sexta-feira, junho 14, 2024

Para fazer as pazes

Na véspera da reunião internacional na Suíça sobre a Ucrânia, Putin afirmou que só haverá paz com abandono por Kiev da totalidade do território dos quatro "oblasts" que a Rússia já ocupou parcialmente e com a garantia da não adesão do país à NATO. Nada de novo, portanto.

A "massa" de cada um

É nos tempos de Europeus e Mundiais de futebol que dou conta de que não sou feito da mesma "massa" de muitos dos meus compatriotas: não alimento grandes expetativas, ficarei muito satisfeito de tivermos um bom resultado, mas não perderei um minuto do meu sono se tudo correr mal.

"A Conspiração"


Há uns anos, ofereci à Biblioteca Municipal de Vila Real uma coleção de livros sobre o 25 de Abril, incluída entre muitos outros volumes da minha biblioteca pessoal que, ano após ano, ali vão ingressando. 

Eu tinha coletado o que me parecia ser uma boa bibliografia sobre a Revolução de 1974 pelo que, intimamente, estava convencido de que conhecia muito bem o período que antecedeu o golpe de Estado e os vários tempos da organização do "movimento dos capitães". 

Ontem, quando cheguei ao termo do 9° e último episódio da série "A Conspiração", percebi que, afinal, havia muita coisa desse tempo que ainda desconhecia. 

António-Pedro de Vasconcelos, que há pouco nos deixou, foi o pesquisador e o realizador dessa excelente série difundida pela RTP. Baseada essencialmente em testemunhos, que se cruzam e sucedem, a série ajuda-nos a perceber muito melhor o percurso que a agitação militar percorreu até chegar ao dia 25 de Abril. 

Para quem, como é o meu caso, estava, por essa época, a cumprir serviço militar, que acompanhava a vida política com muita atenção e me mantinha bastante ligado à agitação no seio dos milicianos, foi muito interessante ter o ensejo de ouvir todos aqueles relatos e versões de eventos, que tinha então acompanhado mas que, verdadeiramente, conhecia apenas do exterior. 

"A Conspiração" é um belo trabalho cinematográfico, feito com grande rigor, com atenção ao pormenor, num ritmo que prende o espetador, no estilo de cinema atrativo e "viewers- friendly" a que António-Pedro Vasconcelos nos habituou. Terá sido a sua última obra, já não de ficção, como as muitas outras que lhe conhecemos, mas um valioso documento de História contemporânea. 

Não percam esta série, se puderem, é um conselho que dou. Se forem ao "RTP Play", encontrarão lá, sem o menor custo, toda a série.

quinta-feira, junho 13, 2024

Culpas

Às vezes, ouve-se por aí culpar os alargamentos pelo crescimento da extrema-direita no seio da União Europeia. Já repararam que é precisamente nos seis Estados fundadores, que foram subscritores do Tratado de Roma, que a extrema-direita está hoje bem pujante?

Luís Castro Mendes


Apresentação do livro "Tentação da Prosa", de Luís Castro Mendes, na Fundação José Saramago.

Qual é a tua, ó meu?!


Relembrando José Mário Branco e o "Tira a mão da popeline" no "Qual é a tua, ó meu?!".

Aqui.

Santos


Não sei se, este ano, a câmara de Maria Abranches, do "Público", voltará a apanhar a nossa já clássica mesa do jantar dos santos populares na "Varina da Madragoa". Para que conste, em 2023 foi assim. E foi bem divertido!

quarta-feira, junho 12, 2024

Conferência de imprensa de Macron

 


"Much ado about nothing"

Clube de Lisboa / Global Challenges


O Clube de Lisboa/Global Challenges, grupo independente de reflexão, criado em 2016, a cuja estrutura diretiva tenho o gosto de presidir, tem vindo a "ceder" vários dos seus corpos gerentes e associados para funções de Estado: ministros, secretários de Estado, assessores de órgãos de Estado, etc.

É agora a vez de Luís Pais Antunes, possível novo presidente do CES. Parabéns, Luís!

As vinte e sete Europas


Comecemos pelo que parece mais evidente: salvo a decisão de Emmanuel Macron de dissolver o parlamento francês, com consequências que o tempo se encarregará de esclarecer o sentido, as votações para o Parlamento Europeu não trouxeram consigo fortes surpresas. 

A extrema-direita e os seus aparentados subiram, como era expectável, mas, como também já se previa, essa subida não chegou a números que ameacem reverter ou fazer perigar o equilíbrio tradicional das famílias políticas no seio da União Europeia. 

Há muitos anos, um célebre jornalista francês escreveu o livro “As Vinte Américas Latinas”, onde escrutinava as diferenças nacionais que caraterizavam uma realidade sub-continental que, vista à distância, muitos teimavam em tomar como uma unidade. Ao observar os resultados destas eleições, no conjunto dos países daquilo que se designa como União Europeia, apetece-me falar nas “Vinte e Sete Europas”. É que as agendas de interesses e de preocupações que mobilizaram os eleitorados de cada país, podendo ter algumas similitudes entre si, acabam por ser diversas nos equilíbrios nacionais que espelham. 

A geopolítica, a prosperidade relativa e a composição humana de cada Estado, com consequências na expressão partidária das vontades nacionais, desenham esse ser mutante que é a União Europeia. Até o modo como os resultados desta eleição se refletem na política interna de cada Estado, em alguns provocando convulsões (como em França ou na Bélgica), em outros não gerando consequências (como em Portugal), sublinha essa forte diversidade. 

A Europa é um “puzzle” estranho, em que as peças se vão subdividindo, tornando cada vez mais difícil a tarefa de o completar. Não vale a pena ter ilusões: por muito que fatores comuns possam conjunturalmente servir de cimento (foi o Covid, está a ser a Ucrânia), há “Europas” diversas em muitas e decisivas áreas (Direitos Humanos, respeito pelo Estado de Direito, políticas identitárias, migrações, refugiados, política de segurança e defesa, transição energética, posição face a alargamentos futuros). A hierarquia das angústias coletivas diverge de país para país e nada indica que caminhe no sentido de uma harmonização, de molde a poder criar uma sólida agenda comum de respostas, crescentemente consensual. Bem pelo contrário. 

Estas eleições foram disputadas sob o pano de fundo de o seu resultado poder vir a ser decisivo para a condução geral da política europeia. Lamento muito, mas isso é um “trompe l’oeil”. Quem dirige a União Europeia é o Conselho Europeu, constituído pelos governos nacionais. O Parlamento Europeu, que foi a votos, tem poderes muito limitados, para além da sua agenda “vocal”. Salvo na ratificação do nome do presidente da Comissão, o parlamento continua a ser um órgão secundário no quadro institucional da União. Acresce que um maior equilíbrio entre as forças políticas que se sentam no hemiciclo acabará, muito possivelmente, por redundar numa maior dificuldade em aí gerar consensos futuros. E isso funcionará em detrimento da força da instituição. 

