A pergunta foi-me posta por alguém do gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates. Foi no hall do Hotel Pestana, no Rio de Janeiro, em 2006. Ao final dessa manhã, José Sócrates, que estava numa visita oficial ao Brasil, iria de helicóptero visitar uma plataforma petrolífera ao largo da baía de Guanabara, creio que de uma exploração onde a GALP tinha interesses. Um embaixador, numa ocasião destas, é sempre uma "sombra" dos dignitários portugueses, pelo que estava previsto que eu o acompanhasse - imagino que com o vistoso capacete - na deslocação.
Antes que eu pudesse responder "se fazia questão", o meu interlocutor esclareceu: "É que o senhor ministro Manuel Pinho disse estar interessado em ir, mas não há mais lugares. Só se o senhor embaixador dispensar o seu."
"E tenho de pagar alguma coisa?", inquiri.
O homem, porque era um homem, olhou-me, surpreendido. Sem lhe dar tempo a retorquir, expliquei: "Eu detesto tanto andar de helicóptero que estou mesmo disposto a pagar para evitar ir. Que o meu lugar faça muito bom proveito ao senhor ministro Pinho!". E chamei um motorista para me levar à Livraria da Travessa, em Ipanema.
Detesto andar de helicóptero. Tenho sempre presente o que, sobre os seus riscos, um dia me foi dito pelo meu saudoso amigo Arlindo Ferreira, experiente piloto militar desse tipo de aeronaves, E fiquei com o trauma de menos boas experiências na Noruega, num "voo tático" da RAF durante um exercício da NATO, rasando cumes, e em Angola, numa interminável viagem de ida e volta de Luanda a Cabinda, em que eu aguardava um tiro a qualquer momento. E não me senti nada confortável em outras viagens que fiz, em alguns casos podendo tê-las evitado - por cá, nos Estados Unidos, no Congo, na Itália, no Tajiquistão, na Coreia do Sul, em Israel e também algumas outras no Brasil. Recordo os riscos que corri na Geórgia, num voo sobre as fronteiras da Inguchétia e da Chechénia, até outro, arriscadíssimo, entre a Ajária e a Abcásia. Digam-me onde posso assinar uma declaração para nunca mais andar de helicóptero.
Há poucas horas, ao ouvir notícias sobre a trágica morte de militares da GNR, num acidente de helicóptero no Douro, lembrei-me disto.
17 comentários:
O que lhe foi dito, sobre os riscos de andar de helicóptero, pelo seu saudoso amigo Arlindo Ferreira?
Um filho meu, por razões profissionais, fez essa viagem de ida e volta de Luanda a Cabinda há uns 25 anos, a sensação que transmitiu na altura não foi muito diferente.
Estando um outro meu filho ainda hoje ligado à aviação civil (no mundo do apoio a pequenos jactos, helicópteros) através de uma empresa de serviços de que é sócio, alguns conhecimentos destas coisas há cá por casa.
Num helicóptero nunca ninguém me apanhou e agora já não me apanha (a menos que seja do INEM, aí já não dou por nada).
Em compensação nunca tive problemas em entrar em aviões e andei pela antiga URSS nos anos 80 em alguns que "caíam muito", na feliz expressão de um colega que me acompanhava.
Mas mais depressa apanho um avião do que me meto no carro para ír ao Guincho, anda tudo maluco cá em baixo.
Ainda ontem se lia que há menos acidentes (mas mais violentos) e mais portanto cada vez mais mortes.
E alguém dizia que os carros hoje são mais seguros.
É precisamente por toda a gente achar que os carros são mais seguros que cada vez se preocupam menos com o que fazem.
Sim, Sim. Das seis pessoas,(1+5) pelo que ouvi, só se safou o Piloto, embora com ferimentos.
Eu teria ficado contente não por não andar de helicóptero mas por não ir a acompanhar o PM da altura.
Podem crer que a vista de helicóptero do Grande Canyon do Colorado, a rasar as paredes é excitante...E pensar que o rio Colorado levou milhões de anos para abrir o seu caminho até ao golfo do México...centímetro apos centímetro...
O Anónimo das 17.14 sou eu.
Acontece.
O ALOUETTE III é ( ou foi), das máquinas mais seguras na FAP. Era um deleite voar naquele "Gingarelho. Tenho dezenas de horas de voo nesse pássaro mágico.
Já não sei se na Guiné, ou Angola, onde conheci o Piloto Arlindo Ferreira nos anos 74-75....
Que saudades, a rapar as árvores, ou, matar pacaças a meia -dúzia de metros do chão.
O SR Embaixador, ( permita-me),era um grande "cagarolas" com medo de voar numa máquina imperdível.
Peço desculpa, queria dizer gazelas.
Outra recordação, se me permitem, o voo entre o aeroporto Kennedy e o centro de Nova York. Quando se tinha viajado com a PANAM, era possível obter uma transferência rápida. O helicóptero aterrava no teto do arranha céus da PANAM. Belo passeio sobre a “grosse pomme”..
No Alouette nunca cheguei a voar, estive quase, não calhou. Achei barulhento e disse nem pensar, mas todos os helis são barulhentos. E há imensos relatos da perigosidade dos helis. Em qualquer tipo de cenário e a história dos rotores ao contrário nunca me convenceu. Para voar, sempre preferi aviões, Boing, comercial, o 747, rei dos céus, Angola Portugal, ou, mais tarde, em Portugal, uns saltinhos de C 130, comparativamente pequenos, mas robustos, estáveis, belas plataformas. O que se passou hoje foi trágico. Que as famílias das vítimas possam encontrar alguma paz.
Eu reconheci. : )
É o que eu digo sempre: a Flor nunca falha!
Obrigado.
Boa noite!
: ) são já muitos minutos de boa leitura e agradável escrita.
Algo me tinha dito que era. Estilo e construção de frases :)
Flor
Obrigado, acredite que é bom ler o que agora escreveu.
Todos nós teremos um certo número de pessoas que nos apreciam, provavelmente da mesma ordem de grandeza das que nos depreciam, não havendo inquéritos de opinião no “Duas ou três coisas” (felizmente!) supõe-se que no conjunto dos leitores se obtenha a famosa curva de Gauss, a tal em forma de sino, um pouco na linha da cantilena do “Bem-me-quer, Malmequer, muito, pouco ou nada”.
E depois há os que nos apreciam desde a primeira hora e muitas vezes, ao escrever um texto, digo cá para mim que a Flor (ou X, Y ou Z que não cito agora) vão gostar de ler aquele tema.
Devo dizer que ao fim deste tempo em que por aqui escrevo já os comentários passaram por várias fases e à minha disposição para escrever mais ou menos aconteceu o mesmo, como é natural, são os ciclos de vida a tudo aplicáveis.
Acontece que histórias do dia-a-dia só as tenho aos montes quando estou em Lisboa, rodeado daquele frenesi parvo que toma conta de tudo o que nos rodeia e de que sou um incansável observador.
Um colega que trabalhou comigo numa empresa das que falei ontem, num distrito aí pelo país, numa vila sede de concelho de tamanho médio mas vida pacata, dizia-me que quando ia a Lisboa, saía calmamente do combóio mas ao fim de 5 minutos já andava a correr como toda a gente à volta, ele nem percebia o porquê do que lhe acontecia mas não conseguia evitá-lo, devia ser contágio.
AV
Obrigado pela sua atenção e o seu cuidado.
O que escrevi acima à Flor é também para todos os que fazem o favor (e têm a supina pachorra) de me aturar, como é também e desde há muito o seu caso.
Muito agradeço a resposta. Leio-o sempre com prazer, Manuel Campos.
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