domingo, outubro 23, 2022

Na morte de um cavalheiro


Com 100 anos completados há pouco, desaparece hoje Adriano Moreira. 

O ISCSP editou, há semanas, um belo livro em sua homenagem: “Adriano Moreira - Para Além da Espuma do Tempo”. Nele se inclui o texto “Pedagogo Inquieto”, da autoria de Paulo Martins, para o qual, com outros antigos alunos de Adriano Moreira, prestei um depoimento que ajuda a recortar a sua figura de professor e dirigente universitário.

Há um ano, já havia deixado aqui o meu testemunho sobre aquele que foi meu professor no final dos anos 60 e que, a partir de então, voltei a cruzar bastantes vezes. Tendo-lhe sido chamada a atenção para o meu escrito, Adriano Moreira teve a amabilidade de me telefonar, há cerca de dois meses, a agradecer a nota. Era já uma voz frágil, débil, aquela que me chegou, transportando palavras simpáticas. Depois de desligar, como muitas vezes nos acontece na vida, tive pena de não ter aproveitado para lhe dizer algumas coisas positivas que recolhera das vezes em que o tivera como interlocutor. E, em especial, de um episódio de que, muito provavelmente, ele próprio já nem se recordaria.

Foi em 1972. Adriano Moreira já havia sido afastado de diretor do Instituto que criara, a escola na Junqueira que tinha procurado converter, de centro de formação para quadros coloniais, numa faculdade de ciências sociais. A vingança política de Marcelo Caetano, pela mão de José Hermano Saraiva, tinha sido exercida sobre Adriano Moreira. Saraiva, como ministro da Educação, tambem não lhe tinha perdoado não ter dado asas às suas desmesuradas ambições académicas. 

Por esse tempo, eu vivia uma situação kafkiana, um impasse absoluto no meu curso, com um processo disciplinar às costas, movido pela sanha persecutória do sucessor de Adriano Moreira no cargo. Sem soluções e sem conhecimentos pessoais, atrevi-me a ir procurar Adriano Moreira. Fui vê-lo à Standard Elétrica, onde era administrador. 

Recebeu-me com muita simpatia. Perguntei-lhe se me podia ajudar. Estava bem informado do meu caso, que era público e notório na escola, reconhecia haver uma forte injustiça na questão que me envolvia, mas disse-me que nada podia fazer: a sua influência, no contexto que me importava, era nula. Percebi a sua posição. O que me aconselhava ele que eu fizesse? “Tente fazer a sua vida por outro lado, deixe que o tempo passe. Melhores dias acabarão por vir, vai ver”, disse-me. Isso coincidia com aquilo que pensava fazer. Empreguei-me, passei a estudante voluntário, o processo contra mim caducou, por falta de objeto, fui entretanto para a tropa e, por lá, apanhei o 25 de Abril. Melhor solução não poderia ter havido.

Tenho pena de nunca ter relembrado este episódio a Adriano Moreira.

Deixo agora o meu sincero pesar à família de Adriano Moreira, na pessoa da sua filha, Isabel Moreira.

sábado, outubro 22, 2022

Hare Krishna

 


Nos anos 60 e 70, os adeptos do movimento indu Hare Krishna apareciam com frequência pelas cidades europeias que eram então os destinos das nossas viagens de juventude. Em Amsterdão, paravam no Dam, em Paris, ocupavam passeios no cruzamento de St. Germain com St. Michel, em Londres, faziam parte do cenário comum em Leicester Square e em Oxford Street. Tentavam recolher apoio financeiro para as suas comunidades, chamando a atenção por uma música dolente e repetitiva, com sonoridade oriental, como suporte de um estilo de vida que se sabia moralista e espartano. Depois de serem a novidade, passaram a banalidade e a fazer parte da paisagem. Ao ponto de já me ter esquecido da sua existência. Mas ontem, lá estava um par deles, à entrada da Rua Augusta. Gosto desta Lisboa muito diversa.

sexta-feira, outubro 21, 2022

“O Padrinho”


Um artigo de Miguel Freitas da Costa, na revista Crítica XXI, dirigida por Jaime Nogueira Pinto e Rui Ramos, tinha-me aberto o apetite para rever “O Padrinho”, um clássico de 1972. Pela noite, o filme surgiu-me no AXN. Fiquei a vê-lo pela madrugada. Continua uma delícia, 50 anos depois. 

Tirei esta imagem com legenda irónica do filme. À direita, surge Marlon Brando. Em destaque, elegantemente penteado como quase sempre acontece no seu perfil de “character” cinematográfico, na figura de um chefe da Mafia, aparece Richard Conte. Ao vê-lo, lembrei-me de uma série televisiva muito antiga, os “Quatro homens justos”. Ainda alguém se recorda disso?

quinta-feira, outubro 20, 2022

Pérfida Albion


Como não será de estranhar, foi um francês, no século XVIII, quem crismou a Inglaterra como a “pérfida Albion”. Por cá, depois da humilhação do mapa cor-de-rosa, às loas ao “mais velho aliado”, que nos tinha poupado do “abraço do urso” de Castela e dos seus sucedâneos, a acidez face a Londres só podia crescer.

Muitos portugueses não sabem, mas quando berram, masoquistamente, “contra os canhões, marchar, marchar!”, estão a entoar uma patriótica corruptela. O texto original era “contra os bretões, marchar, marchar!”. Para os menos iniciados, esclareço que “bretões” não significava habitantes da Bretanha mas, simplesmente, os ingleses.

Não deve haver classe política mais “fria” e “pérfida” do que a britânica. 

Thatcher foi arrumada numa noite de conspiração, substituída por um genérico que dava aos conservadores esse bem essencial que era a continuidade no poder.

Depois de todas as confusões e equívocos de Cameron, com Theresa May de instável permeio, Boris Johnson assegurou, em 2019, uma muito confortável maioria ao seu partido. Mesmo assim, algumas trapalhadas e poucos anos depois, esse mesmo partido pô-lo com dono.

Pela primeira vez na história dos conservadores, o sentimento maioritário no grupo parlamentar, que fora responsável por afastar Johnson, tido como uma “liability” para uma futura eleição geral, não ia coincidir com o dos militantes do partido.

Os primeiros queriam um “safe pair of hands” e, conservativamente, escolheram Rishi Sunak. Os militantes, dessa estirpe de onde saiu o Brexit, preferiram Liz Truss, uma figura que já se revelava patética mas que iria ter os seus quinze minutos de fama (“I guess under this government everybody gets to be prime-minister for 15 minutes”, disse ontem, ironicamente, o líder da oposição, Keir Starmer, citando inviamente Andy Warhol) para ter oportunidade de mostrar, em pleno, o descalabro político que representava.

Pensando ter descoberto a pólvora, com propostas de um radicalismo liberal suicida, Truss acabou por descobrir a porta de saída, em escassas semanas, nem sequer lhe tendo valido o facto de ter presidido a um funeral nacional que lhe poderia ter dado uma unção para a chefia do país.

Os mercados, essa mão visível dos poderes fáticos do mundo, mostraram quem, na realidade, manda nestas coisas e, em especial, explicaram, com a libra a cair e os juros a subir, que, em política, só permanece quem eles entenderem que deve ficar.

Sócrates, por cá, já tinha experimentado a receita, num outro contexto. Truss iria ter um curso acelerado sobre o significado da expressão bíblica “the powers that be”.

Ontem, depois de dias de “facas longas” e de uma demissão artificial de uma ministra, que conseguiu desafiar os limites da deslealdade, a crueldade, associada ao bom senso, puseram Liz Truss fora do jogo.