O Parlamento Europeu não pode ser dissolvido, o que lhe induz uma espécie de irresponsabilidade política com uma valia quinquenal. A sua “accountability” só se fará em 2029, e apenas pela confirmação ou saída dos titulares agora eleitos. Pode assim dizer-se que a grande importância deste ato eleitoral foi ele ter servido como uma espécie de sondagem à popularidade interna dos respetivos governos nacionais. Alguns tiraram disso consequências, outros não foram obrigados a isso. 

Na Europa, contudo, não somos todos iguais. As decisões nacionais não têm um valor equivalente. A circunstância do presidente francês, na sequência deste sufrágio europeu, ter decidido convocar eleições legislativas, depois do seu partido ter obtido metade dos votos de uma força de extrema-direita, acaba por ser um facto com imenso relevo. O que dali resultar terá uma imensa relevância, não apenas para a França, mas para todos nós. Os tempos estão perigosos, mas a vida é mesmo assim.

(Artigo publicado de 11 de junho de 2024, a convite do "Jornal de Negócios")

terça-feira, junho 11, 2024

Hardy


Tous les garçons et les filles de mon âge
Se promènent dans la rue deux par deux
Tous les garçons et les filles de mon âge
Savent bien ce que c'est d'être heureux
Et les yeux dans les yeux et la main dans la main
Ils s'en vont amoureux sans peur du lendemain
Oui mais moi, je vais seule par les rues, l'âme en peine
Oui mais moi, je vais seule, car personne ne m'aime
Mes jours comme mes nuits sont en tous points pareils
Sans joies et pleins d'ennuis
Personne ne murmure "je t'aime" à mon oreille
Tous les garçons et les filles de mon âge
Font ensemble des projets d'avenir
Tous les garçons et les filles de mon âge
Savent très bien ce qu'aimer veut dire
Et les yeux dans les yeux et la main dans la main
Ils s'en vont amoureux sans peur du lendemain
Oui mais moi, je vais seule par les rues, l'âme en peine
Oui mais moi, je vais seule, car personne ne m'aime
Mes jours comme mes nuits sont en tous points pareils
Sans joies et pleins d'ennuis, oh
Quand donc pour moi brillera le soleil?
Comme les garçons et les filles de mon âge
Connaîtrais-je bientôt ce qu'est l'amour?
Comme les garçons et les filles de mon âge
Je me demande quand viendra le jour
Où les yeux dans ses yeux et la main dans sa main
J'aurai le cœur heureux sans peur du lendemain
Le jour où je n'aurai plus du tout l'âme en peine
Le jour où moi aussi j'aurai quelqu'un qui m'aime

Alguns outros e nós

A relevância real de um país mede-se bastante pelo impacto que as suas decisões nacionais podem acarretar para outros. Uma eventual reeleição de Trump iria marcar o destino de grande parte do mundo. A chegada ao poder da extrema-direita em França poderia mudar a Europa.

Uma agradável conversa...


... com Armando Mendes, na RTP Açores. Ver aqui

segunda-feira, junho 10, 2024

Parabéns e obrigado

 

"For the record"

"For the record": há 15 anos que o PSD não vence umas eleições europeias. Nesse ano de 2009, o seu cabeça de lista foi Paulo Rangel. O PSD teve então 31,7%.

Quem faz o que pode...

Uma palavra é devida, nestas horas, ao Ministério Público. Fizeram o que puderam, pronto! 

Profissionalismo


O esforço de alguma comunicação social para sublinhar a "derrota" do PS é tocante. A seu modo, revela profissionalismo... 

De nada...



A diplomacia portuguesa prestou ontem, "malgré elle", um grande serviço ao país: refreou a subida da extrema-direita. De nada...

domingo, junho 09, 2024

RTP Açores

 



O novo México

 


Uma mulher assume a presidência na México. O meu comentário aqui.

"Portugal e a paz interrompida"


Imagino que não seja fácil atrair muita gente para assistir, em vídeo, a uma conferência com 30 minutos, seguida de uma hora de perguntas e respostas. Se acaso essas pessoas existirem, elas são muito bem vindos para escutarem aquilo que, há dias, eu tive oportunidade de dizer em Angra do Heroísmo, tendo como mote o tema em epígrafe. Aqui

Biden e Macron

Os próximos dias irão deixar claro aquilo em que Macron foi obrigado a ceder a Biden, no tocante ao seu jingoísmo na questão ucraniana. E talvez fique evidente quanto a França teve de adaptar-se para não se afastar dos EUA no tema da Palestina. Não é grande potência quem quer.

Vigarice

Há uma nada inocente vigarice, a que alguma comunicação social dá alento, por desconhecimento ou má fé, que é tentar colar a oposição (forma ínvia de referir o PS) a despesas que podem contribuir para agravar o défice. É falso: nenhuma despesa proposta pelo PS excede o montante global das propostas do governo.

sábado, junho 08, 2024

A direita britânica em crise


Ver aqui.

As guerras


Ver aqui.

Votem em quem quiserem, mas votem!

Já passa da meia-noite, aí em Portugal? Não vou apelar ao voto em nenhum partido. No domingo, votem no partido que lhes apetecer. Eu não vou votar. Já votei. Em quem votei? O voto é secreto, para quem o não quer dizer. Mas eu digo: votei PS! Claro. Vocês votem em quem quiserem, mas votem?

Bode expiatório


Não conheço Lacerda Sales de parte alguma. Contudo, ao longo dos anos em que o vi atuar na política, fiquei com a ideia de se tratar de uma pessoa de bem, dedicada ao interesse público. No "caso das gémeas", está a ser o bode expiatório de um caso que todos já percebemos demasiado bem.

Oportunidade


O sentido  de oportunidade é uma das qualidades requeridas para um político. O PM britânico, Rishy Sunak decidiu sair mais cedo da cerimónia dos 80 anos do desembarque na Normandia, para dar uma entrevista numa televisão, no âmbito da campanha eleitoral no Reino Unido. Deixou o seu lugar a David Cameron, o ex-PM convertido em MNE. Sunak, por má avalição, perdeu uma "photo opportunity" histórica. Está ser muito criticado pelo gesto, e já pediu desculpa publicamente. Vai tarde. Até porque, como todas as sondagens apontam, aquela seria uma das suas últimas possibilidades de ter uma "family photo" com aqueles parceiros.

sexta-feira, junho 07, 2024

Os refletores

Votei no passado domingo, por antecipação. Amanhã, vou passar o dia a refletir sobre quê? Sobre o atestado de menoridade cívica aos eleitores que representa o "dia de reflexão"? E não venham com o estafado "já estamos fartos de campanha!". Se a tornassem mais curta, já não se cansavam!

quinta-feira, junho 06, 2024

O tempo das cerejas


Antoine Renard foi o autor da letra de "Le temps des cerises", hino da Comuna de Paris, muitos anos depois popularizado em canção por Yves Montand. 

