sexta-feira, novembro 26, 2010

25 de novembro

Para alguns, será talvez um pouco estranho estar a escrever sobre uma data, dois dias depois da passagem da mesma. Mas, a pedido "de várias famílias" (como se dizia, noutro tempo, noutra imprensa), aqui fica a minha memória breve do 25 de novembro de 1975, já 35 anos depois dessa data.

O chamado "25 de novembro" configura uma espécie de resultante  final de toda a grande confrontação político-militar que se viveu ao longo do ano de 1975, em especial entre Março e Novembro, mas que tinha tido já afloramentos conflituais na questão da lei da "unicidade sindical" e nas discussões em torno do plano económico coordenado por Melo Antunes.

No "11 de março" desse ano, um setor ultra-conservador português, liderado pelo general António de Spínola, havia caído na "ratoeira" de tentar um golpe de Estado, sem preparação, o qual, de certo modo, havia sido antecipado pela chamada "esquerda militar", que então dominava as Forças Armadas. Recordo-me bem da frase proferida pelo almirante Rosa Coutinho, durante a assembleia do Movimento das Forças Armadas, nessa célebre noite: "Sabíamos que estavam a preparar qualquer coisa, assustaram-se e nós ficámos à espera que saltassem. E eles saltaram". Na sequência desse frustrado movimento, a Revolução portuguesa acelerou-se, foram decretadas nacionalizações e foi criado o Conselho da Revolução.

Já no "25 de novembro", seria o desespero de certos setores militares de extrema-esquerda, aliados à ambição irrealista de algumas estruturas civis, que levou a que viessem a cometer um erro simétrico: tentar um golpe militar, sem para tal terem criado um mínimo de condições para o seu sucesso. Neste caso, acabou mesmo por ser a esquerda militar moderada, pela voz de Melo Antunes, que impediu que alguns setores conservadores mais radicais, e outros conjunturalmente radicalizados, viessem a "explorar o sucesso" e, em especial, a promover a ilegalização do Partido Comunista - objetivo que chegou a ser encarado - ao afirmar que "a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável".

Entre o "11 de março" e o "25 de novembro", muita água correu sob as pontes políticas da vida portuguesa. Após a forte viragem à esquerda provocada pela derrota do golpe conservador de Março, tiveram lugar eleições para a Assembleia Constituinte, o resultado das quais mostrou, à evidência, que a opinião votante do país estava, esmagadoramente, num registo bem mais moderado do que aquele que prevalecia na respetiva gestão política. A legitimidade revolucionária era, pela primeira vez, posta em causa pela legitimidade eleitoral e esse confronto não deixaria de ter consequências. Fruto da agudização das tensões, o Partido Socialista e o então Partido Popular Democrático (hoje PSD) viriam a abandonar, sucessivamente, o IV governo provisório.

O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, cujo isolamento dentro das Forças Armadas se tornara crescente - e que era considerado como muito dependente do Partido Comunista Português (PCP) - decidiu então formar um novo governo (o V governo provisório) com uma representação política muito limitada, formado pelo PCP e por personalidades, civis e militares, os quais, na prática, eram seus "compagnons de route". Essa fórmula fracassou e, por essa altura, um conjunto moderado de militares - "o grupo dos nove" - afirmou-se como uma crescente alternativa à chamada "esquerda militar" (ligada ao PCP).

Vasco Gonçalves foi afastado e um conjunto diverso de circunstâncias (algumas com caráter bem caricato) acabou por colocar à frente de um novo governo pluripartidário o almirante Pinheiro de Azevedo. Os bloqueios político-sociais prolongaram-se por alguns meses, até que a já referida insensata aventura de alguns militares de extrema-esquerda, com a cumplicidade mais ou menos explícita de setores político-partidários, acabou por provocar uma confrontação, para a qual os setores moderados e conservadores das Forças Armada se haviam, entretanto, preparado. O contra-golpe vitorioso deu-lhes o poder militar e a solução pluripartidária de governo pôde prosseguir até às eleições legislativas de abril do ano seguinte.