Agora, temerosos da convocação de uma eleição geral que, tudo o indica, os arrasaria, face a um Partido Trabalhista que sabe que vai ser governo “só não sabe é quando”, como alguém um dia disse por aí, e que se limita a esperar o esboroar do outro lado, os conservadores britânicos vão fazer a sua escolha - desta vez, no seio do grupo parlamentar, porque um regresso à longa consulta da vontade das bases seria a receita para novo desastre.

Quem será o “John Major” de turno? Rishi Sunak, para voltar à “square one” da sua vontade? Penny Mordaunt, para uma mulher com qualidades e algum apelo nas bases, embora muito divisiva entre os seus pares nos Comuns? A opção mais à mão, o atual primeiro-ministro “de facto”, Jeremy Hunt? Ou o ministro da Defesa, Ben Wallace, um nome que reune algum consenso mas com pouco carisma?

Ou, afinal, a “solução” pode ser bem mais simples: o regresso de Boris Johnson, querido das bases conservadoras e que, por vontade destas, nunca teria caído. Quando Johnson se despediu dos Comuns, deixou uma frase enigmática: “Hasta la vista, baby!”. A expressão era de um filme de Schwarzenegger. Poucos notaram que, na película, a ela se seguia outro dito: “I’ll be back!” Boris Johnson poderá querer testar o velho dito: “Atrás de mim virá quem de mim bom fará”.

Logo veremos. Uma grande frieza vai seguramente imperar, desta vez, na busca da melhor solução. Resta saber se quem aí vier terá ainda tempo para conseguir reverter a tendência, que todas as sondagens apontam, no sentido dos trabalhistas virem a mudar, daqui a tempos, para a bancada do governo na Câmara dos Comuns.

“A Arte da Guerra”


As últimas horas de Liz Truss como primeira-ministra britânica, o discurso de Xi Ji Ping no Congresso do Partido Comunista da China e os últimos desenvolvimentos da guerra na Ucrânia foram os temas escolhidos para a conversa que tive com o jornalista António Freitas de Sousa, no “A Arte da Guerra”, o podcast semanal do Jornal Económico sobre questões internacionais.

Pode ver e ouvir aqui

Alfácil


O Daily Star colocou, há dias, uma alface ao lado da fotografia de Liz Truss, lançando o desafio sobre qual aguentaria menos. Hoje confirmou-se: a alface sobreviveu a Truss.

Invernia

No “Ricardo III”, William Shakespeare usou a expressão “Winter of Discontent”. Um dia, ela passou a crismar os quatro meses de caos social, em 1978/79, no governo Callaghan. A partir de então, passou a ser uma bengala do jornalismo sem imaginação. Estejam atentos a este Inverno! Vai ser um fartote de uso da frase. Irra!

Brasil

As notícias que, cada vez mais, chegam do Brasil apontam para um crescimento do apoio a Bolsonaro até à data das eleições, não sendo assim implausível o cenário de uma sua vitória. Medidas económicas, eleitorado evangélico e algum desnorte na mensagem de Lula terão ajudado a isso.

Ronaldo

Cristiano Ronaldo está a dar cabo de uma história pessoal com imenso mérito, com comportamentos de “prima dona“ que acabarão por arruinar-lhe a imagem. Ninguém consegue fazer-lhe perceber isso?

quarta-feira, outubro 19, 2022

Perfídia

A ministra do Interior britânica, escreveu hoje uma carta à sua primeira-ministra e, confessando ter enviado por email um documento oficial, não tendo avaliado que isso era ilegal, pediu a demissão.

Na carta, aproveitou para dizer a Liz Truss o seguinte: “Pretending we haven't made mistakes, carrying on as if everyone can't see that we have made them, and hoping that things will magically come right is not serious politics. I have made a mistake; I accept responsibility; I resign”.

Se isto nada tivesse a ver com o facto de Truss, ontem, ter confessado, numa patética entrevista à BBC (pode vê-la clicando aqui) os seus recentes e imensos erros políticos e, nem por isso, se ter demitido, não seria uma perfídia. Mas, como tem, é, além de uma perfídia, uma imensa deslealdade.

Liberais

Truss criou um delicioso incómodo aos liberais. Depois de terem rejubilado com a ideia do “choque fiscal”, o clamoroso colapso da senhora leva-os agora a afastarem-se, como o diabo da cruz, dessas catastróficas medidas. Um destes dias, Truss vai ser acusada de ser “socialista”…

Adjetivos

Na guerra civil em Angola, a imprensa oficiosa algolana antecedia sempre o conceito de “sul- africano” do adjetivo “racista”. Um dia, um locutor de rádio falou mesmo de “aviões racistas sul-africanos”. Juro! Com a guerra da Ucrânia, há por aí adjetivos depreciativos em barda…

Sakarov

Zelensky recebe o Prémio Sakarov. As coisas andam por aí tão extremadas que não nos devemos admirar se acaso, na Ucrânia, houver quem não fique satisfeito pelo facto do prémio ter o nome de um russo.

terça-feira, outubro 18, 2022

Acabado de receber…

1. De Fátima Fernandes:

“Tenho visto os seus comentarios sobre a guerra e estou SIDERADA. O sr, como alguns generais-comentadores mostram à evidencia o grau de sedução e penetração do regime cleptocrata russo penetraram, nos ultimos anos, as chancelarias e os militares de topo. É ASSUSTADOR! Shame on you, Sr embaixador. Shame !!!! Para si e para o PS”

2. De Mário Daniel: 

“Devia ter vergonha por se prestar a ser na CNN um repetidor das mensagens da NATO e do seu patrão imperialista americano. Um diplomata deveria ser isento e não ajudar ao ódio à Rússia. Esperava de si isenção e não cumplicidade com os nazis ucranianos. Que desilusão, senhor Embaixador.”

Depois disto, dou por mim a pensar sobre se estamos todos a ver o mesmo filme.

E se falássemos do Brexit?

O “espetáculo” na Câmara dos Comuns britânica, na tarde desta segunda-feira, foi imperdível. O líder da oposição, tentando cavalgar a desorientação da primeira-ministra, tinha pedido um debate de urgência.

À hora marcada, a primeira-ministra Liz Truss não apareceu. Em seu lugar, surgiu a líder parlamentar conservadora, Penny Mordaunt, que teve de suportar um longo e ácido embate com toda a oposição, com os trabalhistas a serem acolitados pelos liberal-democratas e pelos deputados escoceses.

Mordaunt segurou a “barra” de infindáveis críticas, com grande firmeza e notável capacidade. Mais do que a chefe dos deputados, estava ali alguém que, nos últimos dias, muitos apontam como possível substituto de Truss, convindo lembrar que ela chegou, há poucos meses, ao penúltimo “round” na seleção da “short list” que iria ser submetida à escolha dos militantes, para a substituição de Boris Johnson, de onde Truss emergiu vitoriosa.

Mordaunt, ao longo do debate, foi dizendo, repetidas vezes, que Truss tinha ficado retida por motivos de última hora, o que provocava sempre largas risadas e galhofa. Disse também que o novo ministro das Finanças, Jeremy Hunt, iria apresentar, mais tarde nessa tarde, as suas ideias para a nova política económica.