Hoje, numa loja de indianos, aqui em França, comprei cerejas. Ou porque eram estas e não eram outras, concluí que hoje não era o tempo delas.

Escolha de valores


Tabacaria em Lyon, esta manhã: "Não leva todas as revistas semanais de informação que saíram hoje", notou o cavalheiro atrás do balcão. "Não gosta da 'Valeurs actuelles'?". "Não aprecio muito", respondi. "No domingo vai ver que há muita gente que gosta". E fechou a cara.

Futura oportunidade

Quando é a votação, em Conselho Europeu, para a escolha do próximo presidente? É só para saber a semana (antes) em que surgirá por aí mais qualquer coisa que possa relacionar António Costa com a Operação Influencer.

Oportunidade

Oportunidade é isto mesmo: o caso das gémeas - que andava por aí há meses - regressa a três dias de umas eleições. Tão óbvio, não é?

quarta-feira, junho 05, 2024

Assim


Assim se faz propaganda eleitoral numa democracia sólida, sem poluição visual nas ruas, estradas e rotundas.

La France

França. Eleições europeias. 

Eleitores de 18/24 anos. 

Comparação de voto em 2019 com as sondagens 2024.

1. Partido de Macron: 20% - 5%.

2. Partido de Le Pen: 12% - 24%.

3. Direita clássica: 20% - 5%. 

4. Extrema-esquerda: 13% - 21%. 

5. Socialistas: 5% para 12%. 

Dá que pensar, não é?

terça-feira, junho 04, 2024

Em Vila Real

 


A direita à bulha

Nigel Farage volta a baralhar as contas dos conservadores britânicos. Encavalitado, desde há uns tempos, numa tribuna mediática, mudou de ideias e regressa a votos. Rishi Sunak estava quase à beira do abismo. Farage dá-lhe agora um empurrão.

Já podem vo(l)tar (2)

Depois das decisões anunciadas em matéria de política migratória, para "passar a mão" pelos votantes do Chega, o governo escolhe para dirigir a AICEP um antigo candidato europeu da Iniciativa Liberal. O recado agora é para os votantes da IL, como quem diz: "Como veem, nós aceitamos (de volta) a vossa gente". O redil está aberto.

Votar Marta


Estive ontem à noite em Santarém, num comício de apoio à lista de candidatos do PS às eleições para o Parlamento Europeu. Não sou militante do PS, mas entendo que a lista socialista é, a uma grande distância, a mais qualificada de todas quantos vão a votos. O facto dessa lista ser encabeçada por Marta Temido, pessoa por cujo trabalho como ministra da Saúde tenho uma grande admiração, foi um fator acrescido que me levou a expressar este meu público apoio.

segunda-feira, junho 03, 2024

Já podem vo(l)tar!

A menos de uma semana das eleições, o governo envia um recado aos eleitores do Chega: "Como veem, nós também estamos preocupados com a imigração".

"Portugal e a paz interrompida"


Foi na quarta-feira da passada semana. A noite não recomendava que se saísse de casa. Chovia imenso em Angra do Heroísmo. A minha conferência era às 20 horas (oito da noite? hora de jantar, telejornais). 

Na véspera, eu tinha já falado para umas dezenas de pessoas, num determinado contexto, que, naturalmente, não iriam deslocar-se ao salão nobre da Câmara Municipal de Angra para me ouvir de novo. Além disso, tinha dado uma longa entrevista ao "Diário Insular", onde basicamente havia dito o que pensava sobre o tema da palestra. A RTP Açores também me tinha convidado, nessa tarde, para meia hora de entrevista.

"Vai aparecer pouca gente", comentei, neste modo "sportinguista" de ser, que tantas desilusões me tem poupado, ao longo da vida. Maneira de viver que, por outro lado, me conduz a inesperadas alegrias. Como foi o caso. Afinal, a sala tinha imensa gente. 

Apresentado pelo dr. João Maria Mendes, meu amável anfitrião, e tal como combinado, falei por um pouco mais de meia hora, antes de muitas e pertinentes questões, que me permitiram clarificar alguns aspetos menos desenvolvidos na palestra. Foi uma bela e agradável sessão. De que agora me chegou a fotografia que aqui deixo.

"Ó meu alferes!"


Foi ontem, à saída do velório do José António Rosado. Eu ia a sair e uma figura alta dirigiu-se-me daquela forma. Achei curioso. A pessoa lembrou-me que, em 1973, eu tinha sido seu instrutor no curso de Ação Psicológica, na Escola Prática de Administração Militar (EPAM). E recordou alguns episódios dessa época, que eu já tinha esquecido. 

A verdade é que, nesse tempo, eu ainda não era alferes, era apenas aspirante a oficial miliciano. Ele, o meu interlocutor, era então soldado-cadete. Ambos tínhamos conhecido, naquela mesma unidade, o José António Rosado, ao tempo furriel miliciano, o amigo de quem ali nos estávamos a despedir. 

Foi através de Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, que fui alertado para a morte do Rosado, que também era diretor da Associação, de que sou associado. E foi com ele e com muita outra gente, e principalmente com Marco Rodrigues, o fadista, que orientou o coro, que, ao final da tarde de ontem, todos cantámos a "Grândola", dentro da casa mortuária, à volta do corpo do José António Rosado, como ele tinha dito à família que desejava que acontecesse. 

O Rosado foi um dos militares que, sob o comando do capitão Teófilo Bento, integrou o grupo que ocupou a RTP, na noite de 25 de Abril de 1974. Lembro-me bem do entusiasmo que manifestava, que o terá destacado para ser um dos operacionais para a tarefa de que a EPAM tinha sido incumbida. Era um homem de uma imensa afabilidade. Perdi-o de vista por muito tempo. Há uns anos, esteve na origem de uma associação de antigos membros da Administração Militar, para a qual me arrastou. Entre outras suas iniciativas, estivemos juntos na inauguração de uma placa memorial que hoje figura no edifício do que foi o antigo quartel. Há meses, andou empenhado na organização de uma sessão comemorativa do papel da Administração Militar no 25 de Abril, em que insistia que eu tomasse a palavra - comigo, desta vez, a resistir e a dar argumentos para que fossem outros a fazê-lo. 

Foi-se agora o furriel miliciano José António Rosado. Foi-se mais um capitão de Abril.

domingo, junho 02, 2024

Deixar claro

É importante afirmar, sem medo, que ser crítico das políticas de Israel, e mesmo não aceitar a filosofia sionista, nada tem a ver com anti-semitismo, que, como qualquer outra forma de racismo, deve ser denunciado e combatido. Confundir as coisas é pura má fé e sectarismo.