O "25 de novembro" terá sido a derrota do "25 de abril", como alguns teimam em dizer? O "25 de novembro" abriu caminho a um desequilíbrio nas Forças Armadas que acabou por vitimar, política e militarmente, os setores moderados que foram responsáveis pelo seu êxito? Ou o "25 de Novembro" representou, no fundo, o "25 de Abril" possível na Europa de então?

Neste retrato, alguns podem dizer que falta a questão colonial e os jogos táticos que, no parecer de muitos, estiveram por detrás de certos "timings" desse fantástico "verão quente". Essa seria uma longa história, na qual seria talvez interessante fazer intervir também os interesses de Moscovo, de Washington e de certas capitais europeias. Mas, mais importante do que revisitar todas as teorias da conspiração - que existiu, vinda de vários setores -, talvez devamos convir em que a história do 25 de novembro acabou bastante bem. Essa é hoje, pelo menos, a minha opinião.

Geografias

Ontem, num jornal alemão, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin (que aqui em França se escreve sempre Putine), diz preconizar uma "comunidade harmonizada de economias, de Lisboa a Vladivostoque". A ideia é teoricamente apelativa e, se vista na perspetiva de uma zona de comércio livre, pode haver algumas condições para ser explorada. Isso implicaria, no entanto, a prévia adesão da Rússia à Organização Mundial de Comércio (OMC) e um conjunto de outros entendimentos que tivessem em conta as relações especiais que Moscovo tem com alguns Estados do seu "near abroad". Verdade seja que, em matéria de entendimentos entre a Rússia e o seu ocidente, já estivemos muito mais longe.

A expressão "de Lisboa a Vladivostoque" não deixa de lembrar, numa perspetiva mais moderada, a consagrada fórmula geopolítica utilizada pelo general de Gaulle, ao falar numa "Europa do Atlântico aos Urais". E, por graça, vem-me logo à memória a snobeira de um amigo, residente na linha do Estoril, que entendia que o conceito gaullista podia ser aperfeiçoado e se deveria falar na "Europa de Cascais aos Urais"...

A cada um a sua geografia.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Memória

Bruno Le Maire é uma figura em ascensão na vida política francesa. Com 41 anos, é ministro da Agricultura, depois de ter sido secretário de Estado dos Assuntos Europeus e trabalhado de muito perto com Dominique de Villepin.

Dando curso a uma tradição comum a muitos homens de Estado franceses, Le Maire escreve. E escreve muito bem. Publicou já três livros, dois deles ligados a memórias do trabalho político ("Le Ministre" e "Des Hommes d'Etat") e, mais recentemente, um outro, de diferente natureza, intitulado "Sans mémoire, le présent se vide". Li os dois primeiros (citei aqui um) e estou a ler o terceiro.

O aspeto curioso deste livro é que, ao longo de todo o texto, surgem frequentes referências à obra de José Cardoso Pires "De Profundis, Valsa Lenta". O tema da memória, como sustentáculo indispensável para a vida, é tratado por Le Maire de uma forma muito interessante, indo buscar à experiência trágica revelada na admirável obra de Cardoso Pires a inspiração para algumas ideias que desenvolve.

Em Portugal, com muito honrosas e raras exceções, os nossos políticos escrevem muito pouco. E é pena.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Hoje

Hoje, vão-me permitir que este seja o meu único post.

Rede diplomática

Paulo Gorjão é diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) e, desde há anos, mantém grande atenção sobre a política externa portuguesa, para além de ter estudos sobre outros aspetos das relações internacionais.

Hoje, no jornal "i", Paulo Gorjão faz uma reflexão sobre a rede diplomática do nosso país e as eventuais mudanças a que pode ser sujeita. É um texto que, a meu ver, merece ser ponderado, sem prejuízo de, num ou noutro ponto, eu discordar das soluções que adianta. Mas a seriedade deste exercício, levado a cabo por quem não é da profissão, merece ser sublinhada.