Durante o fim de semana, Hunt já tinha dado indicações que iria reverter muitas das medidas que Truss e o seu efémero ministro dessa pasta, Kwasi Kwarteng, tinham anunciado ao país, e que tinha criado o caos nos mercados e a necessidade de uma intervenção de urgência do Banco de Inglaterra. Ao final da tarde de segunda-feira, deu-se conta, afinal, que, no programa do novo ministro, quase nada sobrava do pacote de reformas que a dupla Truss-Kwarteng tinha proposto, como chave milagrosa para a rápida recuperação do país. Um programa que, basicamente, cortava impostos e financiava essa redução da receita pela criação de dívida. Os mercados reagiram e toda essa “brilhante” ilusão liberal - o “choque fiscal”, com que, por cá alguns, em outros tempos, chegaram a sonhar - foi por água abaixo.

Foi então patético ver Truss, finalmente chegada ao parlamento, sentada, silenciosa como uma múmia, com ar aturdido e sorriso de atroz padecimento interior, ao lado do seu novo ministro, com este a “ditar” tudo o que iria fazer: exatamente o contrário daquilo que ela, com tanto ênfase e tanta arrogância, nas semanas anteriores anunciara ao país.

Agora, as horas de Truss parecem contadas. Boris Johnson deve estar a rir-se: alguém conseguiu fazer bem pior.

Curiosamente, porque a humildade é uma qualidade pouco britânica, ninguém assume o óbvio: o “disarray” que atravessa a vida económica do Reino Unido tem origem, em grande parte, no salto para o escuro que foi o Brexit.

segunda-feira, outubro 17, 2022

Brasil


Foi curioso assistir ao debate televisivo entre Lula e Bolsonaro. Será difícil encontrar duas personalidades mais contrastantes. O frente-a-frente é sempre um teste clarificador. 

Lula é um “animal” de debates, solta-se, tem traquejo para falar. Bolsonaro é “stiff” e pareceu, às vezes, aturdido. 

Lula parece cansado, com a idade a pesar, fala demasiado do passado, do seu governo, quase sai aos ombros de si mesmo com tantos auto-elogios. Praticamente só promete um “reset”, ignorando que aqueles seus anos no Planalto tiveram um cenário económico irrepetível.

Bolsonaro debita uma cassete de “character assassination”, agarrado a três ou quatro bengalas acusatórias, desqualificantes, sobre o adversário. Tentou um “número” demagógico para o Nordeste, mas terá feito um erro ao procurar negar o êxito das medidas sociais de Lula.

Quem ganhou o debate? O debate importou pouco para quem já tem o seu voto decidido. É implausível que alguém que tenha votado Lula na primeira volta, mude agora para Bolsonaro. E os bolsonaristas ”de carteirinha” não se deixaram, pela certa, impressionar pelo ex-presidente.

Tendo esgotado cedo o seu tempo na parte final do debate, Lula deu a Bolsonaro, em tempo “prime”, oportunidade para um longo monólogo, “moralista”, com uma agenda conservadora a tocar a corda religiosa do país. Nenhum trouxe nada de novo, nenhum “coelho da cartola” mobilizador.

Bolsonaro precisava de ganhar eleitores que não tinham votado nele nem em Lula. Tê-lo-á conseguido? Não sei. Mas faltam duas semanas para a eleição e não é de excluir que algumas medidas do governo, sentidas ou prometidas nos bolsos, possam fazer a diferença.

Os lulistas não devem estar de acordo comigo, mas acho que Bolsonaro, no final das contas, conseguiu não perder este debate, embora ele lhe tivesse começado por correr bastante mal.

domingo, outubro 16, 2022

Periscópio


Nas próximas eleições presidenciais, anotem bem!, o diabo veste farda. 

Se acaso algum militar viesse a surgir como candidato, toda a Europa se riria de nós. 

O último, creio, foi Jaruzelski.

Até tu, Brutus?!


Nada melhor que o “The Sunday Times”, um jornal conservador britânico, para se pronunciar sobre o não futuro da primeira-ministra do seu reino.

sábado, outubro 15, 2022

Liz


Há uma expressão inglesa que se aplica lindamente à atual situação da primeira-ministra Liz Truss: “She is in office, not in power”.

Liberais

Um dos efeitos colaterais muito positivos do desastre que foram os ensaios de política de Liz Truss é a possibilidade de passar a ser viável denunciar a irracionalidade fundamentalista das receitas liberais.

sexta-feira, outubro 14, 2022

Previsão

Ao ver a crise energética que atravessa a Europa, e o que aí virá nos próximos meses, dou-me conta de que Roberto Carlos há muito havia previsto esta angústia: “só quero que você me aqueça neste inverno e que tudo o mais vá p’ró inferno”.

quinta-feira, outubro 13, 2022

“A Arte da Guerra”


Esta semana, com o jornalismo António Freitas de Sousa, no podcast para o ”Jornal Económico”, abordo os mais recentes desenvolvimentos na guerra da Ucrânia, as tensões induzidas pelas decisões da OPEP + e o que se pode prever do 20° congresso do Partido Comunista Chinês.

Pode ver clicando aqui.

ONU

Não há diferenças muito substanciais entre o voto de condenação da Rússia na Assembleia Geral da ONU em Março (141 a condenar, 5 a defender e 34 abstenções) e a que ontem foi votada (143 - 5 - 35). 

Algumas curiosidades

1. A Eritreia, que tinha estado ao lado da Rússia em março, passou a abster-se; a Nicarágua, que se tinha abstido em março, votou contra a resolução; nestas condições, a Rússia manteve quatro países a seu lado: Coreia do Norte, Síria, Bielorrússia e agora Nicarágua, por troca com Eritreia.

2. Cinco países passaram da abstenção à condenação à Rússia: Angola, Bangladesh, Iraque, Madagascar e Senegal.

3. Países que tinham votado a favor e passaram para a abstenção: Honduras, Lesotho.

4. Países que não tinham votado em março e que passaram à abstenção: Eswatini, Etiópia, Guiné, Togo e Usebequistão. 

5. Países que se tinham abstido e faltaram: Irão e El Salvador.

6. País que tinha votado a favor e faltou: S. Tomé e Príncipe.

quarta-feira, outubro 12, 2022

Brasil

Na noite da primeira volta da eleição presidencial brasileira, e julgando conhecer um pouco “do que a casa gasta”, previ na CNN Portugal que o período entre turnos se tornaria numa campanha “suja”. Não me enganei: os dois lados enveredaram por linguagem e vídeos da maior baixeza.

Para inglês ver?

Parece uma evidência que as propostas russas de um encontro Putin-Biden e, agora, de um possível novo fornecimento de gás à Europa fazem parte de uma operação meramente formal de “relações públicas”. Moscovo sabe que ninguém vai aceitar, mas poderá sempre afirmar: “não digam que não propusemos!”

E o governo?

Quando um partido surge a pedir a demissão de um ministro, podemos deduzir que, no fundo, está em favor da manutençaão de todos os restantes nos lugares que ocupam? Não seria mais eficaz pedirem a demissão do primeiro-ministro e, depois, ”ia tudo a eito?”

“Ucrânia - é imperioso sair da caixa”


Fez ontem cinco meses, publiquei este artigo no “Expresso”. Algumas coisas estão datadas e ocorreu a alteração de certas circunstâncias, mas, mesmo assim, hoje apetece-me relembrá-lo, porque o essencial não mudou e continuo a pensar exatamente o mesmo:

”Esta guerra já não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É cada vez maior o envolvimento, através de ajuda militar e de sanções, de muitos países que passaram a ser parte, embora por ora não beligerante, no conflito. Em moldes todavia nunca comparáveis ao sofrimento da população da Ucrânia, as respetivas sociedades estão a começar a sentir as consequências do prolongamento da guerra.

Parece não ter sentido que os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com ela interligada.

António Guterres disse hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê? Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá qual.