A inclinação da feira


Desde há anos que opto por passar pela feira do livro sobre a hora de jantar, quando há menos gente. Costumo ir duas vezes, em dias ao acaso, um para cada ala. Subo e desço a feira, recolhendo depois ao parque onde guardo o carro. Nada de invulgar, imagino.

Fiz hoje uma dessas maratonas e, confesso, que me recorde, e pela primeira vez, cheguei ao fim estoirado. Ora a feira não me parece mais comprida do que em outros anos. Assim, só posso concluir que a feira está, este ano, mais inclinada. Deve ser isso! Não me vem à cabeça nenhuma outra ideia.

Será assim?

Os próximos tempos irão esclarecer-nos se, como alguns analistas militares aventam, a Rússia já atingiu a sua diversificação possível na utilização de armamento convencional da Ucrânia. A partir daqui, restaria a Moscovo passar ao patamar do nuclear tático. Será assim?

O "Jockey" tem o meu voto


O "Jockey", na Cidade Universitária, devia ser considerado o restaurante oficial do voto antecipado Eu diria mesmo, "by appointment" da Comissão Nacional de Eleições.

Que galo!

 

Já me perguntei se, neste ano tão raro em que o meu clube - um clube essencialmente católico, porque só ganha quando deus quiser - regressou ao esplendor na relva, não deveria ter pintado o meu galo da bela cor da dita. Só posso prometer que se, no próximo ano, voltarmos a ganhar, irei mudar definitivamente a cor das penas do "galo" que este ano, por uma vez, não tivemos.

sábado, junho 01, 2024

Habituem-se!

A propósito de observações nas redes sociais sobre os comentadores nos temas internacionais nas televisões, fica-se com a sensação de que há pessoas que gostariam de apenas ouvir opiniões que coincidissem com as suas. Irrita-as o contraditório? Habituem-se! A censura já lá vai!

sexta-feira, maio 31, 2024

Feira


Algumas pessoas perguntaram-me quando estarei na Feira do Livro de Lisboa para assinar o "Antes que me esqueça", que vai na sua terceira edição. Infelizmente, a minha vida não me permite ter tempo para tal. Mas espero que quem estiver interessado adquira o livro no espaço da Leya, onde esta edição da Dom Quixote está à venda. E que se divirta ao lê-lo. 

Eleições na África do Sul


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A Ucrânia e nós


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Gaza


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Isto

 


Decidam-se!

E estamos assim: ou é "desde o início da invasão que o Seixas da Costa parece pender para a Rússia" até a "comentário de um ex-embaixador todo pró-Ucrânia". 

Trump

Trump diz que está "muito inocente". Interessante fórmula, se pensarmos que, num modelo gradativo similar, não é possível uma mulher estar apenas "um pouco grávida"...

Opiniões

O senhor ministro da Defesa Nacional - seja sobre SMO, seja sobre uso de material ocidental no ataque à Rússia - tem o direito a ter a sua opinião pessoal, mas deve guardá-la lá para casa ou para os amigos, ao chá. Ao senhor ministro alguém deve lembrar que tomou posse.

Tempos serenos


Como é sabido, nas regiões autónomas, existe a figura do Representante da República, antes designada Ministro da República. Veio-me há pouco à memória um episódio já com quase 30 anos - e é essa memória que me permite aproveitar as horas que tenho até à partida do avião das Lajes para Lisboa para o descrever aqui -, envolvendo um desses então Ministros da República.

Nas hostes do governo socialista recém-empossado, nessas semanas finais de 1995, vivia-se um ambiente de imenso otimismo. Embora não dispondo de uma maioria absoluta no parlamento, António Guterres chefiava um executivo que revelava uma grande unidade e projetava uma imagem de eficácia e de poder vir a apresentar soluções para a maioria dos problemas. O país, que tinha deixado uma década de cavaquismo, do qual se cansara, parecia conquistado pela dinâmica da nova equipa e a própria imprensa deu a esta, por muito tempo, o benefício da dúvida. 

Nesses primeiros meses, por razões de natureza técnica e política, que se prendiam com as implicações europeias de várias decisões e diplomas, e embora fosse apenas secretário de Estado, eu era chamado com frequência para estar presente nas reuniões do Conselho de Ministros. Elas começaram por ter lugar numa sala do primeiro-andar da residência oficial de S. Bento, antes de se transferirem para o edifício da Presidência do Conselho de Ministros, na rua Gomes Teixeira, aos Prazeres, com recurso alternativo a uma outra sala existente na cave de S. Bento, criada ao tempo de Cavaco Silva. 

O ambiente que se vivia no Conselho era de grande camaradagem, embora António Guterres, de forma discreta, tivesse cuidado em pôr um travão a formas de tratamento demasiado informais entre os membros do governo, à mesa do conselho. Recordo-me de um ministro, numa dessas primeiras reuniões, ter feito uma observação que começava por "Ó António, eu acho que tu devias...", com o chefe do governo, sorridente mas pedagógico, a retorquir-lhe: "Eu concordo com o senhor ministro quando diz que...". Sem um mínimo de formalismo, o ambiente de qualquer governo torna-se muito difícil de gerir, tanto mais que os episódicos momentos tensos criam a necessidade de alguma implícita disciplina, a que a familiaridade não ajuda. Guterres, que dispunha de uma autoridade natural que ninguém contestava, reforçada por um extraordinário domínio dos dossiês, mesmo os mais técnicos, rapidamente foi capaz de estabelecer um incontestado padrão de trabalho. 

Num determinado dia, desses primeiros tempos, o conselho tinha uma agenda muito carregada e teve que se prolongar pela noite dentro. À hora de jantar, foi feita uma pausa para sanduíches, cervejas e café, que se terá prolongado por uns bons 20 minutos. Durante esse tempo, embora cada um continuasse no seu lugar, a conversa soltou-se. 

Recordo-me das graças de António Vitorino, então "número dois" do governo, como ministro da Presidência e da Defesa, a que se somava o humor tonitruante de Fernando Gomes da Silva, os ditos humorísticos de Jorge Coelho, a fina ironia de José Mariano Gago, bem como as fabulosas intervenções, com sotaque inconfundível, do secretário de Estado da Justiça, José Matos Fernandes. Todos enchiam a sala de boa disposição, nesses intervalos de um trabalho intenso, gerando um ambiente alegre e barulhento. 

Ora acontece que, nesses primeiros tempos do governo socialista, havia dois convidados à mesa, remanescentes do governo de Cavaco Silva. Tratava-se dos dois Ministros da República para os Açores e para a Madeira, respetivamente o professor Mário Pinto e o vice-almirante Rodrigues Consolado. Todas as semanas, e até que uma decisão em contrário foi tomada, essas duas figuras iam sendo convidadas a estar nos Conselhos de Ministros das quintas-feiras, prolongando uma prática que vinha dos governos de Cavaco Silva, aliás o proponente dos seus nomes. Eram duas figuras muito respeitáveis, discretíssimas e com grande sentido de serviço público. Mas, obviamente, naquele ambiente de camaradagem e cumplicidade política, num outro tempo de governo, a sua presença destoava um pouco. 

