempre tratou este seu neto, imagino o muito que me terá procurado ensinar sobre as terras por onde passávamos e as histórias que me terá então contado. Com pena, confesso lembrar-me muito pouco dessas conversas na infância. Contudo, recordo-me bem das viagens e de que, em alguns apeadeiros, se podia sair para colher fruta ou beber água nas fontes, sem o risco de perder o comboio, que arrancava com uma imensa lentidão.

Por que razão falo hoje aqui deste meu avô? Por causa de uma carne que comi ao jantar. 

(Este tipo é obsessivo com a comida!, devem estar a pensar alguns leitores).

Nas duas casas onde vivi uma infância muito feliz com os meus pais e e os meus avós maternos, tenho das refeições uma memória de serem momentos sempre agradáveis. O meu avô era uma pessoa alegre e conversadora, tinha uma magnífica relação com o genro que era o meu pai e o ambiente, a que muitas vezes outros familiares se juntavam, refletia o modo saudável como as pessoas por ali se entendiam. Não me recordo, em todos esses anos, de ter assistido, naquela família, a uma réstea de discussão. Mas admito que eu possa ter sido poupado a algum momento menos sereno.

A minha mãe contava algumas vezes que o meu avô, que tal como eu se chamava Francisco, um dia, à mesa da refeição, se voltou para mim e disse: "Lembras-te daquela vez em que eu e tu vínhamos das Pedras e, logo depois de Vila Pouca, entre Tourencinho e Zimão, te mostrei uma vitelinha que andava por ali a pastar?" Eu terei dito que me lembrava, com ele a complementar: "Essa vitelinha, se a tivessem matado mais cedo, tinha dado uma carne magnífica. Mas não, deixaram-na crescer, chegou a vaca e devem ser dela estes bifes muito duros que agora a tua avó nos dá para comer". A minha mãe disse que toda a gente caiu em gargalhadas, com a minha avó Olívia a prometer deixar uma palavra de queixa ao Lourenço do talho.

Há algumas horas, num restaurante aqui por Vila Real, reconheci, numa peça de cachena que me serviram, e que foi quase toda para dentro, uma parente distante da tal vaca que nunca devia ter passado da vitela que eu esperava ter podido comer. E, também por isso, lembrei-me do meu avô Francisco.

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...