É imperioso sair do impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes no apoio que dão à Ucrânia - essa é, alías, a expressão essencial do seu poder neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial direta com Moscovo. Um conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação militar no seu terreno.

O envolvimento negocial ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas, decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à sua terra . Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de que o momento ótimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários paises europeus.

O mundo que Vladimir Putin conhece é o da força. Ora o ocidente tem hoje, nas suas mãos, dois instrumentos negociais que podem ser decisivos para qualquer compromisso: a sua capacidade e determinação em poder continuar a armar a Ucrânia, colocando-a em condições de ir “empatando” a guerra, e o fortíssimo pacote de sanções, que, recordo, foi posto em prática por virtude da agressão russa, pelo que parte do qual pode ser usado como moeda de troca na hipótese de um eventual compromisso.

Macron mantém o número de telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a guerra.

A História mostra que, para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.

O óbvio

António Costa disse hoje, sobre as palavras criticadas de Marcelo Rebelo de Sousa, exatamente o que precisava ser dito. As pessoas, mesmo as que não gostam de Marcelo, acham que uma pessoa como ele desculpabilizaria abusos sexuais? Não vale tudo!

Os lamentos de Borrell

Josep Borrell deu um “arraso” público à máquina diplomática que a União Europeia alimenta pelo mundo, o chamado Serviço Europeu de Ação Externa. Para o responsável máximo pela diplomacia europeia, falta qualidade e prontidão ao “produto” das suas embaixadas pelo mundo. Estas declarações provocaram, ao que se sabe, um choque entre os funcionários do sistema, ao serem-lhes puxadas as orelhas da forma que o foram. Mas nada melhor que o seu chefe para credibilizar, com o seu testemunho, a ineficácia do SEAE. A suprema ironia desta avalição é o facto desta estrutura ter recursos materiais para a sua atividade bastante significativos, ter, também por essa via, um grande poder de influência junto dos países onde atua e dispor de gente qualificada. Se não funciona bem, de quem será a culpa? Talvez de quem orienta o sistema. 

terça-feira, outubro 11, 2022

O título


Um dia, numa conversa durante uma viagem de avião, comentei com António Guterres que estava furioso com a frase que um jornal tinha escolhido para título, de tudo o que eu tinha dito numa entrevista. Era redutora e distorcia por completo o que eu pensava. Guterres riu-se: “Aprenda, meu caro! Numa entrevista, a sua pior frase será sempre o título”.

Lembrei-me disto, ao ver a onda de críticas que hoje choveu sobre o presidente da República. Às vezes, basta uma frase menos feliz para ajudar à festa.

segunda-feira, outubro 10, 2022

O recado

Os ataques de hoje, e os que podem aí pode vir, inserem-se numa espécie de recado implícito de Moscovo a Kiev: parem de atacar territórios nas zonas que consideramos como nossas ou tornaremos a vossa vida num inferno.

“Fait divers”


Hoje, quando o ministro das Finanças entregava a “pen drive” com o texto do orçamento de Estado ao presidente da Assembleia da República, o envelope caiu ao chão. Foi logo um forrobodó de comentários nas redes sociais. “Much ado about nothing”, como diria o clássico.

É curioso observar esta inescapável tendência da comunicação social para agarrar o insólito, o imprevisto, mesmo sem o menor significado para o momento. Ninguém resiste a esta tentação. Então um escorregão de uma figura pública num passeio ou num degrau é logo um “prato de substância” para certa media!

Há uns anos, numa cerimónia pública a que eu assistia, no Brasil, o presidente Lula, que estava num palanque, deixou cair ao chão um copo de água, que se estilhaçou, com toda a gente à volta a procurar ajudar. Os fotógrafos logo "flasharam". Recordo-me de ter dito para o chefe de gabinete de Lula, que estava ao meu lado: "Vai ser curioso ver quantos jornais amanhã trarão a fotografia desta cena...". Sem excepção, todos, todos mesmo, trouxeram!

Já tenho pensado que um bom trabalho de "marketing" político poderia planear incidentes inocentes, feitos apenas para a fotografia, por forma a humanizar certas personagens políticas. A alguns, com um ar muito ”certinho”, bastante jeito dava…

Medina

Fernando Medina, que alguns apressados diziam ser um erro de “casting” de Costa para as Finanças, tem dado, ao longo destes últimos meses, sobejas provas de qualificação para o cargo.

Polícia mau

O antigo primeiro-ministro e presidente alternante da Rússia, Dmitri Medvedev, parece ter como função, no aparelho da diplomacia pública da Federação, a de “polícia mau”. Só que, neste caso, não parece muito evidente quem é o ”polícia bom”. Se esse é o papel de Putin, safa!

Precisão

Moscovo afirma que os mísseis hoje utilizados nos ataques a zonas urbanas são de extrema precisão. É bom saber. Isso significa que todos os alvos atingidos, por muito inverosímil que isso pareça, eram mesmo aqueles.

Pior, afinal, é possível

O dia de hoje provou que, como beligerante, a Rússia ainda tem margem para piorar a sua imagem e agravar o seu isolamento.

Previsível

A Rússia, no dia de hoje, foi tragicamente previsível: ataques, ao que parece um tanto discriminados, por áreas urbanas, um pouco por toda a Ucrânia. Vingar Kerch.

Outono



Em outubro, pode cheirar a setembro.

(A fotografia não é minha. Roubei-a por aqui)

Vamos para a rua?

Nesta coisa do acordo de concertação social sente-se um pouco discreto carinho em alguns comentadores, de inesperadas bandas, pela posição da CGTP, como a ressoar um “haja alguém que não amouxe!” No fundo é a “desilusão”, não é?: “Então as ‘nossas’ confederações portam-se assim?”

Do tempo do outro senhor

Declaração que os funcionários públicos eram obrigados a ler em voz alta, na ditadura, antes da posse: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição política de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”.

Fico com a sensação, ao ler muita gente aqui pelas redes sociais, que isto já os chocou mais do que os choca hoje.

domingo, outubro 09, 2022

Heterodoxias

Alguém notou que, quando o PSD está no poder, a comunicação social não recruta tantas figuras heterodoxas daquele partido para comentar a atualidade política como acontece com o PS. Será verdade? Ou o tempo PSD no poder já lá vai há muito e nós esquecemos?

Concertação

Nos comentadores do acordo de concertação social transpareceu uma espécie de “desconfiança” sobre o que teria levado certos parceiros a assiná-lo, não obstante as suas anteriores divergências face às posições do governo. Em vez de “desconfiarem”, por que não lhes perguntam?

Mistério

Que diabo se terá passado neste blogue para que, neste sábado, tenha havido mais de 10.700 visitantes, quando a normalidade são l.200 / 1.400 leitores diários? Que se procurou por aqui? Ele há cada mistério…

sábado, outubro 08, 2022

Kerch

O argumento russo de que a danificação da ponte de Kerch é um ato de “terrorismo” é perfeitamente ridículo. A Rússia está em guerra com a Ucrânia, chame-lhe Moscovo o que lhe chamar. Destruir infraestruturas é um ato normal numa guerra. A Rússia não fez o mesmo na Ucrânia?

Fui à Revista!


Tenho a sensação de que o programa de ”ir ver uma Revista ao Parque” não surge, nos dias de hoje, como uma das primeiras ideias na cabeça dos lisboetas, quando pensam sair à noite.

Pois fazem mal! Ontem decidi ir ver, com amigos, uma revista ao Maria Vitória, um espetáculo que comemora os cem anos da abertura do Parque Mayer. Por isso se chama ”Parabéns, Parque Mayer!”.