Nesse intervalo do Conselho de Ministros, com as graças, as anedotas e alguns dichotes a atravessarem a mesa e a preencherem o ambiente na sala, essas duas personagens pareciam um pouco perdidas. Eu, que substituía Jaime Gama, estava sentado ao lado de Rodrigues Consolado, o qual, por sua vez, ocupava a cadeira à esquerda de Guterres. Para desanuviar o ambiente, ia falando com o vice-almirante, atenuando o seu isolamento, tanto mais que Guterres tendia a falar mais com Mário Pinto, que estava à sua direita e que, de há muito, conhecia bem. 

Rodrigues Consolado estava em funções nos Açores desde 1991. Durante quatro anos, os Conselhos de Ministro a que assistia eram presididos por Cavaco Silva. "Senhor Almirante. Posso fazer-lhe uma pergunta, um tanto indiscreta: como era o ambiente dos Conselhos no tempo do professor Cavaco Silva? Havia pausas e um ambiente solto deste género?", perguntei, consciente de que ele estaria um tanto surpreendido por aquele ambiente de "turma", em que muitos de nós nos tratávamos por tu. 

O nosso militar, sem entrar no detalhe, pela lealdade que entendia devida àquilo a que assistira por dever de ofício, retorquiu-me, em voz baixa, com um ligeiro sorriso: "Não, senhor Secretário de Estado, não me recordo de alguma vez se ter gerado um ambiente destes. Longe disso! Naquele tempo, era tudo muito mais sereno." E concluiu, com uma frase que pretendeu fazer soar como uma constatação de facto, da qual não consegui depreender uma crítica, mas também não o seu contrário: "Cada primeiro-ministro tem o seu estilo, não é?". E mais não disse.

A guerra e a democracia

Numa intervenção que fiz na CNN Portugal, chamei a atenção para alguns aspectos da guerra na Ucrânia que, em minha opinião, têm sido pouco sublinhados. Vou desenvolvê-los aqui.

O primeiro é dizer, com todas as letras, que a NATO não está em guerra com a Rússia. Isto não é uma "technicality", é uma realidade. E, que eu saiba, também nenhum Estado membro da NATO, muito menos Portugal, está em guerra com a Rússia. Se outro país NATO se considerar como tal, tem de avisar, porque, nesse caso, todos os restantes Estados devem avaliar se são obrigados a mostrarem-se solidários com esse eventual estado de guerra.

A segunda é que não é por acaso que uma entidade chamada NATO não está, enquanto instituição de defesa coletiva, a dar qualquer apoio material à Ucrânia, embora o recorrente jingoísmo verbal do seu secretário-geral possa induzir o contrário. Quem o faz, à medida decidida por cada um, sob um compromisso político, são os diferentes países NATO. Esses países, tal como s NATO, também não estão em guerra com a Rússia, mas, ao contrário da NATO, podem prestar ajuda material a um país estrangeiro. E há algo muito importante que também tem sido pouco dito: nenhum país NATO é um aliado militar da Ucrânia, com um compromisso de solidariedade de defesa com a Ucrânia. Quem não conseguir perceber isto deve perguntar-se por que razão os EUA são, a grande distância, o país mais cuidadoso com a ideia da entrada da Ucrânia para a NATO.

A terceira é uma coisa que alguns hesitam em dizer alto: a Rússia, até hoje, nunca ameaçou nenhuma fronteira da NATO. E não o faz porquê? Não é por "bondade". É porque sabe que, se acaso o fizer, terá de enfrentar a cláusula de defesa coletiva inscrita no artigo 5° do Tratado de Washington. Ou, para sermos mais claros: teria de haver-se com os EUA. Se há país que sabe isso bem é a Rússia.

A quarta é um mito urbano recorrente: se a Ucrânia caísse nas mãos da Rússia, toda a Europa ficaria ameaçada, nenhum país europeu ficaria isento da possibilidade de uma invasão russa. Trata-se de um mito, por várias razões. Desde logo porque nenhum dos pressupostos subjacentes às ambições russas sobre o território ucraniano se verifica face a qualquer outro país europeu. Mas, dando de barato que a Rússia poderia ter essa ambição escondida, gostava que alguém respondesse a esta questão: se a Rússia não é capaz de tomar Kharkiv e, muito menos, Kiev, se, ao fim de dois anos e tal, se arrasta penosamente com avanços e recuos de algumas centenas de quilómetros no território ucraniano, há alguma plausibilidade de que venha a conseguir obter, por milagre, um poder militar que lhe permita chegar a países protegidos pela cláusula de defesa coletiva da NATO? Percebo que esta "ameaça" possa ser um argumento para a manutenção de um "estado de alerta" em todo o espaço da aliança, para um maior empenhamento de todos e de cada um em matéria de defesa e segurança, mas não nos tomem por parvos: não há um mínimo de verdade de que a Rússia seja uma real ameaça militar para o espaço NATO. O que não significa, bem entendido, que seja indiferente à NATO o destino da Ucrânia, cuja queda na tutela russa seria muito negativa para os seus interesses.

A quinta é o facto deste sucessivo "deslizar" da guerra da Ucrânia para patamares de mais profundo envolvimento do ocidente no conflito, em casos mais recentes configurando o uso de meios que pressupõem uma mais direta intervenção na guerra (hipótese de criação de uma zona de exclusão aérea, pessoal de forças armadas NATO no terreno de luta ucraniano, etc.) dever ter um escrutínio democrático a níveis nacionais. Se alguns países NATO, com a complacência ou sob o silêncio de outros, tomarem iniciativas que, a prazo, possam vir a envolver a organização e os seus Estados num eventual conflito, eu, como cidadão português, quero que a Constituição da República seja respeitada: se Portugal pode vir a entrar numa guerra, se essa possibilidade existe, então a Assembleia da República tem de dar o seu aval. Portugal não pode "ir entrando" numa guerra "devagarinho", mesmo que por uma iniciativa de outros, até ao dia em que isso seja um facto, sem que as intituições da República se tenham previamente - repito, previamente - pronunciado nesse sentido. Até lá, nenhum governo português tem mandato para concordar com decisões que possam levar o país a um estado de guerra. Mais: o governo não pode dar o seu aval a decisões que contribuam para um agravamento de tensões, que possam vir a redundar numa guerra que envolva o país. O presidente da República, mais do que ninguém, tem de estar muito atento a isto. E a oposição também. 