Leiam aqui.

terça-feira, novembro 23, 2010

Cartões

Não lhes digo o nome do país de origem daquele divertido diplomata. Ele olhava para a profissão com uma visão lúdica, atitude pela qual pagara já alguma coisa, em termos de promoções e de postos - porque a justiça divina às vezes funciona. Era sempre um momento garantido de boa disposição encontrá-lo em cocktails ou jantares, ouvir as suas anedotas ou historietas de férias fantásticas, que se gabava de conseguir prolongar bem para além dos dias a que tinha direito. Tudo menos falar de "serviço", de política local (salvo os mexericos, claro!) ou internacional, de coisas mais sérias: nunca estava a par de nada, achava-nos, uns "chatos workaholics", uma versão diplomática dos "stakhanovistas". Quando provocado, repetia a frase clássica de Talleyrand - "surtout pas trop de zèle" -, expressão que os diplomatas calões (e ignorantes do significado real da mesma) às vezes utilizam, para bem merecerem o seu lema, corruptela do do infante dom Henrique: "talent de rien faire".

Como em qualquer outra profissão, também há, em todas as carreiras diplomáticas do mundo, uma minoria que ainda é assim: pouco dispostos ao trabalho, ligando o mínimo àquilo que lhes compete fazer, sem iniciativas, fugindo aos empresários, puxando "de arma" a quem lhes fala de cultura, olhando com sobranceria os seus nacionais residentes no país onde estão acreditados. São os que chegam tarde, que partem cedo, que fazem longas horas de almoço, que desaparecem os fins-de-semana, que desligam os telefones fora do serviço mas passam o tempo agarrados a eles lá dentro, que inventam pretextos para nada fazer depois do "from-nine-to-five" (ou melhor, "from ten-thirty..."),  que ficam fulos quando têm de ir a um aeroporto receber alguém a horas tardias ou matutinas. Alguns não fazem qualquer "representação" ou confundem-na com a sua própria vida social, permanecem vidrados no culto exacerbado de um estilo e, invariavelmente, identificam a carreira com os seus sinais exteriores. Escrevem pouco e ainda lêem menos. Quando se lhes pergunta alguma coisa, "vão ver", nunca sabem nada à primeira.

Muitas vezes - diga-se! - acabam por ser gente ótima para o convívio e para a amizade. Era o caso desse nosso amigo, cidadão de um país simpático, embora, pelos vistos, uma pátria pouco exigente com os seus servidores públicos.

Um dia, à saída de uma receção, vi-o numa conversa, às gargalhadas, com outro colega, também estrangeiro. Perguntei a razão da graça: era uma história de cartões de visita. O nosso homem explicou-me então, pedindo-me segredo, a brincadeira a que tradicionalmente se dedicava nessas ocasiões.

No bolso direito do casaco, trazia os seus próprios cartões de visita. Quando trocava cartões com alguém, ia colocando os que recebia no bolso esquerdo. Durante uma receção, se alguém lhe entregava o um cartão, esse meu colega optava: se era uma pessoa que tinha eventual interesse em rever, tirava do bolso direito um seu cartão pessoal e entregava-lho. Porém, se era alguém desinteressante, que não pretendia voltar a ver, ia ao bolso esquerdo e dava-lhe... um dos cartões que antes tinha recebido de outra pessoa! Se acaso o seu interlocutor notava o erro, pedia desculpa e dizia ter sido confusão.

Continua a haver este estilo de diplomatas. São já muito poucos, até porque o grau de exigência profissional não permite facilmente o "bluff". Mas, por vezes, ainda os encontro por aí... 

Literatura de guerra

Toda a guerra suscita compreensíveis emoções. As guerras colonais que Portugal disputou em Angola (a partir de 1961), em Moçambique e na Guiné (estas últimas depois de 1964) representaram um período muito importante da história portuguesa, estando na génese do próprio movimento de 25 de abril de 1974. As guerras mudaram o país e, de uma forma muito nítida, mudaram também os portugueses que nelas intervieram. Mortos, feridos, deficientes e traumas de guerra marcaram uma geração de sacrifício, a qual inclui quantos tiveram de procurar no estrangeiro acolhimento para fugir a participar num conflito que nada lhes dizia ou à penúria de um país que se arruinava nessa aventura insensata.