Não nos arrependemos. A revista é divertida, enche quase duas horas de música, de graças e, claro, de coristas - porque gosto das revistas como gosto da ginginhas, isto é, com elas. 

Acho, além disso, que os lisboetas têm um dever de solidariedade com a companhia teatral que ali se mantém há vários anos, sem obter subsídios. 

O Parque Mayer tem um estacionamento muito fácil e por ali janta-se bem e a custo módico.

Ontem, recordei que foi precisamente no Maria Vitória que, em 1965, vi a minha primeira revista em Lisboa. Chamava-se “E viva o velho!”. Um jovem chamado António Mourão estreava ali o seu maior sucesso, o “Ó tempo volta p’ra trás”. Menos de uma década depois, felizmente, a História não lhe fez a vontade.

Ainda no ano anterior, com o Cine-Teatro Avenida, de Vila Real, a abarrotar, tinha assistido à revista ”De Biquini e Chapéu Alto”. Ainda hoje me interrogo como tive a lata de falsificar, nessa noite, com uma resura de tinta, o meu bilhete de identidade, porque só se entrava com 17 anos - e eu tinha 16…

Voltando à minha ida ao Maria Vitória, em 1965. Entrei, com uns primos, com um ”bilhete de claque”, comprado junto de uma figura conhecida de uma certa Lisboa, que parava, ao final da tarde, na porta da Estação do Rossio. A ”obrigação” decorrente da aquisição desse tipo de bilhetes, que custavam um quarto do preço regular, era a de bater palmas ao sinal do “claqueiro”, que se encostava à parede lateral do teatro. 

Não sei quando acabaram os “claqueiros”. Ontem, não precisei deles para bater bastantes palmas, durante toda a revista.

sexta-feira, outubro 07, 2022

Mahler ou Godinho?


Andava eu pelo liceu quando o meu tio Luís, que vivia em Lisboa, num Natal, ofereceu ao meu pai, conhecido na família como francófilo, um livro da escritora francesa Françoise Sagan. O livro chamava-se “Aimez-vous Brahms..” 

O meu pai agradeceu muito a gentileza do cunhado. Minutos depois,  fez uma observação, mais ou menos assim: “É curioso, o título deste livro. Desde logo porque tem dois pontos a seguir às palavras. Ora isso “não existe” em pontuação: ou é um ponto ou são três pontos, as reticências. Mas é ainda mais estranho por outra razão. Se o título quer afirmar, devia ser “Vous aimez” e não “Aimez-vous”. Se tem o “Aimez-vous”, se é uma questão, deveria ter um ponto de interrogação.” 

Fixei aquilo e, sempre que, nos anos seguintes, olhava para o livro, lembrava-me do “mistério” do título. Para quem for mais curioso, o “tio Google” explica que, ao longo dos tempos, não foi só o meu pai a ficar intrigado. A história é conhecida e há hoje títulos publicados da mesma obra para todos os gostos. Mas não é essa a questão de hoje.

Ontem, estava a assistir à interpretação de uma obra de Mahler e, de repente, lembrei-me da pergunta: “Você gosta de Mahler?” 

Quem colocou essa questão, em meados dos anos 90, dirigida a um candidato ao acesso ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi o embaixador Luís Navega, que representava o secretário-geral da casa no júri de um concurso para a seleção de futuros diplomatas. 

Tratava-se da prova então chamada  “de apresentação”, em que se procurava, em 20 minutos, perceber, de forma algo impressionista, se o candidato tinha conhecimentos culturais mínimos. Gostar de Mahler estava, claramente, fora desse âmbito. Eu, que também integrava esse painel, fiquei banzado com o rigor da questão. Recordo-me de ter trocado olhares com outros membros do júri. Já não sei o que o candidato respondeu. De uma coisa há a certeza: ele não reprovou por causa disso, porque, acabada a prova e fechada a porta, todos os restantes membros do júri manifestaram, em coro, a sua surpresa pela questão de Luís Navega. Tanto mais surpreendente quanto ele era sempre um homem muito sensato.

Como se diz no bilhar, fiquei com aquela de Mahler “à marca”. Minutos depois, na entrevista com o candidato seguinte, puxei a conversa para outro tipo de música e saí-me com esta: “Você gosta de Sérgio Godinho?”. Olhei de viés para o embaixador Navega. Como bom profissional, afivelava um sorriso “giocôndico”, o que era uma resposta ínvia à minha óbvia provocação. Para a pequena história: o candidato gostava muito de Sérgio Godinho. Não faço ideia sobre se entrou para as Necessidades.

quinta-feira, outubro 06, 2022

Nobel

Aquele meu amigo putinista (e trumpista, que gosta do Orbán e do Erdogan, que fala com entusiasmo do “André” e que prefere o Salvini à Meloni) enganou-se.

Ontem, quando lhe perguntei um prognóstico para o Nobel da Literatura, tinha-me dito: “Vai para o tipo que escreve os “power points” ao Zelensky, vais ver!”

“A Arte da Guerra”


Esta semana, no podcast “A Arte da Guerra”, o diálogo com o jornalista António Freitas de Sousa sobre temas da política internacional, feito para o “Jornal Económico”, analiso os resultados da primeira volta das eleições presidenciais brasileiras, as consequências, no plano europeu, do resultado das eleições legislativas na Bulgária e as dificuldades da nova primeira-ministra britânica para implementar a sua agenda liberal radical.

Pode ver aqui.

Requião

Numa intervenção pública que ontem fez, Lula da Silva referiu que uma das três personalidades politicas brasileiras que sempre apreciou, mesmo quando com elas tinha tido conflitos, era Roberto Requião.

Senador e, por três vezes, antigo governador do Estado do Paraná, Roberto Requião está, nos dias de hoje, para surpresa de muita gente, nas fileiras do PT. Concorreu e foi derrotado, no domingo passado, para um quarto mandato como governador do Estado. 

Mas nem sempre a sua relação com Lula foi assim foi. Ao tempo em que foi governador do Paraná, e era um militante bastante heterodoxo do então PMDB, Requião afirmava-se como uma figura bastante polémica. Autoritário e com “voz grossa” na vida pública, chegou a demitir em direto, durante uma reunião do governo estadual transmitida pela televisão, um seu governante. As suas relações com o governo central, em Brasília, foram muito difíceis e, de quando em vez, faziam títulos nos jornais os seus frequentes conflitos com os ministros de Lula.

Como embaixador, eu sempre olhei os confrontos entre políticos brasileiros como mero objeto de análise política, feita por um observador exterior. As minhas preocupações centravam-se então, no que ao governo do Paraná dizia respeito, na tentativa de defesa dos nossos interesses. E nesse âmbito, havia um sério problema: o governo de Requião recusava-se a cumprir os termos de um contrato assinado pelo Estado com uma empresa portuguesa. Porquê? Porque esse contrato tinha sido assinado pelo seu antecessor no cargo e ele não concordava com os respetivos termos.

Decidi ir ver Roberto Requião a Curitiba. Surpreendentemente, em lugar de me receber em audiência no palácio do governo, convidou-me para almoçar na sua “chácara”, nos arredores da capital. Levei isso à conta da simpatia que teria pela importante comunidade portuguesa no Paraná, um Estado que tem uma população igual à de Portugal.

Fui ao almoço com a Cônsul de Portugal, Patrícia Gaspar. A conversa, a anteceder o repasto, depois de eu ter sintetizado ao que ia, não começou muito bem. Requião fez uma diatribe sobre a atividade da nossa empresa, insinuando ter havido arranjos financeiros, por debaixo da mesa, aquando da assinatura do polémico contrato. Sem dar para isso a menor prova, claro. Por isso, disse-me, não iria cumprir os termos do contrato. 