Gostava que se pensasse a sério nisto, fora de ambientes emocionais.

quarta-feira, maio 29, 2024

Senhor do tempo

Hoje, aqui em Angra do Heroísmo, tive uma sensação similar à que, por vezes, me ocorre em Vila Real. Levantei-me sem pressas, fiz três coisas que tinha para fazer durante a manhã e, de repente, dei-me conta de que ainda me faltava imenso tempo, antes da hora do almoço. Agora, com essa refeição acabada, sei que tenho uma boa pausa até ao primeiro dos dois compromissos que hoje ainda tenho, se bem que um deles seja algo distante, na Praia da Vitória.

Imagino que, para quem aqui vive em Angra ou para quem habita em Vila Real, isto seja uma conversa completamente sem sentido. Mas posso dizer que quem vive em Lisboa, com o estado atual do trânsito, percebe muito bem o meu sentimento. Aqui, nesta terra, parece haver tempo para tudo. Até o ritmo das pessoas parece adaptado a este doce deixa-andar. E, contudo, esteja eu onde estiver, Lisboa faz-me falta. Que coisa!

Zelensky e a vontade portuguesa

Zelensky esteve seis horas em Portugal. Foi recebido com inédita atenção institucional e, de tudo quanto ouviu dos seus interlocutores, pôde levar uma certeza: Portugal é, no seio dos Estados europeus, um dos que se afirmam politicamente mais empenhados no apoio ao seu país. Nesse aspeto, Montenegro e Marcelo estiveram impecáveis, na forma e na substância. Para esta última, teria feito falta um pacote financeiro mais forte. Mas a vida é o que é e cada um dá o que pode - e Portugal avançou com um envelope simpático, à sua medida. Em síntese: face ao compromisso político assumido desde o início desta guerra, Portugal foi coerente, com a mudança de governo a não afetar minimamente a posição do país. Pode dizer-se que, por parte deste governo, Zelensky tem vindo a poder contar com uma atitude talvez mesmo um pouco mais aberta no tocante ao apoio à adesão à União Europeia e à NATO. António Costa tinha sempre usado uma linguagem mais cautelosa. Luís Montenegro deixou cair as cautelas. Verdade seja que pouco passará por nós, se e quando essas decisões vierem a ser tomadas. Mas Zelensky ficou a saber que, em qualquer circunstância, Lisboa não fará parte do problema, no que depender de quem atualmente fala pelo nosso país. Valeu a pena a Zelensky ter vindo a Lisboa? Valeu, num tempo em que todos os apoios não são demais para a cada vez mais difícil aposta nacional que titula. Valeu a pena toda a coreografia de apoio político que governo e presidente desenvolveram, embora com um eco mediático que chegou a roçar algum ridículo pelo exagero? Politicamente, Portugal aproveitou para sublinhar bem a sua inequívoca postura - repito, coerente com a opção política tomada, e sem falhas, desde o primeiro momento. Além disso, na perspetiva dos interesses dos nossos atores institucionais, sim, com certeza, porque é sempre interessante para líderes políticos colarem-se a causas que sabem ser populares - e o apoio à Ucrânia, manifestamente, é, nos dias de hoje, uma causa popular e uma indiscutível tendência maioritária em Portugal. Ficaram todos muito bem na fotografia. 

terça-feira, maio 28, 2024

Zelensky

Sente-se uma despropositada excitação em torno da deslocação de Zelensky a Portugal. A visita tem uma importância apenas relativa. Insere-se no périplo ritual do líder ucraniano aos países que têm apoiado a sua luta. E o que vai ser assinado será mais simbólico do que relevante para essa mesma luta.

A paz interrompida


Entrevista hoje concedida ao “Diário Insular”, de Angra do Heroísmo, cidade onde amanhã vou proferir uma conferência sobre “Portugal e a paz interrompida" .


O mundo parece desassossegado em níveis muito elevados. É o costume ou estaremos perante tempos particularmente perigosos? 

Não é o costume. No caso da invasão da Ucrânia, estamos perante uma rotura grave no sistema internacional. Um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, órgão decisivo para a credibilidade de uma organização que se assume como a plataforma reguladora da paz internacional, abandonou o terreno do diálogo e optou pela guerra, afrontando o Direito Internacional. Não é a primeira vez que isso acontece – e nem sempre foi a Rússia a fazê-lo, relembro. Contudo, o modo muito particular como o desafio colocado por esta ação russa se projeta no equilíbrio estratégico global não tem comparação com qualquer caso anterior. Até por que, no momento atual, constatamos estar-se perante uma óbvia guerra de cariz expansionista. Basta ver o modo como a generalidade dos países europeus se sentiram face a esta ameaça para se constatar os riscos novos que esta crise trouxe ao mundo. Já o caso da Palestina é uma recorrência, embora com uma inédita brutalidade bilateral, num conflito que é tão antigo quanto antiga é a ausência de vontade política internacional para impor uma solução política sustentável na região.


A Rússia anda a invadir a Ucrânia há muitos anos, mas parece que o Ocidente só acordou em Fevereiro de 2022 e mesmo assim revelando alguma incapacidade - ou falta de vontade - para um apoio decisivo. Ainda será possível a Ucrânia acreditar no Ocidente em geral e em particular nos EUA e na NATO? 

O mundo ocidental, no termo da Guerra Fria, não terá percebido que a derrota da URSS nunca foi completamente digerida em Moscovo. A verdadeira Rússia não eram Gorbachev ou Ieltsin, a quem, do lado de cá, se achava alguma graça. Isso era assim porque essa era a Rússia que parecia estar a fazer “hara-kiri”, enterrando o passado comunista e mergulhando num liberalismo furioso, que encantou muita gente ocidental, que aliás disso bastante usufruiu. A Rússia que se propôs resgatar a humilhação sofrida depois da queda do muro de Berlim tinha outro nome: Putin. O crescente desequilíbrio da Ucrânia para o lado ocidental, com um deslizar para os braços da NATO, não era aceite por quem estava determinado em refazer, revendo-as por todos os meios possíveis, as novas fronteiras de segurança e de influência que a dura realidade dos factos, posterior à implosão da URSS, lhe havia imposto. Moscovo não quis aceitar uma regra: que perde uma guerra tem sofrer efeitos disso. E a URSS foi a grande derrotada da Guerra Fria. A Ucrânia acabou por ser a vítima colateral deste processo, porque o poder prevalecente em Kiev arriscou levar até ao fim o seu sonho de desafiar a geografia e contou que, deste lado, a iriam ajudá-la a isso. O mundo ocidental fez pouco? Fez aquilo que os seus progressivos consensos lhe permitiram fazer. É muito mais difícil reagir às coisas em democracia do que num estado autocrático, mobilizado pelo despeito e por um movimento, quase religioso, de regeneração nacional, como sucede na Rússia. No nosso mundo, a vontade política, com expressão na força que projeta, passa por um processo de convicção das opiniões públicas, que demora o seu tempo. Além do mais, temos de gerir a diversidade dos vários poderes e as suas diferenciadas sensibilidades geopolíticas. Basta olhar para o processo decisório na União Europeia para entender isto. Por isso, acho que não nos devemos auto-flagelar. 