A Revolução de abril como que procurou exorcizar essa tragédia, pela indução no país de um movimento coletivo de esperança num futuro melhor. Mas os sentimentos dos "retornados" e dos soldados que sofreram esse período ainda estão presentes em muitos setores da sociedade portuguesa, por muito que mais de três décadas nos distanciem do momento em que ele terminou. A guerra só acaba, dentro das pessoas, muito depois do cessar-fogo.

Não há muita literatura, em língua portuguesa, sobre as guerras coloniais portuguesas da segunda metade do século XX (outras houve, no passado). Ontem, a Fundação Gulbenkian, em articulação com universidades francesas onde a cultura portuguesa se investiga e estuda, trouxe a Paris João de Melo e Carlos Vale Ferraz, dois escritores portugueses que colocaram em vários romances a sua vivência pessoal como militares nesse período - "atores e autores da História". Julgo que foi importante ouvi-los, embora seja mais importante lê-los, se possível em contraponto com os testemunhos de escritores oriundos das guerrilhas independentistas das antigas colónias, aqueles que nos dão a visão "do outro lado". Como é "dos livros", só nos percebemos completamente quando nos reconhecemos no olhar dos outros sobre nós.

segunda-feira, novembro 22, 2010

NATO

Não é fácil proceder à transformação de uma organização de defesa e segurança coletiva, com membros mais recentes que para ela carreiam outra cultura estratégica, no quadro de um cenário mundial em rápida mutação de ameaças. Particularmente num tempo em que se procura restaurar a confiança num parceiro exterior originário de uma entidade internacional que, não há muito, era a preocupação maior da própria organização.

Em Lisboa, no passado fim de semana, a NATO deu uma prova de uma maturidade que, há alguns anos, muitos duvidassem que ainda pudesse vir a ter, balcanizada que estava por tensões que a paralisavam e aparentando uma mera reatividade. Com esta cimeira, com a aprovação de um novo e mais concreto "conceito estratégico", a NATO provou que conseguiu ultrapassar o período de alguma indecisão de objetivos que marcou o percurso percorrido desde a "guerra fria".

Tudo isto foi possível - diga-se -, em grande parte, graças aos Estados Unidos e à liderança do presidente Obama, que teve a coragem de pôr termo a fórmulas datadas da administração Bush e conseguiram desenhar com Moscovo um modelo onde a generalidade dos Estados da Aliança se podem sentir confortáveis. Da Rússia espera-se, agora, uma atitude aberta de colaboração, geradora de confiança.

As núvens não desapareceram por completo do horizonte da NATO, até porque a incógnita afegã se prolonga e os meios para suportar a estrutura atual da organização, ainda que redefinida, são escassos para as finalidades e com aspetos importantes ainda por discutir. Mas o que parece ter ficado claro é que, não obstante as reticências de alguns e as suspeições residuais de outros, começa a definir-se um novo terreno de segurança cooperativa que federa as nossas comuns debilidades perante o quadro de ameaças potenciais. É irónico dizê-lo, mas, às vezes, somos levados a concluir que o temor é uma ajuda à congregação de vontades.

Portugal esteve, uma vez mais, à altura do desafio que a si mesmo se impôs, de realizar uma das mais importantes cimeiras da história da organização e, nesse contexto, conseguir preservar o essencial dos interesses que nela tem afirmado, alguns desde a sua fundação. A diplomacia portuguesa provou, uma vez mais, a sua capacidade de levar a bom porto um projeto bem complexo e exigente. A quem não consegue ver isto não vale a pena explicar nada.

domingo, novembro 21, 2010

Aeroporto

- O embaixador vem? Ó diabo! Então temos carro, telhas ou contínuo!

Não percebi logo a observação irritada do governante português, que eu acompanhava, em resposta à indicação, dada pelo seu chefe de gabinete, de que o nosso embaixador naquela capital europeia, onde mudaríamos de avião, iria aparecer na "sala vip", durante a escala de cerca de duas horas que aí faríamos, vindos sei lá de onde, a caminho de Lisboa. O nosso avião estava prestes a aterrar, pelo que o governante das Necessidades, ao ver a perplexidade que a sua observação provocara em mim, explicou:

- É que os seus colegas, sempre que me apanham de passagem por algum país, fazem de mim uma espécie de "muro das lamentações", trazendo-me os problemas que não conseguem resolver diretamente com os serviços, lá em Lisboa. Como se eu pudesse andar a despachar pelo caminho! É o carro que é velho, é o contínuo que falta, é o orçamento para as obras no telhado! Começo a estar farto!