Nesse caso, e constatando estar esgotada toda a possibilidade de solução negociada, só restava à empresa o recurso aos tribunais, concluí eu.

Requião respondeu-me: “Só aceitarei decisões dos tribunais do Estado, daqui do Paraná. Não confio nos tribunais federais, lá de Brasília. Nunca respeitarei uma decisão que venha deles”. Aí, provoquei-o: “E se os tribunais do Paraná não lhe derem razão? ”. Deu uma gargalhada: “Dão, pode ter a certeza de que dão…”, deixando intuir o óbvio.

Nesse ponto da conversa, agravei o tom: “Nos últimos anos, senhor governador, o Estado português tem estimulado muito o investimento privado no Brasil. Um dos argumentos que temos dado aos empresários portugueses é que o Brasil é um Estado de direito, que aqui há um sistema judicial fiável, que existe uma segurança jurídica que permite investir e, quando há problemas, a lei protege os direitos do investidor. O que o senhor governador me está a dizer agora é que o Paraná se isenta dessa obrigação, que faz uma justiça ao seu jeito. Isso quer dizer - e lamento ter de o constatar - que o Brasil, enquanto entidade internacional de bem, passa a ter, no Paraná, uma espécie de “buraco negro”. Quero dizer-lhe que isto me surpreende muito!”

Roberto Requião olhou-me com um ar furioso. Fisicamente, ele era imenso, ao meu lado. Por um instante, temi o pior. Um ano antes, num confronto do mesmo género com o embaixador espanhol, Requião tê-lo-á ameaçado de prisão! 

Decidi não insistir no ponto. Consegui distender a conversa e, um quarto de hora depois, já após a análise de outros assuntos menos contenciosos, convidou-me a ir com ele à sua adega, para escolhermos um bom vinho francês para a nossa refeição. Disse-me que, todos os anos, fazia “expedições” com o filho a França, onde se enchiam de ostras e ele comprava ótimos vinhos.

O almoço acabou por ser simpático, embora com ainda com uma pequena picardia, quando Requião considerou o Vinho do Porto um “melaço imprestável”, o que levou a uma leve indignação da nossa parte. 

No tocante ao motivo central do encontro, Requião tinha feito o seu ponto e eu tinha feito o meu. O assunto seguiu para a justiça e, creio, só se resolveu depois da minha saída do Brasil.

Fui do Brasil para França. Nunca me cruzei com Requião em nenhum restaurante de ostras ou numa qualquer cave de vinhos franceses. Gosto pouco de ostras e, na minha casa em Paris, só se bebiam vinhos portugueses. E Vinho do Porto, claro.

quarta-feira, outubro 05, 2022

“Cícero”


Cícero Dias foi um excelente pintor pernambucano, da época do modernismo. Alguém decidiu homenageá-lo em Lisboa, criando um restaurante-bistrot em Campo de Ourique, chamado “Cícero”. Fica na rua Saraiva de Carvalho, no local onde esta artéria cruza com a Tomás da Anunciação. Os proprietários, recheados de bom gosto estético, criaram, num espaço limitado, quatro áreas diferenciadas. A obra de Cícero Dias é evocada por lá.

(Imagino que os proprietários do restaurante não façam a menor ideia de que a casa onde se instalaram alojou, por muitos anos, uma empresa brasileira, a Dimep, criada pelo português Dimas de Melo Pimenta, dedicada ao fabrico de relógios industriais. Por que sei isto? Porque a Dimep foi objeto de uma intervenção estatal, em 1975, no auge da Revolução portuguesa. E porque tive como tarefa, como jovem diplomata, dois anos mais tarde, secretariar uma comissão inter-ministerial luso-brasileira que teve de tratar de essa e de outras questões similares. E guardei para sempre o nome da Dimep (e do Pão de Açúcar) como uma delas.)

Voltando ao restaurante. A lista não é muito longa, mas está bem construída, com criatividade e muito saber. Se consultar o site, pode ficar a saber bastante, do menu aos preços: https://cicerobistrot.pt . Mas só ficará a conhecer mais se passar mesmo por lá, como eu fiz hoje, para almoçar, depois de ontem um amigo me ter falado do “Cícero”. Comi bem e gostei do serviço, muito profissional. Só posso desejar sorte à gente do “Cícero”.

Luís Moita


Quando revemos aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias, surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita.

Há muito que, à distância, eu sabia quem era aquela figura que, saída do catolicismo crítico, enveredara, entre outras, pela tarefa difícil, mas essencial, de ajudar à luta anti-colonial na terra do colonizador. A repressão, que bem conhecia a sua determinação, não o poupou.

Imediatamente após Abril, cruzei o Luís em algumas noites agitadas desses dias sem par. Mas, com a minha itinerância, os nossos destinos perderam-se, por algum tempo.

O Luís, com uma admirável coerência e grande dignidade, fez, a partir daí, o percurso cívico que a consciência lhe ditou, ligando-se, sempre com aquele contagiante entusiasmo juvenil que é o seu, a algumas causas que entendeu como nobres e necessárias.

Sempre do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes, o Luís foi fazendo o seu caminho, envolvendo-se em áreas da dinamização da sociedade civil, ao mesmo tempo que ia construindo uma carreira académica de sucesso.

Foi em alguma limitada ligação minha ao mundo universitário, a seu convite, na última década, que me aproximei mais do Luís. E em que desenvolvi com ele a forte relação de amizade que hoje nos une. Tenho, além disso, pelo Luís Moita, uma consideração e uma admiração que dedico a muitas poucas pessoas - e digo isto com grande sinceridade.

Durante anos, eu achava que o Luís “não tinha idade”. A sua vitalidade e capacidade de trabalho projetavam nele um “boyish style” que quase me levou a não acreditar quando, um dia, ele me convidou para a festa dos seus 80 anos.

A saúde pregou, entretanto, algumas partidas recentes ao Luís. O seu quotidiano futuro vai ter algumas limitações, o dia a dia já não vai poder ser aquilo que, até há pouco, foi e em que ele se sentia confortável. A universidade já não poderá contar com aquela sua generosa e proverbial disponibilidade. Mas, como canta o nosso amigo Fausto, “atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir”.

O espírito do Luís mantém-se, felizmente, inalterado: “O 5 de outubro não é só a proclamação da República, é também o dia do meu regresso a casa”, disse ele, há dias, aos amigos, numa SMS.

Bem regressado, Luís! A vida continua e os teus amigos estão muito felizes por te verem de regresso às lides. E, neste dia, em que te mando um forte abraço e um beijo amigo à Ana, sei que estás comigo num viva à nossa bela República!

terça-feira, outubro 04, 2022

“Country”


A “country music” tem um mundo de fãs muito estranho. Há quem lhe ache pouca piada, quem considere que aquele ritmo é pobre, repetitivo e adequado a um auditório pouco sofisticado. Não sou dessa opinião. Temos de colocar aquela música no seu ambiente próprio, que é o de uma certa América popular. O “country” tem grandes vozes, homens e mulheres, no seu caminho criativo, que tem quase 100 anos.

Hoje, com 90 anos, morreu uma das grandes cantoras da história do “country”, Loretta Lynn (na fotografia). O seu maior êxito é, na minha opinião, o “Coal miner’s daughter”, que, já há muitos anos, deu origem a um filme, protagonizado por Sissy Spacek.