"Espaço vital", uma designação de má memória, já foi utilizado para definir o que estará por detrás das movimentações russas. Há historiadores e analistas que já falam abertamente um clima pré-guerra generalizada, bebendo o exemplo do que se passou na Europa antes da II Guerra Mundial. Qual a sua visão? 

Não creio que a Rússia esteja interessada numa guerra global. E, do lado de cá, acho que os Estados Unidos também não desejam isso. Até porque, goste-se ou não, esta não é uma guerra vital para Washington, a menos que nesse sentido vital se incorpore o orgulho que ficaria ferido por um recuo na Ucrânia. Mas a América já passou por muitas humilhações e nem por isso deixou de aprender e ir em frente: o Vietnam, o Iraque, o Afeganistão foram guerras que correram muito mal aos EUA. E o mundo não deixou de observar isso. Para os EUA, o verdadeiro desafio – estratégico, em todos os sentidos – chama-se China. A agressividade de Putin na Ucrânia, não terá sido de todo inesperada, atendendo ao que já se tinha passado na Geórgia e no posterior “meter ao bolso” da Crimeia. Contudo, imagino que o desafio terá sido maior do que Washington esperava. E julgo que a ideia americana é a de que esta é, no fundo, uma guerra que a Europa deveria conseguir tratar. Mas reconheço que falar de “ideia americana” é um conceito um pouco vago, é esquecer que, no dia 5 de novembro, podemos ter outra América, um filme de terror de que já vimos o “trailer”.


Estarão criadas as condições para um conflito que oponha democracias a regimes totalitários, tendo como pano de fundo, por exemplo, uma disputa pela alteração e pela liderança da ordem mundial ainda vigente? 

Julgo que ninguém cairá na asneira de arriscar um conflito nuclear para tentar impor a democracia no mundo. Até porque, no Direito Internacional – e isto é uma realidade, mesmo que desagradável de ouvir - as democracias não têm um estatuto e uma dignidade institucional superior às autocracias. Basta olhar para a composição da ONU. Dividir o mundo entre “bons” e “maus” deu-nos décadas de Guerra Fria. E, no fim, isso não resultou num “mundo de bons”. E convém lembrar que, nesse tempo, os “bons” acomodaram muitas vezes o seu interesse em cumplicidade com sinistras ditaduras, com “maus” que davam jeito. O mundo ideal, com todos em paz, liberdade e pombas brancas a voarem, não existe nem existirá. A solução para uma paz possível é sempre alargar e conseguir a convivência entre regimes de sinal diferente. As Nações Unidas eram isso mesmo. O ótimo é sempre inimigo do bom. 


O conflito na Terra Santa parece eterno e reacende-se sempre com grande crueldade. O conflito em curso será "mais um" ou, pelo contrário, poderá ser enquadrado num movimento mais vasto que envolva uma disputa estratégica por parte de grandes potências globais, com apetência para tal ou meramente regionais? 

Não parece haver sinais de que estejamos perante um conflito com um forte potencial de alastramento. O mundo, aliás, parece viver confortável com o papel relevante que os EUA ali desempenham, o que muito limita esse risco. Para a América, para além de ser uma questão de política interna, Israel é um “asset” geopolítico. Trata-se de uma espécie de “enclave” ocidental que, no fim do dia, Washington utilizou, mais ou menos discretamente, para intervir, sem demasiadas “boots on the ground”, numa região que é vital, quer para a América quer para o mundo ocidental, a vários títulos - do campo energético ao logístico, passando pelo controlo do terrorismo islamista. O que se passou nos últimos meses, contudo, acarretou efeitos no relacionamento israelo-americano que pode vir a alterar alguns dos pressupostos tradicionais que ali vigoravam. 


Parece que a paz entre os homens não é possível... Podemos arrolar conflitos desde os caçadores-recolectores até ao dia de hoje. Como vê um diplomata um mundo (um ser humano...) tão violente e em permanência? 

Um diplomata é sempre um “possibilista”, isto é, é alguém que olha a realidade internacional sob uma perspetiva um tanto fatalista, tentando descortinar o que, no fim de contas, é possível fazer para tornar as coisas melhores. Os conflitos, ao que a experiência nos ensina, fazem parte eterna da vida dos homens e dos Estados, dado que os interesses raramente se acomodam em definitivo. Assim, para a minha profissão, fazer “pontes”, sugerir compromissos e tentar a todo o custo evitar ou suspender conflitos, ou mantê-los com baixa intensidade, é a regra eterna do nosso jogo. Muitas vezes somos mal compreendidos, acham-nos demasiado propensos a posições realistas. Ora nós não fomos votados por ninguém, não temos legitimidade democrática direta. Somos simplesmente uma profissão que ajuda quem tem a legitimidade que lhe foi dada pelo sufrágio a encontrar soluções para que todos possamos sobreviver, na paz que for viável.

Falar claro

Em países onde há eleições basicamente livres, é enganador personalizar a culpa nos líderes: não é Trump quem leva a América a agir de uma certa forma. É a América que escolhe Trump para assim proceder. É a Israel e não a Netanyahu que o mundo deve pedir contas.

segunda-feira, maio 27, 2024

Ainda sem anticiclone

 

Há quartos de hotel com pior vista, não há?

Viajar na TAP com as cores antigas


A fronteira moral

O que se passa em Gaza, com campos de refugiados bombardeados e mais algumas dezenas de civis mortos, começa a estabelecer uma fronteira moral pelo mundo: entre quem não aceita isto e quem, contra toda a evidência, não se escandaliza e acaba sempre por ficar do lado de Israel.

CPLP para quê?


Ver aqui.

"Ainda não chegámos à Madeira!"

Um dia, o Partido Socialista vai ter de refletir seriamente sobre as razões pela quais, há quase 50 anos, tem sempre um resultado no máximo sofrível na vida política da Madeira. O PS também já devia ter aprendido que insistir num erro não é o caminho para o sucesso. 

domingo, maio 26, 2024

É só isto

Repito o que digo desde o início. Israel não combate o Hamas, combate o povo palestino. Para Israel, um cidadão palestino tem, claramente, uma dignidade, como ser humano, inferior à de um cidadão israelita. E alguns que se vão indignar com este post pensam exatamente isso mesmo.

Às três da tarde


Sou do tempo do futebol às três da tarde, sempre e só aos domingos. À noite, apenas os jogos internacionais dos clubes, porque até os das seleções (seleção A, seleção B e seleção militar) respeitavam o ritual dominical. Esta modernice de ter jogos a toda a hora e em dias diversos não existia. 

Os relatos na rádio cobriam apenas os dois jogos mais importantes, com saltos na emissão: "Alô, Nuno! Passo às Antas!", dizia Artur Agostinho para Nuno Brás. E lá chegava, alambicada de vez em quando, a "evolução do marcador" nos outros "prélios".