Nessa como em outras ocasiões, eu notara já que os governantes perdem a paciência, com frequência, quando são "apanhados" para questões de "intendência", no decurso de uma viagem. Muitas vezes cansados, sem nenhumas respostas à mão, reagem mal a terem de tomar conta do pedido ou chamar os membros dos gabinetes que os acompanham para apontar a questão. Muitos anos mais tarde, eu fui vítima desse assédio. Talvez por isso, aprendi: hoje, como embaixador, gabo-me de nunca ter incorrido nesse pecadilho, precisamente porque sei bem "do que a casa gasta"...

Assim, nessa madrugada, à saída do avião, a cara com que o nosso governante olhou para o pobre do meu colega, que se havia tirado dos seus cuidados e dos seus lençóis àquela indigesta hora matutina, estava longe de ser a mais simpática. Seguimos para a "sala vip". Um boa meia-hora depois, vejo o embaixador debruçado sobre o ouvido do governante, que continuava com um ar de poucos amigos.

Regressados ao avião, não me contive:

- Desculpe a minha curiosidade, se calhar não devia estar a perguntar isto. Mas, afinal, o que queria este embaixador? Vi-os numa longa conversa...

O governante sorriu:

- Queria apenas outro posto. E nem pediu "muito". Sempre é melhor que querer reforço do orçamento, do pessoal ou um carro novo. É que quem manda em tudo isso são as Finanças.

Sábias palavras!

sábado, novembro 20, 2010

Trópicos

Escândalo! Leitor/a atento/a do "Diário da República", um/a  anónima profissional de um jornal "de referência" indignava-se ontem com o facto de Portugal ter acabado de designar um "experiente embaixador de topo" para "a representação diplomática portuguesa em Samoa", um pequeno país do Pacífico. 

O/a jornalista, qual escrutinador zeloso do Tribunal de Contas, mostra a sua indignação e diz que o facto "está a ser visto" (por quem?) como "um degredo ou um ato de despesismo puro e duro", "em tempos de contenção e numa altura em que se fala de fecho de embaixadas e consulados".

Será por falta de tempo ou será por outras razões que o/a jornalista não cuidou em informar-se, junto do MNE ou da Presidência da República, sobre a razão dessa "bizarra" nomeação? Se o tivesse feito, saberia que Portugal não tem, naturalmente, nenhuma "representação diplomática" na Samoa e que o credenciado embaixador é o nosso representante diplomático na Austrália, onde reside. A ele cabe, por inerência de funções, ser acreditado junto de todos os restantes Estados independentes existentes no Pacífico, nos quais, como é óbvio, não existe qualquer representação portuguesa, mas com que o nosso país mantém relações diplomáticas. Relações essas - diga-se - que nos garantiram um significativo voto dos Estados do Pacífico na nossa recente eleição para o Conselho de Segurança na ONU.

Eu e os leitores deste blogue vamos esperar sentados para ver o/a jornalista, com destaque idêntico ao dado a esta escandalosa e "despesista" nomeação, fazer o seu mea culpa e pedir desculpa pelo erro em que induziu os seus leitores.

Lusofonia

Acabo de ter conhecimento do blogue Estudos Lusófonos, criado por professores da Sorbonne.

Bela iniciativa, à qual desejo muita sorte.

Sono

Um das boas cabeças diplomáticas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que bem nos tem representado em Timor-Leste, tombou ligeiramente de sono durante uma cerimónia pública. A foto do "acontecimento", bem como a graça do presidente Ramos Horta ter aproveitado para registar também o instante na sua máquina, andam a correr o nosso mundo, da blogosfera ao jornalismo.

Esta é talvez a ocasião de dizer que vale mais o embaixador Barreira de Sousa a dormir do que muitas pomposas e ridículas figuras, que agora o podem criticar, bem acordadas.