Estava eu nesta conversa com um amigo, ao final da tarde de hoje, louvando a qualidade da desaparecida rainha do “country”, quando ele me contraditou, escandalizado: “Rainha do “country”?! A Loretta Lynn?! Ora essa! A rainha do “country” é a Patsy Cline! A longa distância!” Diga-se que Cline morreu em 1963, mas este meu amigo tem muito boa memória de ouvido. 

E assim ficámos. Pode ouvir a Loretta Lynn, no “Coal miner’s daughter” e a Patsy Cline, no seu clássico “Crazy”, uma balada de que eu também gosto muito. Mas não lhe disse, claro!

segunda-feira, outubro 03, 2022

Horário de trabalho

Quando é que terminam as férias da pessoa que o governo contratou para coordenar a sua política de comunicação?

“Fringe talks”


Começou ontem, em Birmingham, terminando na 4ª feira, a conferência anual do Partido Conservador britânico.

A recém-eleita líder “tory”, Liz Truss, vai ter ali uma difícil prova de fogo, imediatamente após ter recuado face a uma medida de extremismo liberal que provocou a revolta nas hostes conservadoras: a brutal redução de impostos para os mais ricos, a ser financiada com endividamento público. Truss já não vai ter uma segunda oportunidade para retificar a má primeira impressão que já deixou.

Vai para trinta anos, quando trabalhava na nossa embaixada em Londres, fui a uma dessas conferências, que teve lugar em Blackpool. O partido tinha saído do longo período de liderança de Margareth Thatcher e o governo era chefiado por John Major, o nome “lackluster” de compromisso encontrado pelos “grandees” do partido para evitar que Michael Heseltine, com credenciais europeístas, chegasse a primeiro-ministro.

Nesse tempo, a conferência anual dos conservadores era um dos poucos momentos em que as estruturas locais, as “constituencies”, tinham oportunidade de se misturar com quem, verdadeiramente, era o dono da condução da máquina partidária: o grupo parlamentar. Embora lhes competisse selecionar os candidatos a deputados, as bases conservadoras estavam então excluídas, por completo, de intervir na escolha do líder, usando a convenção como a rara oportunidade para passar a suas preocupações políticas. Nos dias de hoje, as coisas são um pouco diferentes, e bastante mais democráticas, como recentemente se constatou: os deputados, por eliminação sucessiva de candidatos, chegam a uma “short list” de dois nomes, competindo ao militantes, por voto secreto, escolher um deles para líder. Foi dessa forma que Liz Truss chegou, há semanas, à liderança.

As conferências são uma imensa “feira”, no bom sentido. Há, no plenário  animação, muita cor (com o azul predominante), tendo mais interesse e graça quando o partido está no poder. Algumas “constituencies” e alas ideológicas do partido organizam interessantes debates setoriais temáticos, os “fringe meetings”, de acesso livre, onde se expressam os defensores de linhas que estão longe do “mainstream” dominante no poder central, em Londres.

Lembrando (o que muitos ignoram) que o partido conservador também tem oficialmente no seu nome a palavra “unionista” (promotor da ligação da Irlanda do Norte à Grã-Bretanha), os debates sobre a temática irlandesa eram interessantíssimos, com o reverendo Ian Paisley em destaque, com a sua voz tonitruante. A Europa era, já então, bem diabolizada, com figuras como Bill Cash e outros eurocéticos (a quem Major chamava, em privado, os “bastards”) a darem o tom. Nesses escassos dias em Blackpool, aprendi mais sobre os conservadores britânicos do que em muitas horas de leitura de livros ou jornais. E fiquei fã, não dos conservadores (credo!), mas do acompanhamento possível das suas conferência, mais serenas nos liberais-democratas, mais ideologicamente bizarras, no limite do extremismo heterodoxo, nos antigos trabalhistas.

Nesse ano, nos corredores de um desses "fringe meetings", entre os quais eu saltitava para apanhar os programas mais divertidos, com os oradores mais apelativos, numa troca de apresentações, num grupo de diplomatas, apertei a mão a um desconhecido que me disse:

- Sou o adido militar da Indonésia em Londres. De que país é?

- Sou um diplomata de Portugal. E quero dizer-lhe que acho muito curioso conhecer um militar indonésio. Nem imagina quanto, por estes dias, se fala dos militares indonésios lá pelo meu país...

O massacre de Santa Cruz, levado a cabo pela repressão militar indonésia em Timor, estava na memória recente de todos.

Disse aquilo e fiquei impávido. O homem olhou-me, de esgar vidrado, sem saber como reagir. Outros colegas estrangeiros, rápidos na perceção da situação, ficaram à espera de um qualquer "follow-up". Que não houve, claro. Cada um de nós foi para seu lado.

Impressões

Liz Truss não terá uma segunda oportunidade para poder criar uma primeira impressão à frente do seu país. E a primeira impressão que deixou não foi brilhante.

Lição

No Reino Unido, nos últimos dias, aconteceu uma dispendiosa aula prática sobre a diferença entre o radicalismo liberal e o conservadorismo.

Borla esterlina

O governo britânico foi obrigado a ceder na sua proposta de dar uma “borla” aos cidadãos mais ricos, para estimular a economia. O crescente mal-estar no seio dos conservadores forçou o recuo. Resta agora esperar para ver o impacto que tal vai ter no comportamento dos mercados.

Kupiansk

Anda aí uma polémica séria sobre um plágio no “Público”. O tema é interessante, embora triste. Lembrei-me dele agora, ao ver no jornal o nome de uma cidade na guerra da Ucrânia: Kupiansk.

Dois amores

O espetro de representação partidária nas duas câmaras legislativas brasileiras favorece Bolsonaro, em detrimento de Lula, para a governação nos próximos quatro anos. Será assim? Quando os partidos se sentarem à mesa do orçamento, com quem ganhar, os alinhamentos irão às urtigas.

domingo, outubro 02, 2022

O dia seguinte

Lula vai ganhar. Mas, no final, como aconteceu nos EUA com Trump, iremos olhar para os largos milhões de brasileiros que votaram Bolsonaro. E, para o futuro que aí vem, Lula terá que pensar que essas pessoas são, em regra, muito diferentes de quantos votaram Serra, em 2002.

Guerra e Paz

O Comité Nobel de Oslo, terra do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, irá nomear um Prémio Nobel da Paz 2022 que nos surpreenda?

O ridículo também mata

Nesta guerra, os responsáveis russos expõem-se a um imenso ridículo. Ouvir o Ministério da Defesa russo dizer que a retirada de Lyman foi feita para assegurar “more advantageous lines” vai acabar por ganhar o prémio do “understatement” do ano.

Depois do Xá


Chico Buarque, há muitos anos, escreveu sobre as mulheres de Atenas. Ninguém escreve sobre a coragem magnífica das mulheres de Teerão?

Voto no Bolso

Não quero desiludir os meus amigos lulistas, mas gostava de lembrar que, há quatro anos, Bolsonaro teve mais votos do que as sondagens previam. Vai perder, é óbvio, mas a possibilidade de ser só no dia 30 de outubro é elevada. Mas nunca se sabe, né?

O discurso do rei

A imprensa inglesa diz que a presença do rei na cimeira do clima, onde faria uma intervenção sobre o tema de políticas públicas que mais o motiva, foi desaconselhada pela primeira-ministra Liz Truss. 