Nos relatos, ia-se sabendo da sorte do "esférico", que os "backs" (béques, dizia-se) tentavam travar, se o "liner" não tivesse marcado "off side" (ainda digo assim...), antes de chegar ao "keeper". 

Querem recordar como começava a "Tarde Desportiva" da Emissora Nacional? Cliquem aqui.

Era um país arrumadinho, era, mas muito chato, convenhamos.

Do Irão a Israel


Ver aqui

A beleza de Lamarr


Esta senhora, se fosse viva, teria 110 anos. Chamava-se Hedy Lamarr, era austríaca, atriz e, a meu ver, tinha uma beleza única e quase intemporal. Posso dizer isto? Ao fazê-lo, não estarei a ser sexista, a sublinhar meras e discutíveis dimensões estéticas, a praticar um ato de discriminação face a todas as mulheres que não têm estes traços?

Manchester


Quando, nos anos 90, fui viver para Londres, o futebol britânico, que sempre foi dos melhores do mundo, entusiasmou-me. Não ganhava o dinheiro suficiente para ir ver muitos jogos, mas, apesar disso, tive o ensejo de estar várias vezes dentro de alguns daqueles estádios apinhados, com cânticos permanentes, multidões ululantes, às vezes quase ameaçadoras para quem ia para ali sozinho, sem cachecol nem óbvia preferência. 

Eu era um moderado fã do Arsenal, apreciava também o Tottenham e não gostava do Chelsea, sei lá bem porquê, cujo estádio, aliás, era bem próximo de minha casa. Tive o privilégio de assistir a duas "Cup Final" no velho estádio de Wembley e acompanhei jogos do Benfica, do Porto e do Sporting contra adversários britânicos, em provas europeias. Quatro anos e tal de Londres deram-me muito bom futebol, além de outras alegrias.

Lembrei-me disto ontem, ao ver a emocionante final da Taça, entre o Manchester City e o Manchester United. Contra a corrente dos dias, o United ganhou ao City, que tem tido muitos dos seus últimos anos cobertos de glória, interna e internacional, sob a batuta de Josep Guardiola. As coisas não eram assim naquele meu tempo britânico. Por essa altura, o City era o "parente pobre" da cidade de Manchester, uma espécie de Atletico de Madrid face ao Real, ou do Español face ao Barça. O Manchester United, com uma história gloriosa, e até com uma tragédia pelo meio, era então o clube mais importante, com forte projeção internacional. Nos últimos anos, contudo, o United tem andado "debaixo de água". Ontem, na final da Taça, renasceu por uma vez das cinzas (em 2023/24 ficou em 8° na Premier League) e bateu o rival City por 2-1, assegurando assim um lugar nas competições europeias.

O bom futebol, para quem dele gosta - e eu gosto -, é um imenso prazer.

Reino Unido. As eleições serão em julho.


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Ucrânia. As últimas da guerra


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sábado, maio 25, 2024

Vidas

Os sonhos são tramados. A maioria não recordamos, poucos ficam. Há dias, no confuso contexto de um sonho, cruzei-me com um amigo que já morreu há vários anos. Ele estava concentrado a fazer qualquer coisa e eu abordei-o. Sabia que ele tinha andado doente, tinha consciência e culpa de que não acompanhava como devia o seu estado de saúde, pelo que recordo ter hesitado na forma de o abordar: "Tens andado melhor?", perguntei, a medo. Estaria aborrecido comigo? Não fixei a resposta que me deu, mas apenas anotei que saí da conversa aliviado. É um pouco egoísta pensar assim, mas estar em paz com os mortos é essencial para a nossa vida.

Paulo Lourenço


Tinha 52 anos e a perspetiva de uma bela carreira diplomática, de muitos mais anos, à sua frente. Paulo Lourenço, embaixador de Portugal em Cabo Verde, morreu agora, de forma súbita. 

Os meus sinceros sentimentos à sua família.

House of Windsor

A linguagem e a "coreografia" da casa real britânica, em torno da saúde da mulher do príncipe herdeiro, não prenunciam nada de bom.

Logo se verá


20% menos do que os Trabalhistas é o resultado que as sondagens atribuem aos Conservadores, a caminho das próximas eleições legislativas britânicas, em 4 de julho. Aqui fica o quadro, para compararmos depois com o resultado efetivo. 

A lebre

Há algo que o mundo aprendeu: quando o Reino Unido anuncia a possibilidade de dar um novo passo em termos de ajuda a Kiev, sem que atitude idêntica tenha ainda sido anunciada pelos EUA, isso significa que, cedo ou tarde, Washington fará o mesmo. O RU é apenas uma "lebre" dos EUA.

Fascistas à linha

Os conservadores europeus vão ser proximamente sujeitos a um belo teste: se serão ou não capazes de resistir à sedução de uma aliança com a extrema-direita "apresentável". Quando se começa a pescar fascistas à linha, só porque dão jeito para certas políticas, é o oportunismo a prevalecer sobra a decência. Se assim procederem, adotarão o mais miserável princípio rooseveltiano: "He is a son of a bitch, but he is our son of a bitch".

Aveiro!

A Universidade de Aveiro atribuiu um doutoramento "honoris causa" a Sérgio Godinho. Grande, grande é a universidade que decide tomar uma decisão destas ! Sérgio Godinho projeta-se em várias gerações portuguesas, com liberdade, alegria, sensibilidade e cultura. Viva a Universidade de Aveiro!

Qual é a pressa?

Meses depois do parágrafo ("qual é a pressa?"), António Costa foi ouvido. Confirmando as expetativas, saiu do DIAP ("ainda", acrescenta, hábil, uma folha digital) sem qualquer medida de coação. "Mas isso agora não interessa nada" (como diz alguém). O importante está feito, não é?

sexta-feira, maio 24, 2024

A mancha poupada

Se houve um efeito colateral positivo na convocação antecipada de eleições legislativas no Reino Unido foi o arquivar definitivo da celerada ideia de "exportar" para o Ruanda os candidatos a asilo. Pelo menos, os britânicos ficarão sem essa mancha moral no currículo do país. 

Putin (2)

Viktor Yanukovych, o presidente ucraniano forçado a abandonar país depois de Maiden, em 2014, juntou-se hoje a Putin em Minsk. Será que Putin pretender explorar o argumento do termo formal do mandato presidencial de Zelensky? E irá alegar a "legitimidade" residual de Yanukovych? Seria bizarro, mas, naquele mundo, tudo pode acontecer.

Putin

Segundo várias fontes do Kremlin, ouvidas pela Reuters, Putin poderia estar aberto a um cessar-fogo na Ucrânia, com "congelamento" da atuais linhas de frente. A ver vamos.

Tarde do dia de Consoada