Há anos, uma grande personalidade política, cujo nome agora não me ocorre, e que estava ao meu lado num painel, pediu-me que a despertasse, se acaso viesse a cochilar durante a intervenção do orador seguinte. Foi "tiro e queda": segundos depois, tive mesmo de desligar discretamente o microfone que tinha em frente, porque já ressonava baixinho...

25 de abril no Monaco


Divertiu-me imenso, ontem, à chegada formal dos embaixadores ao palácio do Príncipe monegasco, nas cerimónias nacionais anuais, sermos recebidos por uma banda musical que tocava o "A life on the ocean wave" - a marcha militar britânica* que, entre nós, ficou ligada ao 25 de abril.

Os meus colegas estrangeiros não percebiam a minha boa disposição!


*Um atento leitor esclareceu-me que a marcha não é americana, mas sim britânica, o que explica as horas que eu perdi em Nova Iorque a tentar descobri-la nos hinos americanos... E o nome exato é como agora figura. Estamos sempre a aprender e o seu é devido a seu dono.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Caixa

Faz hoje 39 anos, dia por dia, que entrei para a função pública. Para a Caixa Geral de Depósitos, que tinha então a sua sede no majestoso edifício do Calhariz, onde eu passei a trabalhar no "serviço de títulos".

As regras eram à antiga. Entrava-se às 9.30. Às 9.35, o senhor Marques, chefe da secção, recolhia o livro de ponto. Para o assinar depois, era necessário justificar o atraso e penitenciar-se pelo mesmo. A hora de saída, para almoço e à tarde, era, também, sagrada. Cinco minutos antes do encerramento do expediente, o Serra, na secretária ao meu lado, sacava invariavelmente de um pano de feltro para limpar os sapatos que, logo depois, apontavam para a porta, para onde disparava quando o ponteiro do relógio tremia nas 17.30.  Ah! e trabalhava-se nas manhãs de sábado!

Ao almoço, espalhavamo-nos pelas tascas da zona, em grupos variáveis. Se o sol aparecia, escostavamo-nos, antes do regresso ao trabalho, pelos passeios em frente, apreciando o "pequename" que passava. Eu aprendia a vida com quem a vivia com dificuldades bem maiores do que as do episódico colega que eu era, futuro licenciado, olhado como figura passageira pelos colegas, entre os quais fiz - diga-se - sólidos amigos.

O meu curso universitário prosseguia entretanto, como "estudante voluntário". No primeiro ano, para fazer as "frequências", tive de pedir autorização excecional para as escassas ausências. Mais tarde, foi necessário utilizar os dias de férias, para poder  estar presente a esses exames. Dispensa para aulas ou exames era, então, uma miragem.

No concurso público de entrada, algum domínio da escrita terá compensado falhas na área da contabilidade. Antes de ser admitido, li e assinei, sob o olhar atento de um antigo ministro de Salazar, uma declaração onde atestava o meu "ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas". No meu bolso, recordo-me bem, levava um livro de Engels, das Éditions Sociales. 

O trabalho era sereno, burocrático, sem surpresas. Nem muito exigente, nem deixando tempo para "calaceirices". Essas ficavam para colegas antigos, "primeiros oficiais", com mais "ronha", alguns eternamente parados nas suas secretárias ou saltitando em conversas, sempre sob o olhar crítico do senhor Marques, que prescutava as várias áreas do imenso "open space" por onde nos distribuíamos. 

Os contínuos, o Rui e o Abrantes, forneciam-nos, regularmente, uma caneta Bic. Quando a respetiva carga acabava, trocavamo-la por outra igual, devolvendo a velha, claro está! Nas horas vagas, tentavam impingir-nos relógios Cauny, com preços "de favor".