Até aqui, tudo normal, até porque o rei teria de ler exatamente o que o governo quisesse e não o que tivesse a veleidade de pensar. A questão é outra: está em saber se Truss não se estará a preparar para recuar nos compromissos climáticos, afastando-se de alguns parceiros ocidentais.

sábado, outubro 01, 2022

Lula


Em 1989, por esta altura, fui de férias ao Brasil. Decorria uma campanha presidencial. Por dias, fiquei colado à televisão, arruinando horas de programas turísticos organizados por amigos. Tudo aquilo, à época, era, para mim, uma coisa nova, comparada com a cansativa política portuguesa. Começou ali a minha descoberta da imensa diversidade da vida política de um Brasil de novo em liberdade.

O favorito do sufrágio, que depois seria o seu vencedor, era Collor de Mello, um candidato “penteadinho”, com ar kennedyano e discurso plástico, claramente promovido pela Globo e pelos poderes fácticos do dinheiro. (Três anos depois, os escândalos afastá-lo-iam da presidência). O seu opositor era um sindicalista, Lula da Silva, então com um ar um pouco “troglodita”, barba larga e “look” quase ameaçador, dizendo, sem jeito mediático e o sorriso que a experiência lhe faria ganhar, algumas coisas que assustavam parte da classe média. 

Aquela campanha presidencial significou, verdadeiramente, o regresso à plena liberdade política, a consolidação da democracia, depois da aprovação de uma nova Constituição, o fecho de mais de duas décadas de sinistra ditadura militar.

Aquele era um tempo político magnífico para a vida cívica do Brasil! Ali assisti às campanhas de Ulisses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, Fernando Gabeira, Paulo Maluf e do bizarro Enéas, com os seus 15 segundos de antena (no Brasil, o tempo de campanha oficial depende da força dos partidos apoiantes), que quase só tinha tempo para dizer “Meu nome é Enéas”.

Collor ganhou, com Lula a fazer 47%. Em 1994 e 1998, Lula voltou a perder, ambas as vezes para Fernando Henrique Cardoso. Voltaria a concorrer uma quarta vez, em 2002, ganhando, dessa vez, a José Serra. Seria reeleito, em 2006, com 61%, tendo Geraldo Alckmin como principal adversário. Alckmin é hoje o seu candidato à vice-presidência. 

Estive no Brasil, como embaixador, durante parte do primeiro e do segundo mandato de Lula. Cheguei a Brasília num tempo, que já vinha de trás, de alguma euforia nas relações económicas bilaterais, com interessantes resultados de empresas portuguesas no mercado brasileiro.

Tive a sorte de poder criar com Lula uma boa relação pessoal. É uma pessoa cativante e muito agradável. Se muita gente do seu partido estava, e está, longe de ser fã das relações com Portugal, Lula foi sempre a exceção: nunca, nos quatro anos que estive no Brasil, deixei de contar com o seu permanente interesse em aprofundar as relações com Portugal. Testemunhei a atenção com que tratou interlocutores portugueses que foram ao Brasil, por esse tempo: José Sócrates, Mário Soares, Jaime Gama, Cavaco Silva, Jorge Sampaio e alguns outros. Não posso dizer o mesmo da atitude para connosco por parte da ministra que acabou por ser a sua sucessora.

Amanhã, Lula vai sair vitorioso da primeira volta das eleições presidenciais brasileiras. Se não parece muito plausível que a sua eleição possa acontecer nesta primeira volta, isso irá ocorrer, inevitavelmente, no dia 30 de outubro, no segundo turno, a menos que “o diabo vista farda”.

Lula pode ter muitos defeitos e nada garante que este seu novo ciclo político venha a ter o inegável sucesso que foram os seus oito anos de presidência. Mas tudo será seguramente melhor, para o Brasil, do que aquilo que se passou nos últimos quatro anos. E será bem melhor, para Portugal, ter Lula na presidência. O facto de André Ventura dizer o contrário conforta-me nesta minha certeza.

Governos

Há uma regra na política, desde tempos imemoriais: quando a oposição, política ou mediática, dá sinais de gostar muito de um ministro, é sinal de que a ação de tal governante está em óbvio contraciclo com o executivo de que faz parte. Esta regra quase nunca falha!

Rússia

É pouco plausível que a Rússia se arrisque a utilizar armamento nuclear tático na guerra da Ucrânia. A China já deu sinais de que a sua “neutralidade colaborante” não se manteria, nesse caso. Mas é crível que Moscovo enverede por uma muito maior violência em termos convencionais.

NATO

O diferente modo como cada Estado membro da NATO vai reagir ao pedido de adesão da Ucrânia acaba por criar a imagem de uma organização dividida, coisa que a não favorece e era perfeitamente evitável.

Falsa bandeira

Os tempos que correm recomendam muito que se conheça o conceito de operações de “falsa bandeira”. Trata-se de operações militares executadas por um dos lados, o qual, contudo, procura imputá-los ao outro lado, com vista a prejudicar a imagem pública deste. Estejam atentos.

Imperialismo do bem


Em Campo de Ourique, fecharam a Peixaria da Esquina e a Parreirinha do Minho. 

Continua, contudo, impante, a Imperial de Campo de Ourique, do meu amigo João Gomes.

Ao almoço de hoje, a dona Adelaide preparou-me por ali um bacalhau à minhota que estava de comer e chorar por mais. 

Mas não espalhem muito, porque as mesas são escassas!



Parabéns, Carlos Moedas!


A decisão de mandar retirar todos os cartazes que poluíam a paisagem do Marquês de Pombal, tomada pelo presidente do município Carlos Moedas, representou um ato corajoso e de grande valia cívica. Os lisboetas agradecem-lhe e aplaudem-no. 

Só um autarca do PSD poderia concretizar esta medida, porque havia sido precisamente o PSD a objetar, no passado, a uma similar proposta feita por uma gestão socialista.

Agora, não perdendo o balanço, é importante que haja uma rápida limpeza dos cartazes com a mesma natureza, um pouco por toda a cidade, das praças à 2ª circular e outras vias onde o olhar dos condutores, com os riscos que isso implica, vivem sob constante distração visual. O que se passa em frente à Assembleia da República é, em particular, uma vergonha para a dignidade daquele órgão do Estado! 

Lisboa poderá constituir, aliás, um bom exemplo para o resto do país. As cidades portuguesas não podem continuar a ser a selva visual que atualmente são. Os cidadãos devem ter direito a ter todos os seus espaços públicos limpos de material propagandístico, político e não só. O país não vive numa campanha eleitoral permanente e, quando isso acontece, como sucede nas democracias evoluídas, deve haver lugares próprios para colocação da sua propaganda, com tempo certo para a retirada desses materiais, com coimas se tal não acontecer. 

Se Carlos Moedas também vier a pôr ordem na praga das trotinetes (não apenas no trânsito, mas também na recolha, obrigando à sua acomodação pós-uso nos equipamentos próprios para parqueamento, o que é possível obrigando a que o desligar dos cartões de utilização só venha a ocorrer nesses pontos) e conseguir disciplinar a questão do ruído noturno em zonas com forte componente residencial, deixará uma marca de modernidade na sua gestão da capital. 

Parabéns, Carlos Moedas!

Artigo 5°


Fala-se muito do Artigo 5° do Tratado de Washington, constitutivo da NATO, e da reação que o ataque a um país membro pode vir a resultar por parte dos outros. Convém lê-lo bem e entender que a resposta armada não é assim tão automática.

Questões

Se a ambição russa passar a ser preservar as fronteiras das novas regiões anexadas, pode deduzir-se que zonas como Odessa deixam de ser alvos militares? Caiu assim o desígnio russo de vedar o acesso da Ucrânia ao Mar Negro? E o sonho da Transnístria de integrar a Rússia?

25 de novembro