Às segundas-feiras, dominava o futebol. Não se falava muito de política, salvo com  o Aldeia e com o Murta, amigos com quem essa maior intimidade entretanto se criara. Dois ou três sabiam que a minha eleição não tinha sido "homologada", por duas vezes, como dirigente associativo universitário, e que isso me tinha criado "problemas", sobre os quais nunca elaborei muito Com eles, mantinha alguma cumplicidade, pela comunhão de que "isto" tinha de mudar, mais cedo ou mais tarde. As vigorosas manifestações do sindicato dos bancários, do qual não podíamos ser associados por sermos funcionários públicos, eram comentadas com todo o cuidado, porque as paredes tinham ouvidos. As paredes e alguns "fachos" que nos rondavam, que pressentíamos poderem ser perigosos.

Pela véspera de Natal, o chefe de repartição, o senhor Trancoso, que durante todo o ano assomava uma meia dúzia de vezes à nossa sala, quase sem nos olhar, colocava-se junto à saída para um excecional  aperto de mão anual de favor. E, de 26 até 31 de Dezembro, lá estávamos nós, em horas extraordinárias (não pagas aos novatos), para tentar garantir os "acertos" para as contas do ano ficarem exatas.

Era assim a vida de um bancário público, nos tempos do Estado Novo. Nostalgia? Nenhuma, podem crer. Mas, hoje, lembrei-me.

Manias

Tive um amigo, infelizmente já desaparecido, que colecionava daquelas papeletas de "Não incomodar", para pendurar nas portas dos quartos de hotéis. Numa altura em que a minha vida me fez viajante frequente, implorava-me que lhe arranjasse novos modelos e, de tempos a tempos, queixava-se se eu o não fornecia de novo material. Tendo-lhe feito a vontade algumas vezes, cansei-me, a certa altura, da vergonha que já sentia em surrupiar esses anúncios. Nunca soube o que aconteceu à sua, seguramente apreciável, coleção.

Vem isto a propósito de um outro conhecido, diplomata estrangeiro, que um dia visitei na capital do seu país. Depois de um magnífico jantar que me ofereceu, quis que fôsse beber um copo lá a casa. A certo passo, ao fazer o "tour du propriétaire", mostrando-me o belo apartamento, disse-me, com ar misterioso:

- Quero que vejas aqui um espaço especial.

Era uma espécie de arrecadação. De início, pensei tratar-se de uma zona "proibida", alguma videoteca de vícios escondidos, coisa só "para homens". Mas não. Eram livros. Algumas centenas. Ao fundo da divisão, havia uma parede inteira de estantes, quase completamente preenchida, com volumes quase todos de tons sombrios. Pensei: "vêm por aí os clássicos anónimos do século XIX, Sacher-Masoch, Sade, Miller, Louys, Bataille ou Anais Nin".

- Sabes o que tenho aqui? Bíblias! Todas "sacadas" de hotéis, em várias línguas, nas minhas viagens pelo mundo. Quase 500. Não achas que é uma bela coleção?

Eu achava, claro! Cada um tem a sua mania...

quinta-feira, novembro 18, 2010

Dores

Eu sei que o jogo era amigável, que não contava para nenhuma competição. Mas ganhar desta forma à poderosa equipa de Espanha, campeã do mundo e da Europa, com justiça e brilho, é um estímulo de grande importância para um grupo de jogadores que tinha sido levado à debilidade anímica ao tempo da gestão do senhor Queirós.

Ao ver o andamento do resultado, não consegui, contudo, deixar de lembrar os 9-0 por que perdemos em 1934.

Apenas me interrogo sobre que raio de diferença haverá entre o joelho de Pepe (belo jogo!) e o meu, tratados pela mesma equipa médica com efeitos tão contrastantes...

quarta-feira, novembro 17, 2010

Maria João

Já a não ouvia, ao vivo, há muito tempo. Ontem, numa manifestação dos centros culturais estrangeiros em Paris, em que o nosso Instituto Camões participa, Maria João e grupo Ogre deram-nos quase duas horas de uma sonoridade por onde perpassou jazz, música brasileira, sons africanos e, acima de tudo, uma das grandes vozes portuguesas. Um espetáculo muito prestigiante para a imagem de Portugal.

Deixo-lhes a canção com que o espetáculo encerrou: a "Torrente".

terça-feira, novembro 16, 2010

Da ironia e do humor

Um bom amigo, pessoa que sofre as coisas da vida com uma seriedade asceta, dizia-me há dias que eu deveria refletir sobre se não haveria uma excessiva "leveza" humorística na escolha de algumas coisas que aqui publico e no estilo com que as trato, porventura pouco consentâneos com a gravidade dos tempos por que passamos. Assim, no parecer desse meu leitor, afetivamente atento, eu deveria cultivar um estilo mais sóbrio - ele não disse, mas eu presumi-o, mais "embaixadorial" - e seco, quiçá devendo optar para, por este intermédio, fazer chegar à Pátria o sumo destilado do que vou aprendendo por este posto, tido por privilegiado, de observação.

Descanse o amigo. Sirvo diariamente à Pátria as reflexões que creio poderem ser úteis a quem a gere. Isso é feito pelas vias adequadas, embora eu próprio me interrogue sempre sobre a real utilidade daquilo que remeto a Lisboa - com desvelo informativo, zelo burocrático e o mínimo possível de erros de ortografia.

Mas este blogue, volto a repeti-lo, não tem grandes pretensões. Ou melhor: tem - isso sim! - nos seus objetivos escondidos (gosto mais do termo britânico "hidden agenda") a finalidade de ajudar quem o escreve e quem o lê a suportar a quase endémica acidez dos espíritos que a digestão da dura realidade quotidiana a todos provoca. A vida já é o que é. Valerá a pena torná-la mais sombria, retratando-a a  tons negro e cinza? Ou não será preferível servir algumas pílulas de ironia e humor qb, por forma a que algumas das nossas rugas passem a ser devidas a sorrisos, em vez de resultarem das preocupações? Estou consciente de que não consigo controlar todos os efeitos secundários do que por aqui sirvo. Mas, como rezam todas as bulas, eles variarão sempre de pessoa para pessoa...

Fado

Um comité intergovernamental da Unesco acaba de qualificar o "repas gastronomique des Français" como "património imaterial da Humanidade". 

Para o ano, o fado vai entrar nesta compita. Estou confiante. Em matéria de imaterialidade patrimonial, o nosso fado dificilmente será batível em 2011. 

segunda-feira, novembro 15, 2010

Castanhas amargas

Aquela portuguesa de Trás-os-Montes que se me dirigiu na noite de sexta-feira, depois de uma conferência que proferi sobre a República, nos arredores de Paris, disse-me algo que me surpreendeu: pediu-me para ser melhor tratada em Portugal.

De início, pensei que se estava a referir aos nossos serviços públicos. Não -  esclareceu -, estava a sublinhar o facto de pessoas como ela, nascidas em Portugal e residentes em França já há algumas décadas, serem acolhidas com alguma displicência, em especial em serviços comerciais, aquando das suas deslocações ao nosso país, pelo facto da língua portuguesa que falam não ser tão correta como aquela que é praticada pelos portugueses de lá. Com tristeza, referiu-me que esse é o sentimento comum a muitos emigrantes que visitam Portugal, onde, logo que identificada a sua origem, ocorre serem recebidos com alguma má-vontade. Esta atitude já terá sido pior no passado, mas continua a persistir em certas vilas e cidades.

Como transmontano, recordo-me de casos, anos atrás, em que teria havido algumas situações de tensão, envolvendo emigrantes em férias de verão. Pensava, porém, que se tratava de coisas passadas, de ocorrências meramente pontuais, sem grande relevância ou frequência. Devo confessar que fiquei chocado com o genuíno sentimento de tristeza desta portuguesa, a qual, pelos vistos, continua a sentir-se regularmente "agredida" por alguns dos seus e nossos compatriotas.

Neste tempo em que todos por aqui procuramos mobilizar o interesse dos luso-descendentes, de segunda ou terceira geração, por Portugal, mesmo que apenas falem francês, acho de uma inaudita estupidez que haja quem receba com desdém quem, pelo culto que tem ao seu país, procura visitá-lo e estimular para ele o interesse dos seus filhos.

Esta surpreendente conversa com a minha conterrânea transmontana, nessa noite de S. Martinho, foi acompanhada de água-pé e castanhas que, desta vez, me pareceram mais amargas.

Adeus, "Expresso"!

O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à ...